A gestão endoprocessual do Poder Judiciário

Autor: Luciano Andraschko

Juiz Federal

 publicado em 30.04.2014



Resumo

Muito já se fez nesses quase dez anos de reforma do Poder Judiciário, desde a EC 45/2004. A criação do CNJ teve papel importante nisso, como órgão administrativo supraparte. De modo geral, os tribunais de justiça (lato sensu) modernizaram-se, aplicaram novas técnicas de gestão, introduziram técnicas de controle de produtividade por meio de metas, etc. Assim, já foi iniciado um procedimento de bom gerenciamento e este não admite mais retrocesso. O fruto disso é visível, aumento de produtividade da Justiça como um todo, melhoria nos controles administrativos, em especial no controle do tempo do processo. O que urge estabelecer agora é um novo processo de controle, um controle qualitativo. Tal controle é a segunda etapa necessária para dar continuidade ao projeto de modernização e eficácia do judiciário brasileiro. Qualidade aqui entendida na acepção de decisões judiciais que tenham um discurso lógico-racional que espelhe a realidade fática vivida pela sociedade como um todo.

Palavras-chave: Reforma. Gestão. Decisão. Racionalidade. Congruência. Legitimidade.

Sumário: Introdução. 1 A reforma do Poder Judiciário. 2 O binômio quantidade-qualidade. 3 A legitimidade da razão – Habermas. 3.1 A tradição como fator de segurança. 3.2 O sistema "interno" de jurisprudência de Karl Larenz. Conclusão. Referências bibliográficas.

Introdução

As sociedades atuais têm mudado seus paradigmas de maneira rápida nos últimos anos. Os fatores são diversos: aumento da população, concorrência, tecnologia, valores culturais, valores morais, etc. E o Estado, por meio de seus poderes, constituídos para servir essa sociedade, deve dar a resposta esperada por ela, cada um no seu âmbito de atuação.

 Se ao Poder Executivo incumbe implantar as políticas públicas pelas quais o povo tanto anseia, deve fazê-lo e bem, na exata medida que a população pede. Exemplo disso seriam os serviços básicos de transporte público eficiente, a educação pública de qualidade, o saneamento básico, etc.

Já ao Poder Judiciário, que foi criado para dizer o direito em caso de conflito, tem por razão última a pacificação social. Parece-nos que simplesmente dizer o direito em tempo hábil não basta; a decisão judicial deve não só ser efetiva, mas racionalmente convincente para a população. Os seus efeitos vão muito mais longe do que a relação inter partes faz presumir: a decisão passa a ser um modelo de conduta social. Bem, o que dizer se os mesmos fatos da vida são decididos de maneiras diversas pelos juízes brasileiros? Qual é o efeito disso perante a sociedade, como regra de conduta, e como fator de afirmação democrática desse poder? Há diferença entre essa hipótese e a de um posto de saúde inaugurado, mas sem médicos? Tenho que, em ambas as situações, a atuação formal desses poderes está muito longe de cumprir seus encargos metajurídicos. O posto de saúde sem médicos não atende à necessidade real da sociedade. Assim como as decisões judiciais incongruentes não pacificam nem educam a sociedade.

A par disso, o presente trabalho propõe-se a tecer linhas bem gerais sobre como uma reforma endoprocessual poderia ser pensada. Para tanto, valores diversos são trazidos, como a doutrina do jurista alemão Jürgen Habermas, que, com o seu discurso racional, pode ajudar a estabelecer tópicos de raciocínio. Também os estudos do prof. Karl Larenz sobre metodologia científica são muito úteis para se estudar o sistema interno de jurisprudência. Não falarei neste trabalho, porém, das normas de conduta, nem da interpretação sociológica do direito, as quais terão enfoque especial em trabalho acadêmico posterior que está em desenvolvimento.

1 A reforma do Poder Judiciário

O Poder Judiciário é um poder republicano que tem vivido uma constante crise. E, por consequência, a necessidade de reformas, segundo alguns, mostra-se sempre iminente.

Como indica o prof. José Afonso da Silva,(1) em 1854, o Ministro Joaquim Nabuco já havia pensado uma profunda reforma do judiciário. Diante dos naturais percalços políticos, seus projetos somente seriam realidade dez e até vinte anos após apresentados.

A reforma do Poder Judiciário foi realizada posteriormente pela EC nº 7, de 1977, cujo objetivo era diminuir o números de processos que tramitavam em primeiro grau.

Com a reforma de 2004, introduzida pela Emenda Constitucional 45, novamente se procura curar esse paciente "doente" que é o Poder Judiciário. Tal reforma, ao contrário do que muitos pensam, não se findou. Ainda está ativa a comissão de reforma do Poder Judiciário.

O prof. Pedro Lenza(2) nos traz uma abordagem clara do que implicou essa reforma:

“Podemos destacar as principais novidades:

1) A todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação (art. 5º, LXXVIII, e art. 7º da EC nº 45/2004).

2) A previsão do real cumprimento do princípio de acesso à ordem jurídica justa, estabelecendo-se a justiça itinerante e a sua descentralização, bem como a autonomia funcional, administrativa e financeira da Defensoria Pública Estadual (arts. 107, §§ 2º e 3º; 115, §§ 1º e 2º; 125, §§ 6º e 7º; 134, § 2º; 168; e art. 7º da EC nº 45/2004).

3) A possibilidade de se criar varas especializadas para a solução das questões agrárias. Nessa linha de especialização em prol da efetividade, sugerimos também varas especializadas para as áreas do consumidor, ambiental, coletiva etc. (art. 126, caput).

4) A ‘constitucionalização’ dos tratados e das convenções internacionais sobre direitos humanos, desde que aprovados pelo quorum qualificado das emendas constitucionais (art. 5º, § 3º).

5) A submissão do Brasil à jurisdição do Tribunal Penal Internacional (TPI) a cuja criação tenha manifestado adesão (art. 5º, § 4º).

6) A federalização de crimes contra direitos humanos, por exemplo, tortura e homicídio praticados por grupos de extermínio, mediante incidente suscitado pelo Procurador-Geral da República (PGR) no STJ, objetivando o deslocamento da competência para a Justiça Federal. Busca-se, acima de tudo, adequar o funcionamento do Judiciário brasileiro ao sistema de proteção internacional dos direitos humanos (art. 109, V-A e § 5º).

7) A previsão do controle externo da Magistratura por meio do Conselho Nacional de Justiça, bem como a criação de ouvidorias para o recebimento de reclamações (arts. 52, II; 92, I-A e § 1º; 102, I, r; 103-B; e art. 5º da EC nº 45/2004).

8) A previsão do controle externo do MP por meio do Conselho Nacional do Ministério Público, bem como a criação de ouvidorias para o recebimento de reclamações (arts. 52, II; 102, I, r; 130-A; e art. 5º da EC nº 45/2004).

9) A ampliação de algumas regras mínimas a serem observadas na elaboração do Estatuto da Magistratura, todas no sentido de se dar maior produtividade e transparência à prestação jurisdicional, na busca da efetividade do processo, destacando-se: a) previsão da exigência de três anos de atividade jurídica para o bacharel em Direito como requisito para o ingresso na carreira da Magistratura; b) aferição do merecimento para a promoção conforme o desempenho, levando-se em conta critérios objetivos de produtividade; c) maior garantia ao magistrado para recusar a promoção por antiguidade somente pelo voto fundamentado de 2/3 de seus membros, conforme procedimento próprio e assegurada a ampla defesa; d) impossibilidade de promoção do magistrado que, injustificadamente, retiver autos em seu poder além do prazo legal, não podendo devolvê-los ao cartório sem o devido despacho ou decisão; e) previsão de cursos oficiais de preparação, aperfeiçoamento e promoção de magistrados, constituindo etapa obrigatória do processo de vitaliciamento; f) os atos de remoção, disponibilidade e aposentadoria do magistrado, por interesse público, fundar-se-ão em decisão por voto da maioria absoluta (e não mais de 2/3) do respectivo tribunal ou do Conselho Nacional de Justiça, assegurada a ampla defesa; g) previsão de serem as decisões administrativas dos tribunais tomadas em sessão pública; h) fim das férias coletivas do Poder Judiciário, tornando a atividade jurisdicional ininterrupta; i) previsão de número de juízes compatíveis com a população; j) distribuição imediata dos processos em todos os graus de jurisdição (art. 93).

10) A ampliação da garantia de imparcialidade dos órgãos jurisdicionais pelas seguintes proibições: a) vedação aos juízes de receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei; b) instituição da denominada quarentena, proibindo membros da Magistratura de exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastaram, por aposentadoria ou exoneração, pelo prazo de três anos. A quarentena também se aplica aos membros do MP (arts. 95, parágrafo único, IV e V, e 128, § 6º).

11) A previsão de que as custas e os emolumentos sejam destinados exclusivamente ao custeio dos serviços afetos às atividades específicas da Justiça, fortalecendo-a, portanto (art. 98, § 2º).

12) A regulação do procedimento de encaminhamento da proposta orçamentária do Judiciário e solução em caso de inércia. Proibição de realização de despesas ou assunção de obrigações que extrapolem os limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias, exceto se previamente autorizadas, mediante a abertura de créditos suplementares ou especiais (art. 99, §§ 3º, 4º e 5º).

13) A extinção dos Tribunais de Alçada, passando os seus membros a integrar os TJs dos respectivos Estados e uniformizando, assim, a nossa Justiça (art. 4º da EC nº 45/2004).

14) A transferência de competência do STF para o STJ no tocante à homologação de sentenças estrangeiras e à concessão de exequatur às cartas rogatórias (arts. 102, I, h (revogada); 105, I, i; e art. 9º da EC nº 45/2004).

15) A ampliação da competência do STF para o julgamento de recurso extraordinário quando se julgar válida lei local contestada em face de lei federal. Muito se questionou sobre essa previsão. Observa-se que ela está correta, já que, quando se questiona a aplicação de lei, acima de tudo, há um conflito de constitucionalidade, pois é a CF que fixa as regras sobre competência legislativa federativa. Por outro lado, quando se questiona a validade de ato de governo local em face de lei federal, acima de tudo, estamos diante de questão de legalidade a ser enfrentada pelo STJ, como mantido na Reforma (arts. 102, III, d, e 105, III, b).

16) A criação do requisito da repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso para o conhecimento do recurso extraordinário. Essa importante regra vai evitar que o STF julgue brigas particulares de vizinhos, como algumas discussões sobre ‘assassinato’ de papagaio ou ‘furto de galinha’, já examinadas pela mais alta Corte (art. 102, § 3º).

17) A adequação da Constituição, no tocante ao controle de constitucionalidade, ao entendimento jurisprudencial já pacificado no STF, constitucionalizando o efeito dúplice ou ambivalente da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) e da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) como o seu efeito vinculante. Ampliação da legitimação para agir. Agora, os legitimados da ADC são também da ADI (e não mais somente os quatro que figuravam no art. 103, § 4º, revogado). Apenas para se adequar ao entendimento do STF e à regra do art. 2º, IV e V, da Lei nº 9.868/99, fixou-se, expressamente, a legitimação da Câmara Legislativa e do Governador do DF para a propositura de ADI e, agora, ADC (arts. 102, § 2º; 103, IV e V; revogação do § 4º do art. 103; e art. 9º da EC nº 45/2004).

18) A ampliação da hipótese de intervenção federal dependendo de provimento de representação do Procurador-Geral da República para, além da já existente ADI Interventiva (art. 36, III, c.c. art. 34, VII), agora, também, objetivando prover a execução de lei federal (pressupondo ter havido a sua recusa). A competência, que era do STJ, passa a ser do STF(art. 34, VI, primeira parte, c.c. art. 36, III; revogação do art. 36, IV; e art. 9º da EC nº 45/2004).

19) A criação da Súmula Vinculante do STF (art. 103-A e art. 8º da EC nº 45/2004).

20) A aprovação da nomeação de Ministro do STJ pelo quorum de maioria absoluta dos membros do SF, equiparando-se ao quorum de aprovação para a sabatina dos Ministros do STF, e não mais de maioria simples ou relativa, como era antes da Reforma (art. 104, parágrafo único).

21) A previsão de funcionamento no STJ: a) da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados, cabendo-lhe, dentre outras funções, regulamentar os cursos oficiais para ingresso e promoção na carreira; e b) do Conselho da Justiça Federal como órgão central do sistema e com poderes correicionais, cujas decisões terão caráter vinculante (art. 105, parágrafo único, I e II).

22) No âmbito trabalhista, dentre tantas modificações, podemos destacar: a) aumento da composição do TST de 17 para 27 Ministros, deixando-se de precisar convocar juízes dos TRTs para atuar como substitutos; b) em relação ao sistema de composição, reduziram-se as vagas de Ministros do TST oriundos da advocacia e do Ministério Público do Trabalho. Dessa vez, eles ocupam somente 1/5, sendo os outros 4/5 preenchidos entre juízes dos Tribunais Regionais do Trabalho, provenientes da Magistratura da carreira, indicados pelo próprio Tribunal Superior; c) fixação do número mínimo de sete juízes para os TRTs; d) modificação da competência da Justiça do Trabalho; e) previsão da criação da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho e do Conselho Superior da Justiça do Trabalho, este último devendo ser instalado no prazo de 180 dias; f) a lei criará varas da Justiça do Trabalho, podendo, nas comarcas não abrangidas por sua jurisdição, atribuí-las aos Juízes de Direito, com recurso para o respectivo Tribunal Regional do Trabalho; g) previsão de criação, por lei, do Fundo de Garantia das Execuções Trabalhistas, integrado pelas multas decorrentes de condenações trabalhistas e administrativas oriundas da fiscalização do trabalho, além de outras receitas (arts. 111, §§ 1º, 2º e 3º (revogados); 111-A; 112; 114; 115; e arts. 3º, 6º e 9º da EC nº 45/2004).

23) A fixação de novas regras para a Justiça Militar (art. 125, §§ 3º, 4º e 5º).

24) Como fixado para a Magistratura (art. 99, §§ 3º ao 5º), a regulação do procedimento de encaminhamento da proposta orçamentária do MP e solução em caso de inércia. Proibição de realização de despesas ou assunção de obrigações que extrapolem os limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias, exceto se previamente autorizadas, mediante a abertura de créditos suplementares ou especiais (art. 127, §§ 4º, 5º e 6º).

25) Nos mesmos termos da Magistratura, a diminuição do quorum de votação para a perda da garantia da inamovibilidade de 2/3 para a maioria absoluta (art. 128, § 5º, I, b).

26) A ampliação da garantia de imparcialidade dos membros do MP: a) vedação do exercício de atividade político-partidária, sem qualquer exceção; b) vedação do recebimento, a qualquer título ou pretexto, de auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei; c) instituição, conforme já vimos, e nos termos da Magistratura, da denominada quarentena, proibindo-os de exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastaram, por aposentadoria ou exoneração, pelo prazo de três anos (art. 128, § 5º, II, e e f, e § 6º).

27) Conforme já vimos para a atividade jurisdicional, também no sentido de se dar maior produtividade e transparência no exercício da função, na busca da efetividade do processo, destacam-se, para o MP: a) a obrigatoriedade de as funções só poderem ser exercidas por integrantes da carreira, que deverão residir na comarca da respectiva lotação, salvo autorização do chefe da instituição; b) a previsão da exigência de três anos de atividade jurídica para o bacharel em Direito como requisito para o ingresso na carreira do MP; c) a distribuição imediata dos processos; e d) no que couber, as regras já apresentadas em relação ao art. 93 para a Magistratura (art. 129, §§ 2º, 3º, 4º e 5º).”

Ainda, não nos esqueçamos de que a última reforma do Poder Judiciário brasileiro teve seu germe no Banco Mundial, por meio do documento técnico 319, de junho de 1996,(3) no qual recomendava um programa de reforma do Poder Judiciário da América Latina e do Caribe.

Transcrevo abaixo trecho das razões do documento, na feliz exposição de Hugo Cavalcanti Melo Filho(4):

“Embora não faça recomendações específicas quanto a esta necessidade, em diversas passagens, o Documento nº 319 deixa evidenciada a urgência em se estabelecer limitação ao exercício da função jurisdicional pela base da magistratura. Ampliação das Cortes Supremas e prevalência da sua jurisprudência sumulada sobre as decisões das instâncias inferiores são fatores sugeridos, para atingir a tão decantada previsibilidade jurídica: a reforma econômica requer um bom funcionamento do Judiciário, o qual deve interpretar e aplicar as leis e as normas de forma previsível e eficiente. Além disso, o crescimento da integração econômica entre países e regiões demanda um Judiciário com padrões internacionais. (...) Os países-membros dos mercados comuns devem ter a certeza de que as leis serão aplicadas e interpretadas de acordo com padrões regionais e internacionais. Nesse contexto, um Judiciário ideal aplica e interpreta as leis de forma igualitária e eficiente, o que significa que deve existir: a) previsibilidade nos resultados dos processos (...). Os programas de reforma também podem incluir alterações nos procedimentos administrativos e nos códigos de processo, para aumentar a eficiência no processamento das demandas. As reformas processuais demandam uma identificação dos procedimentos que obstruem a eficiência das Cortes e causam atrasos (...). Em certas Cortes, a morosidade é atribuída, em parte, à existência de um grande número de recursos (...). A imposição de pressupostos recursais estritos apresenta-se como uma opção.”

Percebe-se, então, que há uma tentativa internacional de conformação do Poder Judiciário latino-americano. Por óbvio, veem-se interesses econômicos por detrás dessas tentativas. Porém, tenho que serviram sim para modificar certas condutas e visões dentro da magistratura brasileira. Distorções houve, e a pretendida reforma ainda não chegou a um resultado satisfatório. Em termos macros de números de produtividade, poder-se-ia dizer que atingiram-se as metas traçadas, basta ver os relatórios públicos no website do CNJ (www.cnj.jus.br) intitulados Justiça em Números. Entretanto, como se diz na prática forense, o Poder Judiciário não é uma fábrica de pregos. Decidem-se vidas e fatos diametralmente opostos. As decisões dos magistrados precisam ter um tempo necessário de amadurecimento. O processo também precisa desse tempo. Porém, o presente trabalho não discorre sobre a duração do processo, mas sobre a eficácia do processo como fator de pacificação social.

O que se pode dizer com as tantas reformas que tivemos é que efetivamente o tempo de duração do processo judicial brasileiro diminuiu, vide metas do CNJ, semanas de mutirão disso e daquilo, semanas de conciliação, etc. A cada ano que se inicia, novas metas são lançadas para que o magistrados as cumpram. Cito uma meta interessante para o ano de 2013: julgar quantidade maior de processos de conhecimento do que os distribuídos em 2013. Na teoria, muito bom e louvável, mas veremos que isso tem um custo. E esse custo é a falta de congruência entre decisões de diferentes instâncias. Nunca se pode esquecer que, ao se impor celeridade, esta é imposta a todos os órgãos e instâncias do Poder Judiciário. E essa celeridade pode causar falta do tempo necessário para uma análise sistêmica da decisão. Explico: julgando-se rápido, olha-se apenas o caso individual e não se presta atenção à linha de argumentação que deveria ser seguida para que o sistema de decisões fosse congruente.

2 O binômio quantidade-qualidade

O presente capítulo trata da administração da produção, visto que o Poder Judiciário é Poder, mas é acima de tudo dever, dever de julgar, de decidir. Logo, assemelha-se muito com uma empresa produtiva. Para tanto, deve ter um planejamento de atividades.

Com a revolução industrial, surge a necessidade de padronização em massa. A preocupação era produzir o máximo. O Japão, após a Segunda Guerra Mundial, desenvolveu estratégias empresariais voltadas para a exportação e a conquista do mercado mundial. O americano estava atrelado à quantidade de produção, e o japonês se preocupava em atender com qualidade.

As empresas foram obrigadas a ouvir o mercado e a saber o que o mercado queria. Isso definiu e revolucionou todo o processo industrial, e as empresas começaram a traçar estratégias competitivas, como inovação, flexibilidade, custo competitivo, qualidade, produtividade.

Produtividade significa produzir o máximo possível com as pessoas, as máquinas e os materiais com menor recurso possível, podendo ser representada também pela fórmula:

Produtividade = número de peças produzidas (valor produzido) / esforço e recursos utilizados p/ produzir (valor consumido)

Quando falamos de produtividade, temos de falar da causa que tem levado a esse seu número absurdo, qual seja, o aumento populacional. Segundo Antônio César Bochenek,(5)

“A procura pelos tribunais e a proliferação de demandas está diretamente relacionada ao aumento populacional verificado nos últimos anos. A população brasileira estimada pelo IBGE é de mais de 190.732.694 pessoas, enquanto em 1970 a população era de 90.000.000. Outro fator importante refere-se ao êxodo rural para os centros urbanos. De acordo com o censo demográfico do ano de 2010, a população urbana era de 160.879.708, enquanto a população rural era de 29.852.986. A procura judiciária acentua-se nas regiões que se transformaram em espaços de atração populacional, que são espaços que recebem maior dinamismo econômico e registram níveis mais elevados de litigiosidade.”

Já quando falamos em qualidade, controle de qualidade ou programas de qualidade, logo vem à mente que eles trazem em seu bojo essa preocupação de excelência.

 Mas alcançar tal estágio de excelência não é nada fácil. Depois, incorporá-la à vida cotidiana de todos os integrantes da equipe. E, finalmente, mantê-la, o que passa a ser uma obra muito difícil.

Isso só é possível quando há a confluência de vários fatores: boa formação profissional, prazer dos colaboradores em fazer o que fazem, determinação dos líderes para construir uma empresa de sucesso e trabalho organizado para superar obstáculos, além, obviamente, de muita pesquisa de mercado.

Todo consumidor, ao adquirir o seu produto ou serviço, deseja duas coisas: qualidade do produto/serviço – que satisfaça as suas expectativas quanto à durabilidade e à eficiência – e preço – que seja o menor possível.

O controle de qualidade facilita o processo de prever e eliminar os defeitos. Tem como benefícios: aumento do prestígio de sua empresa no mercado e redução dos seus custos de retrabalho (fabricar outro) e da devolução de peças com defeito.

De acordo com Antonio Robles Jr.,(6)

“As premissas estratégicas para a utilização plena do Sistema de Custos da Qualidade são três:

1) para cada falha, sempre haverá uma causa;
2) as causas são evitáveis; e
3) a prevenção sempre é mais barata.”

O que havia de especial em Ford (industrial norte-americano Henry Ford – 1863-1947) e que, em última análise, distinguia o fordismo do taylorismo era o seu reconhecimento
explícito de que produção em massa significava consumo em massa.

Segundo Antônio César Bochenek,(7)

“Em termos gerais, o desempenho dos tribunais consiste na avaliação interna dos tribunais, de acordo com os critérios relacionados à qualidade, à eficácia e à eficiência na prestação jurisdicional. Existem diversas formas de avaliar o desempenho dos tribunais, inclusive por avaliações desenvolvidas pelos próprios tribunais ou por auditorias externas.

Os tribunais judiciais brasileiros, em regra, têm procedido à avaliação do desempenho pela produtividade quantitativa, ou seja, conforme o levantamento de dados estatísticos, pelo número de ações distribuídas e de processos julgados pelos juízes. Quanto a esse aspecto, a produtividade dos juízes federais tem aumentado com o passar dos anos. Contudo, esse fator isolado não representa fielmente um panorama completo do desempenho dos tribunais, e essa circunstância apresenta um efeito perverso, que é incentivar a judicialização de rotina, além da tendência de evitar os processo e os domínios jurídicos que obriguem a decisões mais complexas, inovadoras e controversas (litigiosidade de alta intensidade).” (p. 269-270)

Voltando agora para a justiça brasileira, que tem, ano após ano, números crescentes de aumento de produtividade e também números crescentes de novas demandas, percebe-se com clareza o que Henry Ford dizia. Quero dizer que a celeridade processual também é uma causa do aumento exponencial de novas demandas, até porque o custo para o consumidor não é alto. Vê-se então, como consequência, o gigantismo do Poder Judiciário no Brasil. Isso é custo que é pago por todos. Melhor, alguns pagam diretamente pelos impostos que recolhem ao governo. Outros, uma parcela significativa da sociedade brasileira, que vivem na cômoda "informalidade" e não recolhem um tostão para o governo, usufruem do sistema, geralmente com custas irrisórias e tendentes apenas a um possível ganho, que os doutrinadores chamam de "loteria".

Um exemplo claro disso é uma demanda relativamente nova, que não existia no passado e que agora aumenta as estatísticas da demanda. Falo das ações de saúde.

Preocupados já havia tempos com o alto volume de litígios envolvendo o tema, os membros do Conselho Nacional de Justiça, no ano de 2010, editaram a Recomendação 31, no sentido de que os tribunais orientem “a adoção de medidas visando a melhor subsidiar os magistrados e os demais operadores do direito, para assegurar maior eficiência na solução das demandas judiciais envolvendo a assistência à saúde”. Tal aumento de demanda tem dois fatores impulsionantes: um é a letargia da administração pública em dar conta de maneira eficaz da demanda de saúde da população; outro é o forte lobby das empresas farmacêuticas. Em um país pobre com população de mais de 200 milhões de pessoas, se não se tem condições de comprar o medicamento, mas se tem de pedi-lo de graça ao poder público, já se imagina o que vai ocorrer. Sob tal ótica, tal ação de medicamento é boa para quem realmente necessita do medicamento e também o é para a indústria que o fornece.
 
 Então, se as pessoas estão se utilizando do sistema sem terem direitos, apenas para tentarem ganhar algo que não merecem, é função do próprio sistema desencorajar essa atitude. Como fazer isso em uma sociedade plúrima, individualista, desprovida de qualquer senso de coletividade, midiática, sem opinião formada e imbuída de ganhos fáceis e não meritórios?

Não é produzindo mais sentenças, tenho certeza. O sistema como está posto hoje é autofágico. Nas palavras do presidente de todo esse sistema,(8)

“o Brasil adotou o aumento da máquina judiciária para tentar resolver a lentidão dos processos no judiciário. A solução fácil de aumento da máquina judiciária é apenas momentaneamente paliativa e não resolve a origem do problema, que está na vetustez barroca da nossa organização de todo o sistema judiciário.”

Porém, o que se vê da atuação do CNJ, ainda que louvável, é apenas uma análise gerencial da produção do ponto de vista formal. Reforçando o que disse no item 1, que as reformas no judiciário ainda não acabaram, o CNJ, dentre suas várias comissões, tem um grupo de trabalho liderado pelo Conselheiro Rubens Curado(9) cuja meta é reduzir os problemas estruturais da primeira instância. Em suas palavras:

“De acordo com dados do Justiça em Números, 90% dos processos que tramitam no Poder Judiciário (80 milhões) estão no 1º grau de jurisdição. ‘Essa Justiça merece uma atenção diferenciada. Estamos coletando e propondo sugestões que, de fato, possam melhorar a eficiência e mexer na estrutura desse Judiciário – que está assoberbado – e na forma como são tratados os processos no 1º grau’, afirma Curado. Juízes, advogados, servidores e integrantes do Ministério Público interessados em contribuir podem enviar sugestões ao CNJ até o dia 4 de outubro, pelo e-mail priorizacao.sugestoes@cnj.jus.br. As propostas vão auxiliar na elaboração das bases de uma política nacional para o 1º grau.”

3 A legitimidade da razão – Habermas

Habermas(10) busca reconstruir a autocompreensão entre pretensões normativas democrático-constitucionais e a facticidade de seu contexto social. Para tanto, toma como ponto de partida os direitos que os cidadãos têm de atribuir uns aos outros a fim de regular de forma legítima sua convivência com os meios do direito positivo, inferindo, pois, que essa é uma formulação que deixa transparecer a existência de uma tensão entre facticidade e validade que permeia o sistema dos direitos.

Ressalta que os argumentos favoráveis à legitimação do direito devem ser compatíveis com os princípios morais da justiça e da solidariedade universal, e também com os princípios éticos de uma conduta de vida autorresponsável, projetada conscientemente.

Na concepção de Habermas, é por meio dos discursos que se pode formar uma vontade racional, e a legitimação do direito reside, portanto, em arranjos comunicativos.

Ao analisar a fundamentação dos direitos sob a teoria do discurso, Habermas aduz que os destinatários do direito só poderão ter uma compreensão correta da ordem jurídica mediante uma normatização politicamente autônoma, pois, segundo ele, “o direito legítimo só se coaduna com um tipo de coerção jurídica que salvaguarda os motivos racionais para a obediência ao direito”. O princípio do discurso introduzido por Habermas é indiferente em relação à moral e ao direito e deve assumir, segundo o autor, a figura de um princípio da democracia, que passa a conferir força legitimadora ao processo de normatização. O autor destaca que o princípio da democracia decorre do nexo entre o princípio do discurso e a forma jurídica, situando-o, portanto, no núcleo de um sistema de direitos.

Em outras palavras, a ação comunicativa dirigida, prioritariamente, a um efetivo entendimento produz a expectativa de que, pelo consenso atingido, se possa alcançar a adesão dos atores no diálogo à solução compartilhada.

O plano da validade jurídica requer legitimação que, para Habermas, deve ser racional e operar no processo de legislação,33 no qual deverá haver amplo debate político efetivo, em que todos tenham a possibilidade de influenciar em busca de um entendimento intersubjetivamente racional, pois só assim o Direito poderá promover-se em fonte fundamental para a integração social.

O imperativo do uso da razão é exigido na construção de um sistema legal. Disso não pode descuidar o legislador. É ali que, bem ou mal, se espelha o anseio popular e o fator de legitimação do Poder Legislativo.

Observemos, por exemplo, uma incongruência básica do sistema, que ainda traz muitas reminiscências paternalistas.

Com a edição do Código Civil de 2002, Lei nº 10.406/2002, ficou estabelecido pelo artigo 5º que a maioridade civil no país é a partir dos 18 anos de idade. Nesse ponto, anda junto com a maioridade para fins penais. Agora vejamos que há uma dissintonia interna no âmbito civil. A Lei nº 8.213/91, que rege os benefícios da Previdência Social, estabelece que a dependência dos filhos em relação aos pais é até os 21 anos de idade. Veja, há uma maioridade civil geral (18 anos) e uma maioridade civil previdenciária (21 anos). Há vários fatores que levam a isso, mas não se pode dizer que seja moral legislativa, muito pelo contrário, visto que, em matéria previdenciária, o legislador tem sido assaz efetivo. O próprio artigo 16 da Lei nº 8.213/91 foi alterado em 2011 (Lei 12.470/2011) sem nada dispor quanto ao requisito etário para fins de dependência. Daí decorrem discrepâncias no sistema, pois ou é capaz, ou não. Não há discurso lógico-razoável para sustentar a existência dessa incongruência. Mas há uma explicação não técnica, qual seja, a visão paternalista que o legislador tem em relação aos benefícios pagos pela Previdência Social. Outra linha argumentativa seria que o legislador não mantém um mínimo de controle sobre os atos que edita, o que gera um verdadeiro caos para o jurista e para os aplicadores da lei. Caos esse que resulta em uma situação: insegurança.

Bom, se a função do direito em um Estado Democrático de Direito é garantir a paz social, é fácil perceber que essa só é alcançada quando o cidadão se sente seguro sobre seus direitos e deveres. Não há como impor deveres quando esses não são claros, explícitos, indeléveis. Se o jurista se sente inseguro, isso resulta em decisões disformes dentro do Poder Judiciário. É ali então que o Poder Judiciário deve, de maneira congruente, dizer o direito à luz dos fatos sociais atuais. Tal como Habermas, não prego um positivismo desmedido, porém o contrário também não, isto é, o afastamento completo do positivismo. Os magistrados têm que decidir, ainda que a legislação seja confusa e contraditória. Mas o discurso judicial deve ser racional e jamais ser incauto. Por isso se diz que o processo precisa de um tempo de amadurecimento, e o juiz idem, para que possa decidir o fato social da melhor maneira e de modo que não crie perturbação na ordem social. Logo, vê-se que esse discurso judicial deve ter valor para o quadro social, que assim o respeitará. Entretanto, não se eliminaria assim parcela de carga de subjetivismo, visto que toda decisão judicial é proferida por alguém que vê a realidade à sua maneira. Porém, acreditamos que tais decisões não seriam estatisticamente relevantes frente ao consenso jurídico alcançado sobre determinadas matérias.
 
E o magistrado é um dos líderes da sociedade e exerce influência no seio social. Mas, para tanto, deve ter um discurso argumentativamente lógico e racional, a fim de legitimar sua decisão na sociedade.

Kouzes e Posner,(11) autores do livro Desafio da liderança, dizem ser possível o líder engajar os seguidores em uma determinada direção, se ele conseguir efetivamente esclarecer os valores, em conjunto com o grupo, e, mais importante, viver esses valores.

É o que diz o guru Ken Blanchard(12) (Liderança de alto nível): valores precisam ser consistentemente aplicados, ou eles não passam de boas intenções. Eles precisam ressonar com os valores pessoais dos membros da organização para que as pessoas possam verdadeiramente escolher vivê-los.

Mas quais valores o judiciário tem passado à sociedade? Que, ao lado dos direitos, tenho também deveres (desaposentação)?(13) Que devo honrar minhas dívidas, porque fui eu quem as fiz (vide posição sobre impenhorabilidade de bens)?(14) Que devo pagar tributos, pois o resultado disso é o benefício para todos (vide posição de não cobrança de tributos abaixo de R$ 10.000)?(15)

3.1 A tradição como fator de segurança

Iniciarei este tópico demonstrando que o Direito, como ramo da ciência que é, não prescinde da tradição. Esta é intrínseca àquela, seu suporte de legitimação.

Antes, porém, é necessário falar do fato, aquele acontecimento da vida que receberá uma interpretação do jurista para ser categorizado como fato jurídico. É a ordem jurídica que diz quais são os efeitos a serem conferidos aos fatos. E, nesse sentido, pode-se falar de eficácia dos fatos. Em outras palavras, constata-se, na realidade fática, que, se um certo e determinado fato ocorrido no mundo real é capaz de produzir dados efeitos que interessam à esfera jurídica, tal fato é dotado de eficácia.

Como assinala a teoria da existência jurídica do jurista alemão Karl Salomon Zachariae von Ligenthal, cuja doutrina foi defendida entre nós por Pontes de Miranda,(16) entre outros, aquilo que não existe no mundo dos fatos não pode existir no mundo jurídico, porque o conjunto maior é o mundo dos fatos. O mundo jurídico tem que estar dentro do mundo dos fatos. Ele não cabe fora do mundo dos fatos. Se, no mundo dos fatos, não houve o evento morte, qualquer declaração nesse sentido, mesmo judicial, mesmo transitada em julgado, pode ser desconsiderada por qualquer um diante do que explica a teoria da existência jurídica.

 De longa data nos é conhecida a teoria tridimensional do direito formulada por Miguel Reale, a qual diz que a norma jurídica é a síntese resultante de fatos ordenados segundo distintos valores.(17) Com efeito, leciona o autor, onde quer que haja um fenômeno jurídico, há, sempre e necessariamente, um fato subjacente (fato econômico, geográfico, demográfico, de ordem técnica, etc.), um valor que confere determinada significação a esse fato e , finalmente, uma norma, que representa a relação ou medida que integra um daqueles elementos ao outro, o fato ao valor.

Parece-me que é de basilar intelecção que a natureza das coisas é de grande importância em ordem à ponderação de bens no caso concreto. Onde a reputação legal falseia de modo grosseiro a natureza das coisas, a jurisprudência dos tribunais corrige-a mediante um desenvolvimento do direito superador da lei. Mas a natureza das coisas não muda; pode-se atribuir-lhe outro valor, mas ela não muda. Por exemplo, um cachimbo não deixa de ser um cachimbo pelo fato de não ser mais popular entre os fumantes. E é nesse ponto que a decisões judiciais têm pecado, ao dissociarem-se umas das outras. O que é preto não é branco nem cinza. Há evidente limite interpretativo. Disso resulta uma categoria abstrata de forte cunho psicológico chamada de segurança jurídica.

José Joaquim Gomes Canotilho,(18) em sua obra Direito constitucional e teoria da Constituição (Almedina, 1998, p. 250), destaca “os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança como elementos constitutivos do Estado de Direito”. O professor Luís Afonso Heck, na mesma linha, na obra O tribunal constitucional federal e o desenvolvimento dos princípios constitucionais:contributo para uma compreensão da jurisdição constitucional federal alemã (Fabris, 1995, p. 186), ensina que “Tanto o preceito da certeza jurídica como o preceito da proteção à confiança são partes constitutivas essenciais e, portanto, elementos essenciais do princípio do Estado de Direito (...). Ambos têm índole constitucional e, assim, servem de critério normativo”.

Chiovenda(19) assentava a explicação da sentença não mais alterável na “exigência social da segurança no gozo dos bens da vida”.

A aplicação das regras promove a previsibilidade pela certeza de que a configuração de seus pressupostos de fato desencadeará a consequência estabelecida em seu enunciado normativo; a igualdade, pois cada agente social que se deparar com a hipótese de incidência de uma regra poderá se pautar, diante dos demais membros da comunidade, de acordo com o que ela prescreve, sem que seu regime jurídico fique a depender de padrões comportamentais vagos ou imprecisos, definidos casuisticamente; e a democracia, na medida em que o legislador, constitucional ou ordinário, ao fixar um comando normativo por meio de uma regra jurídica, já realiza desde logo uma decisão conteudística sobre o que deve ser, sem que delegue ao judiciário a maleabilidade na definição da conduta válida à luz do Direito. Nesse sentido, cf. SCHAUER, Frederick. Thinking like a lawyer: a new introduction to legal reasoning. Cambridge: Harvard University Press, 2009. p. 35 e 195‑6 e, do mesmo autor, Playing by the rules: a philosophical examination of rule-based decision-making in law and in life. Oxford: Clarendon Press, 2002. p. 135‑66.

Se temos até uma súmula que prega o desapego à segurança, que se dirá do resto. Ou seja, sumulamos que o que foi decidido por sentença transitada em julgado pode ser alterado. Refiro-me à súmula 344 do STJ, que diz: “A liquidação por forma diversa da estabelecida na sentença não ofende a coisa julgada”.

Aqui, cabe uma pequena colocação: por que não manter a definitividade do que foi julgado? Por que sempre permitir todo um novo debate? De que maneira isso contribui para a efetividade do processo? Se foi decidido, cumpra-se ou recorra-se. É mais rápido do que reabrir a discussão em sede de liquidação da sentença, que agora, com o sincretismo processual, é mera etapa do mesmo processo. Não se pode apegar-se tanto a razões técnicas, como dizendo que forma de liquidação não é mérito, logo, não transita em julgado. Não discordo do argumento. Porém, discordo da funcionalidade de se admitir o contrário.

Um dos efeitos colaterais dessa ampla abertura dos bancos de dados pretorianos foi a perda de referencial da doutrina, que passou a dizer, por meio de paráfrases grosseiras, aquilo que os juízes afirmam, sem se preocupar com a atividade de crítica jurisprudencial, que é esperável da dogmática, e deixando de lado sua função histórica de sistematizar o conhecimento jurídico, a partir de seu estudo racional e orgânico. Evidentemente que há outras causas para esse contínuo desprestígio da doutrina, ao exemplo da mudança de posições na medida em que a própria jurisprudência altera seus rumos.

É óbvio que não se concebe a doutrina em seu “esplêndido isolamento”, para usar de uma expressão do século XIX. Mas daí a percebê-la como um instrumento voltado a “macaquear da sintaxe” pretoriana, como diz o famoso verso de Manuel Bandeira, é também outro exagero.

Para se limitar essa objeção ao rigor das pesquisas “empíricas” de jurisprudência aos textos publicados sobre o Supremo Tribunal Federal, bastam duas importantes informações, que provavelmente são desconhecidas do grande público: 1) o STF não publica todas as decisões colegiadas que foram estampadas nos diários de justiça; 2) suas decisões monocráticas são publicadas por meio de uma seleção de entre as “mais relevantes” (nunca entendi ao certo qual o critério objetivo utilizado para lastrear essa escolha), o que implica dizer que um número enorme de decisões não é lançado na base de dados do STF. De modo explícito, é absolutamente adequado afirmar que não há uma “base de dados universal” de acórdãos e decisões monocráticas do STF, ainda que se limite a pesquisa, por exemplo, ao ano de 2012.

Otavio Luiz Rodrigues Júnior,(20) ao se referir de maneira crítica à jurisprudência, assim se manifestou:

“Só haveria duas formas de se realizar uma pesquisa confiável, em termos de rigor científico, das decisões do STF: 1) delimitar o período da investigação, sair da Internet e levantar diário por diário da justiça, a fim de se proceder a uma coleta segura de dados; 2) apresentar um critério estatístico, capaz de atenuar ou prever os efeitos dos desvios inerentes a uma pesquisa com dados incompletos. Fora disso, só é possível fazer afirmações sobre ‘tendências’ ou ‘impressões’ a respeito dos julgamentos do STF, com a necessária advertência ao leitor de que existem essas dificuldades em uma pesquisa realizadas apenas com base em consulta ao sítio eletrônico do tribunal.

O discurso contra a doutrina jurídica tradicional, quando informado pela defesa da ‘pesquisa empírica’, torna-se perigoso por outra razão: dificilmente os números são contrariáveis por meros argumentos. Faz-se necessário contrapor números a números. Se alguém afirma que o STF é conservador ou liberal, leniente ou duro com políticos corruptos, garantista ou não, fazendário ou patrimonialista, e apresenta em favor desse argumento uma ‘pesquisa empírica’, é muito difícil refutar essas conclusões. No entanto, salvo raras exceções, muitas das conclusões sobre o STF, extraídas de investigações exclusivamente fundadas em sua base eletrônica, sofrem de um vício de origem. E, em grande medida, não se diferenciam muito de ‘opiniões’ pessoais, ao passo em que surgem com o péssimo efeito de mascarar resultados imprecisos com a majestática imunidade da empírica.”

Não se pode esquecer de outros detalhes que, muita vez, são solenemente ignorados em algumas “pesquisas” sobre o STF. A estrutura do processo constitucional no Brasil, influenciada que foi pelas complexas regras do processo civil, é marcada por nuances e sutilezas, que terminam por afetar qualquer exame global dos resultados de seus julgamentos. O reconhecimento de questões processuais, preliminares ou prejudiciais, pode ter impacto decisivo no julgamento, sem que disso se extraiam (ou se permitam extrair) ilações sobre o pensamento do tribunal em relação a uma dada matéria. Se o STF entende que é incompetente para julgar políticos sem foro especial, a rejeição desses casos jamais pode confundir-se com a absolvição genérica de tais agentes, como, erroneamente, se afirmou há alguns anos. Sem se descer a tais detalhes, o que só é possível com a leitura integral dos acórdãos, e não com a mera consulta às ementas, o resultado da pesquisa está comprometido.

3.2 O sistema “interno” de jurisprudência de Karl Larenz

O sistema interno diz respeito ao aspecto estrutural. Entende-se tratar-se da necessidade das normas e das instituições jurídicas, compondo um todo com coerência lógica.

Assim, os princípios mais gerais são especificados por outros subprincípios até atingirem o grau necessário à sua aplicação. Os princípios apresentam-se como uma “ideia jurídica geral” ou uma “ideia diretiva”. Para Larenz, esse processo não se dá em um só sentido, mas sim em sentido duplo, de tal sorte que o princípio jurídico se esclarece por meio de suas concretizações e estas ganham significado quando aglutinadas a ele, em uma verdadeira atividade de “esclarecimento recíproco”.

De acordo com Larenz, os princípios diretivos são elementos de um “sistema interno”, cujo objetivo é “tornar visível e pôr em evidência a unidade valorativa do ordenamento jurídico interno”. Já o “sistema externo” é formado por conceitos abstratos construídos a partir da generalização de fatos-tipo, objeto de uma regulação jurídica.

Pode-ser observar que a definição de Direito Justo, proposta por Larenz, não remete para algo além do direito estabelecido. Para o jurista, o Direito Justo é direito positivo, que possui vigência normativa e fática em um delimitado âmbito espacial e em um determinado momento histórico. Como nem todo direito positivo é considerado justo, pode-se dizer que o Direito Justo é um peculiar modo de ser do direito positivo.

O professor Alexander Brums(21) (da Universidade de Freiburg – Alemanha) assim se referiu ao sistema de admissibilidade de recurso especial na Alemanha:

“Julgamentos diversos em quadros fáticos idênticos sem significação especial para a jurisprudência em geral não constituem fundamento para a admissibilidade. Mesmo erros evidentes na aplicação do direito não fundamentam a admissibilidade do recurso especial, salvo se houver o perigo de repetição e reprodução do julgado. Isso vale, segundo a doutrina dominante, em princípio, tanto para violações contra o direito material quanto contra o direito processual. O STJ exige aqui pontos de referência concretos. Admite-se o perigo de repetição no caso de afastamento contínuo da jurisprudência do tribunal superior, e nesse caso o STJ exige adicionalmente que o Tribunal de Apelação tenha adotado uma decisão divergente ‘de maneira censurável’, isto é, com conhecimento da jurisprudência do STJ.”

Mais um exemplo. Veja-se a Súmula 417 do STJ (editada em 03.03.2010), que assim dispõe: “Na execução civil, a penhora de dinheiro na ordem de nomeação de bens não tem caráter absoluto”.

 Pois bem, o STJ acaba de mudar de opinião, mas não houve alteração da súmula. V.g.:

“A Primeira Seção desta Corte, em recurso representativo de controvérsia (REsp 1.184.765/PA, Rel. Min. LUIZ FUX, DJe 03.12.2010), seguindo orientação da Corte Especial deste STJ no julgamento do REsp 1.112.943/MA (...) porquanto os depósitos e as aplicações em instituições financeiras passaram a ser considerados bens preferenciais na ordem da penhora, equiparando-se a dinheiro em espécie (artigo 655, I, do CPC).” (STJ, EDcl no AgRg no REsp 1052026/PE, 1ª T., junho de 2013)

Vamos observar que a Súmula 417 foi editada em 03.03.2010 pela Corte Especial. Observe-se, porém, que a redação do artigo 655, inciso I, foi dada pela Lei nº 11.382/2006.

Já a votação da Corte Especial no REsp 1112943/MA, que mudou o sentido da jurisprudência do STJ sobre o assunto, foi decidida em 15.09.2010 e publicada em 23.11.2010. Observe-se que, cerca de seis meses após editada a súmula, vem decisão da mesma Corte Especial e altera o entendimento, sem, porém, alterar a redação da súmula. Como explicar essa mudança tão rápida de entendimento? Mas, independentemente da explicação da razão para tal proceder, podemos imaginar os efeitos. Para os leigos (a maioria da população), fica a impressão de que agiram sem reflexão na primeira análise; outros dirão o contrário, que a segunda análise é incorreta; alguns podem dizer que não vão cumprir, pois daqui a seis meses mudará de novo; ainda, para que cumprir, se eles (juízes) não parecem ter credibilidade no que dizem?

Vamos observar, agora, a razão dos votos.

O voto do Min. Teori Zavascki assim destacou:

“Registre-se, por fim, que o artigo 655-A do CPC nada mais representa que a confirmação do desiderato trazido pelas mais recentes modificações do sistema do processo de execução, de conferir máximas efetividade e autoridade aos títulos executivos, notadamente os judiciais, que, uma vez formados, devem ser cumpridos espontânea e imediatamente pelo devedor, sob pena, inclusive, de multa de 10% caso isso não ocorra (CPC, art. 475-J). Daí o acerto da lição de Cândido Dinamarco, referida pelo Conselho Federal da OAB, segundo a qual ‘Atenta contra a jurisdição o devedor que, tendo dinheiro ou fundos depositados ou aplicados em banco, não paga desde logo quando citado no processo executivo (CPC, art. 652) (...)’.”

Importantíssima a conclusão do Min. Aldir Passarinho Júnior:

“Como existe, também, uma súmula da Corte Especial nesse sentido, pode ser que haja, na aplicação prática, alguma colidência em relação ao sentido da Súmula nº 417. Porque, na verdade, a Súmula nº 417 dá uma certa proteção a que não se faça penhora em dinheiro. Na medida em que, nos termos da decisão do recurso repetitivo, estou de certa forma fortificando a penhora em dinheiro, independentemente de outra pesquisa de outros bens, posso estar esvaziando um pouco o conteúdo da Súmula nº 417. Mas, evidentemente, a questão vai acabar se revelando na prática, no caso a caso. Em tese, estou de acordo.

Diante da ressalva feita pelo eminente Ministro Teori Albino Zavascki, assim como pela Ministra Nancy Andrighi, acompanho o voto da Sra. Ministra Relatora, dando provimento ao recurso especial.”

O próprio prof. Larenz(22) entendia que o sistema não era fechado, mas, como visto acima, parece que a abertura é a regra. Em suas palavras:

“O sistema interno não é, como se depreende do que foi dito, um sistema fechado em si, mas um sistema ‘aberto’, no sentido de que são possíveis tanto mutações na espécie de jogo concertado dos princípios, do seu alcance e da sua limitação recíproca como também a descoberta de novos princípios (...).
Para falar como Canaris, ‘o sistema, como unidade de sentido de uma ordem jurídica concreta, comunga do modo de ser desta, quer dizer, assim como não é estático, mas dinâmico, apresenta, portanto, a estrutura da historicidade’.”

Por fim, quero ressaltar que a presente linha argumentativa não quer e não tem a pretensão de criticar as cortes superiores do Brasil. Quer apenas demonstrar que o poder vinculativo de um tribunal é diretamente proporcional à estabilidade temporal das suas manifestações. Se o sistema interno de princípios norteadores mudar mais rápido do que a sociedade compreenda, teremos inegavelmente uma crise de legitimidade.

Também não quero induzir o leigo a pensar que a jurisprudência deva ser petrificada. Entendo que debates sempre devem acontecer, tendo em vista as alterações legais ou fáticas. A vida não é estática, logo, a jurisprudência deve dar a resposta aos fatos sociais dentro do espectro temporal em que mudem. O que não pode é a jurisprudência mudar dentro do mesmo contexto, sem alteração da base fática. O que também não pode acontecer jamais é alteração em virtude de alteração de quadro de composição de tribunais. Porque, então, não se estará dando o enquadramento que o tribunal propôs, e sim o individualismo daquele que adentrou na casa e quer mudar o sistema interno de entendimentos consolidados.

Assim, como posto, independentemente da opção que o juiz de 1º grau escolher, sempre haverá uma alternativa válida para viabilizar e embasar um recurso, porque sempre se questionará se a escolha do magistrado de 1º grau foi a mais adequada e/ou correta.

A insegurança é imensa para todos os operadores e parte do processo judicial. Essa insegurança gera um crescimento exponencial da máquina judiciária, porque as demandas duram muito tempo, gerando acúmulo de processos, o que acaba retroalimentando o sistema de não estabilidade das decisões, visto que essas devem ser tomadas com rapidez, já que há muitos processos. Assim, muitos processos obrigam a decisões rápidas, estas geram quebras de paradigmas, quebras de paradigmas geram mais processos, e o sistema confuso se retroalimenta e aumenta. É, infelizmente, uma tautologia que destruirá o sistema, mais cedo ou mais tarde.

Explico, com números do CNJ.(23)

Os tribunais superiores que se situam em Brasília (STJ, TSE, TST e STM) possuíam, em 2012, 9.982 funcionários e administravam um orçamento de R$ 1.554.328.625,00 (um bilhão, quinhentos e cinquenta e quatro milhões, trezentos e vinte e oito mil e seiscentos e vinte e cinco reais).

Somente o STJ possuía 5.020 funcionários e tinha orçamento de R$ 894.822.181,10. O número é gigantesco, como também o é o número de processo que ingressam e são julgados nessa Corte. Vejamos: em 2012, cada um dos 33 Ministros do STJ julgou 6.955 sentenças/decisões terminativas. Tal número, dividido por 10 (meses, visto que os ministros têm dois meses de férias por ano), dá uma média de 695,5 processos julgados por mês, o que dá cerca de 23,3 processos por dia. Nesse número não estão inclusos os despachos, as decisões interlocutórias, o tempo que os ministros ficam nas sessões de julgamento, o tempo que despendem para orientar funcionários, o tempo que usam para atender os advogados das partes, o tempo que usam para participar de eventos jurídico-sociais que o cargo lhes impõe nem os finais de semana.

Considerando que, em média, podemos tirar cerca de 7 dias de cada mês, que se referem aos sábados e aos domingos, restam cerca de 23 dias úteis para julgamento; se considerarmos apenas 1 dia por mês para julgamento em sessão (esse número é maior, mas usarei apenas o mínimo), mais 1 dia por mês para atender partes, mais 1 dia por mês para orientar funcionários, mais 1 dia por mês para participar de cursos, sobram 19 dias. Daí, a média fica em 36,6 sentenças/decisões terminativas por dia.

Observemos que se trata do tribunal cujo objetivo é uniformizar a jurisprudência infraconstitucional do país, fortalecer o seu sistema interno de princípios e paradigmas. Assim, os processos que naquele órgão adentram são tudo, menos simples. Como julgar cerca de 36,6 processos por dia? Não há tempo para análise aprofundada. Não há tempo para pesquisa histórica. Não há tempo para reflexão. Tudo é automatizado, quando não deveria ser!

Infelizmente, no meio jurídico comenta-se que a Justiça assemelha-se a uma fábrica de parafusos, no que o que mais interessa é a produção. Muitos advogados não se preocupam que a sentença seja favorável, mas que saia logo; assim, pode-se recorrer. Se for favorável, melhor, mas já se sabe que não transitará em julgado tão cedo! Vejam a crise de legitimidade que isso gera no seio da população, pois a decisão judicial é meramente formal, não muda o mundo real.

Assim, a sentença do juiz de 1º grau está com enorme desprestígio e, em alguns casos, é quase irrelevante, porque é apenas uma “fase” do processo. Nos tribunais de 2º grau, a situação não difere muito, sendo que suas decisões possuem um grau um pouco melhor de aceitabilidade em face da dificuldade de se ter um recurso especial ou extraordinário admitido. Mas, se houvesse efetiva criação de bases de entendimento, de um sistema interno de paradigmas, a população teria claro o entendimento judicial sobre determinados fatos. Isso gera educação e conformação. Acaba-se com a chamada "loteria da ação judicial". Permite-se a elevação dos graus de honestidade (ainda que forçada), pois aquele que não tem o direito sabe que nada conseguirá do Poder Judiciário. Reconhecemos que a mudança é extremamente difícil, haja vista a estrutura que alcançamos. Porém, é necessário que paulatinamente se retorne ao que já se foi. O judiciário não pode ir de acordo com o vento, pois este muda de direção muito rapidamente. A sociedade espera do judiciário estabilidade nas decisões. Atualizações e mudanças devem ser pontuais, e não a regra, e dificilmente se deve ter um giro interpretativo de 180º.

Conclusão

A par do exposto, entendo que a verdadeira reforma (de fundo) do Poder Judiciário passa pela reforma do seu produto, qual seja, a decisão judicial. Serão os magistrados decidindo em constância e uniformidade que farão diminuir a alta demanda. Assim, frente ao mesmo fato social, o Poder Judiciário deve dar a mesma fundamentação jurídica, isto é, o mesmo discurso. Só assim estará educando a população sobre quais são os valores da sociedade brasileira e quais são os direitos e, principalmente, os deveres de cada cidadão.

Pois, ao persistir o sistema atual, no qual o mesmo fato da vida recebe vários discursos argumentativos conforme a fonte produtora e, não raro, discursos antagônicos, o comprometimento democrático do Poder Judiciário restará cada vez mais abalado.

De outro ponto, a persistir essa conduta incongruente de diálogo interno, o reconhecimento popular restará diminuído ano após ano. E disso decorre o não acatamento pela população da decisão judicial. É a conhecida falta de legitimidade. E, quando a sociedade não se sente mais representada pelos poderes, o sistema entra em colapso. E isso é mais comum do que se imagina. Revoltas, golpes de Estado e guerras civis são uma constante em todas as nações.

É importante, então, que o Poder Judiciário brasileiro faça um planejamento de produção com meta na qualidade (uniformidade de discurso jurídico), pois assim estará não só se fortalecendo, mas retomando seu papel democrático de ser um dos fundamentos da República.

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Notas

1. SILVA, José Afonso. Comentário contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 502.

2. LENZA, Pedro. Reforma do Poder Judiciário. Emenda Constitucional nº 45/2004. Esquematização das principais novidades. Jus Navigandi, Teresina, a. 10, n. 618, 18 mar. 2005. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/6463/reforma-do-judiciario-emenda-constitucional-no-45-2004#ixzz2gPDHvOAL>.

3. Documento Técnico n. 319, Banco Mundial, Washington, D.C., jun. 1996. Traduzido por Sandro Eduardo Sardá.

4. MELO FILHO, Hugo Cavalcanti. A reforma do Poder Judiciário brasileiro: motivações, quadro atual e perspectivas. Revista CEJ, Brasília, n. 21, p. 79-86, abr./jun. 2003.

5. BOCHENEK, Antônio César. A interação entre tribunais e democracia por meio do acesso aos direitos e à justiça: análise de experiências dos Juizados Especiais Federais cíveis brasileiros. Série Monografias do CEJ, Brasília, n. 15, jan./abr. 2013. p. 250-251.

6. PEDROSO, Márcia Naiar Cerdote. A crise do modelo de produção taylorista/fordista. 2004. Dissertação (Especialização), Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2004.

7. BOCHENEK, Antônio César. A interação entre tribunais e democracia por meio do acesso aos direitos e à justiça: análise de experiências dos Juizados Especiais Federais cíveis brasileiros. Brasília: CJF, 2013. (Monografias do CEJ, 15).

8. BARBOSA, Joaquim. Apud: BALZA, Guilherme. Em palestra, Barbosa afirma que não há sistema jurídico mais confuso que o brasileiro. UOL Notícias, São Paulo, 30 set. 2013. Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2013/09/30/em-palestra-barbosa-afirma-que-nao-ha-justica-tao-lenta-quanto-a-brasileira.htm#fotoNav=2>.

9. CURADO, Rubens. Apud: GRUPO de trabalho avalia melhorias para o 1º grau. Consultor Jurídico, São Paulo, 30 set. 2013. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2013-set-30/grupo-trabalho-cnj-avalia-mudancas-melhorar-grau>.

10. HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Traduzido por Flávio Beno Siebeneichler. 2. ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. v. 1. p.113-168.

11. KOUZER, James M.; POSNER, Barry Z. O desafio da liderança. Lisboa: Caleidoscópio, 2009.

12. FURLAN, Marcelo João. O Estado de São Paulo, 8 set. 2013.

13. STJ, REsp 1334488.

15. STJ, REsp 573.398.

16. PONTES DE MIRANDA. Tratado de direito privado. Campinas: Bookseller, 1999. Tomo I. p. 52.

17. REALE, Miguel. Teoria tridimensional do direito, 1968, e Lições preliminares de direito, 1973. p. 85.

18. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. Lisboa: Almedina, 1998. p. 250.

19. CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil, 1942. v. I. p. 512-513.
.

20. RODRIGUES JÚNIOR, Otavio Luiz. Dogmática e crítica da jurisprudência (ou da vocação da doutrina em nosso tempo). Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 99, n. 891, jan. 2010.

21. BRUMS, Alexander. Pressupostos de admissibilidade do Recurso Especial no STJ alemão. In: II Seminário Internacional Brasil-Alemanha, 2011, Florianópolis. Anais. (Caderno do CEJ, n. 27). p. 73.

22. LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. 3. ed. Traduzido por José Lamego. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2005. p. 592.

23. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/programas-de-a-a-z/eficiencia-modernizacao-e-transparencia/pj-justica-em-numeros/relatorios> (relativo ao relatório do ano 2012). Acesso em: 15 jul. 2013.




Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023:2002/ABNT):
. . Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n., abr. 2014. Disponível em:
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Acesso em: .


REVISTA DE DOUTRINA DA 4ª REGIÃO
PUBLICAÇÃO DA ESCOLA DA MAGISTRATURA DO TRF DA 4ª REGIÃO - EMAGIS