Desaposentação(1)

Autor: Bruno Risch Fagundes de Oliveira

Juiz Federal Substituto

 publicado em 30.04.2014



Resumo

O texto destaca a inovação jurídica ocorrida com o surgimento do instituto da desaposentação. Após, é analisada a possibilidade de renúncia à aposentadoria, com a utilização do tempo de serviço/contribuição antes contabilizado, além de novos períodos, à luz da doutrina e da jurisprudência pátrias. Por fim, há a conclusão sobre o tema, salientando a importância da definição do assunto, para garantir a segurança jurídica das relações.

Palavras-chave: Aposentadoria. Desaposentação. Renúncia. Desistência. Reutilização de períodos laborados.

Sumário: Introdução. 1 Histórico do instituto. 2 Teorias a respeito do tema e a jurisprudência dos tribunais. Conclusão. Referências bibliográficas.

Introdução

A aposentadoria é a recompensa para aqueles que, ao longo da vida laboral, contribuíram pensando no seu futuro, de modo que terão a oportunidade de receber uma contraprestação pela atividade desempenhada durante anos. A maioria dos segurados verte contribuições imaginando um dia não precisar mais trabalhar, tendo, entretanto, uma renda fixa mensal, que lhe garanta a manutenção da sua qualidade de vida.

Outrossim, existe uma minoria que, ainda que aposentada, retorna ao trabalho ou sequer cessa o labor. Em relação a essas situações peculiares, ressalta-se que o sistema previdenciário brasileiro adota a posição de que o aposentado que segue na ativa após o jubilamento deve, também, continuar vertendo contribuições previdenciárias.

Quanto a isso, dispõe o artigo 11, § 3º, da Lei 8.213/91, incluído pela Lei nº 9.032/95:

“O aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social – RGPS que estiver exercendo ou que voltar a exercer atividade abrangida por esse Regime é segurado obrigatório em relação a essa atividade, ficando sujeito às contribuições de que trata a Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, para fins de custeio da Seguridade Social.”

A partir disso, surge a questão sobre a possibilidade de utilização dos novos períodos contributivos para fins de recálculo daquela aposentadoria já concedida. Ou, ainda, se não se poderia abdicar do benefício, com posterior novo requerimento de aposentadoria, contados períodos recentes, além daqueles contabilizados no benefício renunciado.

Essa ideia de renúncia à aposentadoria com a possibilidade de utilização do tempo de contribuição que fundamentou o benefício abdicado em uma nova aposentadoria, no mesmo regime ou em outro diverso, é o que se costumou denominar de desaposentação.

Desaposentação, segundo Lazzari e Castro, é o “ato de desfazimento da aposentadoria por vontade do titular, para fins de aproveitamento do tempo de filiação em contagem para nova aposentadoria, no mesmo ou em outro regime previdenciário”.(2)

Seguem os autores, afirmando:

“Trata-se, em verdade, de uma prerrogativa do jubilado de unificar os seus tempos de serviço/contribuição em uma nova aposentadoria. Por exemplo: um advogado aposentado pelo RGPS que vem a ser aprovado no concurso de juiz federal. Pretendendo uma futura aposentadoria como magistrado, com aproveitamento do tempo de filiação ao RGPS, deverá renunciar o benefício recebido pelo INSS e requerer a averbação do tempo anterior no novo regime.”

Com efeito, em que pese esteja sendo amplamente permitida a prática desse mecanismo na doutrina e na jurisprudência, à luz da Lei de Benefícios (8.213/91), o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS tem entendido que, por conta do disposto no art. 18, § 2º, fica vedada a desaposentação, pois o aposentado que seguir na ativa não pode fazer jus a nenhum benefício, salvo salário-família e reabilitação profissional. Ou seja, a adoção de uma interpretação literal de um artigo da Lei de Benefícios faz com que, administrativamente, não seja aceita a tese antes ventilada, o que induz a uma gigantesca judicialização do tema.

Como já assinalado, o segurado sente-se prejudicado com a situação, em virtude de, após a concessão do benefício previdenciário, seguir compulsoriamente vinculado ao regime previdenciário, o que o obriga a seguir contribuindo. Por conta disso, discute a viabilidade da contagem dos novos períodos laborados, o que pode fazer com que haja melhora na sua renda mensal, por meio da substituição da antiga aposentadoria por uma nova.

A opção, na maioria das vezes, é mais vantajosa do ponto de vista financeiro, sobretudo quando se tratar de uma “troca” de uma aposentadoria proporcional por uma integral. Em contrapartida, a desaposentação deixa de ser vantajosa se o trabalhador não teve reajuste salarial acima da inflação durante o período das recentes contribuições ou se a média salarial for inferior à usada no cálculo original da aposentadoria, pelo que faltaria interesse processual no ajuizamento da demanda judicial.

Deve-se mencionar que apenas o fato de somar mais tempo de contribuição à contagem da aposentadoria não necessariamente conduz à ideia de aumento do benefício mensal.

Sobre isso, assim fundamentou Gisele Lemos Kravchychyn(3):

“Atualmente, nem sempre um benefício com mais tempo de contribuição resultará em um valor de renda mensal maior. Assim, a análise sobre o beneficio da desaposentação deve ser feita caso a caso, já que, ainda que legalmente cabível, pode ser mais vantajoso ao segurado permanecer aposentado pelas regras anteriores.”

Ou seja, a vantagem ou não da desaposentação dependerá das peculiaridades do caso a ser analisado, o que poderá ou não resultar em renda mensal superior à do benefício originário.

A despeito das modalidades de desaposentação, é importante distinguir aquelas que ocorrem no mesmo regime daquelas que se operam de um regime para outro.

Quanto a essas espécies, cumpre que sejam copiadas as palavras de Marcos Galdino de Lima(4):

“É bom esclarecer que há duas espécies de desaposentação: a que se opera no mesmo regime e a que ocorre, como bem disse Ibrahim (2007, p. 38), com a transmudação entre regimes previdenciários diversos.

Convém pontuar que a primeira espécie ocorre quando o segurado já aposentado continua a trabalhar e recolher as cotizações previdenciárias no mesmo regime; e a segunda, quando o segurado também aposentado por um regime continua a trabalhar e verter as contribuições previdenciárias em outro regime previdenciário, ficando vinculado a este último regime quanto às novas cotizações (art. 12, § 4º, da Lei nº 8.212/1991).

É certo que a segunda possibilidade aventada ocorrerá com maior frequência quando o segurado já aposentado pelo RGPS passa a exercer atividade vinculada a um RPPS; mas, ao menos no campo das hipóteses, é possível cogitar-se a migração pós-aposentadoria de um RPPS para o RGPS, embora talvez não seja muito vantajoso em regra. Exemplificando, temos o caso hipotético de um servidor de nível médio que, pós-aposentadoria, é contratado por uma grande empresa privada com salário mais vantajoso e passa a cotizar compulsoriamente contribuições para o RGPS.”

1 Histórico do instituto

A desaposentação é um instituto relativamente recente no direito brasileiro. Pode-se dizer que o fato que desencadeou a discussão sobre a possibilidade de renúncia e novo pedido de jubilamento, com contagem do tempo já utilizado, além de novos períodos, foi a extinção do benefício de pecúlio, a partir da vigência da Lei 8.870/94.

O pecúlio era devido ao aposentado que retornasse à ativa e estava disposto nos artigos 81 a 85 da Lei de Benefícios (8.213/91).

Dispunha a norma, em seu artigo 81, II, que seria devida tal benesse ao “segurado aposentado por idade ou por tempo de serviço pelo Regime Geral de Previdência Social que voltar a exercer atividade abrangida pelo mesmo, quando dela se afastar”.

O pecúlio permaneceu para casos dos incisos I e III do referido artigo, tendo sido revogado pelas Leis 9.129/95 e 9.032/95.

Dito isso, cumpre frisar que, à época da existência dessa verba, ainda que o sistema previdenciário tivesse entre seus pilares os princípios da distributividade ou solidariedade e da equidade, o que ainda remanesce, conforme art. 194, III e V, da Constituição Federal, o segurado possuía uma contraprestação razoável à sua obrigação contributiva.

Por outro lado, com a sua cessação, o segurado aposentado em atividade laboral passou a não ser mais beneficiado com as novas contribuições vertidas após o jubilamento, o que fez surgir a ideia de discutir a possibilidade da desaposentação.

Essa terminologia, aliás, foi criada por Wladimir Novaes Martinez, em 1987, por meio de artigo publicado pela LTr, o qual versava sobre o tema "Renúncia e irreversibilidade dos benefícios previdenciários", pioneiro no assunto, como o próprio doutrinador tem alertado no livro "Desaposentação", de sua autoria, publicado em 2008 pela mesma editora.

Segundo refere Martinez,(5) o marco inicial normativo federal da possibilidade da desaposentação é a lei que trata do juiz classista, Lei 6.903/81, que diz em seu artigo 9º: “Ao inativo do Tesouro Nacional ou da Previdência Social que estiver no exercício do cargo de Juiz Temporário e fizer jus à aposentadoria nos termos desta lei, é lícito optar pelo benefício que mais lhe convier, cancelando-se aquele excluído pela opção”.

Esse mesmo autor, em 1988 publicou o artigo intitulado "Reversibilidade da prestação previdenciária", publicado pela editora IOB in Repertório de Jurisprudência da 2ª quinzena de julho de 1988, em que defendeu a irreversibilidade do direito como uma garantia do segurado, e não da instituição previdenciária.

Por fim, destaca-se que há, no âmbito da Previdência Própria da União, o instituto da reversão, que seria, mutatis mutandis, similar à desaposentação.
Sobre isso, escreveram Lazzari e Castro:

“No âmbito da Administração Pública Federal, o assunto é tratado como reversão, cujo conceito, previsto na redação atual do art. 25 da Lei nº 8.112/90, é o de retorno à atividade do servidor aposentado. A reversão está regulada pelo Decreto nº 3.644, de 30.11.2000. O servidor que retornar à atividade perceberá, em substituição aos proventos da aposentadoria, a remuneração do cargo que voltar a exercer e somente terá os proventos calculados com base nas regras atuais se permanecer pelo menos cinco anos no cargo. A reversão nada mais é do que a desaposentação, pois possibilita ao servidor contar o tempo anterior para cálculo da nova aposentaria a ser concedida futuramente. Outro precedente legal nesse sentido é o da Lei nº 6.903/81, que tratava da aposentadoria dos Juízes Vogais, posteriormente revogada pela Lei nº 9.528/97.”

2 Teorias a respeito do tema e a jurisprudência dos tribunais

A discussão sobre o tema parece ser de grande valia para todos, pois, dessa forma, há a análise de todos os argumentos a fim de fomentar a busca pelo melhor direito. Por conta disso, formaram-se inúmeras correntes sobre o assunto, cada qual amplamente sustentável.

Há, por parte de alguns juristas, uma posição mais conservadora, baseada no entendimento de que, não havendo previsão legal, não há que se falar em desaposentação. Tal pensamento, como já foi dito, tem como principal argumento a disposição do art. 18, § 2º, da Lei 8.213/91.

Certamente se trata de um posicionamento minoritário, o qual não deve prevalecer nos casos concretos, já que a jurisprudência pátria, praticamente, não o utiliza. Por razões óbvias, segue sendo a tese defendida pelo INSS, tanto administrativamente quanto judicialmente.

Citando o posicionamento do INSS, os doutrinadores João Batista Lazzari e Carlos Alberto Pereira de Castro manifestaram:

“Tem entendido o INSS que a aposentadoria é irrenunciável, dado seu caráter alimentar, só se extinguindo com a morte do beneficiário. E lhe atribuiu o caráter de irreversibilidade, por considerar a aposentadoria um ato jurídico perfeito e acabado, só podendo ser desfeito pelo Poder Público em caso de erro ou fraude na concessão.”

Aliás, a norma regulamentadora do Regime Geral de Previdência Social, Decreto 3.048/99, ao tratar do benefício de aposentadoria, menciona, em seu artigo 181-B e parágrafo único, que:

“Art.181-B. As aposentadorias por idade, tempo de contribuição e especial concedidas pela previdência social, na forma deste Regulamento, são irreversíveis e irrenunciáveis. (Artigo acrescentado pelo Decreto nº 3.265, de 29.11.99)
Parágrafo único. O segurado pode desistir do seu pedido de aposentadoria desde que manifeste essa intenção e requeira o arquivamento definitivo do pedido antes do recebimento do primeiro pagamento do benefício, ou de sacar o respectivo Fundo de Garantia do Tempo de Serviço ou Programa de Integração Social, ou até trinta dias da data do processamento do benefício, prevalecendo o que ocorrer primeiro. (Parágrafo único acrescentado pelo Decreto nº 4.729, de 09.06.2003)”

Ainda que adote postura contrária à possibilidade de desaposentação, nos termos acima delineados, cumpre mencionar a disposição do art. 188-B, parágrafo único, do Regulamento da Previdência Social, inserido pelo Decreto nº 4.729, de 09.06.2003, que diz que:

“O segurado pode desistir do seu pedido de aposentadoria desde que manifeste essa intenção e requeira o arquivamento definitivo do pedido antes do recebimento do primeiro pagamento do benefício, ou de sacar o respectivo Fundo de Garantia do Tempo de Serviço ou Programa de Integração Social, ou até trinta dias da data do processamento do benefício, prevalecendo o que ocorrer primeiro.”

Trata-se, na verdade, de uma desistência da aposentadoria, a qual pressupõe a agilidade no pedido e a falta de efeitos financeiros contrários à autarquia, o que, de modo algum, mostra-se similar à desaposentação, nem é tão benéfica a ponto de se considerar uma norma protetiva aos interesses dos hipossuficientes segurados.

Ou seja, em suma, o INSS adota uma postura restritiva quanto à possibilidade de renúncia ao benefício, tornando-o irreversível e irrenunciável administrativamente, salvo a exceção acima referida.
Pela impossibilidade de desaposentação, escreveram, ao menos à época da publicação da nona edição da obra, Daniel Machado da Rocha e José Paulo Baltazar Junior(6):

“Como foi visto nos comentários ao art. 11, embora o § 3° determine a vinculação obrigatória do segurado aposentado que permanece ou retorna ao exercício de atividade vinculada ao regime geral, o § 2° do artigo em comento conferia direito apenas à reabilitação profissional e à percepção de auxílio-acidente e aos pecúlios. Como se vê, os benefícios que poderiam ser concedidos ao segurado aposentado já eram bastante limitados. Contudo, a relação das prestações sofreu novas reduções por imposição das Leis 9.032/95 e 9.528/97. Sendo o regime de financiamento da previdência social, nos termos da CF, inspirado pelos princípios da solidariedade e da obrigatoriedade, a contribuição não pressupõe, sempre, uma contraprestação.

Na redação atual do dispositivo focado, o segurado aposentado poderá habilitar-se apenas aos benefícios de salário-família e reabilitação profissional, quando empregado. Paradoxalmente, o art. 103 do RPS assegura à aposentada que retorna à atividade o pagamento de salário-maternidade, hipótese que, além de rara na prática, em princípio seria ilegal.
O tempo de serviço posterior à aposentadoria não pode ser empregado para a revisão de aposentadoria proporcional.”

Por outro lado, a imensa maioria dos juristas se filia à tese de possibilidade de desaposentação. O principal argumento a favor desse posicionamento é a disponibilidade do benefício, uma vez que se trataria de verba de interesse particular do segurado, o qual não pode ser compelido a aceitá-la, se assim entender mais vantajoso. Não se pode olvidar que o benefício tem caráter personalíssimo e patrimonial, não havendo viabilidade de o INSS decidir sobre a sua manutenção ou não.

Por conseguinte, sendo um direito unilateral do segurado, poderia o interessado renunciar a qualquer momento, sendo que, por lógica, ficaria “liberado” o tempo de contribuição/serviço antes utilizado para posterior contagem, em novo pedido.

A partir disso, alguns criticam a norma administrativa proibitiva do INSS, afirmando que, sendo disponível o direito, não poderia o regulamento, como mero ato administrativo normativo, obstá-lo dessa forma, pois somente a lei poderia criar, modificar ou restringir direitos, uma vez aplicado o princípio da legalidade, presente no inciso II do art. 5º da Constituição Federal.

A respeito do assunto, transcreve-se posicionamento de Fábio Souza:

“Por ser um ato vinculado, não cabe à Administração analisar sua conveniência e sua oportunidade, sendo impossível a revogação da aposentadoria pela autarquia previdenciária. Mas, se um dos aspectos do fato gerador do direito aos proventos é a vontade do segurado, fica evidente que, embora vinculado para a Administração, o beneficiário poderá analisar a conveniência e a oportunidade relacionadas aos seus interesses individuais e, assim, manifestar ou não a vontade de se aposentar ou de continuar aposentado.

A irrevogabilidade, portanto, tem por principal escopo a proteção do segurado, que fica garantido contra alterações da análise do mérito do ato administrativo. Afinal, por conferir fundamental importância à proteção contra os riscos sociais, o legislador, antecipadamente, já indica com precisão o motivo e o objeto do ato de concessão. Todavia, se é o próprio segurado quem deseja deixar de exercer o direito à aposentadoria, abrindo mão dos proventos, é paradoxal que a norma, cujo objetivo é protegê-lo, o impeça de assumir postura que lhe pareça mais benéfica.

Desejando o segurado reconsiderar sua manifestação volitiva, para não mais continuar aposentado, inexistirá o elemento vontade e o fato gerador do direito aos proventos tornará a ficar incompleto, sendo vedado à Administração continuar a pagar as parcelas remuneratórias.”(7)

Todavia, não é apenas esse o argumento que, segundo os juristas, demonstra ser a aceitação dessa tese o melhor caminho a ser trilhado, sob o ponto de vista jurídico. O fato de o segurado retomar os pagamentos das contribuições após a aposentadoria, o que é compulsório, pois se trata de tributo, corrobora o entendimento de que ele deve ser, de alguma forma, beneficiado com isso.

Ainda que presentes no regime constitucional securitário os princípios da solidariedade ou distributividade e da equidade, pelos quais “cada um deve contribuir com o que pode”, sendo o sistema financiado por todos, e mesmo que se saiba que as relações tributárias (de custeio) e previdenciárias (de benefício) são autônomas e não necessariamente guardam proporção ou relação entre elas, não é razoável simplesmente ignorar que alguém contribuiu por mais alguns anos após a aposentadoria, com base em idêntico fundamento constitucional que justifica a cobrança daqueles que serão, ao final, beneficiados por isso.

Como se não bastasse, pode-se, também, considerar o disposto no artigo 201, § 11, da Carta Magna, que diz que “os ganhos habituais do empregado, a qualquer título, serão incorporados ao salário para efeito de contribuição previdenciária e consequente repercussão em benefícios, nos casos e na forma da lei”, para justificar a possibilidade de contagem de períodos posteriores à data de início do benefício originário.

Registra-se que os defensores da tese de viabilidade de desaposentação fazem questão de destacar que o artigo 18, § 2º, da Lei de Benefícios, o qual menciona que o aposentado que seguir na ativa não faz jus a nenhum benefício, salvo salário-família e reabilitação profissional, não é inconstitucional. Por conseguinte, deve-se dar a ele uma interpretação sistemática no sentido de que os benefícios acima serão os únicos passíveis de deferimento ao aposentado ativo, desde que esse permaneça recebendo o jubilamento originário. Com isso, no momento em que ele renuncia à aposentadoria, deixa de existir a vedação imposta pela norma antes transcrita e poderá haver, inclusive, novo pleito de jubilamento.

João Batista Lazzari e Carlos Alberto Pereira de Castro destacam, na obra já mencionada, que

“A Constituição não veda a desaposentação; pelo contrário, garante a contagem recíproca do tempo de contribuição na administração pública e na atividade privada, rural e urbana (art. 201, § 92). A Legislação Básica da Previdência é omissa quanto ao assunto, vedando apenas a contagem concomitante do tempo de contribuição e a utilização de tempo já aproveitado em outro regime. Somente o Decreto nº 3.048/99, com redação dada pelo Decreto nº 3.265/99, estabelece que os benefícios concedidos pela Previdência Social são irreversíveis e irrenunciáveis.”

A fim de demonstrar a incoerência da ideia de não permitir a renúncia e a utilização de novos períodos, imagine-se a situação de um segurado que, durante a vida toda, contribuiu com base em salário de trabalhador braçal, ou seja, com baixa remuneração, aposentando-se proporcionalmente. Após isso, por conta das imprevisibilidades da vida, é convidado, por seus longos e dedicados anos de trabalho, a assumir uma posição laboral superior àquela que esteve acostumado durante a sua longa e árdua jornada laboral, o que é bastante razoável, em face da experiência vivida na empresa e do conhecimento adquirido. Nesse novo cargo, contribui por inúmeros anos, obviamente com um salário de contribuição bem mais elevado do que a média dos utilizados no período básico de cálculo. Pergunta-se: é aceitável não ter esse segurado qualquer vantagem com isso? É com força nessa premissa que a jurisprudência pátria tem caminhado para a aceitação, quase que uníssona, da desaposentação.

Entre os que adotam esse entendimento, alguns possuem uma postura mais benéfica aos segurados, ao passo que outros são mais contidos.

Essa diferenciação leva em conta, a rigor, a necessidade ou não de devolução (ou abatimento) dos valores já recebidos na primeira aposentadoria.

A favor da possibilidade de desaposentação sem que haja a devolução/abatimento dos valores já recebidos, assim se manifestou, em recente voto, o desembargador do TRF da Quarta Região Rogerio Favreto, nos autos da Apelação Cível nº 5000128-92.2011.404.7212/SC:

“Entretanto, embora reconheça o avanço da posição deste Tribunal pelo reconhecimento do direito de renúncia na busca de um benefício mais vantajoso, a efetividade real na vida dos segurados gera inquietude, em especial pela dificuldade na devolução de valores percebidos regularmente por longos períodos. De regra, poucos terão condições de amortizar o passivo – mesmo que parcelado – na expectativa de uma melhor remuneração previdenciária futura, a qual agregará apenas algum acréscimo ao benefício do novo jubilamento.

Em outras palavras, conferimos um direito – desaposentação – de difícil ou impraticável efetivação, diante da forte condicionalidade de restituição dos valores percebidos a titulo de aposentadoria, esvaziando assim a própria tutela judicial conferida ao cidadão. Contudo, esse não deve ser o desiderato da Justiça.

Os obstáculos entre a concessão formal do direito e o seu exercício na vida real é que me remetem a uma nova reflexão, na busca de maior efetividade da prestação jurisdicional e de proximidade com a realidade social.”

Essa teoria leva em conta a boa-fé do segurado, bem como o forte caráter social do benefício previdenciário, pelo que não haveria necessidade de devolução daquilo que foi conferido à época, de modo lícito, de acordo com as normas jurídicas então vigentes.

A favor dessa teoria, o Egrégio STJ também tem inúmeros julgados no sentido de que a desaposentação não induz à necessidade de repetir o que já foi ganho, conforme se pode ver, por exemplo, nos recursos especiais 1268864 e 1184410, o que demonstra, aparentemente, uma pacificidade do tema naquele tribunal.

O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, nos autos do RE 381367, por oito votos, declarou o tema de repercussão geral, iniciando o julgamento sobre o assunto. Ali foi analisada a constitucionalidade do art. 18, § 2º, da Lei 8.213/91. O Ministro Marco Aurélio Mello, relator do recurso, sinalizou que a desaposentação não induz à devolução dos valores percebidos. Após, houve pedido de vista pelo Ministro Dias Toffoli.

Transcreve-se, pela importância, o texto noticiado no Informativo 600 do STF, que resumiu o entendimento do Ministro Marco Aurélio Mello sobre o assunto:

“Enfatizou que o segurado teria em patrimônio o direito à satisfação da aposentadoria tal como calculada no ato de jubilação e, ao retornar ao trabalho, voltaria a estar filiado e a contribuir sem que pudesse cogitar de restrição sob o ângulo de benefícios. Reputou, dessa forma, que não se coadunaria com o disposto no art. 201 da CF a limitação do § 2º do art. 18 da Lei 8.213/91 que, em última análise, implicaria desequilíbrio na equação ditada pela Constituição. Realçou que uma coisa seria concluir-se pela inexistência da dupla aposentadoria. Outra seria proclamar-se, conforme se verifica no preceito impugnado, que, mesmo havendo a contribuição – como se fosse primeiro vínculo com a previdência –, o fenômeno apenas acarretaria o direito ao salário-família e à reabilitação profissional. Reiterou que, além de o texto do examinado dispositivo ensejar restrição ao que é estabelecido na Constituição, abalaria a feição sinalagmática e comutativa decorrente da contribuição obrigatória. Em arremate, afirmou que ao trabalhador que, aposentado, retorna à atividade caberia o ônus alusivo à contribuição, devendo-se a ele a contrapartida, os benefícios próprios, mais precisamente a consideração das novas contribuições para, voltando ao ócio com dignidade, calcular-se, ante o retorno e as novas contribuições e presentes os requisitos legais, o valor a que tem jus sob o ângulo da aposentadoria. Registrou, por fim, que essa conclusão não resultaria na necessidade de se declarar a inconstitucionalidade do § 2º do art. 18 da Lei 8.213/91, mas de lhe emprestar alcance consentâneo com a Constituição, ou seja, no sentido de afastar a duplicidade de beneficio, porém não o novo cálculo de parcela previdenciária que deva ser satisfeita.”

De outra banda, há uma terceira corrente que defende a viabilidade da desaposentação, desde que haja a devolução de tudo aquilo que foi recebido em decorrência da antiga aposentadoria.

Aliás, não se pode negar que essa ideia, sob o prisma da lógica, é a mais indicada, pois se o segurado optou por renunciar à aposentadoria originária, em tese, ele deve restituir tudo aquilo que recebeu, uma vez que incidirão todos os efeitos decorrentes da segunda aposentadoria. Assim, como é vedada a aposentadoria dupla, deveria haver a opção entre uma ou outra, com todas as consequências decorrentes, inclusive as financeiras.

Esse, diga-se, é o entendimento majoritário no âmbito do Tribunal Regional Federal, “de modo que somente se pode cogitar de nova aposentadoria com agregação de tempo posterior ao jubilamento caso ocorra a devolução dos valores recebidos do INSS, uma vez que todos os efeitos, inclusive os pecuniários, estariam sendo desconstituídos”, como bem ressaltou a então Juíza Federal Convocada Claudia Cristina Cristofani, nos autos da Apelação Cível Nº 5000128-92.2011.404.7212/SC, acima mencionada.

A Turma Nacional de Uniformização, por seu turno, compartilha dessa tese, assim como a maioria das Turmas Recursais da Região Sul do país.

A respeito do assunto, assim escreveu Marina Vasques Duarte(8):

“Importante ressaltar, entretanto, que a desaposentação somente deve ser permitida desde que haja a devolução de todas as quantias recebidas.

Se é certo que a concessão da aposentadoria, após o implemento das condições, depende única e exclusivamente da vontade do segurado, também é certo que, se ele não tiver mais interesse em mantê-la, poderá postular sua revogação.

(...)

A desaposentação exige a devolução dos valores recebidos da Previdência Social, sob pena de se admitir enriquecimento ilícito e prejuízo para o universo previdenciário, onde vigora o princípio da solidariedade social, em que todos pagam para todos.

Com a desaposentação e a reincorporação do tempo de serviço antes utilizado, a Autarquia seria duplamente onerada se não tivesse de volta os valores antes recebidos, já que terá que conceder nova aposentadoria mais adiante ou terá que expedir certidão de tempo de contribuição para que o segurado aproveite o período em outro regime previdenciário.

(...)

O mais justo é conferir efeito ex tunc à desaposentação e fazer retornar o status quo ante, devendo o segurado restituir o recebido do órgão gestor durante o período que esteve beneficiado. Esse novo ato que será deflagrado pela nova manifestação de vontade do segurado deve ter por consequência a eliminação de todo e qualquer prejuízo que o primeiro ato possa ter causado para a parte contrária, no caso, o INSS.

(...)

A maioria das decisões jurisprudenciais que permite a renúncia à aposentadoria o faz para fins de expedição de Certidão de Tempo de Contribuição e deferimento de aposentadoria estatutária.

(...)

Todavia, entendemos que também dentro do mesmo regime deve ser permitida. Afinal, qual seria o motivo da diferenciação, já que o órgão de origem deverá sempre compensar financeiramente o regime concessor, na proporção do tempo trazido, conforme determina a Lei nº 9.796/99?

Mesmo que o órgão concessor da aposentadoria não tenha mais que pagar suas mensalidades quando o segurado pretende a expedição de Certidão de Tempo de Contribuição, a Autarquia é obrigada a compensar financeiramente o novo regime instituidor, como prescreve o artigo 4º da Lei da Compensação Financeira.”

Há, ainda, uma tímida quarta corrente que afirma que há possibilidade de renúncia ao benefício, devendo haver ressarcimento apenas se computados os tempos para aposentadoria no regime geral. Caso a renúncia seja para utilizar períodos em outro regime, aí deveria haver a compensação.

Conclusão

Enfim, a desaposentação, sem dúvidas, é um tema bastante relevante para todos, uma vez que abarca inúmeros casos concretos, afora aqueles que ainda hão de ocorrer.

Não há dúvidas de que, a partir das razões explanadas, é inevitável aceitar a renúncia ao benefício, com utilização dos períodos, além de novos, como prática possível e justa.

Com efeito, a análise do texto supra faz surgir uma convicção de que a jurisprudência e a doutrina pátrias caminham rapidamente no sentido da aceitação da desaposentação como prática usual e possível. Aliás, são pouquíssimos tribunais que ainda não aceitam a tese, e quase não se acham doutrinadores destacados que defendam a impossibilidade de renúncia ao benefício originário, nos moldes acima traçados.

O STJ, nesse contexto, já pacificou o entendimento, assentando que é possível a adoção desse instituto jurídico. Aparentemente, o STF caminha para o mesmo rumo, já que o primeiro voto, muito bem fundamentado, já foi nesse sentido. Assim, pode-se dizer que a tendência é a definição do tema de modo favorável ao segurado.

A celeuma sobre o tema, pelo visto, reside na segunda indagação, acerca da necessidade ou não de devolução dos valores já percebidos.

Quanto a isso, ainda há enorme divergência, podendo-se afirmar, inclusive, que nada está definido. Todavia, a partir de julgados do STJ e do voto do Ministro do STF Marco Aurélio Mello, pode-se presumir uma tendência à desnecessidade de devolução dos valores percebidos na aposentadoria renunciada, ao menos nas hipóteses de pedidos de benefício no regime geral.
Por ora, enquanto as definições não chegam para decretar segurança jurídica às relações entre segurados e INSS, as discussões sobre a melhor forma de tratar o assunto devem persistir acaloradas.

Referências bibliográficas

DUARTE, Marina Vasques. Direito Previdenciário. 4. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2005.

______. Temas atuais de Direito Previdenciário e Assistência Social. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003.

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Notas

1. Artigo redigido como trabalho de conclusão do Curso de Currículo Permanente – Direito Previdenciário – Módulo III, promovido pela Escola da Magistratura (Emagis) do Tribunal Regional Federal da 4ª Região em 2011.

2. LAZZARI, João Batista; CASTRO, Alberto Pereira. Manual de Direito Previdenciário. 4. ed. São Paulo: LTr, 2000. p. 488.

3. KRAVCHYCHYN, Gisele Lemos. Desaposentação. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/12037/o-instituto-da-desaposentacao>. Acesso em: 03 jan. 2012.

4. GALDINO DE LIMA, Marcos. O instituto da desaposentação. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/12037/o-instituto-da-desaposentacao>. Acesso em: 05 jan. 2012.

5. MARTINEZ, Wladimir Novaes. Desaposentação. São Paulo: LTr, 2008. p. 38.

6. MACHADO DA ROCHA, Daniel; BALTAZAR JUNIOR, José Paulo. Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social. 9. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado. p. 113-114.

7. SOUZA, Fábio. Direito em foco: Direito Previdenciário. Niterói: Impetus, 2005.

8. DUARTE, Marina Vasques. Temas atuais de Direito Previdenciário e Assistência Social. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. fls. 88-92.




Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023:2002/ABNT):
. . Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n., abr. 2014. Disponível em:
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Acesso em: .


REVISTA DE DOUTRINA DA 4ª REGIÃO
PUBLICAÇÃO DA ESCOLA DA MAGISTRATURA DO TRF DA 4ª REGIÃO - EMAGIS