A Recomendação 31 do Conselho Nacional de Justiça e o controle judicial de políticas públicas de saúde

Autor: Zenildo Bodnar

Juiz Federal, professor universitário

publicado em 18.12.2013



Resumo

Este artigo possui como objeto demonstrar a possibilidade e a relevância da dimensão procedimental do tratamento e da resolução de demandas judiciais relacionadas com políticas públicas de saúde. Na pesquisa também foram analisados processos judiciais em tramitação em primeira instância. A partir dos resultados obtidos, conclui-se pela necessidade de aprimoramento da gestão e da instrução processual, com as quais muito contribui o sistema de audiências integradas com perícia. Enfatiza-se a relevância do direcionamento, quando possível, das demandas para as políticas públicas já implementadas, até mesmo como forma de garantir maior eficiência na solução das demandas e a própria sustentabilidade e viabilidade gerencial do sistema único de saúde.

Palavras-chave: Jurisdição. Políticas públicas. Saúde pública. Prevenção de litígios.

Abstract

This article possesses as object to demonstrate to the possibility and relevance of the procedural dimension of the treatment and resolution of judicial demands related with public politics of health. In the research actions at law in transaction in lower court had been analyzed. From the gotten results, one concludes for the necessity of improvement of the management and procedural instruction, with which much contributes the system of hearings integrated with skill. It is emphasized the relevance of the aiming, when possible, of the demands for the public politics already implemented, even as a form to guarantee greater efficiency in the solution of the demands and the proper sustainability and managemental viability of the unified health system.

Keywords: Jurisdiction. Public politics. Public health. Prevention of litigations.

Sumário: Introdução. 1 Controle jurisdicional das políticas públicas de saúde e papel do Poder Judiciário. 2 Relato de pesquisa empírica. 2.1 Panorama geral de ações de medicamentos na jurisdição federal de Criciúma e em Santa Catarina. 2.2 Volume de ações de medicamentos e perfil geral dos jurisdicionados na Vara Federal Cível de Criciúma. 2.3 Elevada diversidade de fármacos postulados. 2.4 Tutela de urgência. 2.5 Prova técnica e audiência judicial integrada (conciliação e instrução). 2.6 Resultado final das demandas e direcionamento para políticas públicas. Conclusão.

Introdução

O objeto deste artigo é analisar a dimensão procedimental do tratamento das lides envolvendo políticas públicas de saúde, com enfoque nas estratégias de gestão processual empreendidas para direcionar as demandas por saúde para as políticas públicas já existentes e, por consequência, prevenir litígios desnecessários e lesões a direitos fundamentais.

O fundamento central das reflexões feitas neste estudo é a Recomendação nº 31 do Conselho Nacional de Justiça. Essa recomendação foi editada a partir da Audiência Pública nº 04, realizada no Supremo Tribunal Federal, bem como das conclusões do grupo de trabalho do próprio conselho, e possui como finalidade subsidiar os magistrados com medidas para assegurar maior eficiência na solução das demandas envolvendo assistência à saúde.

Advirta-se, desde o início, que as medidas propostas neste estudo definitivamente não pretendem excluir o Poder Judiciário, como guardião dos direitos fundamentais, importante papel de garante do direito à saúde. Também não importam em qualquer tipo de cerceamento ou limitação ao acesso à justiça, conforme será declinado.

O que se pretende é demonstrar que, além da dimensão substancial da jurisdição, na qual o Poder Judiciário diretamente substitui a Administração Pública e outorga o bem da vida postulado, há também um relevante papel procedimental na gestão desses conflitos que pode apresentar resultados ainda mais efetivos na perspectiva individual e principalmente na coletiva. Esses resultados decorrem da prevenção de litígios desnecessários e da progressiva ampliação e aperfeiçoamento de políticas públicas com alcance geral.

Entende-se por dimensão procedimental da jurisdição o conjunto de medidas, processuais e extraprocessuais, adotadas para o tratamento e a resolução dos litígios envolvendo direito à saúde, especialmente relacionadas à gestão/ao compartilhamento de informações e à ampla cooperação das partes na construção dialogada das decisões.

O tema da jurisdição e da prevenção de litígios no âmbito da saúde continua sendo atual e apresenta destacada relevância teórica e prática: a) teórica, pois, apesar da enorme quantidade de estudos, há ainda um vasto campo a ser explorado, notadamente no que diz respeito aos limites e às possibilidades da intervenção jurisdicional, com ênfase para a prospecção de estratégias e atitudes criativas para a gestão desses conflitos. Destaque-se que a própria razão de ser dos cursos da Emagis é relacionar sempre os estudos teóricos com a realidade da jurisdição; b) prática, pela elevada quantidade de litígios e também pela sua natural complexidade. Deve-se destacar, também, a notória relevância social da abordagem, que envolve um direito fundamental diretamente relacionado com a dignidade da pessoa humana e com a própria vida, com litigantes em situação de extrema fragilidade, circunstâncias que justificam a adjetivação das demandas como sensíveis.

O problema/questão que se apresenta nesta investigação é avaliar se a jurisdição pode atuar também como instrumento preventivo de implementação de políticas públicas sanitárias.

Como hipótese, apresenta-se a ideia, ainda suposta e provisória neste momento introdutório, de que o controle jurisdicional de políticas públicas em saúde, destacadamente na sua dimensão procedimental, pode contribuir com implementação de políticas públicas e, por consequência, com a prevenção de litígios.

Como objetivos específicos para este trabalho apresentam-se os seguintes: a) avaliar a legitimidade da intervenção jurisdicional no controle das políticas públicas de saúde e apurar as principais deficiências na gestão dos processos envolvendo políticas públicas de saúde a partir da análise de tipos de medicamentos e procedimentos postulados; b) identificar os instrumentos e as estratégias de gestão processual que mais contribuam com a implementação espontânea das políticas públicas de saúde e, por consequência, com a prevenção de litígios; c) indicar quais são os instrumentos e as estratégias utilizadas pela Vara Federal Cível de Criciúma para gestão procedimental e preventiva de litígios no âmbito das políticas públicas de saúde. Tudo, com destaque para aquelas que incluem e canalizam as demandas para as políticas públicas já existentes, bem como fomentam, gerenciam e instrumentalizam a conciliação com efetividade.

Neste estudo aborda-se, inicialmente, a judicialização da saúde e o papel do Poder Judiciário. Após, analisa-se a importância da gestão preventiva de litígios, visão empreendedora da jurisdição. Em seguida, indicam-se os instrumentos e as estratégias de gestão de litígios na perspectiva procedimental e preventiva. Por fim, apresenta-se um estudo empírico, por meio de análise quali-quantitativa da realidade da Vara Federal Cível de Criciúma.

Quanto à metodologia empregada na pesquisa: a delimitação espacial da pesquisa abrange a Subseção Judiciária de Criciúma da Seção Judiaria da Justiça Federal de Santa Catarina. Foram analisados apenas processos da competência da Vara Federal Cível(1) entre a data da sua criação, 28.02.2012, e 31.12.2012. O trabalho abrange análise quali-quantitativa de processos da Vara Federal Cível de Criciúma entre a data da sua criação, 28.02.2012, e o final do ano de 2012.

Algumas informações gerais formam obtidas com o NAJ – Núcleo de Apoio Judiciário da Seção Judiciária de Santa Catarina. A amostra eleita para análise individualizada envolveu 26 processos incluídos na pauta do mutirão de audiências integradas com perícia (realizado nos dias 07 e 08 de agosto de 2012). Essa amostra representa, com muita aproximação, a realidade de todos os feitos que tramitam, notadamente pela aleatoriedade da escolha. Para efeitos comparativos com essa amostra principal, foram eleitas mais duas amostras: a) uma de 20 processos que tramitaram até sentença antes do mutirão, estes com perícias judiciais realizadas em consultórios médicos; b) outra com 20 processos que iniciaram após o mutirão temático.

A análise das decisões proferidas após esse mutirão concentrado foi efetivada por meio de filtros específicos de busca pelo GedPro – sistema de Gestão Eletrônica de Processos utilizado pela Justiça Federal da 4ª Região. Esse sistema permite identificar as decisões proferidas por período, assunto e tipo de matéria, dentre outros critérios.

1 Controle jurisdicional das políticas públicas de saúde e papel do Poder Judiciário

A Constituição de 1988, principalmente no seu artigo 6º, apresenta um vasto catálogo de direitos prestacionais sociais que exigem uma atuação positiva do Estado por meio de um amplo conjunto de políticas públicas.

As políticas públicas, conforme sintetiza com precisão Souza (2006, p. 07), são “o campo do conhecimento que busca, ao mesmo tempo, ‘colocar o governo em ação’ e/ou analisar essa ação (variável independente) e, quando necessário, propor mudanças no rumo ou curso dessas ações (variável dependente)”.

Dentre as políticas públicas, merecem especial destaque aquelas relacionadas com a saúde, enfoque específico deste estudo. O direito fundamental prestacional à saúde foi assegurado no artigo 196 da Constituição de 1988 como direito de todos e dever do Estado, mediante acesso universal e gratuito, consolidando um importante avanço histórico e uma conquista principalmente motivada pelo movimento pela Reforma Sanitária.(2)

Apesar dos avanços no plano legislativo, muitos desafios ainda são constatados na implementação prática do direito à saúde, pois os serviços de saúde que são disponibilizados concretamente para a população, especialmente para os mais fragilizados socialmente, não corresponde à pauta ambiciosa e generosa prevista pelo Constituinte.

Esse fato, aliado à falta de articulação adequada entre os entes públicos responsáveis pela implementação das políticas sanitárias, gera uma significativa judicialização do tema, circunstância essa que torna os juízes também partícipes da gestão do sistema público de saúde, considerando o elevado potencial de impacto econômico das suas decisões.

A doutrina mais atual recomenda que os juízes atuem como agentes de mudanças sociais, na qualidade de corresponsáveis pela atividade providencial do Estado, impondo-se ao Poder Judiciário o controle das omissões administrativas e da execução das políticas públicas. Quanto maior o grau de vinculação da atividade administrativa, mais intenso revela-se o controle judicial, como ocorre nas hipóteses de restrições de direitos fundamentais, dentre eles o direito ao meio ambiente (MORAES, 2009, p. 332-333).

Quando a Constituição impõe ao Estado o dever de tutelar a saúde, o Poder Judiciário, como um dos Poderes do Estado, possui a função proeminente de fazer valer esse comando constitucional e também o dever fundamental de fomentar a defesa e a proteção desse direito, inclusive, e preferencialmente, na perspectiva preventiva. Essa função promocional do direito, criada para o caso concreto, decorre do conteúdo pedagógico também contido nas decisões.

O juiz cidadão, comprometido com os novos reclamos da sociedade contemporânea, deve buscar, no cotidiano de sua atuação, ampliar os mecanismos de acesso ao pleno desenvolvimento humano, conferindo especial proteção aos direitos fundamentais (sociais e individuais), previstos explícita ou implicitamente na Constituição.

Conforme Barroso (2013), o ativismo judicial diz respeito à postura do intérprete, a um modo pró-ativo e expansivo de interpretar a Constituição, potencializando o sentido e o alcance de suas normas, tratando-se de um mecanismo para contornar o processo político majoritário quando este for inerte, emperrado ou incapaz de produzir consenso.

Na temática sanitária, apesar do vasto repertório de normas, inclusive constitucionais, a jurisdição será basicamente principiológica e construtiva. Essa nota característica é constatada principalmente pelo fato de grande parte das decisões importar em uma intervenção positiva em demandas por prestações não incluídas nas políticas públicas existentes, bem como pela necessária consideração das peculiaridades da situação concreta apresentada nas demandas individuais.

Conforme advertem Delduque e Marques (2011, p. 104), essa atuação baseada em princípios “tende a levar os juízes a um julgamento para além da simples leitura da lei e dos elementos normativos” e a uma “interpretação eivada de fatores políticos e até morais”.

Além do princípio da dignidade da pessoa humana, que representa a centralidade de toda ordem jurídica, outros princípios são de fundamental relevância para o tratamento e a resolução das lides sanitárias, com destaque também para o princípio da proibição do retrocesso social. Esse princípio representa a seta que sinaliza, orienta e impulsiona os governantes e os agentes públicos, inclusive os juízes, na busca contínua pela ampliação de espaços de cidadania mediante a concretização dos direitos fundamentais.

Especificamente sobre esse princípio, conclui Cunha (2011, p. 16) que o princípio da proibição do retrocesso social constitui importante aliado na implementação de “uma hermenêutica compromissada com a efetivação da cidadania por meio de direitos fundamentais sociais, pode ser um importante instrumento de efetivação do nosso Estado Democrático de Direito”. Porém, adverte que ele não pode ser entendido como panaceia para todos os problemas, pois é necessária uma “mudança de mentalidade e de conduta e necessária aproximação por parte dos três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) com a realidade social de nosso país”.

Na construção da decisão ideal para o caso concreto, o desafio hermenêutico da jurisdição não é mais um singelo exercício de subsunção do fato à norma, mas sim uma intensa atividade de construção e ponderação, participativa e dialética, que considera os imprescindíveis aportes transdiciplinares e que projeta cautelosamente os efeitos e as consequências da decisão para o futuro.(9)

Krell (2000, p. 26) questiona: está o Poder Judiciário preparado para exercer um papel mais expressivo no controle das políticas públicas? Além desse importante questionamento, muitos outros podem ser adicionados, considerando a complexidade do tema. A questão mais complexa, porém, diz respeito aos limites para que essa contundente intervenção aconteça com o respaldado legitimamente na Constituição da República de 1988.

A importante missão de completar e reconhecer novos direitos, ampliando os espaços de cidadania, caracteriza o fenômeno da judicialização da vida social. O Poder Judiciário, como poder político, desempenha um papel proeminente na salvaguarda de direitos e garantias fundamentais e de socorro aos mais fragilizados.

Conforme explica Viana (1999, p. 22), o Welfare State facultou ao Poder Judiciário o acesso à administração do futuro e o constitucionalismo moderno lhe confiou a guarda da vontade geral, por intermédio dos princípios fundamentais positivados. Tais fatores acarretaram um redimensionamento na clássica divisão entre os poderes, surgindo o Judiciário como uma alternativa para a resolução dos conflitos coletivos, a agregação do tecido social e a adjudicação da cidadania, tema dominante na pauta da facilitação do acesso à Justiça.

Quanto à aplicação do Direito na atualidade, não pode o intérprete deixar de considerar a multiplicidade de relações que envolvem o funcionamento do Estado contemporâneo, as suas carências e limitações e também a sua função primordial, que é fomentar o pleno desenvolvimento humano com qualidade de vida em todas as suas formas. Julgar com responsabilidade não é criar falsas e ilusórias expectativas para o jurisdicionado, mas sim reparar injustiças e garantir direitos fundamentais legítimos e factíveis em determinado tempo e lugar.

Considerando a amplitude da generosa pauta de prestações sociais estatuídas na Constituição da República de 1988, não é possível impor imediatamente ao Estado a execução ideal e simultânea de todas estas políticas pública, até mesmo pelas suas naturais limitações fáticas e econômicas.

Por isso, a interpretação, que é necessariamente histórica, contextual e criativa, não pode ser, e de fato não é, um “labor descompromissado”, no qual se resolve a vida das pessoas apenas com trocadilhos de palavras. Também não pode representar um ato de rebeldia contra o Estado, como se este fosse o único responsável por todas as mazelas existentes na sociedade.

No controle jurisdicional das políticas públicas sanitárias, é fundamental ter-se uma visão holística e sistemática da ordem jurídica e do contexto fático da demanda. Essa cautela é relevante para que os objetivos preconizados pela Constituição não sejam entendidos apenas como direitos subjetivos contra o Estado, mas principalmente como uma estratégia coletiva para o alcance da justiça social e ambiental.

As limitações fáticas e orçamentárias não podem ser postas como justificativa geral para a inércia na implementação das políticas públicas de saúde previstas de forma ampla na Constituição. Por isso, é fundamental a análise criteriosa dos dados empíricos do caso concreto para a justificação das decisões implementadoras de direitos fundamentais prestacionais. A intervenção jurisdicional na condução política das opções do Estado em prol de uma pauta sanitária consistente alcançará legitimidade quando estiver lastreada na riqueza de dados concretos do caso analisado.

A imposição de medidas positivas pelo Poder Judiciário à Administração está plenamente legitimada, até mesmo pelas razões que justificaram historicamente a separação entre os poderes. Merece destaque, ainda, que a vinculação do administrador aos preceitos normativos constitucionais não apenas limita as escolhas e as opções do administrador como também o obriga a agir.

No Brasil, considerando que as normas constitucionais e infraconstitucionais já estabelecem as diretrizes e os deveres que devem ser observados pelo administrador no âmbito da saúde, não há justificativa para que sejam postergadas as ações sob o fundamento da oportunidade e da conveniência ou até mesmo de restrições orçamentárias.

Para a legitimidade da decisão em matéria de controle das políticas públicas ambientais, não é suficiente o esforço argumentativo e retórico no plano abstrato da norma, o que é, aliás, muito mais incumbência do legislador infraconstitucional. A justificação retórica, generalista e abstrata não demanda maiores esforços argumentativos. Ninguém questiona nem duvida de que seja dever do Estado garantir e promover a saúde e de que esse bem supremo garante, em última análise, a própria vida e assegura, por consequência, a dignidade da pessoa humana.

O que é realmente imprescindível para a legitimidade do controle dos atos e das omissões do governo nesse tema é a compreensão e a justificação adequada da norma contexto, ou seja, da norma fundamental a ser construída para o caso concreto. Essa construção deve considerar o contexto fático da demanda, a riqueza e a credibilidade dos dados do caso concreto, a realidade atualizada dos programas estatais e o status de desenvolvimento econômico e social dos entes federativos envolvidos diretamente na política pública analisada.

Demarcadas essas premissas, foram constatadas deficiências importantes na instrução processual na Vara Federal Cível de Criciúma, ou seja, falta de informações mínimas desde o início do processo até o seu julgamento. As perícias judiciais realizadas em consultórios médicos, como regra, não consideravam as políticas públicas existentes e, na generalidade dos casos, apenas respaldavam o que já era prescrito pelo médico da parte-autora, conclusão essa que era integralmente acolhida no julgamento.

Na amostra dos 20 processos anteriores ao mutirão analisados, todas as perícias foram favoráveis, sendo que apenas duas com ressalvas (uma quanto à dosagem e outra quanto à combinação de fármacos). Não foi constatado nenhum caso em que o perito tenha apresentado conclusão pela disponibilidade de alternativa terapêutica no sistema público. Em 16 destes processos o julgamento foi pela procedência e em 04 foi constatado óbito ou término do tratamento antes do julgamento.

Esse quadro preocupante demonstrou a necessidade de uma gestão cuidadosa do tema, inclusive como estratégia de prevenção de litígios desnecessários, ou seja, desjudicialização de demandas.

Foram empreendidas as seguintes medidas gerenciais na unidade jurisdicional: a) especialização de um setor para o processamento dessas demandas; b) ampla consulta a órgãos públicos acerca das políticas públicas e dos serviços de saúde disponíveis na região, inclusive mediante convênios; c) contatos com o Ministério Público Federal para compartilhamento de informações, objetivando atuação coletiva nos casos de deficiências mais críticas; d) criteriosa triagem e análise das petições iniciais, notadamente para direcionar desde logo os pleitos para as políticas públicas já disponíveis e para melhorar a instrução, mediante intimação da parte para apresentação de informações e documentos e também por meio de expedição de ofício requisitório aos profissionais de saúde responsáveis pela indicação do tratamento;(3) e) realização de mutirão temático de audiências integradas com perícia judicial e conciliação.(4)

Deve-se enfatizar que a dimensão procedimental da jurisdição naturalmente não pode cercear o acesso à justiça na dimensão substancial. Nos casos de extrema urgência, eventuais esclarecimentos complementares necessários não podem protelar a prestação jurisdicional em caráter liminar. Em muitos casos também não será viável direcionar as demandas para o sistema público, sendo indispensável a intervenção jurisdicional concessiva, mas o importante é que tal providência ocorra após ampla e suficiente instrução processual com participação plena das partes.

O sistema de audiências integradas com perícia apresenta como grande vantagem a concentração de muitos atos processuais; facilita a conciliação mediante entendimento das partes; possibilita a presença de equipes técnicas dos órgãos públicos que podem indicar alternativas terapêuticas eficazes e do profissional de saúde que indicou o tratamento, ainda que por meio de alternativa tecnológica disponível (Skype, videoconferência, dentre outras). Também possibilita a implantação progressiva de um amplo banco de laudos periciais judiciais para municiar o juízo com informações vastas para o gerenciamento desses processos desde a propositura até o julgamento final.

Na sequência, compartilha-se o resultado da pesquisa empírica que demonstra a realidade desses processos, bem como alguns resultados prévios que já foi possível avaliar.

2 Relato de pesquisa empírica

2.1 Panorama geral de ações de medicamentos na jurisdição federal de Criciúma e em Santa Catarina(5)

A ideia desta apuração é demonstrar o elevado número de ações de medicamentos em tramitação e anualmente ajuizadas em Santa Catarina e em Criciúma. Um dado que merece destaque é a estabilização, com tendência de diminuição, observada a partir de 2009 e 2010, fato esse decorrente também da ampliação dos serviços de saúde que estão sendo disponibilizados à população, inclusive mediante padronização de novos medicamentos.

Tabela nº 01

ITEM

SIAPRO

EPROC V1

EPROC V2

TOTAL

1

38

68

106

 

2

CRIJC01

04

149

153

CRIJC02

05

205

210

3

1

222

223

4

07

08

09

10

11

12

13

T

982

4356

6777

6729

5610

3319

223

27996

5

03

04

05

06

07

08

09

10

11

12

13

T

0

5

37

87

27

426

2106

2422

2190

1417

118

8835

6

03

04

05

06

07

08

09

10

11

12

13

T

02

110

279

513

982

4356

6777

4779

5610

3319

223

26950

1. Total ajuizado na nova Vara Federal Cível de Criciúma entre 28.02.2012 e 28.11.2012.
2. Total ajuizado nos JEFs (Juizados Especiais Federais) em Criciúma em 2012.
3. Total ajuizado em Santa Catarina em 2013 (JEF e rito ordinário) até 05.02.
4. Total ajuizado em Santa Catarina desde 2007 (JEF e rito ordinário).
5. Total ajuizado em Santa Catarina desde 2003 (JEF) envolvendo todos os sistemas processuais (e-Proc v1, e-Proc v2).
6. Total ajuizado em Santa Catarina desde 2003 (JEF e rito ordinário) envolvendo todos os sistemas processais (Siapro, e-Proc v1, e-Proc v2).

Considerando que a unidade jurisdicional foi criada apenas em 28 de fevereiro de 2012, não foi possível realizar um diagnóstico seguro para indicar tendências quanto ao aumento ou à diminuição do ajuizamento de demandas. Mas, pelo volume de tutelas de urgência apreciadas, é possível indicar quadro estável e diversificação de temas, ou seja, situações novas, com destaque para pleitos de internação para tratamento de dependentes químicos.

2.2 Volume de ações de medicamentos e perfil geral dos jurisdicionados na Vara Federal Cível de Criciúma

O total de processos ajuizados na Vara Cível de Criciúma entre 28.02 e 31.12.12 foi de 1.302. Deste quantitativo, 106 foram processos envolvendo ações de medicamentos, o que representa quantia superior a 8% do total. Esse número é expressivo, considerando a amplitude da competência da unidade, que processa todos os processos da competência cível, exceto juizados.

Merece especial destaque o perfil destes jurisdicionados, constituído por pessoas em situação de fragilidade extrema pelo estágio avançado das doenças ou por elas serem doenças crônicas e sem prognóstico de cura, principalmente câncer.

Das 26 audiências com perícia integrada, na maioria dos casos o perito solicitou a saída do autor em função de ser quadro de “diagnóstico reservado”, ou seja, de alta probabilidade de óbito em pouco tempo.

Pela gravidade dos casos, é muito comum a constatação de cenas de choro, comoção e abatimento geral de familiares quando são divulgados os resultados da perícia. Afinal, a esperança depositada pela família no Poder Judiciário não diz respeito apenas ao resultado formal da demanda – procedente ou improcedente –, mas à própria vida do seu familiar, que pode ser salva pelo acesso à medicação ou ao procedimento indicado como indispensável.

Foi apurada também uma elevada quantidade de óbitos durante a tramitação dos processos. De um total de 60 processos analisados, 13 foram extintos pelo óbito do autor.(6) Esse dado confirma o perfil das demandas e a sua extrema urgência, pelo efetivo risco de vida, pois muitos pacientes estão em situação terminal e já tentaram diversas alternativas de tratamento.

Esse panorama evidencia significativo volume de ações e, principalmente, que se trata de uma jurisdição sensível, na qual o magistrado atua não só na beira do leito, mas, em muitos casos, até mesmo na beira do túmulo. Precisa gerenciar muito bem as situações de urgência, buscar ancoragem e respaldo técnico em perícia qualificada para bem decidir, e saber gerenciar até mesmo a dimensão psicológica contida nesses litígios, com paciência, equilíbrio e elevado senso de humanidade.

2.3 Elevada diversidade de fármacos postulados

Apesar de a maioria das doenças serem crônicas e estarem concentradas principalmente nas inúmeras modalidades de câncer, os tipos de fármacos e procedimentos postulados são muito diversificados.

Naturalmente, essa variação decorre também da dimensão subjetiva da indicação terapêutica, afinal, a medicina não é uma ciência exata. E, seguramente, é também influenciada até mesmo por estratégias eficazes de propaganda de grandes laboratórios.

Essa constatação empírica demonstra que não há, na generalidade dos profissionais de saúde, especialmente médicos, preocupação e comprometimento em direcionar tais demandas para as políticas públicas já existentes e em plena implementação.

Tabela nº 02

FÁRMACO POSTULADO E PROCEDIMENTOS

Herceptin (Trastuzumabe) – 10

Infliximabe (Remicade) – 8

Rituximabe (Mabthera) – 8

Sustent (Sunitinib) – 4

Temozolamida (Temodal) – 4

Interferon Peguilado e Ribavirina – 4

Eritropoetina – 2

Lucentis (Ranibizumabe) – 3

Erlotinib – 3

Boceprevir (Victrelis) – 3

Vidaza (Azacitidina) – 2

Oxaliplatina – 2

Avastin (Bevacizumabe) – 2

Neocate – 2

Stomahesive pasta – 1

Exame de Fibrobroncoscopia com Biopsia – 1

Mercaptopurina – 1

Iressa (Gefinitib) – 1

Cetuximab (Erbitux) – 1

Nexavar (torsilato de sorafenibe) – 1

Insulina Glargina, Insulina Ultra Rápida e Janumet – 1

Galvus Met (Metformina + Vildagliptina) – 1

Topamax e Sabril – 1

Raloxifeno, Apresolina, Divelol e Diovam HCT – 1

Atensina, Fluox e Rivotril – 1

Libiam – 1

Amlovac, Fenofibrato e Carvedilol –1

Thalidomida – 1

Micardis, AAS, Lipitor, Caltren, Angipress, Citalopran, Rivotril e Omnic – 1

Sifrol, Propalona, Somalgin, Atenolol, Clortalidona – 1

Desalex, Zixem, Singulair, Nasonex, Seretide – 1

Internação imediata em UTI – 1

Trileptal e Urbanil – 1

Temozolidina e Oxcarbazepina – 1

2.4 Tutela de urgência

Até a data do mutirão de audiências integradas com perícia, foram decididos dezenas de pedidos liminares. Na grande maioria dos casos, a liminar foi integralmente deferida. Dos 26 processos do mutirão temático, foram deferidas integralmente 22 liminares. Em três casos foi solicitada complementação da documentação pela parte e em um caso a deliberação foi pela análise da liminar após a perícia. Não houve nenhum caso de indeferimento.

grafico1

Após a realização do mutirão, o número de deferimentos imediatos reduziu significativamente, pois vários eram os casos que poderiam e foram direcionados imediatamente para as políticas públicas já existentes. O deferimento imediato deixou de ser a regra e passou a ser a exceção, apenas para casos de extrema urgência e com demonstração razoável de ausência de cobertura pelo sistema público, especialmente com indicação concreta de inadequação do protocolo clínico padronizado para o caso concreto.

De uma amostragem de 20 processos analisados: a) 06 liminares imediatamente deferidas (D); b) 04 requisições de informações complementares diretamente ao médico que indicou o fármaco postulado (ICM); c) 02 indeferimentos por falta de urgência (I); d) 08 solicitações de informações complementares, especialmente relacionadas à inadequação ou à insuficiência de terapias disponibilizadas e padronizadas pelo sistema público para o tipo de patologia indicado (ICP).

grafico2
(D) = deferidas; (ICM) = requisições de informações complementares ao médico da parte; (I) = indeferimento; (ICP) = solicitação de informações complementares da parte-autora.

Esse novo cenário demonstra que, de um total de 20 processos, apenas 06 foram imediatamente deferidos (D), sendo que os demais 16 tiveram decisão diversa (DD). A razão para essa mudança foi um incremento substancial de informações e conhecimento maior do conjunto de políticas públicas existentes na região.

grafico

2.5 Prova técnica e audiência judicial integrada (conciliação e instrução)

Quanto à prova técnica, foi constatado que a perícia judicial integrada, ou seja, realizada na presença das partes e do magistrado, permite uma avaliação mais completa do conjunto de variáveis que interferem na análise do caso, principalmente na identificação dos serviços de saúde disponibilizados no sistema público de saúde.

Todavia, foi constatado que, das 26 perícias realizadas, em 17 casos, ou seja, mais da metade, o perito concluiu contrariamente ao pleito dos autores ao atestar que existia alternativa terapêutica no sistema público ou que essas alternativas não haviam sido esgotadas.(7) Conforme antes referido, nos vinte processos analisados com perícia realizada em consultório antes do mutirão, em todos os casos a conclusão técnica foi favorável, havendo apenas dois com ressalva (dosagem e necessidade de combinação).

O que foi possível constatar também da pesquisa e da experiência prática é que, na maior parte dos casos, a controvérsia desborda totalmente da avaliação jurídica e passa a ser exclusivamente técnica, ou seja, discussão entre médicos.

Ficou muito clara também a dificuldade extrema do perito judicial de apresentar conclusão contrária ao seu colega, quer seja o que prescreveu o tratamento, quer seja a assistente do ente público que afirmava, em audiência, a existência de alternativa terapêutica no sistema público.

Esse quadro, concretamente provado na pesquisa, deverá servir também até como alerta aos julgadores para que se evite terceirizar o julgamento mediante singela homologação irrefletida do parecer do perito, inclusive com risco grave de comprometimento do contraditório.

O contraditório pode ser colocado em risco pela ausência do médico assistente do ente público, que conhece amplamente as políticas públicas disponíveis no sistema, ou do profissional que prescreveu a medicação e conhece todo o histórico clínico do seu paciente. No mutirão concentrado, durante todas as audiências esteve presente uma experiente médica assistente da União e apenas em um processo compareceu o médico que prescreveu o medicamento postulado.(8)

Uma estratégia utilizada para evitar a fragilização do contraditório foi a de requisição de informações complementares ao médico que indicou o medicamento postulado, fato que ocorreu em seis dos processos com perícia negativa.(9)

Após essas informações complementares do assistente, o perito era novamente ouvido, sendo que, na maioria dos casos, mantinha a conclusão. No processo nº 5003563-64.2012.404.7204 (RITUXIMABE 500mg), o perito inicialmente concluiu que “a medicação postulada não só é inadequada como também contraindicada, pois diminuirá ainda mais o sistema imunológico geral da autora”. Curiosamente, após manifestação fundamentada do médico que prescreveu o medicamento, o perito alterou totalmente a sua conclusão para que fosse acolhido o pleito judicial da parte-autora.

Apesar das dificuldades e dos desafios acima descritos, não resta dúvida de que a melhor forma de instruir e resolver essas demandas, quer seja por acordo, quer seja por decisão adjudicada, é mediante a realização de mutirões temáticos de audiências concentradas, preferencialmente oportunizando-se, também, a manifestação do médico que prescreveu o medicamento, e tomando todas as cautelas necessárias para o resguardo pleno da garantia constitucional do contraditório.

A forma ideal para a resolução desses conflitos é mediante mediação e conciliação, conforme, aliás, ocorre com pleno êxito em diversos países. Entretanto, apesar de experiência exitosa ocorrida há alguns anos no Juizado Especial Federal Cível de Florianópolis, a política atual da União é totalmente contrária à conciliação. Por isso, apesar de todo esforço, foi possível obter acordo apenas parcial em dois dos 26 processos pautados para o mutirão.

2.6 Resultado final das demandas e direcionamento para políticas públicas

O resultado dos 26 processos encaminhados para o mutirão foi o seguintes: 13 procedências; 08 improcedências; 04 óbitos ou términos do tratamento; e 01 parcial procedência. Uma observação muito importante é que nem sempre a decisão judicial final acolheu a conclusão do perito, pois este apresentou conclusão contrária em 17 processos.(10)

Porém, a análise de julgamentos proferidos antes do mutirão demonstrou que a grande generalidade dos casos sentenciados no mérito, ou seja, não extintos por óbito, término do tratamento ou desistência, foi de procedência. Nenhuma improcedência total foi constatada, e a existência ou não de alternativa terapêutica não era investigada com profundidade.

Do total de sessenta processos julgados no mérito, conforme pesquisa de sentenças pelo sistema GedPro, em 35 casos foi constatada a existência de alternativa terapêutica no sistema público, ou seja, em mais da metade dos pedidos. Todavia, nem sempre a existência de alternativa terapêutica era suficiente para alterar o resultado do julgamento, o que também ocorria pela falta de avaliação ampla e adequada da eficácia e da adequação da alternativa disponibilizada.

Um exemplo concreto e paradigmático de direcionamento do pleito judicial para políticas públicas já existentes, constatado na pesquisa, ocorreu no processo 50105788420124047204. Neste caso, a parte postulava, em regime de urgência, ordem judicial para assegurar internação em UTI – Unidade de Terapia Intensiva, ou pagamento integral de internação em hospital particular. Em caráter emergencial e antes da decisão liminar, foram empreendidos contatos telefônicos na busca de alternativa no sistema público da região e foi viabilizada a internação em UTI de hospital público da capital (Florianópolis). O processo foi extinto sem apreciação do mérito a pedido da própria parte.

Assim, demonstra-se concretamente a partir desta pesquisa que é possível a adoção de medidas para assegurar maior eficiência na solução das demandas judiciais envolvendo a assistência à saúde, inclusive alcançar prevenção de litígios ou do seu trâmite quando claramente desnecessários ante as alternativas já disponíveis no sistema público.

Salet (2007, p. 16) defende que só a partir de uma “convergência de vontades e de esforços”, envolvendo de forma cooperativa o Poder Público e a sociedade, evitando-se o “jogo de ‘empurra-empurra’”, existente inclusive entre os Poderes, é que será possível assegurar a tão almejada efetividade plena do direito à saúde e, por consequência, possibilitar ao cidadão a garantia de “usufruir das condições mínimas para uma vida digna”.

É exatamente essa ideia de convergência, cooperação e parceria que se preconiza neste estudo. Incumbe ao Poder Judiciário, como guardião das promessas, fazer a sua parte nesta empreitada comum. Missão essa a ser desincumbida não por intermédio de uma atuação competitiva, irracional e inconseqüente, que desconsidera e conscientemente ignora as implicações sociais e até mesmo econômicas das decisões, mas com forte espírito republicano, visão holística e integrada e, naturalmente, com especial sensibilidade humana para bem gerir demandas sensíveis como essas.

A intervenção jurisdicional que desconsidera a engenharia do sistema público de saúde e o conjunto de políticas disponíveis e intencionalmente ignora todo o esforço desenvolvido por grupos de especialistas para sistematizar e padronizar prestações em saúde, mediante programas e protocolos de acesso universal, pode colocar em risco o próprio sistema público de saúde do país.(11)

Conclusão

A partir da pesquisa desenvolvida, com destaque para o seu aspecto empírico, é possível apresentar a seguinte síntese conclusiva:

a) Considerando a forma de positivação constitucional do Direito à Saúde, é legítima e necessária a intervenção jurisdicional no controle da implementação das políticas públicas de saúde;

b) O controle jurisdicional de políticas públicas em saúde, destacadamente na sua dimensão procedimental, pode contribuir com implementação de políticas públicas e, por consequência, com a prevenção de litígios.

c) A melhor forma de acolhimento das recomendações do Conselho Nacional de Justiça está na dimensão procedimental da jurisdição, mediante um conjunto articulado de procedimentos que melhorem a gestão da informação e o melhor aproveitamento possível das políticas públicas disponíveis. Tudo sem prejuízo da atuação substancial nos casos necessários, ou seja, da outorga direta e emergencial do bem da vida postulado.

d) A jurisdição federal pode atuar colaborativamente também como indutora de políticas públicas sanitárias e na prevenção de litígios. Assim, vai assegurar de maneira ainda mais efetiva, ampla e rápida o acesso da população ao direito fundamental à saúde, exatamente nos termos preconizados na Recomendação nº 31 do Conselho Nacional de Justiça.

Referências

ALCÂNTARA, Gisele Chaves Sampaio. Judicialização da saúde: uma reflexão à luz da teoria dos jogos. Revista CEJ, Brasília, a. XVII, n. 57, p. 88-94, maio/ago. 2012.

BARROSO, Luís Roberto. Retrospectiva 2008: judicialização, ativismo e legitimidade democrática. Revista Consultor Jurídico, 2009. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/static/text/72894,1>. Acesso em: 13 jan. 2013.

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Recomendação n. 31. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/atos-administrativos/atos-da-presidencia/322-recomendacoes-do-conselho/12113-recomendacao-no-31-de-30-de-marco-de-2010>. Acesso em: 08 fev. 2013.

CUNHA, Jarbas Ricardo Almeida. O princípio da proibição do retrocesso social como norte para o desenvolvimento do direito à saúde no Brasil. Anais do I Circuito de Debates Acadêmicos.  CODE 2011 – Conferência de Desenvolvimento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (CODE-IPEA). Brasília, 2011. Disponível em: <http://www.scribd.com/doc/78527675/Anais-do-I-Circuito-de-Debates-Academicos-Sumario-II-CODE-Ipea-2011>. Acesso em: 07 fev. 2013.

DELDUQUE, Maria Célia; MARQUES, Sílvia Badim. A judicialização da política de assistência farmacêutica no Distrito Federal: diálogos entre política e direito. Revista Tempus Actas de Saúde Coletiva, Brasília, v. 5, n. 04, p. 97-106, 2011. Disponível em: <http://tempus.unb.br/index.php/tempus/article/download/1060/968>. Acesso em: 07 fev. 2013.

KRELL, Andreas J. Controle judicial dos serviços públicos básicos na base dos direitos fundamentais sociais. In:SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). A Constituição concretizada: construindo pontes com o público e o privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000.

MORAES, Guilherme Peña. Controle judicial das omissões da Administração Pública sob a perspectiva do neoconstitucionalismo. In: MOREIRA, Eduardo Ribeiro; PUGLIESI, Marcio (Org.). 20 anos da Constituição brasileira. São Paulo: Saraiva, 2009.

SARLET, Ingo Wolfgang. Algumas considerações em torno do conteúdo, eficácia e efetividade do direito à saúde na Constituição de 1988. Revista Eletrônica sobre Reforma do Estado (RERE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, n. 11, set./out./nov. 2007. Disponível em: <http://egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/31953-37383-1-PB.pdf>. Acesso em: 06 fev. 2013.

SOUZA, Celina. Políticas Públicas: uma revisão da literatura. Sociologias, Porto Alegre, a. 8, n. 16, p. 20-45, jul./dez. 2006.

VIANNA, Luiz Werneck et al. A judicialização da política e das relações sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1999.

Notas

1. Na Subseção Judiciária de Criciúma, as causas de até 60 (sessenta) salários mínimos, inclusive as que envolvem medicamentos e outras prestações de saúde, são processadas e julgadas por dois Juizados Especiais especializados, ou seja, que recebem apenas ações da competência do Juizado Especial Federal.

2. Esse movimento e, em especial, a 8ª Conferência Nacional de Saúde estabeleceram pautas relevantes na democratização das políticas de saúde, acesso universal e gratuito que muito influenciaram o legislador constituinte de 1988.

3. Com essa triagem evita-se também a concessão de liminares nos casos de medicamentos experimentais ou sem registro na Anvisa, conforme recomendado no item I, b.2, da Recomendação 31 do CNJ. No processo 5006473-98.2011.404.7204, por exemplo, foi constatado deferimento de liminar para medicação sem registro na Anvisa. A parte-autora era portadora de Hemoglobinúria Paroxística Noturna – HPN (CID D-59) e teve indicação de uso do medicamento não oficialmente registrado Eculizumab, com custo aproximado de U$ 131.900,00 (cento e trinta e um mil e novecentos dólares) por trimestre. A sentença foi de improcedência. Há recurso pendente, porém as duas turmas competentes para a matéria no Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidem também pela improcedência nessas hipóteses.

4. A ideia de mutirão de audiências integradas com perícia foi apresentada e conjuntamente implementada pela magistrada federal Rafaela Santos Martins da Rosa, que também atua na unidade jurisdicional.

5. Estes dados oficiais foram obtidos no Núcleo de Apoio Judiciário da Seção Judiciária de Santa Catarina e foram coletados no dia 05.02.2013. Observações: 1. Critérios de pesquisa para JEF (Juizado Especial Federal): 1.I. Classe Procedimento Especial do Juizado Especial Cível; 1.II. Assunto: 01040405 – Tratamento Médico-Hospitalar e/ou Fornecimento de Medicamentos. 2. Critérios de pesquisa para JEF e Rito Ordinário: 2.I. Todas as classes. 2.II. Assunto: 01040405 – Tratamento médico-hospitalar e/ou Fornecimento de Medicamentos.

6. Nenhum caso de óbito foi constatado entre a data do ajuizamento da demanda e a decisão liminar.

7. No processo 5006048-37.2012.404.7204, por exemplo, caso grave e terminal de acometimento de câncer, concluiu o perito sobre o medicamento postulado, MATHERA® (rituximabe): “apesar do estado avançado da doença, a medicação postulada que é dispensada em complemento a outro esquema terapêutico (CHOP, já coberto pelo sistema público) não agrega resultados, ou seja, não melhora o prognóstico da doença nem em termos de qualidade de vida”. Reiteradas foram as conclusões do perito no sentido de que “não foram tentadas alternativas disponíveis no sistema público”.

8. O comparecimento do médico que prescreveu o medicamento requerido ocorreu no processo nº 50028490720124047204. Neste, após vários esclarecimentos e manifestações técnicas, os três médicos (assistente da União, perito judicial e médico da parte-autora) concluíram que era indispensável o fornecimento da medicação requerida.

9. Cite-se, como exemplo, a decisão proferida no processo nº 50095233520114047204, no qual a conclusão da perícia foi contrária ao pleito da parte: “1 – Considerando a conclusão do perito judicial no sentido de que não foram esgotadas as demais alternativas terapêuticas disponíveis, inclusive no sistema público: Sulfassalasina, Ciclosporina, Azatioprina, Corticóides, mezalina, bem como que não há qualquer indício de que essas indicações terapêuticas possam ser refratárias, expeça-se mandado de intimação para o médico que acompanha a autora, Dr. [...], para que ateste em 10 dias, sob as penas da lei (crime de falso atestado), as seguintes informações: a) a evolução do tratamento com indicação dos medicamentos já fornecidos, bem como eventual demonstração de efeito refratário de alguns dos fármacos disponíveis ordinariamente para o tratamento da patologia e inclusive no sistema público, conforme relação exemplificativa acima referida; b) qual é a base científica que justifique com a segurança possível que esta é a medicação (Adalimumabe) mais apropriada para o caso da autora, bem como motivo para o uso por tempo indeterminado”.

10. Nos processos de nos 50027876420124047204 e 50027876420124047204, por exemplo, a perícia foi contrária e a sentença favorável, baseada em outros elementos de convicção, tais como histórico clínico e fragilidade extrema do paciente, dentre outros fundamentos.

11. Nesse sentido também é a conclusão enfática de Gisele C. S. Alcântara: “Cada um, isoladamente, ajuíza uma demanda, pleiteando a melhor prestação de saúde possível. O resultado para a concessão destes diversos pleitos individuais [...] é o pior possível: o colapso do próprio sistema de saúde” (ALCÂNTARA, 2012, p. 91).


Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023:2002/ABNT):
. . Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n., dez. 2013. Disponível em:
<>
Acesso em: .


REVISTA DE DOUTRINA DA 4ª REGIÃO
PUBLICAÇÃO DA ESCOLA DA MAGISTRATURA DO TRF DA 4ª REGIÃO - EMAGIS