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publicado em 30.04.2014
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Palavras-chave: Reforma. Gestão. Decisão. Racionalidade. Congruência. Legitimidade. Sumário: Introdução. 1 A reforma do Poder Judiciário. 2 O binômio quantidade-qualidade. 3 A legitimidade da razão – Habermas. 3.1 A tradição como fator de segurança. 3.2 O sistema "interno" de jurisprudência de Karl Larenz. Conclusão. Referências bibliográficas. Introdução As sociedades atuais têm mudado seus paradigmas de maneira rápida nos últimos anos. Os fatores são diversos: aumento da população, concorrência, tecnologia, valores culturais, valores morais, etc. E o Estado, por meio de seus poderes, constituídos para servir essa sociedade, deve dar a resposta esperada por ela, cada um no seu âmbito de atuação. Se ao Poder Executivo incumbe implantar as políticas públicas pelas quais o povo tanto anseia, deve fazê-lo e bem, na exata medida que a população pede. Exemplo disso seriam os serviços básicos de transporte público eficiente, a educação pública de qualidade, o saneamento básico, etc. Já ao Poder Judiciário, que foi criado para dizer o direito em caso de conflito, tem por razão última a pacificação social. Parece-nos que simplesmente dizer o direito em tempo hábil não basta; a decisão judicial deve não só ser efetiva, mas racionalmente convincente para a população. Os seus efeitos vão muito mais longe do que a relação inter partes faz presumir: a decisão passa a ser um modelo de conduta social. Bem, o que dizer se os mesmos fatos da vida são decididos de maneiras diversas pelos juízes brasileiros? Qual é o efeito disso perante a sociedade, como regra de conduta, e como fator de afirmação democrática desse poder? Há diferença entre essa hipótese e a de um posto de saúde inaugurado, mas sem médicos? Tenho que, em ambas as situações, a atuação formal desses poderes está muito longe de cumprir seus encargos metajurídicos. O posto de saúde sem médicos não atende à necessidade real da sociedade. Assim como as decisões judiciais incongruentes não pacificam nem educam a sociedade. A par disso, o presente trabalho propõe-se a tecer linhas bem gerais sobre como uma reforma endoprocessual poderia ser pensada. Para tanto, valores diversos são trazidos, como a doutrina do jurista alemão Jürgen Habermas, que, com o seu discurso racional, pode ajudar a estabelecer tópicos de raciocínio. Também os estudos do prof. Karl Larenz sobre metodologia científica são muito úteis para se estudar o sistema interno de jurisprudência. Não falarei neste trabalho, porém, das normas de conduta, nem da interpretação sociológica do direito, as quais terão enfoque especial em trabalho acadêmico posterior que está em desenvolvimento. 1 A reforma do Poder Judiciário O Poder Judiciário é um poder republicano que tem vivido uma constante crise. E, por consequência, a necessidade de reformas, segundo alguns, mostra-se sempre iminente. Como indica o prof. José Afonso da Silva,(1) em 1854, o Ministro Joaquim Nabuco já havia pensado uma profunda reforma do judiciário. Diante dos naturais percalços políticos, seus projetos somente seriam realidade dez e até vinte anos após apresentados. A reforma do Poder Judiciário foi realizada posteriormente pela EC nº 7, de 1977, cujo objetivo era diminuir o números de processos que tramitavam em primeiro grau. Com a reforma de 2004, introduzida pela Emenda Constitucional 45, novamente se procura curar esse paciente "doente" que é o Poder Judiciário. Tal reforma, ao contrário do que muitos pensam, não se findou. Ainda está ativa a comissão de reforma do Poder Judiciário. O prof. Pedro Lenza(2) nos traz uma abordagem clara do que implicou essa reforma: “Podemos destacar as principais novidades: 21) A previsão de funcionamento no STJ: a) da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados, cabendo-lhe, dentre outras funções, regulamentar os cursos oficiais para ingresso e promoção na carreira; e b) do Conselho da Justiça Federal como órgão central do sistema e com poderes correicionais, cujas decisões terão caráter vinculante (art. 105, parágrafo único, I e II). Ainda, não nos esqueçamos de que a última reforma do Poder Judiciário brasileiro teve seu germe no Banco Mundial, por meio do documento técnico 319, de junho de 1996,(3) no qual recomendava um programa de reforma do Poder Judiciário da América Latina e do Caribe. “Embora não faça recomendações específicas quanto a esta necessidade, em diversas passagens, o Documento nº 319 deixa evidenciada a urgência em se estabelecer limitação ao exercício da função jurisdicional pela base da magistratura. Ampliação das Cortes Supremas e prevalência da sua jurisprudência sumulada sobre as decisões das instâncias inferiores são fatores sugeridos, para atingir a tão decantada previsibilidade jurídica: a reforma econômica requer um bom funcionamento do Judiciário, o qual deve interpretar e aplicar as leis e as normas de forma previsível e eficiente. Além disso, o crescimento da integração econômica entre países e regiões demanda um Judiciário com padrões internacionais. (...) Os países-membros dos mercados comuns devem ter a certeza de que as leis serão aplicadas e interpretadas de acordo com padrões regionais e internacionais. Nesse contexto, um Judiciário ideal aplica e interpreta as leis de forma igualitária e eficiente, o que significa que deve existir: a) previsibilidade nos resultados dos processos (...). Os programas de reforma também podem incluir alterações nos procedimentos administrativos e nos códigos de processo, para aumentar a eficiência no processamento das demandas. As reformas processuais demandam uma identificação dos procedimentos que obstruem a eficiência das Cortes e causam atrasos (...). Em certas Cortes, a morosidade é atribuída, em parte, à existência de um grande número de recursos (...). A imposição de pressupostos recursais estritos apresenta-se como uma opção.” Percebe-se, então, que há uma tentativa internacional de conformação do Poder Judiciário latino-americano. Por óbvio, veem-se interesses econômicos por detrás dessas tentativas. Porém, tenho que serviram sim para modificar certas condutas e visões dentro da magistratura brasileira. Distorções houve, e a pretendida reforma ainda não chegou a um resultado satisfatório. Em termos macros de números de produtividade, poder-se-ia dizer que atingiram-se as metas traçadas, basta ver os relatórios públicos no website do CNJ (www.cnj.jus.br) intitulados Justiça em Números. Entretanto, como se diz na prática forense, o Poder Judiciário não é uma fábrica de pregos. Decidem-se vidas e fatos diametralmente opostos. As decisões dos magistrados precisam ter um tempo necessário de amadurecimento. O processo também precisa desse tempo. Porém, o presente trabalho não discorre sobre a duração do processo, mas sobre a eficácia do processo como fator de pacificação social. O que se pode dizer com as tantas reformas que tivemos é que efetivamente o tempo de duração do processo judicial brasileiro diminuiu, vide metas do CNJ, semanas de mutirão disso e daquilo, semanas de conciliação, etc. A cada ano que se inicia, novas metas são lançadas para que o magistrados as cumpram. Cito uma meta interessante para o ano de 2013: julgar quantidade maior de processos de conhecimento do que os distribuídos em 2013. Na teoria, muito bom e louvável, mas veremos que isso tem um custo. E esse custo é a falta de congruência entre decisões de diferentes instâncias. Nunca se pode esquecer que, ao se impor celeridade, esta é imposta a todos os órgãos e instâncias do Poder Judiciário. E essa celeridade pode causar falta do tempo necessário para uma análise sistêmica da decisão. Explico: julgando-se rápido, olha-se apenas o caso individual e não se presta atenção à linha de argumentação que deveria ser seguida para que o sistema de decisões fosse congruente. 2 O binômio quantidade-qualidade O presente capítulo trata da administração da produção, visto que o Poder Judiciário é Poder, mas é acima de tudo dever, dever de julgar, de decidir. Logo, assemelha-se muito com uma empresa produtiva. Para tanto, deve ter um planejamento de atividades. Com a revolução industrial, surge a necessidade de padronização em massa. A preocupação era produzir o máximo. O Japão, após a Segunda Guerra Mundial, desenvolveu estratégias empresariais voltadas para a exportação e a conquista do mercado mundial. O americano estava atrelado à quantidade de produção, e o japonês se preocupava em atender com qualidade. As empresas foram obrigadas a ouvir o mercado e a saber o que o mercado queria. Isso definiu e revolucionou todo o processo industrial, e as empresas começaram a traçar estratégias competitivas, como inovação, flexibilidade, custo competitivo, qualidade, produtividade. Produtividade significa produzir o máximo possível com as pessoas, as máquinas e os materiais com menor recurso possível, podendo ser representada também pela fórmula: Produtividade = número de peças produzidas (valor produzido) / esforço e recursos utilizados p/ produzir (valor consumido) Quando falamos de produtividade, temos de falar da causa que tem levado a esse seu número absurdo, qual seja, o aumento populacional. Segundo Antônio César Bochenek,(5) “A procura pelos tribunais e a proliferação de demandas está diretamente relacionada ao aumento populacional verificado nos últimos anos. A população brasileira estimada pelo IBGE é de mais de 190.732.694 pessoas, enquanto em 1970 a população era de 90.000.000. Outro fator importante refere-se ao êxodo rural para os centros urbanos. De acordo com o censo demográfico do ano de 2010, a população urbana era de 160.879.708, enquanto a população rural era de 29.852.986. A procura judiciária acentua-se nas regiões que se transformaram em espaços de atração populacional, que são espaços que recebem maior dinamismo econômico e registram níveis mais elevados de litigiosidade.” Já quando falamos em qualidade, controle de qualidade ou programas de qualidade, logo vem à mente que eles trazem em seu bojo essa preocupação de excelência. O controle de qualidade facilita o processo de prever e eliminar os defeitos. Tem como benefícios: aumento do prestígio de sua empresa no mercado e redução dos seus custos de retrabalho (fabricar outro) e da devolução de peças com defeito. De acordo com Antonio Robles Jr.,(6) “As premissas estratégicas para a utilização plena do Sistema de Custos da Qualidade são três: O que havia de especial em Ford (industrial norte-americano Henry Ford – 1863-1947) e que, em última análise, distinguia o fordismo do taylorismo era o seu reconhecimento Segundo Antônio César Bochenek,(7) “Em termos gerais, o desempenho dos tribunais consiste na avaliação interna dos tribunais, de acordo com os critérios relacionados à qualidade, à eficácia e à eficiência na prestação jurisdicional. Existem diversas formas de avaliar o desempenho dos tribunais, inclusive por avaliações desenvolvidas pelos próprios tribunais ou por auditorias externas. Voltando agora para a justiça brasileira, que tem, ano após ano, números crescentes de aumento de produtividade e também números crescentes de novas demandas, percebe-se com clareza o que Henry Ford dizia. Quero dizer que a celeridade processual também é uma causa do aumento exponencial de novas demandas, até porque o custo para o consumidor não é alto. Vê-se então, como consequência, o gigantismo do Poder Judiciário no Brasil. Isso é custo que é pago por todos. Melhor, alguns pagam diretamente pelos impostos que recolhem ao governo. Outros, uma parcela significativa da sociedade brasileira, que vivem na cômoda "informalidade" e não recolhem um tostão para o governo, usufruem do sistema, geralmente com custas irrisórias e tendentes apenas a um possível ganho, que os doutrinadores chamam de "loteria". Um exemplo claro disso é uma demanda relativamente nova, que não existia no passado e que agora aumenta as estatísticas da demanda. Falo das ações de saúde. Preocupados já havia tempos com o alto volume de litígios envolvendo o tema, os membros do Conselho Nacional de Justiça, no ano de 2010, editaram a Recomendação 31, no sentido de que os tribunais orientem “a adoção de medidas visando a melhor subsidiar os magistrados e os demais operadores do direito, para assegurar maior eficiência na solução das demandas judiciais envolvendo a assistência à saúde”. Tal aumento de demanda tem dois fatores impulsionantes: um é a letargia da administração pública em dar conta de maneira eficaz da demanda de saúde da população; outro é o forte lobby das empresas farmacêuticas. Em um país pobre com população de mais de 200 milhões de pessoas, se não se tem condições de comprar o medicamento, mas se tem de pedi-lo de graça ao poder público, já se imagina o que vai ocorrer. Sob tal ótica, tal ação de medicamento é boa para quem realmente necessita do medicamento e também o é para a indústria que o fornece. Não é produzindo mais sentenças, tenho certeza. O sistema como está posto hoje é autofágico. Nas palavras do presidente de todo esse sistema,(8) “o Brasil adotou o aumento da máquina judiciária para tentar resolver a lentidão dos processos no judiciário. A solução fácil de aumento da máquina judiciária é apenas momentaneamente paliativa e não resolve a origem do problema, que está na vetustez barroca da nossa organização de todo o sistema judiciário.” Porém, o que se vê da atuação do CNJ, ainda que louvável, é apenas uma análise gerencial da produção do ponto de vista formal. Reforçando o que disse no item 1, que as reformas no judiciário ainda não acabaram, o CNJ, dentre suas várias comissões, tem um grupo de trabalho liderado pelo Conselheiro Rubens Curado(9) cuja meta é reduzir os problemas estruturais da primeira instância. Em suas palavras: “De acordo com dados do Justiça em Números, 90% dos processos que tramitam no Poder Judiciário (80 milhões) estão no 1º grau de jurisdição. ‘Essa Justiça merece uma atenção diferenciada. Estamos coletando e propondo sugestões que, de fato, possam melhorar a eficiência e mexer na estrutura desse Judiciário – que está assoberbado – e na forma como são tratados os processos no 1º grau’, afirma Curado. Juízes, advogados, servidores e integrantes do Ministério Público interessados em contribuir podem enviar sugestões ao CNJ até o dia 4 de outubro, pelo e-mail priorizacao.sugestoes@cnj.jus.br. As propostas vão auxiliar na elaboração das bases de uma política nacional para o 1º grau.” 3 A legitimidade da razão – Habermas Habermas(10) busca reconstruir a autocompreensão entre pretensões normativas democrático-constitucionais e a facticidade de seu contexto social. Para tanto, toma como ponto de partida os direitos que os cidadãos têm de atribuir uns aos outros a fim de regular de forma legítima sua convivência com os meios do direito positivo, inferindo, pois, que essa é uma formulação que deixa transparecer a existência de uma tensão entre facticidade e validade que permeia o sistema dos direitos. Ressalta que os argumentos favoráveis à legitimação do direito devem ser compatíveis com os princípios morais da justiça e da solidariedade universal, e também com os princípios éticos de uma conduta de vida autorresponsável, projetada conscientemente. Na concepção de Habermas, é por meio dos discursos que se pode formar uma vontade racional, e a legitimação do direito reside, portanto, em arranjos comunicativos. Ao analisar a fundamentação dos direitos sob a teoria do discurso, Habermas aduz que os destinatários do direito só poderão ter uma compreensão correta da ordem jurídica mediante uma normatização politicamente autônoma, pois, segundo ele, “o direito legítimo só se coaduna com um tipo de coerção jurídica que salvaguarda os motivos racionais para a obediência ao direito”. O princípio do discurso introduzido por Habermas é indiferente em relação à moral e ao direito e deve assumir, segundo o autor, a figura de um princípio da democracia, que passa a conferir força legitimadora ao processo de normatização. O autor destaca que o princípio da democracia decorre do nexo entre o princípio do discurso e a forma jurídica, situando-o, portanto, no núcleo de um sistema de direitos. Em outras palavras, a ação comunicativa dirigida, prioritariamente, a um efetivo entendimento produz a expectativa de que, pelo consenso atingido, se possa alcançar a adesão dos atores no diálogo à solução compartilhada. O plano da validade jurídica requer legitimação que, para Habermas, deve ser racional e operar no processo de legislação,33 no qual deverá haver amplo debate político efetivo, em que todos tenham a possibilidade de influenciar em busca de um entendimento intersubjetivamente racional, pois só assim o Direito poderá promover-se em fonte fundamental para a integração social. O imperativo do uso da razão é exigido na construção de um sistema legal. Disso não pode descuidar o legislador. É ali que, bem ou mal, se espelha o anseio popular e o fator de legitimação do Poder Legislativo. Observemos, por exemplo, uma incongruência básica do sistema, que ainda traz muitas reminiscências paternalistas. Com a edição do Código Civil de 2002, Lei nº 10.406/2002, ficou estabelecido pelo artigo 5º que a maioridade civil no país é a partir dos 18 anos de idade. Nesse ponto, anda junto com a maioridade para fins penais. Agora vejamos que há uma dissintonia interna no âmbito civil. A Lei nº 8.213/91, que rege os benefícios da Previdência Social, estabelece que a dependência dos filhos em relação aos pais é até os 21 anos de idade. Veja, há uma maioridade civil geral (18 anos) e uma maioridade civil previdenciária (21 anos). Há vários fatores que levam a isso, mas não se pode dizer que seja moral legislativa, muito pelo contrário, visto que, em matéria previdenciária, o legislador tem sido assaz efetivo. O próprio artigo 16 da Lei nº 8.213/91 foi alterado em 2011 (Lei 12.470/2011) sem nada dispor quanto ao requisito etário para fins de dependência. Daí decorrem discrepâncias no sistema, pois ou é capaz, ou não. Não há discurso lógico-razoável para sustentar a existência dessa incongruência. Mas há uma explicação não técnica, qual seja, a visão paternalista que o legislador tem em relação aos benefícios pagos pela Previdência Social. Outra linha argumentativa seria que o legislador não mantém um mínimo de controle sobre os atos que edita, o que gera um verdadeiro caos para o jurista e para os aplicadores da lei. Caos esse que resulta em uma situação: insegurança. Bom, se a função do direito em um Estado Democrático de Direito é garantir a paz social, é fácil perceber que essa só é alcançada quando o cidadão se sente seguro sobre seus direitos e deveres. Não há como impor deveres quando esses não são claros, explícitos, indeléveis. Se o jurista se sente inseguro, isso resulta em decisões disformes dentro do Poder Judiciário. É ali então que o Poder Judiciário deve, de maneira congruente, dizer o direito à luz dos fatos sociais atuais. Tal como Habermas, não prego um positivismo desmedido, porém o contrário também não, isto é, o afastamento completo do positivismo. Os magistrados têm que decidir, ainda que a legislação seja confusa e contraditória. Mas o discurso judicial deve ser racional e jamais ser incauto. Por isso se diz que o processo precisa de um tempo de amadurecimento, e o juiz idem, para que possa decidir o fato social da melhor maneira e de modo que não crie perturbação na ordem social. Logo, vê-se que esse discurso judicial deve ter valor para o quadro social, que assim o respeitará. Entretanto, não se eliminaria assim parcela de carga de subjetivismo, visto que toda decisão judicial é proferida por alguém que vê a realidade à sua maneira. Porém, acreditamos que tais decisões não seriam estatisticamente relevantes frente ao consenso jurídico alcançado sobre determinadas matérias. Kouzes e Posner,(11) autores do livro Desafio da liderança, dizem ser possível o líder engajar os seguidores em uma determinada direção, se ele conseguir efetivamente esclarecer os valores, em conjunto com o grupo, e, mais importante, viver esses valores. É o que diz o guru Ken Blanchard(12) (Liderança de alto nível): valores precisam ser consistentemente aplicados, ou eles não passam de boas intenções. Eles precisam ressonar com os valores pessoais dos membros da organização para que as pessoas possam verdadeiramente escolher vivê-los. Mas quais valores o judiciário tem passado à sociedade? Que, ao lado dos direitos, tenho também deveres (desaposentação)?(13) Que devo honrar minhas dívidas, porque fui eu quem as fiz (vide posição sobre impenhorabilidade de bens)?(14) Que devo pagar tributos, pois o resultado disso é o benefício para todos (vide posição de não cobrança de tributos abaixo de R$ 10.000)?(15) 3.1 A tradição como fator de segurança Iniciarei este tópico demonstrando que o Direito, como ramo da ciência que é, não prescinde da tradição. Esta é intrínseca àquela, seu suporte de legitimação. Antes, porém, é necessário falar do fato, aquele acontecimento da vida que receberá uma interpretação do jurista para ser categorizado como fato jurídico. É a ordem jurídica que diz quais são os efeitos a serem conferidos aos fatos. E, nesse sentido, pode-se falar de eficácia dos fatos. Em outras palavras, constata-se, na realidade fática, que, se um certo e determinado fato ocorrido no mundo real é capaz de produzir dados efeitos que interessam à esfera jurídica, tal fato é dotado de eficácia. Como assinala a teoria da existência jurídica do jurista alemão Karl Salomon Zachariae von Ligenthal, cuja doutrina foi defendida entre nós por Pontes de Miranda,(16) entre outros, aquilo que não existe no mundo dos fatos não pode existir no mundo jurídico, porque o conjunto maior é o mundo dos fatos. O mundo jurídico tem que estar dentro do mundo dos fatos. Ele não cabe fora do mundo dos fatos. Se, no mundo dos fatos, não houve o evento morte, qualquer declaração nesse sentido, mesmo judicial, mesmo transitada em julgado, pode ser desconsiderada por qualquer um diante do que explica a teoria da existência jurídica. De longa data nos é conhecida a teoria tridimensional do direito formulada por Miguel Reale, a qual diz que a norma jurídica é a síntese resultante de fatos ordenados segundo distintos valores.(17) Com efeito, leciona o autor, onde quer que haja um fenômeno jurídico, há, sempre e necessariamente, um fato subjacente (fato econômico, geográfico, demográfico, de ordem técnica, etc.), um valor que confere determinada significação a esse fato e , finalmente, uma norma, que representa a relação ou medida que integra um daqueles elementos ao outro, o fato ao valor. Parece-me que é de basilar intelecção que a natureza das coisas é de grande importância em ordem à ponderação de bens no caso concreto. Onde a reputação legal falseia de modo grosseiro a natureza das coisas, a jurisprudência dos tribunais corrige-a mediante um desenvolvimento do direito superador da lei. Mas a natureza das coisas não muda; pode-se atribuir-lhe outro valor, mas ela não muda. Por exemplo, um cachimbo não deixa de ser um cachimbo pelo fato de não ser mais popular entre os fumantes. E é nesse ponto que a decisões judiciais têm pecado, ao dissociarem-se umas das outras. O que é preto não é branco nem cinza. Há evidente limite interpretativo. Disso resulta uma categoria abstrata de forte cunho psicológico chamada de segurança jurídica. José Joaquim Gomes Canotilho,(18) em sua obra Direito constitucional e teoria da Constituição (Almedina, 1998, p. 250), destaca “os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança como elementos constitutivos do Estado de Direito”. O professor Luís Afonso Heck, na mesma linha, na obra O tribunal constitucional federal e o desenvolvimento dos princípios constitucionais:contributo para uma compreensão da jurisdição constitucional federal alemã (Fabris, 1995, p. 186), ensina que “Tanto o preceito da certeza jurídica como o preceito da proteção à confiança são partes constitutivas essenciais e, portanto, elementos essenciais do princípio do Estado de Direito (...). Ambos têm índole constitucional e, assim, servem de critério normativo”. Chiovenda(19) assentava a explicação da sentença não mais alterável na “exigência social da segurança no gozo dos bens da vida”. A aplicação das regras promove a previsibilidade pela certeza de que a configuração de seus pressupostos de fato desencadeará a consequência estabelecida em seu enunciado normativo; a igualdade, pois cada agente social que se deparar com a hipótese de incidência de uma regra poderá se pautar, diante dos demais membros da comunidade, de acordo com o que ela prescreve, sem que seu regime jurídico fique a depender de padrões comportamentais vagos ou imprecisos, definidos casuisticamente; e a democracia, na medida em que o legislador, constitucional ou ordinário, ao fixar um comando normativo por meio de uma regra jurídica, já realiza desde logo uma decisão conteudística sobre o que deve ser, sem que delegue ao judiciário a maleabilidade na definição da conduta válida à luz do Direito. Nesse sentido, cf. SCHAUER, Frederick. Thinking like a lawyer: a new introduction to legal reasoning. Cambridge: Harvard University Press, 2009. p. 35 e 195‑6 e, do mesmo autor, Playing by the rules: a philosophical examination of rule-based decision-making in law and in life. Oxford: Clarendon Press, 2002. p. 135‑66. Se temos até uma súmula que prega o desapego à segurança, que se dirá do resto. Ou seja, sumulamos que o que foi decidido por sentença transitada em julgado pode ser alterado. Refiro-me à súmula 344 do STJ, que diz: “A liquidação por forma diversa da estabelecida na sentença não ofende a coisa julgada”. Aqui, cabe uma pequena colocação: por que não manter a definitividade do que foi julgado? Por que sempre permitir todo um novo debate? De que maneira isso contribui para a efetividade do processo? Se foi decidido, cumpra-se ou recorra-se. É mais rápido do que reabrir a discussão em sede de liquidação da sentença, que agora, com o sincretismo processual, é mera etapa do mesmo processo. Não se pode apegar-se tanto a razões técnicas, como dizendo que forma de liquidação não é mérito, logo, não transita em julgado. Não discordo do argumento. Porém, discordo da funcionalidade de se admitir o contrário. Um dos efeitos colaterais dessa ampla abertura dos bancos de dados pretorianos foi a perda de referencial da doutrina, que passou a dizer, por meio de paráfrases grosseiras, aquilo que os juízes afirmam, sem se preocupar com a atividade de crítica jurisprudencial, que é esperável da dogmática, e deixando de lado sua função histórica de sistematizar o conhecimento jurídico, a partir de seu estudo racional e orgânico. Evidentemente que há outras causas para esse contínuo desprestígio da doutrina, ao exemplo da mudança de posições na medida em que a própria jurisprudência altera seus rumos. “Só haveria duas formas de se realizar uma pesquisa confiável, em termos de rigor científico, das decisões do STF: 1) delimitar o período da investigação, sair da Internet e levantar diário por diário da justiça, a fim de se proceder a uma coleta segura de dados; 2) apresentar um critério estatístico, capaz de atenuar ou prever os efeitos dos desvios inerentes a uma pesquisa com dados incompletos. Fora disso, só é possível fazer afirmações sobre ‘tendências’ ou ‘impressões’ a respeito dos julgamentos do STF, com a necessária advertência ao leitor de que existem essas dificuldades em uma pesquisa realizadas apenas com base em consulta ao sítio eletrônico do tribunal. Não se pode esquecer de outros detalhes que, muita vez, são solenemente ignorados em algumas “pesquisas” sobre o STF. A estrutura do processo constitucional no Brasil, influenciada que foi pelas complexas regras do processo civil, é marcada por nuances e sutilezas, que terminam por afetar qualquer exame global dos resultados de seus julgamentos. O reconhecimento de questões processuais, preliminares ou prejudiciais, pode ter impacto decisivo no julgamento, sem que disso se extraiam (ou se permitam extrair) ilações sobre o pensamento do tribunal em relação a uma dada matéria. Se o STF entende que é incompetente para julgar políticos sem foro especial, a rejeição desses casos jamais pode confundir-se com a absolvição genérica de tais agentes, como, erroneamente, se afirmou há alguns anos. Sem se descer a tais detalhes, o que só é possível com a leitura integral dos acórdãos, e não com a mera consulta às ementas, o resultado da pesquisa está comprometido. 3.2 O sistema “interno” de jurisprudência de Karl Larenz O sistema interno diz respeito ao aspecto estrutural. Entende-se tratar-se da necessidade das normas e das instituições jurídicas, compondo um todo com coerência lógica. Assim, os princípios mais gerais são especificados por outros subprincípios até atingirem o grau necessário à sua aplicação. Os princípios apresentam-se como uma “ideia jurídica geral” ou uma “ideia diretiva”. Para Larenz, esse processo não se dá em um só sentido, mas sim em sentido duplo, de tal sorte que o princípio jurídico se esclarece por meio de suas concretizações e estas ganham significado quando aglutinadas a ele, em uma verdadeira atividade de “esclarecimento recíproco”. De acordo com Larenz, os princípios diretivos são elementos de um “sistema interno”, cujo objetivo é “tornar visível e pôr em evidência a unidade valorativa do ordenamento jurídico interno”. Já o “sistema externo” é formado por conceitos abstratos construídos a partir da generalização de fatos-tipo, objeto de uma regulação jurídica. Pode-ser observar que a definição de Direito Justo, proposta por Larenz, não remete para algo além do direito estabelecido. Para o jurista, o Direito Justo é direito positivo, que possui vigência normativa e fática em um delimitado âmbito espacial e em um determinado momento histórico. Como nem todo direito positivo é considerado justo, pode-se dizer que o Direito Justo é um peculiar modo de ser do direito positivo. O professor Alexander Brums(21) (da Universidade de Freiburg – Alemanha) assim se referiu ao sistema de admissibilidade de recurso especial na Alemanha: “Julgamentos diversos em quadros fáticos idênticos sem significação especial para a jurisprudência em geral não constituem fundamento para a admissibilidade. Mesmo erros evidentes na aplicação do direito não fundamentam a admissibilidade do recurso especial, salvo se houver o perigo de repetição e reprodução do julgado. Isso vale, segundo a doutrina dominante, em princípio, tanto para violações contra o direito material quanto contra o direito processual. O STJ exige aqui pontos de referência concretos. Admite-se o perigo de repetição no caso de afastamento contínuo da jurisprudência do tribunal superior, e nesse caso o STJ exige adicionalmente que o Tribunal de Apelação tenha adotado uma decisão divergente ‘de maneira censurável’, isto é, com conhecimento da jurisprudência do STJ.” Mais um exemplo. Veja-se a Súmula 417 do STJ (editada em 03.03.2010), que assim dispõe: “Na execução civil, a penhora de dinheiro na ordem de nomeação de bens não tem caráter absoluto”. Pois bem, o STJ acaba de mudar de opinião, mas não houve alteração da súmula. V.g.: “A Primeira Seção desta Corte, em recurso representativo de controvérsia (REsp 1.184.765/PA, Rel. Min. LUIZ FUX, DJe 03.12.2010), seguindo orientação da Corte Especial deste STJ no julgamento do REsp 1.112.943/MA (...) porquanto os depósitos e as aplicações em instituições financeiras passaram a ser considerados bens preferenciais na ordem da penhora, equiparando-se a dinheiro em espécie (artigo 655, I, do CPC).” (STJ, EDcl no AgRg no REsp 1052026/PE, 1ª T., junho de 2013) Vamos observar que a Súmula 417 foi editada em 03.03.2010 pela Corte Especial. Observe-se, porém, que a redação do artigo 655, inciso I, foi dada pela Lei nº 11.382/2006. Já a votação da Corte Especial no REsp 1112943/MA, que mudou o sentido da jurisprudência do STJ sobre o assunto, foi decidida em 15.09.2010 e publicada em 23.11.2010. Observe-se que, cerca de seis meses após editada a súmula, vem decisão da mesma Corte Especial e altera o entendimento, sem, porém, alterar a redação da súmula. Como explicar essa mudança tão rápida de entendimento? Mas, independentemente da explicação da razão para tal proceder, podemos imaginar os efeitos. Para os leigos (a maioria da população), fica a impressão de que agiram sem reflexão na primeira análise; outros dirão o contrário, que a segunda análise é incorreta; alguns podem dizer que não vão cumprir, pois daqui a seis meses mudará de novo; ainda, para que cumprir, se eles (juízes) não parecem ter credibilidade no que dizem? O voto do Min. Teori Zavascki assim destacou: “Registre-se, por fim, que o artigo 655-A do CPC nada mais representa que a confirmação do desiderato trazido pelas mais recentes modificações do sistema do processo de execução, de conferir máximas efetividade e autoridade aos títulos executivos, notadamente os judiciais, que, uma vez formados, devem ser cumpridos espontânea e imediatamente pelo devedor, sob pena, inclusive, de multa de 10% caso isso não ocorra (CPC, art. 475-J). Daí o acerto da lição de Cândido Dinamarco, referida pelo Conselho Federal da OAB, segundo a qual ‘Atenta contra a jurisdição o devedor que, tendo dinheiro ou fundos depositados ou aplicados em banco, não paga desde logo quando citado no processo executivo (CPC, art. 652) (...)’.” Importantíssima a conclusão do Min. Aldir Passarinho Júnior: “Como existe, também, uma súmula da Corte Especial nesse sentido, pode ser que haja, na aplicação prática, alguma colidência em relação ao sentido da Súmula nº 417. Porque, na verdade, a Súmula nº 417 dá uma certa proteção a que não se faça penhora em dinheiro. Na medida em que, nos termos da decisão do recurso repetitivo, estou de certa forma fortificando a penhora em dinheiro, independentemente de outra pesquisa de outros bens, posso estar esvaziando um pouco o conteúdo da Súmula nº 417. Mas, evidentemente, a questão vai acabar se revelando na prática, no caso a caso. Em tese, estou de acordo. O próprio prof. Larenz(22) entendia que o sistema não era fechado, mas, como visto acima, parece que a abertura é a regra. Em suas palavras: “O sistema interno não é, como se depreende do que foi dito, um sistema fechado em si, mas um sistema ‘aberto’, no sentido de que são possíveis tanto mutações na espécie de jogo concertado dos princípios, do seu alcance e da sua limitação recíproca como também a descoberta de novos princípios (...). Por fim, quero ressaltar que a presente linha argumentativa não quer e não tem a pretensão de criticar as cortes superiores do Brasil. Quer apenas demonstrar que o poder vinculativo de um tribunal é diretamente proporcional à estabilidade temporal das suas manifestações. Se o sistema interno de princípios norteadores mudar mais rápido do que a sociedade compreenda, teremos inegavelmente uma crise de legitimidade. Também não quero induzir o leigo a pensar que a jurisprudência deva ser petrificada. Entendo que debates sempre devem acontecer, tendo em vista as alterações legais ou fáticas. A vida não é estática, logo, a jurisprudência deve dar a resposta aos fatos sociais dentro do espectro temporal em que mudem. O que não pode é a jurisprudência mudar dentro do mesmo contexto, sem alteração da base fática. O que também não pode acontecer jamais é alteração em virtude de alteração de quadro de composição de tribunais. Porque, então, não se estará dando o enquadramento que o tribunal propôs, e sim o individualismo daquele que adentrou na casa e quer mudar o sistema interno de entendimentos consolidados. Assim, como posto, independentemente da opção que o juiz de 1º grau escolher, sempre haverá uma alternativa válida para viabilizar e embasar um recurso, porque sempre se questionará se a escolha do magistrado de 1º grau foi a mais adequada e/ou correta. A insegurança é imensa para todos os operadores e parte do processo judicial. Essa insegurança gera um crescimento exponencial da máquina judiciária, porque as demandas duram muito tempo, gerando acúmulo de processos, o que acaba retroalimentando o sistema de não estabilidade das decisões, visto que essas devem ser tomadas com rapidez, já que há muitos processos. Assim, muitos processos obrigam a decisões rápidas, estas geram quebras de paradigmas, quebras de paradigmas geram mais processos, e o sistema confuso se retroalimenta e aumenta. É, infelizmente, uma tautologia que destruirá o sistema, mais cedo ou mais tarde. Explico, com números do CNJ.(23) Os tribunais superiores que se situam em Brasília (STJ, TSE, TST e STM) possuíam, em 2012, 9.982 funcionários e administravam um orçamento de R$ 1.554.328.625,00 (um bilhão, quinhentos e cinquenta e quatro milhões, trezentos e vinte e oito mil e seiscentos e vinte e cinco reais). Somente o STJ possuía 5.020 funcionários e tinha orçamento de R$ 894.822.181,10. O número é gigantesco, como também o é o número de processo que ingressam e são julgados nessa Corte. Vejamos: em 2012, cada um dos 33 Ministros do STJ julgou 6.955 sentenças/decisões terminativas. Tal número, dividido por 10 (meses, visto que os ministros têm dois meses de férias por ano), dá uma média de 695,5 processos julgados por mês, o que dá cerca de 23,3 processos por dia. Nesse número não estão inclusos os despachos, as decisões interlocutórias, o tempo que os ministros ficam nas sessões de julgamento, o tempo que despendem para orientar funcionários, o tempo que usam para atender os advogados das partes, o tempo que usam para participar de eventos jurídico-sociais que o cargo lhes impõe nem os finais de semana. Considerando que, em média, podemos tirar cerca de 7 dias de cada mês, que se referem aos sábados e aos domingos, restam cerca de 23 dias úteis para julgamento; se considerarmos apenas 1 dia por mês para julgamento em sessão (esse número é maior, mas usarei apenas o mínimo), mais 1 dia por mês para atender partes, mais 1 dia por mês para orientar funcionários, mais 1 dia por mês para participar de cursos, sobram 19 dias. Daí, a média fica em 36,6 sentenças/decisões terminativas por dia. Observemos que se trata do tribunal cujo objetivo é uniformizar a jurisprudência infraconstitucional do país, fortalecer o seu sistema interno de princípios e paradigmas. Assim, os processos que naquele órgão adentram são tudo, menos simples. Como julgar cerca de 36,6 processos por dia? Não há tempo para análise aprofundada. Não há tempo para pesquisa histórica. Não há tempo para reflexão. Tudo é automatizado, quando não deveria ser! Infelizmente, no meio jurídico comenta-se que a Justiça assemelha-se a uma fábrica de parafusos, no que o que mais interessa é a produção. Muitos advogados não se preocupam que a sentença seja favorável, mas que saia logo; assim, pode-se recorrer. Se for favorável, melhor, mas já se sabe que não transitará em julgado tão cedo! Vejam a crise de legitimidade que isso gera no seio da população, pois a decisão judicial é meramente formal, não muda o mundo real. Assim, a sentença do juiz de 1º grau está com enorme desprestígio e, em alguns casos, é quase irrelevante, porque é apenas uma “fase” do processo. Nos tribunais de 2º grau, a situação não difere muito, sendo que suas decisões possuem um grau um pouco melhor de aceitabilidade em face da dificuldade de se ter um recurso especial ou extraordinário admitido. Mas, se houvesse efetiva criação de bases de entendimento, de um sistema interno de paradigmas, a população teria claro o entendimento judicial sobre determinados fatos. Isso gera educação e conformação. Acaba-se com a chamada "loteria da ação judicial". Permite-se a elevação dos graus de honestidade (ainda que forçada), pois aquele que não tem o direito sabe que nada conseguirá do Poder Judiciário. Reconhecemos que a mudança é extremamente difícil, haja vista a estrutura que alcançamos. Porém, é necessário que paulatinamente se retorne ao que já se foi. O judiciário não pode ir de acordo com o vento, pois este muda de direção muito rapidamente. A sociedade espera do judiciário estabilidade nas decisões. Atualizações e mudanças devem ser pontuais, e não a regra, e dificilmente se deve ter um giro interpretativo de 180º. Conclusão A par do exposto, entendo que a verdadeira reforma (de fundo) do Poder Judiciário passa pela reforma do seu produto, qual seja, a decisão judicial. Serão os magistrados decidindo em constância e uniformidade que farão diminuir a alta demanda. Assim, frente ao mesmo fato social, o Poder Judiciário deve dar a mesma fundamentação jurídica, isto é, o mesmo discurso. Só assim estará educando a população sobre quais são os valores da sociedade brasileira e quais são os direitos e, principalmente, os deveres de cada cidadão. Pois, ao persistir o sistema atual, no qual o mesmo fato da vida recebe vários discursos argumentativos conforme a fonte produtora e, não raro, discursos antagônicos, o comprometimento democrático do Poder Judiciário restará cada vez mais abalado. De outro ponto, a persistir essa conduta incongruente de diálogo interno, o reconhecimento popular restará diminuído ano após ano. E disso decorre o não acatamento pela população da decisão judicial. É a conhecida falta de legitimidade. E, quando a sociedade não se sente mais representada pelos poderes, o sistema entra em colapso. E isso é mais comum do que se imagina. Revoltas, golpes de Estado e guerras civis são uma constante em todas as nações. É importante, então, que o Poder Judiciário brasileiro faça um planejamento de produção com meta na qualidade (uniformidade de discurso jurídico), pois assim estará não só se fortalecendo, mas retomando seu papel democrático de ser um dos fundamentos da República. Referências bibliográficas BARBOSA, Joaquim. Apud: BALZA, Guilherme. Em palestra, Barbosa afirma que não há sistema jurídico mais confuso que o brasileiro. UOL Notícias, São Paulo, 30 set. 2013. Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2013/09/30/em-palestra-barbosa-afirma-que-nao-ha-justica-tao-lenta-quanto-a-brasileira.htm#fotoNav=2>. BOCHENEK, Antônio César. A interação entre tribunais e democracia por meio do acesso aos direitos e à justiça: análise de experiências dos Juizados Especiais Federais cíveis brasileiros. Brasília: CJF, 2013. (Monografias do CEJ, 15). BRUMS, Alexander. Pressupostos de admissibilidade do Recurso Especial no STJ alemão. In: II Seminário Internacional Brasil-Alemanha, 2011, Florianópolis. Anais. (Caderno do CEJ, n. 27). CURADO, Rubens. Apud: GRUPO de trabalho avalia melhorias para o 1º grau. Consultor Jurídico, São Paulo, 30 set. 2013. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2013-set-30/grupo-trabalho-cnj-avalia-mudancas-melhorar-grau>. FURLAN, Marcelo João. O Estado de São Paulo, 08 set. 2013. HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Traduzido por Flávio Beno Siebeneichler. 2. ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. v. 1. KOUZES, James M.; POSNER, Barry Z. O desafio da liderança. Lisboa: Caleidoscópio, 2009. LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. 3. ed. Traduzido por José Lamego. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2005. LENZA, Pedro. Reforma do Poder Judiciário. Emenda Constitucional nº 45/2004. Esquematização das principais novidades. Jus Navigandi, Teresina, a. 10, n. 618, 18 mar. 2005. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/6463/reforma-do-judiciario-emenda-constitucional-no-45-2004#ixzz2gPDHvOAL>. MELO FILHO, Hugo Cavalcanti. A reforma do Poder Judiciário brasileiro: motivações, quadro atual e perspectivas. Revista CEJ, Brasília, n. 21, p. 79-86, abr./jun. 2003. PEDROSO, Márcia Naiar Cerdote. A crise do modelo de produção taylorista/fordista. 2004. Dissertação (Especialização), Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2004. PONTES DE MIRANDA. Tratado de direito privado. Campinas: Bookseller, 1999. Tomo I. REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. ______. Teoria tridimensional do direito. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1994. RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz. Dogmática e crítica da jurisprudência (ou da vocação da doutrina em nosso tempo). Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 99, n. 891, jan. 2010. SILVA, José Afonso. Comentário contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, 2006. Notas
1. SILVA, José Afonso. Comentário contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 502. 2. LENZA, Pedro. Reforma do Poder Judiciário. Emenda Constitucional nº 45/2004. Esquematização das principais novidades. Jus Navigandi, Teresina, a. 10, n. 618, 18 mar. 2005. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/6463/reforma-do-judiciario-emenda-constitucional-no-45-2004#ixzz2gPDHvOAL>. 3. Documento Técnico n. 319, Banco Mundial, Washington, D.C., jun. 1996. Traduzido por Sandro Eduardo Sardá. 4. MELO FILHO, Hugo Cavalcanti. A reforma do Poder Judiciário brasileiro: motivações, quadro atual e perspectivas. Revista CEJ, Brasília, n. 21, p. 79-86, abr./jun. 2003. 5. BOCHENEK, Antônio César. A interação entre tribunais e democracia por meio do acesso aos direitos e à justiça: análise de experiências dos Juizados Especiais Federais cíveis brasileiros. Série Monografias do CEJ, Brasília, n. 15, jan./abr. 2013. p. 250-251. 6. PEDROSO, Márcia Naiar Cerdote. A crise do modelo de produção taylorista/fordista. 2004. Dissertação (Especialização), Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2004. 7. BOCHENEK, Antônio César. A interação entre tribunais e democracia por meio do acesso aos direitos e à justiça: análise de experiências dos Juizados Especiais Federais cíveis brasileiros. Brasília: CJF, 2013. (Monografias do CEJ, 15). 8. BARBOSA, Joaquim. Apud: BALZA, Guilherme. Em palestra, Barbosa afirma que não há sistema jurídico mais confuso que o brasileiro. UOL Notícias, São Paulo, 30 set. 2013. Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2013/09/30/em-palestra-barbosa-afirma-que-nao-ha-justica-tao-lenta-quanto-a-brasileira.htm#fotoNav=2>. 9. CURADO, Rubens. Apud: GRUPO de trabalho avalia melhorias para o 1º grau. Consultor Jurídico, São Paulo, 30 set. 2013. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2013-set-30/grupo-trabalho-cnj-avalia-mudancas-melhorar-grau>. 10. HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Traduzido por Flávio Beno Siebeneichler. 2. ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. v. 1. p.113-168. 13. STJ, REsp 1334488. 14. STJ, REsp 1005546, REsp 1035248, REsp 1095611, REsp 691729. 17. REALE, Miguel. Teoria tridimensional do direito, 1968, e Lições preliminares de direito, 1973. p. 85. 18. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. Lisboa: Almedina, 1998. p. 250. 20. RODRIGUES JÚNIOR, Otavio Luiz. Dogmática e crítica da jurisprudência (ou da vocação da doutrina em nosso tempo). Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 99, n. 891, jan. 2010. 21. BRUMS, Alexander. Pressupostos de admissibilidade do Recurso Especial no STJ alemão. In: II Seminário Internacional Brasil-Alemanha, 2011, Florianópolis. Anais. (Caderno do CEJ, n. 27). p. 73.
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Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023:2002/ABNT): |
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