Prescrição e decadência no âmbito das prestações da Previdência Social: novas reflexões em face dos precedentes do STF e do STJ

Autor: João Batista Lazzari

Juiz Federal Presidente da 3ª Turma Recursal dos JEFs em Santa Catarina, Juiz integrante da Turma Regional de Uniformização da 4ª Região e da Turma Nacional de Uniformização dos JEFs, Doutorando em Ciência Jurídica pela Univali, Professor de Direito Previdenciário da Esmafesc e da Escola de Magistratura da Amatra12

 publicado em 18.12.2013



Resumo

Este artigo trata da aplicação dos prazos de prescrição e decadência no âmbito das prestações da Previdência Social. As regras de incidência são objeto de análise diante da atual orientação jurisprudencial fixada pelos tribunais superiores. A validade da prevalência do prazo decadencial de revisão de benefícios é questionada frente ao direito adquirido de reconhecimento e contagem do tempo de contribuição. Defende-se a aplicação da decadência de forma restrita.

Palavras-chave: Direito Previdenciário. Prescrição. Decadência. Benefícios. Aplicação restrita.

Abstract

This article deals with the application of limitation periods and decadence in the context of Social Security benefits. The rules of incidence are object of analysis before the current jurisprudential orientation fixed by superior courts. The validity of the prevalence of the decadencial term of revision of benefits is questioned opposite the acquired right of recognition and counting the time of contribution. The application of decadence in a restricted manner is defended.

Keywords: Social Security Law. Limitation period. Decadence. Benefits. Restricted application.

Sumário: Introdução. 1 Prescrição do direito a prestações. 2 Decadência do direito à revisão dos benefícios previdenciários: evolução legislativa. 3 A aplicação do instituto da decadência em matéria previdenciária. 3.1 Aplicação do prazo de decadência nas ações para reconhecimento de tempo de contribuição. 3.2 Aplicação do prazo de decadência nos pedidos de desaposentação. 3.3 Prazo para revisão do benefício antecedente em caso de pensão por morte. 3.4 Hipóteses de aplicação do prazo de decadência na via administrativa. 4 Prazo decadencial para o INSS rever seus atos. Considerações finais. Bibliografia consultada.

Introdução

Este artigo trata dos institutos da prescrição e da decadência, cujos conceitos são buscados na doutrina civilista.

Segundo Washington de Barros Monteiro, citando Clovis Bevilacqua, “prescrição é a perda da ação atribuída a um direito, e de toda a sua capacidade defensiva, em consequência do não uso dela, durante determinado espaço de tempo”.(1)

Já a decadência, segundo o mesmo estudioso do tema, é observada quando “o direito é outorgado para ser exercido dentro em (sic) determinado prazo; se não exercido, extingue-se”. É dizer, “a prescrição atinge diretamente a ação e por via oblíqua faz desaparecer o direito por ela tutelado; a decadência, ao inverso, atinge diretamente o direito e por via oblíqua, ou reflexa, extingue a ação”.(2)

A aplicação desses prazos tem regulamentação especifica no âmbito previdenciário, cujas regras são objeto de análise diante da atual orientação jurisprudencial fixada pelos tribunais superiores.

Questiona-se a validade da prevalência do prazo decadencial de revisão de benefícios frente ao direito adquirido de reconhecimento e contagem do tempo de contribuição, mesmo quando superado o lapso decenal da concessão dos benefícios.

O conteúdo desenvolvido neste estudo parte de proposições apresentadas nas obras Manual de direito previdenciário e Prática processual previdenciária.(3)

1 Prescrição do direito a prestações

A regra geral de prescritibilidade dos direitos patrimoniais existe em face da necessidade de se preservar a estabilidade das situações jurídicas. Entretanto, as prestações previdenciárias têm finalidades que lhes emprestam características de direitos indisponíveis, atendendo a uma necessidade de índole eminentemente alimentar. Daí que o direito ao benefício previdenciário em si não decai, mas tão somente as prestações não reclamadas dentro de certo tempo, que vão prescrevendo, uma a uma, em virtude da inércia do beneficiário. Nesse sentido, é a orientação do Supremo Tribunal Federal:

“O direito à previdência social constitui direito fundamental e, uma vez implementados os pressupostos de sua aquisição, não deve ser afetado pelo decurso do tempo. Como consequência, inexiste prazo decadencial para a concessão inicial do benefício previdenciário.” (RE 626.489/SE. Plenário. Relator Ministro Luís Roberto Barroso. Julgado em 16.10.2013)

No direito previdenciário, a prescrição quinquenal tem sido aplicada desde o advento do Decreto nº 20.910, de 1932. Nesse sentido:

– TFR – Súmula nº 107 – “A ação de cobrança de crédito previdenciário contra a Fazenda Pública está sujeita à prescrição quinquenal estabelecida no Decreto nº 20.910, de 1932.”

– STJ – Súmula nº 85 – “Nas relações jurídicas de trato sucessivo, em que a Fazenda Pública figure como devedora, quando não tiver sido negado o próprio direito reclamado, a prescrição atinge apenas as prestações vencidas antes do quinquênio anterior à propositura da ação.”

O mesmo prazo foi fixado na atual Lei de Benefícios, art. 103, parágrafo único. De acordo com essa norma: “Prescreve em cinco anos, a contar da data em que deveriam ter sido pagas, toda e qualquer ação para haver prestações vencidas ou quaisquer restituições ou diferenças devidas pela Previdência Social, salvo o direito dos menores, incapazes e ausentes, na forma do Código Civil”.

Na prescrição quinquenal, o que está em causa é o pagamento dos créditos do segurado, de modo que a aferição deve se dar a partir dos vencimentos destes, e não a partir das competências a que tais créditos se referem.

As ações referentes às prestações por acidente do trabalho prescrevem em cinco anos, observado o disposto no art. 104 da Lei nº 8.213/91, contados da data:

– do acidente, quando dele resultar a morte ou a incapacidade temporária, verificada esta em perícia médica a cargo da Previdência Social; ou

– em que for reconhecida pela Previdência Social a incapacidade permanente ou o agravamento das sequelas do acidente.

Dispondo acerca da matéria, o atual Código Civil – Lei nº 10.406/02 –, em seu artigo 198, estabelece que não corre a prescrição “contra os incapazes de que trata o art. 3º”, ou seja, os absolutamente incapazes; “contra os ausentes do País em serviço público da União, dos Estados ou dos Municípios”; e “contra os que se acharem servindo nas Forças Armadas, em tempo de guerra”.

Entretanto, a não ocorrência da prescrição em relação a alguns dos dependentes não beneficia os demais, ou seja, consumada a prescrição em relação ao dependente capaz, ao incapaz deve ser assegurado somente o pagamento de sua quota-parte (TRF da 4ª Região. AC nº 2003.04.01.051040-1/SC. Relator Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira. DE 27.08.2007).

O INSS, na via administrativa, tem observado as regras do Código Civil, prevendo que (art. 446 da IN nº 45/2010):

– Não corre prescrição contra os absolutamente incapazes, na forma do inciso I do art. 198 do Código Civil, combinado com o art. 3º do mesmo diploma legal, dentre os quais:

I – os menores de dezesseis anos não emancipados;

II – os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos; e

III – os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade.

– Para os menores que completarem dezesseis anos de idade, a data do início da prescrição será o dia seguinte àquele em que tenham completado essa idade.

– Para o incapaz curatelado, a contagem do prazo prescricional inicia a partir da data de nomeação do curador.

– Na restituição de valores pagos indevidamente em benefícios, será observada a prescrição quinquenal, salvo se comprovada má-fé.

– Na revisão, o termo inicial do período prescricional será fixado a partir da Data do Pedido de Revisão.

Outra questão relevante é se, durante a tramitação do processo administrativo, corre o prazo prescricional. A melhor interpretação é a de que esse período não pode ser computado, pois, de acordo com o Decreto nº 20.910/1932, que regula a prescrição quinquenal:

“Art. 4º Não corre a prescrição durante a demora que, no estudo, ao reconhecimento ou no pagamento da dívida, considerada líquida, tiverem as repartições ou funcionários encarregados de estudar e apurá-la.

Parágrafo único. A suspensão da prescrição, neste caso, verificar-se-á pela entrada do requerimento do titular do direito ou do credor nos livros ou protocolos das repartições públicas, com designação do dia, mês e ano.”

Cabe destacar que, segundo a Súmula nº 74 da Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais: “O prazo de prescrição fica suspenso pela formulação de requerimento administrativo e volta a correr pelo saldo remanescente após a ciência da decisão administrativa final”.

Por esse entendimento, o requerimento administrativo não interrompe o prazo prescricional, mas apenas o suspende. Tal entendimento se coaduna com a orientação do STJ, segundo a qual, tendo havido apresentação de requerimento administrativo pleiteando o pagamento de benefício, permanece suspenso o prazo prescricional até que a Autarquia Previdenciária comunique sua decisão ao interessado (REsp nº 294032/PR. Quinta Turma. Relator Ministro Félix Fischer. DJ 26.03.2001).

A partir do advento da Lei nº 11.280, de 2006, que alterou em parte o Código de Processo Civil, deverá o juiz decretar a prescrição de ofício em todos os feitos. Nesse sentido: “Com o advento da Lei 11.280/06, tornou-se possível ao juiz decretar de ofício a prescrição” (STJ. AGA nº 1033755/MG. Segunda Turma. Relatora Ministra Eliana Calmon. DJe de 22.09.2008).

2 Decadência do direito à revisão dos benefícios previdenciários: evolução legislativa

Com a Medida Provisória nº 1.523-9, de 27 de junho de 1997 (DOU de 28.06.1997), que conferiu nova redação ao art. 103 da Lei nº 8.213/91, foi prevista pela primeira vez a existência de um prazo decadencial no âmbito do direito previdenciário brasileiro.

No período compreendido entre 1997 e 2004, ocorreram alterações significativas no tocante ao prazo da decadência. Inicialmente, destacamos a redação original do artigo 103 da Lei nº 8.213/91:

“Art. 103. Sem prejuízo do direito ao benefício, prescreve em 5 (cinco) anos o direito às prestações não pagas nem reclamadas na época própria, resguardados os direitos dos menores dependentes, dos incapazes ou dos ausentes.”

Essa regra, que não contemplava prazo decadencial, perdurou até 28 de junho de 1997, quando a MP nº 1.523-9 foi publicada e modificou a redação do referido dispositivo para:

“Art. 103. É de dez anos o prazo de decadência de todo e qualquer direito ou ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão de benefício, a contar do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação ou, quando for o caso, do dia em que tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo.

Parágrafo único. Prescreve em cinco anos, a contar da data em que deveriam ter sido pagas, toda e qualquer ação para haver prestações vencidas ou quaisquer restituições ou diferenças devidas pela Previdência Social, salvo o direito dos menores, incapazes e ausentes, na forma do Código Civil.”

Tal medida provisória foi convertida na Lei nº 9.528, de 10.12.1997, que vigorou até o advento da Lei nº 9.711, de 20.11.1998,(4) a qual diminuiu para cinco anos o prazo de decadência para a revisão dos atos de concessão de benefícios.

Ocorre que, em 2003, frente a uma massiva movimentação dos segurados, das associações e dos advogados que resultou em um elevado ingresso de ações para revisão de benefícios com base no índice IRSM de fevereiro de 1994, o Executivo se viu obrigado, por motivos políticos, a elastecer novamente o prazo decadencial. Editou então a Medida Provisória nº 138, de 19.11.2003, que foi convertida na Lei nº 10.839, de 05.02.2004, voltando a fixar em dez anos o prazo de decadência. Vejamos a atual redação do artigo:

“Art. 103. É de dez anos o prazo de decadência de todo e qualquer direito ou ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão de benefício, a contar do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação ou, quando for o caso, do dia em que tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo.

Parágrafo único. Prescreve em cinco anos, a contar da data em que deveriam ter sido pagas, toda e qualquer ação para haver prestações vencidas ou quaisquer restituições ou diferenças devidas pela Previdência Social, salvo o direito dos menores, incapazes e ausentes, na forma do Código Civil.”

O aumento do prazo se deu antes de completados os cinco anos previstos em 1998 pela Lei nº 9.711, o que significa dizer que, nesse ínterim, nenhum benefício foi atingido pela materialização da decadência.

Com essa mudança nos termos do artigo 103, alguns estudiosos chegaram a defender que o prazo teria se reiniciado para todos os aposentados. Entretanto, a edição da MP nº 138/03 não significou o início de uma nova contagem, e sim um elastecimento do prazo já corrente. Nesse sentido:

“Para os benefícios concedidos até 27.06.1997, aplica-se o prazo de decadência de dez anos, contado a partir de 27.06.1997; para os benefícios concedidos a partir de 28.06.1997, ao final, sempre se aplica o prazo de decadência de dez anos, contado a partir do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação.” (TNU. PU 2008.71.61.002964-5. Relator Juiz Federal Rogério Moreira Alves. DOU 15.03.2013)

3 A aplicação do instituto da decadência em matéria previdenciária

Como mencionado, a instituição do prazo decadencial para revisão do ato de concessão dos benefícios previdenciários se deu pela Medida Provisória nº 1.523-9, de 27.06.1997 (DOU de 28.06.1997), posteriormente convertida na Lei nº 9.528, de 10.12.1997, que deu nova redação ao art. 103 da Lei nº 8.213/91.

Segundo a norma, a decadência atinge todo e qualquer direito ou ação do segurado ou beneficiário tendente à revisão do ato de concessão do benefício (cálculo da renda mensal inicial, por exemplo) e foi fixada inicialmente em dez anos, contados do dia primeiro do mês seguinte ao recebimento da primeira prestação ou, quando for o caso, do dia em que o segurado tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo.

Nos casos dos benefícios concedidos anteriormente à instituição da decadência, inexistia limitação no tempo à possibilidade de revisão. No entanto, o Supremo Tribunal Federal entendeu aplicável esse prazo a todos os benefícios, independentemente da data de início, consoante o julgamento da repercussão geral cuja ementa segue transcrita:

“DIREITO PREVIDENCIÁRIO. REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL (RGPS). REVISÃO DO ATO DE CONCESSÃO DE BENEFÍCIO. DECADÊNCIA.

1. O direito à previdência social constitui direito fundamental e, uma vez implementados os pressupostos de sua aquisição, não deve ser afetado pelo decurso do tempo. Como consequência, inexiste prazo decadencial para a concessão inicial do benefício previdenciário.

2. É legítima, todavia, a instituição de prazo decadencial de dez anos para a revisão de benefício já concedido, com fundamento no princípio da segurança jurídica, no interesse de evitar a eternização dos litígios e na busca de equilíbrio financeiro e atuarial para o sistema previdenciário.

3. O prazo decadencial de dez anos, instituído pela Medida Provisória 1.523, de 28.06.1997, tem como termo inicial o dia 1º de agosto de 1997, por força de disposição nela expressamente prevista. Tal regra incide, inclusive, sobre benefícios concedidos anteriormente, sem que isso importe em retroatividade vedada pela Constituição.

4. Inexiste direito adquirido a regime jurídico não sujeito a decadência.” (RE nº 626.489/SE. Tribunal Pleno. Relator Ministro Roberto Barroso. Julgado em 16.10.2013)

Importante destacar dessa decisão o reconhecimento pelo STF de que a concessão do benefício não prescreve ou decai, podendo ser postulada a qualquer tempo.

Sendo assim, não é atingido pelo prazo decadencial o ato administrativo que indefere benefício, podendo ser questionado a qualquer tempo. Por essa razão, não se coaduna com essa orientação a Súmula nº 64 da TNU, que tem o seguinte conteúdo: “O direito à revisão do ato de indeferimento de benefício previdenciário ou assistencial sujeita-se ao prazo decadencial de dez anos”.

Importante referir também que o STF não tem reconhecido violação de ordem constitucional em relação aos questionamentos relacionados com a aplicação do prazo de decadência aos benefícios iniciados após 28.07.1997. Nesse sentido:

“DIREITO PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DE BENEFÍCIO CONCEDIDO APÓS A EDIÇÃO DA MEDIDA PROVISÓRIA 1.523/1997. DECADÊNCIA. DEBATE DE ÂMBITO INFRACONSTITUCIONAL. EVENTUAL VIOLAÇÃO REFLEXA NÃO ENSEJA RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ACÓRDÃO PUBLICADO EM 15.04.2010.

As razões do agravo regimental não são aptas a infirmar os fundamentos que lastrearam a decisão agravada, mormente no que se refere ao âmbito infraconstitucional do debate, a inviabilizar o trânsito do recurso extraordinário. Agravo regimental conhecido e não provido.” (AG. REG. no Recurso Extraordinário com Agravo 750.584/RS. Primeira Turma. Relatora Min. Rosa Weber. DJe 29.10.2013)

3.1 Aplicação do prazo de decadência nas ações para reconhecimento de tempo de contribuição

As ações declaratórias de averbação de tempo de contribuição não estão sujeitas aos prazos de prescrição e decadência, em face da ausência do cunho patrimonial imediato e diante da existência de direito adquirido à contagem do tempo trabalhado. Vale referir precedentes que respaldam esse entendimento:

– “Não se submete à prescrição a ação declaratória pura, proposta com o exclusivo fim de ter declarada a existência de uma relação jurídica. Precedentes.” (STJ. REsp. nº 331306/MA. 5ª Turma. Rel. Min. Edson Vidigal. DJ de 15.10.2001)

– “O instituto da decadência previsto na nova redação do artigo 103 da Lei nº 8.213/91 apenas se aplica aos casos em que se deseja rever o ato de concessão do benefício, o que não ocorre, evidentemente, quando a aposentadoria sequer ainda foi requerida.” (TRF da 5ª Região. AC nº 2000.05.00.059051.6/RN. Primeira Turma. Rel. Des. Federal Margarida Cantarelli. DJ de 15.10.2001)

– “Tratando-se de ação declaratória não há que se falar na aplicação do instituto da decadência ou da prescrição.” (TRF da 4ª Região. AC nº 2001.71.08.003891-5. Turma Suplementar. Rel. Juiz Federal Fernando Quadros da Silva. DE em 27.10.2008)

Discussão mais acirrada se dá no caso das ações de natureza condenatória, cuja inclusão do período trabalhado é requerida visando à revisão do benefício já concedido.

Podemos tomar como exemplo um segurado aposentado por tempo de contribuição de forma proporcional em 2000. Em 2011, ingressa com ação judicial postulando o reconhecimento de tempo trabalhado no meio rural e em condições especiais para aumentar o coeficiente de cálculo de seu benefício. Na hipótese, objetiva rever o ato de concessão do benefício, ato esse que é a exata expressão legal contida no art. 103, caput, da Lei de Benefícios.

Surge então o questionamento: aplica-se o prazo de decadência que impede a revisão proposta?

O caso comporta mais de uma solução, dependendo do alcance a ser conferido ao instituto da decadência previdenciária. Vejamos.

Primeira:

Existindo ou não requerimento administrativo do reconhecimento do tempo trabalhado, estaria operada a decadência, já que o benefício foi concedido posteriormente à instituição do referido prazo e houve o transcurso do tempo previsto no art. 103, caput, da Lei nº 8.213/91. Assim, já havia decaído o direito à revisão quando do ajuizamento da ação.

Esta é a solução adotada pelo Superior Tribunal de Justiça, para o qual o alcance do art. 103, caput, da Lei nº 8.213/91, na redação da Medida Provisória 1.523-9, de 27.06.1997, e alterações posteriores, “é amplo e não abrange apenas revisão de cálculo do benefício, mas atinge o próprio ato de concessão e, sob a imposição da expressão ‘qualquer direito’, envolve o direito à renúncia do benefício” (AgRg no REsp 1264819/RS. 6ª Turma. Relatora Ministra Assusete Magalhães. DJe 13.09.2013).

Segunda:

Na análise desse caso é importante observar, no processo administrativo de concessão do benefício, se houve ou não requerimento para o reconhecimento dos referidos períodos de tempo trabalhado.

Na hipótese de não ter havido o requerimento administrativo, caberá o pedido de revisão judicial, pois a decadência prevista no artigo 103, caput, da Lei nº 8.213/91 não alcança questões que não restaram resolvidas no ato administrativo que apreciou o pedido de concessão do benefício. Isso pelo simples fato de que, como o prazo decadencial limita a possibilidade de controle de legalidade do ato administrativo, não pode atingir aquilo que não foi objeto de apreciação pela Administração. Nesse sentido:

“PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DE BENEFÍCIO. PERÍODO NÃO ANALISADO NO ATO DE CONCESSÃO. decadência. inocorrência. CONVERSÃO DO TEMPO ESPECIAL EM COMUM. MAJORAÇÃO DE RMI.

1. Revisando parcialmente a jurisprudência desta Corte, ante precedentes no tema pelo egrégio Superior Tribunal de Justiça (REsp 1.309.529, da Relatoria do Ministro HERMAN BENJAMIN), passou-se a compreender que o prazo decenal para revisão do ato administrativo de indeferimento ou de concessão de benefício previdenciário abrange os fatos examinados e as questões de direito incidentes, mas não impede admitirem-se novos fatos (notadamente períodos ainda não postulados ou sua caracterização como atividade especial).

2. Comprovada a exposição do segurado a agentes nocivos, na forma exigida pela legislação previdenciária aplicável à espécie, é possível reconhecer-se a especialidade da atividade laboral por ele exercida.

3. No caso dos autos, a parte-autora tem direito à majoração da renda mensal inicial de seu benefício, com pagamento desde a data do requerimento administrativo, respeitada a prescrição quinquenal.” (TRF da 4ª Região. APELREEX nº 5023907-58.2010.404.7100/RS. 6ª Turma. Relator Des. Federal Néfi Cordeiro. DE 07.11.2013)

Terceira:

A solução que reputamos apropriada ao caso é no sentido de que, com ou sem pedido do reconhecimento do tempo trabalhado no momento da concessão do benefício, a aplicação da decadência esbarra na regra de direito adquirido.

No caso específico, não cabe a vinculação temporal, em face das características intrínsecas do direito à contagem e à averbação do tempo de contribuição, que é disciplinado pela lei vigente à época em que efetivamente prestado, passando a integrar, como direito autônomo, o patrimônio jurídico do trabalhador.

A lei nova que venha a estabelecer restrição ao cômputo do tempo de contribuição não pode ser aplicada retroativamente, em razão da intangibilidade do direito adquirido.

Pode-se utilizar, em favor dessa tese, a decisão paradigma do Supremo Tribunal Federal no exame do direito à contagem do tempo de serviço especial prestado por servidor público ex-celetista:

“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONTAGEM. TEMPO DE SERVIÇO. CONDIÇÕES INSALUBRES.

1. A jurisprudência do Supremo é firme no sentido de que a ‘contagem do tempo de serviço prestado por servidor público ex-celetista, inclusive o professor, desde que comprovadas as condições insalubres, periculosas ou penosas, em período anterior à Lei 8.112/1990, constitui direito adquirido para todos os efeitos’. Precedentes.

2. Agravo regimental a que se nega provimento.” (RE 380413 AgR/PB. Segunda Turma. Relator Ministro Eros Grau. DJe 29.06.2007)

Consta da fundamentação da decisão do STF:

Em cada momento trabalhado realizava-se o suporte fático previsto no texto normativo como suficiente a autorizar sua averbação. Sendo assim, é incorporado ao seu patrimônio jurídico direito que a legislação específica lhe assegurava como compensação pelo serviço exercido em condições insalubres, periculosas ou penosas. Essa vantagem não pode ser suprimida mercê do advento de um novo regime jurídico que, apesar de prever a edição de lei específica para regulamentar a concessão de aposentadoria para os agentes públicos que exerçam atividades nessas condições, não desconsiderou ou desqualificou o tempo de serviço prestado ao tempo da legislação anterior.” (sem negrito no original)

Considerando-se os fundamentos citados, defende-se o entendimento de que a interpretação da regra de decadência não pode ferir direito adquirido do segurado de ter averbado o tempo trabalhado (seja urbano, seja rural, seja especial) em qualquer época.

Cabe destacar também que o § 1º do art. 11 da CLT, o qual trata da prescrição do direito de ação decorrente das relações de trabalho, estabelece que as ações destinadas à obtenção de anotações destinadas a fazer prova perante a previdência social são imprescritíveis.

A mesma interpretação deve ser dada quando o segurado objetiva revisar seu benefício com base em sentença trabalhista que reconhece períodos trabalhados ou novos salários de contribuição. Muitas vezes, o trânsito em julgado da sentença ocorre após o transcurso dos 10 anos do início do benefício previdenciário, sendo desarrazoado o reconhecimento da decadência. Nesse sentido:

“PREVIDENCIÁRIO. revisão DE BENEFÍCIO. DIFERENÇAS SALARIAIS RECONHECIDAS EM reclamatória trabalhista.

Não é possível declarar a decadência do direito de revisão da aposentadoria, considerando que o autor não se mostrou inerte, ao contrário, ajuizou  reclamatória trabalhista para ter o seu direito reconhecido.” (TRF/4. AI nº 5016160-12.2013.404.0000/PR. 6ª Turma. Relator Des. Federal João Batista Pinto Silveira. DE 25.10.2013)

O INSS também reconhece a qualquer tempo o direito que o segurado tem de averbar o tempo de contribuição. E, no caso de trabalho realizado como autônomo/contribuinte individual, exige o recolhimento das contribuições mesmo após o prazo de decadência para fins de utilização desse período para a concessão da aposentadoria.

Por isso, mostra-se possível a propositura de ação para revisão de benefícios concedidos a mais de dez anos, desde que seja com o intuito de agregar tempo de contribuição, pois se trata de direito fundamental não sujeito a decadência.

Assim, não se mostra adequada a aplicação rasa da repercussão geral citada (RE nº 626.489/SE, Tribunal Pleno, Relator Ministro Roberto Barroso, julgado em 16.10.2013), já que a Suprema Corte não foi explícita nesse ponto.

Muito embora o STF tenha afirmado que “inexiste direito adquirido a regime jurídico não sujeito a decadência”, entendemos que essa não é a hipótese. No mesmo sentido, Daniel Machado da Rocha defende que “a regra da caducidade abarca exclusivamente os critérios de cálculo da renda mensal inicial”.(5)

Há que se considerar, ainda, que o STF não tem conhecido os Recursos Extraordinários que discutem a aplicação do prazo de decadência em relação aos benefícios concedidos após a edição da MP nº 1.523-9/97, por entender que a análise da legislação infraconstitucional acarreta apenas violação reflexa e oblíqua da Constituição Federal:

“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282 E 356 DO STF. REVISÃO DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS CONCEDIDOS APÓS A ENTRADA EM VIGOR DA MEDIDA PROVISÓRIA 1.523-9/1997. DECADÊNCIA. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. OFENSA INDIRETA OU REFLEXA À CONSTITUIÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.” (ARE 730395 AgR/RS. 2ª Turma. Relator Ministro Teori Zavascki. DJe 10.09.2013)

A conclusão defendida tem forte resistência em face da mencionada interpretação que tem sido dada pelo STJ de que a decadência atinge todo e qualquer direito relacionado ao ato de concessão. Ou seja, concedido o benefício e transcorrido o lapso decadencial, não caberia qualquer revisão em favor do segurado.

3.2 Aplicação do prazo de decadência nos pedidos de desaposentação

Em contraposição à aposentadoria, que é o direito do segurado à inatividade remunerada, a desaposentação é o direito do segurado ao retorno à atividade remunerada.

É o ato de desfazimento da aposentadoria por vontade do titular, para fins de aproveitamento do tempo de filiação para nova aposentadoria, no mesmo ou em outro regime previdenciário.

A desaposentação trata, em verdade, de uma prerrogativa do jubilado de unificar os seus tempos de contribuição em uma nova aposentadoria.

Sendo assim, não podemos classificar a desaposentação como uma revisão do ato de concessão da aposentadoria. Dessa forma, a extensão do disposto no art. 103, caput, da Lei nº 8.213/91 à desaposentação é indevida. A respeito do tema, o precedente do TRF da 4ª Região:

“PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. DESAPOSENTAÇÃO. PRELIMINAR DE DECADÊNCIA.

1. A desaposentação, que tem como consequência o retorno do segurado ao status quo ante, equivale ao desfazimento e não à revisão do ato concessório de benefício.

2. Tendo em conta que o ato de renúncia constitui uma liberalidade do aposentado (AgRg no REsp 328.101/SC, 6ª Turma, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJ de 20.10.2008), entendo não haver fundamento jurídico para o seu indeferimento, bem como para a fixação de prazo decadencial para ser praticado.” (AG 0005551-55.2013.404.0000/SC. 6ª Turma. Relator Des. Federal João Batista Pinto Silveira. DE 14.11.2013)

No sentido da não incidência do prazo de decadência, Marco Aurélio Serau Junior apresenta os seguintes fundamentos:

“Mesmo que se considere a desaposentação como uma forma de revisão de benefício previdenciário, não se recairia na figura prevista no art. 103 da LEI DE BENEFÍCIOS. É que ali se faz menção à revisão de benefícios, no prazo de dez anos, mas o pressuposto é a alteração de benefício por algum vício/invalidade, corrigindo-o.

A desaposentação não é pretensão de revisão de benefício incorretamente lançado, haja vista que pressuponha, ao contrário, a higidez e a legalidade do primeiro vínculo previdenciário. Trata-se de hipótese diversa: a busca de novo e melhor benefício previdenciário, por situação fática alterada apta a diferenciar e majorar o valor da aposentadoria (novas contribuições previdenciárias, idade mais elevada e menor tempo de expectativa de vida, critérios que profundamente impactam o cálculo do fator previdenciário e da própria RMI).”(6)

O Superior Tribunal de Justiça não diferenciava a desaposentação das outras formas de revisão, entendendo aplicável o prazo de decadência (EDcl no AgRg no REsp nº 1.349.026/RS. Segunda Turma. Relator Ministro Herman Benjamin. DJe 08.05.2013). No entanto, de forma apropriada, a Primeira Seção do STJ, em Repetitivo, acabou por firmar a orientação de que o prazo decadencial previsto no artigo 103 da Lei de Benefícios da Previdência Social não se aplica aos casos de desaposentação (REsp 1348301. Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima. Julgado em 27.11.2013).

3.3 Prazo para revisão do benefício antecedente em caso de pensão por morte

A TNU fixou orientação no sentido de que, caso o beneficiário do INSS tenha perdido, em vida, o direito de solicitar a revisão do valor de sua aposentadoria, o fato não prejudica o titular da subsequente pensão por morte. Ou seja, o direito pode ser discutido pelo pensionista, ainda que fundado em dados que poderiam ter sido questionados pelo aposentado atingido pela decadência. Nesse sentido:

“PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE DERIVADA DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. DIREITO DE REVISÃO. PRAZO DECADENCIAL AUTÔNOMO. CÔMPUTO DO PRAZO A PARTIR DA CONCESSÃO DA PENSÃO. INCIDENTE IMPROVIDO.

(...) 7. Seguindo a linha de raciocínio perfilhada pela Magistrada Simone Lemos Fernandes, nos autos do PREDILEF nº 2009.72.54.003963-7, julgado em 29 de março de 2012, considero que a pensão por morte e o benefício previdenciário do qual deriva são, de fato, benefícios atrelados por força do critério de cálculo de ambos, tão somente. Mas são benefícios autônomos, titularizados por pessoas diversas que, de forma independente, possuem o direito de requerer a revisão de cada um deles, ainda que por meio de sucessores (pois a pensão por morte pressupõe, logicamente, o falecimento de seu instituidor), sendo que o prazo decadencial de revisão da pensão começa a fluir a partir da data da concessão. Certo que os sucessores de segurado já falecido podem requerer, judicialmente, o reconhecimento de parcelas que seriam devidas àquele por força de incorreto cálculo de seu benefício. Mas não é esse o tema discutido nestes autos, já que a autora não postulou diferenças sobre a aposentadoria de seu falecido marido, mas tão somente diferenças sobre a pensão por morte que percebe.

8. Dessa forma, considero que existe prazo decadencial autônomo, diferenciado, relativo ao direito de revisão da pensão por morte percebida pela autora, computado a partir da data de sua concessão, a qual foi concedida em 09.11.1998. (...)” (PU nº 2008.50.51.001325-4. Relator Juiz Federal Adel Américo Dias de Oliveira. DOU 27.07.2012)

Esse entendimento da TNU guarda coerência com o sistema previdenciário, pois os beneficiários da pensão por morte não poderão sofrer os reflexos da falta de revisão do benefício de origem. Somente a partir do início do recebimento da pensão por morte é que deve ter curso o prazo de decadência para a revisão do benefício que era recebido pelo de cujus.

3.4 Hipóteses de aplicação do prazo de decadência na via administrativa

Na via administrativa, o INSS indica detalhadamente na Instrução Normativa nº 45/2010 as hipóteses de aplicação do prazo de decadência, reconhecendo algumas situações que ficam excluídas dessa norma restritiva.

É aplicado o prazo de dez anos para revisão do ato de concessão de todos os benefícios, mesmo os iniciados antes da vigência da Medida Provisória nº 1523-9, de 1997 (art. 441 da IN 45/2010). No caso, são levados em consideração os seguintes critérios para definição do início do prazo decadencial:

I – para os benefícios em manutenção em 28 de junho de 1997, data da publicação da MP nº 1523-9, de 1997, a partir de 1º de agosto de 1997, não importando a data de sua concessão;

II – para os benefícios concedidos com DIB, a partir de 28 de junho de 1997, a partir do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação;

III – em se tratando de pedido de revisão de benefícios com decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo, em que não houver a interposição de recurso, o prazo decadencial terá início no dia em que o requerente tomar conhecimento da referida decisão.

É importante ressaltar que o INSS não aplica o prazo decadencial para as revisões determinadas em dispositivos legais, salvo se houver revogação expressa, ainda que decorridos mais de dez anos da data em que deveriam ter sido pagas. No processamento dessas revisões, observa-se apenas a prescrição quinquenal (art. 441, § 2º, da IN 45/2010).

Poderá, também, ser processada a qualquer tempo a revisão para inclusão de novos períodos ou para fracionamento de períodos de trabalho não utilizados no órgão de destino da Certidão de Tempo de Contribuição (art. 445 da IN 45/2010).

4 Prazo decadencial para o INSS rever seus atos

Para o INSS rever seus atos de que decorram efeitos favoráveis aos beneficiários, deve, necessariamente, fazê-lo com base em um processo administrativo que tenha apurado alguma irregularidade na concessão da prestação.

O poder-dever da Administração de desconstituir seus próprios atos por vícios de nulidade condiciona-se à comprovação das referidas ilegalidades em processo administrativo próprio, com oportunização ao administrado das garantias constitucionais da ampla defesa e do contraditório (art. 5º, LV, da CF/88 e Súmula nº 160 do extinto TFR).

De acordo com o art. 11 da Lei nº 10.666/2003, o Ministério da Previdência Social e o INSS manterão programa permanente de revisão da concessão e da manutenção dos benefícios da Previdência Social, a fim de apurar irregularidades e falhas existentes.     Havendo indício de irregularidade na concessão ou na manutenção de benefício, a Previdência Social notificará o beneficiário para apresentar defesa, provas ou documentos de que dispuser, no prazo de dez dias.  A notificação é feita por via postal com aviso de recebimento e, não comparecendo o beneficiário nem apresentando defesa, será suspenso o benefício. O benefício também poderá ser cancelado pela falta de defesa ou caso seja considerada como insuficiente ou improcedente. Dessa decisão será cientificado o beneficiário, que terá o direito de interpor recurso à Junta de Recursos do Conselho de Recursos da Previdência Social.

A revisão iniciada dentro do prazo decadencial, com a devida expedição de notificação para ciência do segurado, impedirá a consumação da decadência, ainda que a decisão definitiva do procedimento revisional ocorra após a extinção de tal lapso (art. 443 da IN nº 45/2010).

Nos casos em que o INSS não comprovar que a revisão foi feita em face de alguma irregularidade apurada em processo administrativo, o benefício deve ser restabelecido. O beneficiário poderá obter sua pretensão em juízo, por meio de mandado de segurança, quando não demandar instrução probatória; e também pela via ordinária ou dos JEFs, com a possibilidade da antecipação de tutela, quando demonstrar o preenchimento dos requisitos exigidos para a concessão da medida (art. 273 do Código de Processo Civil).

O prazo que vigora atualmente para o INSS anular os atos administrativos de que resultem benefícios indevidos a segurados e dependentes é de dez anos contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé (MP nº 138, de 19.11.2003, convertida na Lei nº 10.839, de 05.02.2004, que incluiu o art. 103-A no texto da Lei nº 8.213/91).

Deve ser ressaltado que esse prazo sofreu alterações ao longo do tempo, conforme pode ser extraído do julgamento do AI nº 0003392-13.2011.404.0000/RS, TRF da 4ª Região, 5ª Turma, Relator Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, DE em 27.05.2011:

– Lei nº 6.309/75: previa, em seu artigo 7º, que os processos de interesse de beneficiários não poderiam ser revistos após 5 (cinco) anos, contados de sua decisão final, ficando dispensada a conservação da documentação respectiva além desse prazo.
– Lei nº 8.422, de 13.05.1992: revogou a Lei nº 6.309/75 (art. 22). Assim, em se tratando de benefício deferido sob a égide da Lei nº 6.309/75, caso decorrido o prazo de cinco anos, é inviável a revisão da situação, ressalvadas as hipóteses de fraude, pois esta não se consolida com o tempo.

– Lei nº 9.784, de 29.01.1999 (art. 54): instituiu prazo decadencial de cinco anos para desfazimento de atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários, incluídos os atos de concessão de benefício previdenciário.

– Medida Provisória nº 138, de 19.11.2003 (convertida na Lei nº 10.839, de 05.02.2004): instituiu o art. 103-A da Lei nº 8.213/91, estabelecendo prazo decadencial de dez anos para a Previdência Social anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os seus beneficiários. Como quando a MP nº 138 entrou em vigor não haviam decorrido cinco anos a contar do advento da Lei nº 9.784/99, os prazos que tiveram início sob a égide desta lei foram acrescidos de tanto tempo quanto necessário para atingir o total de dez anos. Assim, na prática, todos os casos subsumidos inicialmente à regência da Lei nº 9.784/99 passaram a observar o prazo decadencial de dez anos, aproveitando-se, todavia, o tempo já decorrido sob a égide da norma revogada.

No entanto, o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que antes do advento da Lei nº 9.784/99 não havia prazo para a Administração Pública desfazer atos dos quais decorressem efeitos favoráveis para os beneficiários. Segue precedente demonstrando a orientação fixada:

“PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DE BENEFÍCIO CONCEDIDO ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI Nº 9.784/99. DECADÊNCIA NÃO CONFIGURADA. ART. 103-A DA LEI Nº 8.213/91, ACRESCENTADO PELA MP 138, DE 19.11.2003, CONVERTIDA NA LEI Nº 10.839/2004. AUMENTO DO PRAZO DECADENCIAL PARA 10 ANOS.

1. Segundo entendimento firmado pela Corte Especial deste Tribunal, os atos administrativos praticados antes da Lei 9.784/99 podem ser revistos pela Administração a qualquer tempo, por inexistir norma legal expressa prevendo prazo para tal iniciativa. Somente após a Lei 9.784/99 incide o prazo decadencial de 5 anos nela previsto, tendo como termo inicial a data de sua vigência (01.02.99).

2. Antes de decorridos 5 anos da Lei nº 9.784/99, houve nova alteração legislativa com a edição da Medida Provisória nº 138, de 19.11.2003, convertida na Lei nº 10.839/2004, que acrescentou o art. 103-A à Lei 8.213/91 e fixou em 10 anos o prazo decadencial para o INSS rever os seus atos de que decorram efeitos favoráveis a seus beneficiários.

3. A Terceira Seção desta Corte, ao examinar recurso especial submetido ao rito do art. 543-C do Código de Processo Civil, firmou o entendimento de que, relativamente aos atos concessivos de benefício anteriores à Lei nº 9.784/99, o prazo decadencial decenal estabelecido no art. 103-A da Lei nº 8.213/91 tem como termo inicial 01.02.1999. Precedente: REsp nº 1.114.938/AL.

4. Agravo regimental improvido.” (AgRg no Ag 1342657/RS. Quinta Turma. Relator Ministro Jorge Mussi. DJe 18.04.2011)

Na via administrativa, o INSS segue a linha de entendimento do STJ, conforme se observa da redação do art. 442 da IN nº 45/2010:

“Art. 442. O direito da Previdência Social de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os seus beneficiários decai em dez anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.

§ 1º Para os benefícios concedidos antes do advento da Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, ou seja, com data do despacho do benefício – DDB até 31 de janeiro de 1999, o início do prazo decadencial começa a correr a partir de 1º de fevereiro de 1999.

§ 2º Para os benefícios de prestação continuada, concedidos a partir de 1º de fevereiro de 1999, o prazo decadencial contar-se-á da data em que os atos foram praticados.”

É questionável a orientação firmada pelo Superior Tribunal de Justiça, pois a Administração estava sujeita ao prazo quinquenal para rever seus atos, mesmo antes da publicação da Lei nº 9.784/99, conforme referido no voto do Desembargador Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, do TRF da 4ª Região, no julgamento do AI nº 0003392-13.2011.404.0000/RS.

A Administração, em atenção ao princípio da legalidade, tem o poder-dever de anular seus próprios atos quando eivados de vícios que os tornem ilegais (Súmulas 346 e 473 do STF). Entretanto, esse poder-dever deve ser limitado no tempo sempre que se encontrar situação que, frente a peculiares circunstâncias, exija a proteção jurídica de beneficiários de boa-fé, em decorrência dos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança.

Cabe destacar, ainda, que o STF reconheceu repercussão geral quanto à possibilidade de o INSS proceder, em qualquer tempo, a revisão de ato administrativo de concessão de aposentadoria e pensão por morte, ante alegado erro da Administração, tendo em vista o ato jurídico perfeito e a decadência administrativa. Segue a ementa:

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PREVIDENCIÁRIO. MILITAR APOSENTADO. EX-COMBATENTE. PENSÃO POR MORTE. REVISÃO DE OFÍCIO. REDUÇÃO DA REMUNERAÇÃO MENSAL. AUSÊNCIA DE CONTRADITÓRIO PRÉVIO. DECADÊNCIA. ARTIGO 54, LEI Nº 9.784/99. ARTIGO 103-A, LEI Nº 8.213/91. ALEGADA OFENSA AO ATO JURÍDICO PERFEITO. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA.” (RE 699.535 RG/RS. Rel. Min. Luiz Fux. DJe 18.03.2013)

Considerações finais

Os prazos de prescrição e decadência limitam sobremaneira o direito à revisão dos benefícios previdenciários. Por outro lado, solidificam os procedimentos adotados pelo ente Previdenciário em épocas passadas, evitando o pagamento de indenizações de grande vulto.

No direito previdenciário, a prescrição quinquenal tem sido aplicada desde o advento do Decreto nº 20.910, de 1932, e os tribunais possuem jurisprudência sedimentada sobre as regras de aplicabilidade.

A decadência surgiu com a Medida Provisória nº 1.523/1997, cujo prazo é de 10 anos, a contar do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação ou, quando for o caso, do dia em que o segurado tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo. Por ser matéria recente, os tribunais divergem sobre a interpretação e o alcance desse novel instituto no âmbito dos benefícios previdenciários.

Neste estudo, são defendidas as seguintes regras de aplicação do prazo de decadência:

a) a decadência não atinge o direito ao benefício em si, mas apenas a possibilidade de revisão do ato de concessão;

b) a contagem do prazo decadencial não reiniciou em face da modificação legislativa promovida pela MP nº 138, de 19.11.2003, convertida na Lei nº 10.839/2004;

c) é inaplicável o prazo de decadência para os atos que não se enquadrem precisamente como atos de concessão de benefício, pela falta de amparo legal;

d) é inaplicável o prazo decadencial para a revisão de decisão administrativa que negou o benefício previdenciário, haja vista que o segurado possui direito adquirido à prestação. Tal direito está protegido constitucionalmente e não pode ter seus efeitos tolhidos pela legislação infraconstitucional;

e) é inaplicável o prazo decadencial para as ações de averbação de tempo de contribuição, mesmo posteriores à concessão do benefício, visto que o cômputo do tempo trabalhado é um direito adquirido;

f) nas revisões promovidas pelo INSS, devem ser observados os prazos de decadência, bem como o devido processo legal e a proteção jurídica dos beneficiários de boa-fé, em decorrência dos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança que deve prevalecer nas relações de seguro social.

A partir dessas considerações, espera-se o avanço na área doutrinária e jurisprudencial sobre a delimitação dos institutos da prescrição e da decadência no âmbito dos benefícios da Previdência Social.

Referências das fontes citadas

BARROS MONTEIRO, Washington de. Curso de direito civil. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 1986. v. 1.

CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual de direito previdenciário. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013.

LAZZARI, João Batista; CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; KRAVICHYNCHYN, Gisele Lemos; KRAVICHYNCHYN, Jefferson Luiz. Prática processual previdenciária: administrativa e judicial. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013.

ROCHA, Daniel Machado da; BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, Esmafe, 2011.

SERAU JUNIOR, Marco Aurélio. Desaposentação: novas perspectivas teóricas e práticas. São Paulo: Conceito, 2011.

Notas

1. BARROS MONTEIRO, Washington de. Curso de direito civil. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 1986. v. 1. p. 286.

2. Idem, p. 288.

3. CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual de direito previdenciário. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 899-911; LAZZARI, João Batista; CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; KRAVICHYNCHYN, Gisele Lemos; KRAVICHYNCHYN, Jefferson Luiz. Prática processual previdenciária: administrativa e judicial. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 587-617.

4. A diminuição do prazo de 10 para 5 anos se deu inicialmente pela MP 1663-15, em 22.10.1998. Entretanto, como essa décima quinta edição da Medida Provisória não foi convalidada pela Lei 9.711, a redução do prazo passou a vigorar apenas a partir da edição da lei em 21 de novembro de 1998. Nesse sentido, observe-se o artigo 30 da lei mencionada, que convalida os atos praticados com base na MP 1663-14, de 24.09.1998.

5. ROCHA, Daniel Machado da; BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Comentários à lei de benefícios da previdência social. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, Esmafe, 2011. p. 329.

6. SERAU JUNIOR, Marco Aurélio. Desaposentação: novas perspectivas teóricas e práticas. São Paulo: Conceito, 2011. p. 104-105.

Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023:2002/ABNT):
. Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n., dez. 2013. Disponível em:
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Acesso em: .


REVISTA DE DOUTRINA DA 4ª REGIÃO
PUBLICAÇÃO DA ESCOLA DA MAGISTRATURA DO TRF DA 4ª REGIÃO - EMAGIS