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publicado em 27.06.2014
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O presente trabalho é apresentado como conclusão do currículo permanente – módulo VII - Direito Processual Civil, promovido pela Escola da Magistratura Federal – Emagis do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Trata-se de análise comparativa entre a deontologia judicial de Tomás de Aquino, presente no seu Tratado da Justiça, na Suma Teológica, e os deveres impostos pelo direito processual brasileiro no exercício da função judicial. Para tanto, utilizamos o método comparativo entre uma das obras máximas da cultura ocidental – a Suma Teológica –, representativa dos valores, dos conceitos e das instituições que se acumularam desde a época clássica até o medievo, e um sistema jurídico contemporâneo qualquer, no caso o brasileiro, fazendo referências tópicas a outros ordenamentos jurídicos atuais. A escolha de Santo Tomás se justifica porque, tendo vivido no século XIII, está suficientemente próximo para compreender a linguagem, a história, a geografia e a política desta época, ao mesmo tempo em que está suficientemente distante para não ser parcial com esses fatores. Ademais, São Tomás é o pedagogo do Ocidente. Está presente em toda a parte: nas universidades, nos templos, nas cortes papal e laicas. Palavras-chave: Processo civil. Provas. Tomás de Aquino. Juízo. Dúvida. Sumário: Introdução. 1 Verdade formal e material. 2 O destinatário da prova. 3 A dupla personalidade do juiz. 4 A insuficiência de prova da inocência. 5 A dúvida sobre o fato. 6 A dúvida sobre o direito. Conclusão. Referências. Introdução Realizar o julgamento segundo a prudência é uma condição diretamente relacionada com a apreciação das provas. A prova é uma produção de fatos. Uma história narrativa. Por isso, o prudente (aquele que, por meio da experiência, conhece muitos fatos) tem melhores condições de compreender a história de modo mais próximo do fato real. Possui mais elementos para montar a história que lhe é contada pelo processo. Tomás de Aquino descreve a seguinte situação: o juiz possui conhecimento próprio acerca de um fato; tal fato lhe é trazido para ser julgado, e as provas produzidas durante a fase instrutória são contrárias à verdade conhecida pelo juiz. Como deve proceder o magistrado? Julgar de acordo com a verdade que conhece ou conforme as provas produzidas em juízo? Essa questão mostra bem a relevância do direito probatório. Se, como diz Ovídio, “todo o direito, como fenômeno social, existe nos fatos (...), compreende-se a importância para o processualista do domínio seguro dos princípios e dos segredos do direito probatório”, pois toda a formulação jurisdicional de uma pretensão tem por fundamento um elemento fático. E é com base nesse fato que o autor formula seu pedido e que se extraem as consequências jurídicas. O autor, assim, faz uma afirmação fática ao deduzir em juízo sua pretensão, a qual poderá ou não corresponder à verdade. O réu, por sua vez, na maior parte dos casos, nega o fato narrado pelo autor, reveste-o de outros caracteres ou aduz outro fato cuja existência importe em negação das consequências jurídicas deduzidas pelo autor ou obstativas de sua pretensão. Tais afirmações sobre fatos, igualmente respeitáveis, não subsistem por si mesmas em relação ao seu destinatário – o juiz –, pois esses fatos passaram-se longe dos seus olhos. Este, a quem as afirmações são dirigidas, para considerá-las na sentença, fazendo sua a afirmação quanto aos fatos apresentados pelas partes, precisa convencer-se da existência de tais fatos. Cumpre, portanto, ao autor demonstrar que o fato realmente aconteceu; cabe ao réu desfazer essa afirmação, demonstrando como, realmente, o fato teria ocorrido. Nesse demonstrar consiste a ação de provar, que nada mais é do que uma restauração que procura conduzir o magistrado à época e ao local do fato, para que possa senti-lo como se o tivesse presenciado. Essa restauração fática ocorre porque a afirmação do juiz deverá, necessariamente, corresponder à verdade, ainda que somente formal. 1 Verdade formal e material Há certa celeuma entre os processualistas, afirmando alguns que o direito processual penal só se contenta com a verdade material, enquanto para o direito processual civil bastaria a verdade formal. Isso é um equívoco. Tanto o juiz criminal quanto o juiz cível tem por obrigação a busca da verdade material. Já não prevalecem as observações de cunho pessoal, sem a preocupação de verificar se a aparência de um fato realmente corresponde ao fato. Todos sabem, entretanto, que a busca pode ser infrutífera. Nesses casos, o direito processual civil, assim como o direito processual penal, contenta-se com a verdade aparente (ou formal), mesmo quando, após algum tempo, a verdade real (ou material) é descoberta. Assim, na esfera criminal, não é possível reabrir discussão sobre a autoria, após sentença absolutória transitada em julgado, mesmo que o autor do crime confesse seu ilícito e sejam descobertas provas incontestes. A exceção que permite a reabertura da discussão, no caso inverso, está a demonstrar a regra. Para o juiz, pois, não bastam as afirmações de fatos; impõe-se a demonstração da sua existência. O juiz quer e precisa saber a verdade relativamente aos fatos afirmados pelos litigantes para prestar a jurisdictio e pronunciar a judicatio, ou seja, aplicar o direito aos fatos. Tal exigência de conhecimento da verdade quanto à existência ou inexistência dos fatos se converte em exigência para os litigantes de provar suas afirmações relativamente a eles para alguém, o destinatário desses fatos. 2 O destinatário da prova O juiz, enquanto presentante do Estado, é o destinatário principal e direto da prova, pois a sentença estará assentada na convicção que formar por meio das provas produzidas no processo. Embora a maioria dos processualistas prefira dizer que o destinatário das provas é o processo, pois as provas podem ser utilizadas também pela parte contrária, por terceiros intervenientes e até por terceiros desinteressados na lide, não vemos em que essa inominada expressão “a prova se destina ao processo” esteja mais correta que “a prova se destina ao juiz”, pois o processo é apenas a esfera na qual o juiz está inserido e que lhe permite apreciar as provas. Parece-nos uma evidência primeira que as provas se destinam às pessoas, não às coisas; se, além do juiz, outros sujeitos podem se valer dela, não há razão para se “despessoalizar” o destinatário principal da prova: o magistrado. Como bem se expressa Moacir Amaral dos Santos, no nosso sistema processual, “a figura do juiz predomina, pela soma de poderes e faculdades que lhe concede, quer na direção do processo, quer na indagação e na descoberta da verdade, quer na maneira pela qual se convence desta e a declara”.(1) Além disso, finalidade e destinatário são ideias relacionadas. Se a finalidade das provas é formar a convicção do juiz, então é inegável que este é também o destinatário das provas. Tais provas, que são sempre pré-processuais,(2) pois existem antes do processo, deverão tornar-se processuais, isto é, deverão ser levadas ao processo, para apreciação e valoração do juiz, por aquele que se propõe a provar. Para tanto, terá o proponente de valer-se dos meios de prova adequados, os quais variam conforme o objeto da prova, para demonstrar os fatos e obter a proteção de sua pretensão, atentando, ainda, para a personalidade pública do julgador. 3 A dupla personalidade do juiz Não se deve olvidar, no entanto, a afirmação de Santo Tomás sobre a dupla personalidade do magistrado, uma privada e outra pública. O ato de julgar pertence ao juiz enquanto pessoa pública, isto é, enquanto exerce a autoridade pública. Daí decorre que, ao julgar, não deve informar-se segundo pessoa privada, mas por meio dos meios probatórios e das fontes de prova propostas ao juízo.(3) Tal diretriz segue eficaz na teoria contemporânea do direito e no direito processual brasileiro. Em relação à teoria geral do direito, Hans Kelsen, analisando a questão, diz que “esta é a diferença entre o indivíduo agindo não como órgão estatal e o indivíduo agindo enquanto órgão do Estado. O indivíduo que não funciona como órgão do Estado está autorizado a fazer tudo o que não seja proibido pela ordem jurídica, ao passo que o Estado, isto é, o indivíduo que age como órgão do Estado, pode fazer somente aquilo que a ordem jurídica autorizá-lo”.(4) É, portanto, a estatalidade que fundamenta seu agir e o legitima. “Se o indivíduo age sem a autorização da ordem jurídica, ele não está mais agindo como órgão do Estado. Seu ato é antijurídico pela razão mesma de que não está apoiado por nenhuma autorização jurídica”, e “um indivíduo age como órgão do Estado somente enquanto atua sob a autorização de alguma norma válida”.(5) Ocorre que, no direito pátrio, o telos do direito probatório é “provar a verdade dos fatos”.(6) Dessa forma, poder-se-ia pensar que há dissociação entre as lições do Santo e o direito brasileiro, sendo indiferente a este o modo pelo qual o juiz conhece a verdade. Isso, entretanto, seria um erro. Isso porque provar é estabelecer a existência da verdade, é “demonstrar de algum modo a certeza de um fato ou a veracidade de uma afirmação”.(7) Portanto, provar não é só explicitar a verdade, mas manifestá-la de determinada forma. E tal modo de provar será ditado pelo espírito de cada época e pela cultura e pelo direito de cada povo. Se Jaeger está certo ao afirmar que a filosofia “é apenas a forma conceitual e sublimada da cultura e da civilização, tais como se desenrolam na história”,(8) Bordeaux tinha razão quando afirmara que a “teoria da prova em geral é um dos mais vastos assuntos abertos à investigação do espírito humano; a filosofia inteira nela se compreenderia, pois que ela tem por finalidade o descobrimento da verdade”.(9) Assim, a apreciação das provas, ao longo dos tempos, sempre se amoldou aos costumes, às crenças, às conveniências, às convicções e ao regime político de cada povo. A história não deixa dúvidas sobre essa afirmação. Basta uma análise perfunctória a respeito das várias maneiras de provar admitidas pelo direito de povos distintos, ou dos mesmos povos em tempos diversos, para confirmar o acerto dessa afirmativa. Assim, no direito grego clássico, o depoimento dos escravos deveria ser precedido de tortura, pois se acreditava que ausente esta o depoente “naturalmente” mentiria, “ou para proteger ou para vingar-se de seu senhor”.(10) E todos conheceram os ordálios,(11) forma de prova segundo a qual Deus protegia o direito do litigante, que vigoraram na Idade Média, tendo sido banidos graças à influência do direito canônico,(12) no Concílio de Latrão. O interessado em provar deve, portanto, utilizar-se dos métodos de prova e dos respectivos meios adequados ao objeto de prova para conduzir suas fontes de prova até o conhecimento do magistrado. O juiz, então, poderá admitir a realização da prova e a sua produção, para apreciá-la em um momento posterior. 4 A insuficiência de prova da inocência Pensemos agora um caso em que o juiz saiba que o réu é inocente, mas as provas produzidas não são suficientes para um juízo absolutório. Nesse caso, o magistrado deve empenhar-se em descobrir onde estão as falhas das provas produzidas, recorrendo a todos os meios legais para provar a inocência do réu.(13) Nem se venha a alegar que a prova incumbe às partes e, portanto, o juiz estaria comprometendo sua imparcialidade ao utilizar-se dos meios de prova não oferecidos por elas. A tarefa de provar não compete, exclusivamente, às partes litigantes. As partes possuem o ônus de provar; o juiz, a faculdade de provar. Obrigação de provar ninguém possui. A razão disso está em que o juiz precisa formar sua convicção a partir das provas constantes dos autos. Frente a isso, o direito processual deve lhe pôr os meios para que traga ao processo os elementos de prova necessários à formação de sua convicção. Em razão da natureza pública do processo, a investigação da verdade é dever que se impõe ao magistrado, “independentemente da iniciativa ou da colaboração das partes”,(14) até mesmo porque pode haver conluio entre elas. É preciso, entretanto, que o julgador use com parcimônia essa faculdade, visto que a iniciativa oficial é complementar à iniciativa das partes. Caso o magistrado permaneça com dúvidas – após apreciar as provas oferecidas pelas partes –, deve determinar a produção das provas que possam esclarecer os fatos que permanecem controvertidos em sua mente, pois “lo que interesa es unicamente lo comprobado y no quien lo ha comprobado”.(15) Caso não logre êxito em suas diligências, deverá julgar conforme a lei e as provas apresentadas na fase instrutória. Os tomistas, com uma unanimidade rara, afirmam que o juiz não peca condenando um inocente segundo as provas produzidas, porque não é ele causa da condenação. Assim, o juiz não se torna cúmplice de alguma testemunha que haja mentido, ou de um acusador maldoso, ou de um promotor de justiça que haja abusado da função pública para uma impostura. O fundamento dessa orientação está em que o dano seria maior se admitíssemos a arbitrariedade judicial, que arruinaria a confiança no Poder Judiciário. Bobbio ensina que, enquanto os absolutistas buscavam monopolizar o processo legislativo para dar maior poder ao soberano, os humanistas procuravam monopolizar a produção de leis, justamente com o objetivo oposto, isto é, garantir o cidadão contra as arbitrariedades do soberano.(16) Os juízes nomeados pelos soberanos eram, em geral, parciais ao aplicarem a solução ao caso concreto, ditando a sua lei para dirimir o litígio. Dessa forma, o cidadão não possuía nenhuma proteção contra a injustiça praticada pelos magistrados ou pelo soberano, pois inexistia uma lei escrita, prévia e geral a ser aplicada. Montesquieu escreve que, “Se as decisões forem o veículo das opiniões dos juízes, viveremos em uma sociedade sem saber com precisão que obrigações assumir”.(17) Assim, “a subordinação dos juízes à lei tende a garantir um valor muito importante: a segurança do direito, de modo que o cidadão saiba com certeza se o seu comportamento é ou não conforme à lei”.(18) Por essa razão, a “livre apreciação da prova, desde que a decisão seja fundamentada, considerando a lei e os elementos existentes nos autos, é um dos cânones do nosso sistema processual”.(19) O rigor dessa segunda hipótese apresentada por Tomás, contudo, é atenuado pelos moralistas católicos.(20) Para eles, há uma exceção ao princípio da legalidade, “las causas criminales mayores”,(21) que identificamos presentes naqueles casos em que é grande o dano causado, v.g., prisão de um pai de família, dano a imagens de uma instituição, pena de morte. Nesse caso – e somente nesse caso –, o juiz não pode condenar alguém que sabe, por meios privados, ser inocente. O esplendor da verdade deve se impor! O próprio São Tomás observa que o juiz pode impedir tal dano, aconselhando o réu a interpor apelação ou solicitando o indulto ao inocente.(22) Saliente-se, por oportuno, que, embora o juiz esteja obrigado a proferir uma sentença contrária à verdade, em prol da segurança jurídica, o condenado não estará obrigado a cumpri-la, visto que a sentença injusta, assim como a lei iníqua, não obriga em consciência.(23) Para justificar esse proceder do condenado, a injustiça da sentença terá de ser certa. Será certa a injustiça se, por exemplo, o juiz não possuía jurisdição; se faltou alguma formalidade essencial; se foi pronunciada em razão de uma lei injusta ou de um fato inexistente; se o juiz foi subornado etc. Não pode pairar qualquer dúvida a respeito. Do contrário, deve ser obedecida pelo condenado em consciência.(24) Mas a dúvida, ou o estado duvidoso, pode acometer o magistrado também, quer sobre uma questão de fato, quer sobre uma questão de direito. 5 A dúvida sobre o fato A pessoa, em relação com a verdade, pode encontrar-se em cinco estados: Com frequência ocorre que, malgrado o esforço do magistrado por descobrir a verdade, as provas apresentadas no processo não fornecem elementos para um juízo seguro.(25) Permanece, na mente do julgador, a dúvida sobre o fato, a qual pode se apresentar de maneiras diversas: b) se alguém disse a verdade; c) se a verdade dita representa o ocorrido, pois pode acontecer que ambos digam o que sabem sem que isso seja verdade, por eles próprios desconhecerem a falsidade; ou que a verdade dita, embora representativa do fato, não seja completa, não represente todo o fato. A doutrina tomista ensina que a conclusão, em caso de prova duvidosa,(26) quer nas causas de natureza criminal, quer nas de natureza cível, não tendo sido constatada a culpabilidade do réu, deve ser pela absolvição, ainda que o juiz saiba, por conhecimento particular, ser o acusado culpado.(27) Aquele que assim não procede atenta contra seu dever de consciência,(28) pois, como afirma o Doutor, nas coisas referentes a si, a pessoa deve formar sua consciência por meio de sua própria ciência; entretanto, a respeito das coisas públicas sobre as quais exerça poder, deve formar uma consciência pública de acordo com a ciência pública.(29) Entendemos, contudo, que o melhor é fazer uma distinção em razão da natureza da causa. Tratando-se de uma lide civil, permanecendo a dúvida após o empenho do magistrado em descobrir a verdade, pelos meios processuais de que dispõe, deve julgar improcedente o pedido,(30) se o ônus de provar incumbia ao autor, ou procedente, caso a prova se referisse a uma alegação do réu. É a aplicação do brocardo Iudex iudicare debet iuxta allegata et probata partium. Assim, se o devedor não consegue provar que pagou a dívida, deve ser condenado a restituir o valor ao credor. No mesmo sentido, se o devedor junta um recibo falso e o credor não consegue provar a sua falsidade, deverá ser julgada extinta a dívida. As partes têm o ônus de demonstrar, para ter satisfeita sua pretensão, por meio dos meios cabíveis, as alegações que fizerem, pois continua em vigor o brocardo onus probandi incumbit ei qui agit. O autor necessita provar os fatos que fundam sua ação, e o réu, os fatos que embasam sua defesa. Trata-se do ônus subjetivo da prova. Tratando-se, entretanto, de causas criminais, a dúvida razoável, ainda quando tenha surgido a partir de uma alegação do réu não suficientemente provada, deverá acarretar um juízo absolutório.(31) Dessa maneira tem se orientado o direito processual brasileiro: “Penal. A dúvida favorece o Réu. 1. Prova da acusação insuficiente para a condenação. No direito penal dos países liberais, o in dubio pro reo constitui garantia institucional implícita (CF, 5º, § 2º). 2. Sentença absolutória confirmada.” (ACr 89.04.15472-3/RS, Rel. o Exmo. Sr. Juiz Fábio Bittencourt da Rosa, 3ª T., TRF4, unânime, julg. em 26.09.89) “O princípio in dubio pro reo – sobretudo – tem aplicabilidade à valoração da prova. A condenação exige prova plena. Somente a prova plena gera certeza sobre o fato. Havendo qualquer dúvida sobre o fato ou a circunstância constitutiva da infração penal, o juiz deve decidir de modo mais favorável ao acusado, presumindo a inexistência do fato ou da circunstância relevante. Não é suficiente para a condenação do réu a verossimilhança ou a probabilidade do fato.” (ACr 89.04.01209-0/RS, Rel. o Exmo. Sr. Juiz Jardim de Camargo, 2ª T., TRF4, unânime, julg. em 07 de abril de 1994) “Entendo, desse modo, que é imprescindível, para a formação de um juízo de certeza, prova robusta e acima de qualquer dúvida, ou, pelo menos, de indícios fortes, que não possam levar a equívocos para a condenação por tráfico. Como não foi o que aconteceu, recorro à máxima de que é preferível absolver um culpado a condenar um inocente, por aplicação do princípio do in dubio pro reo.” (ACr 97.04.43325-5/PR, Rel. o Exmo. Sr. Juiz Gilson Dipp,1ª T., TRF4, unânime, em 16 de dezembro de 1997) 6 A dúvida sobre o direito Contudo, se a dúvida não recair sobre o fato, mas sobre o direito a ser aplicado, o juiz deve procurar esclarecê-la segundo as mais fundadas opiniões (opinio comunis doctorum) e, principalmente, por meio de algum precedente jurisprudencial.(32) Com isso não se quer dizer que o juiz, em sua arte de interpretar, esteja completamente vinculado à jurisprudência. Se, após toda a análise hermenêutica, o magistrado entender que o direito deve aplicar-se de maneira divergente à que vem sendo usada, sua decisão não será por isso ilegítima. É, contudo, sinal de prudência e obediência aos princípios da celeridade e da efetividade processuais não retardar desnecessariamente o direito da parte, fazendo com que ela tenha que interpor recurso ao tribunal superior quando já pacificado o entendimento da Corte em um sentido, especialmente se esse for o entendimento do Supremo Tribunal da nação. Persistindo a dúvida de juízo normativa, o julgador deve realizar um juízo de probabilidade (em oposição a um juízo de certeza): decidir favoravelmente àquele que possui o direito mais provável.(33) Nesse caso, a conduta lícita para o juiz é julgar segundo a justiça do probabilismo, concedendo o objeto do processo ao que se apresenta com o direito mais plausível.(34) Entretanto – e aqui a hipótese é mais rara –, as razões jurídicas invocadas por ambas as partes podem gozar igualmente do mesmo grau de probabilidade. Nesse caso, o juiz possui uma opção: aconselha a uma transação ou divide o bem pretendido.(35) Pode, contudo, ocorrer que as partes não aceitem o acordo e que o bem objeto do processo seja indivisível. Nessa situação, deverá decidir segundo a equidade e os costumes.(36) Nesse último caso, o juiz pode abster-se de ter um juízo pessoal “muy determinado”,(37) decidindo favoravelmente à opinião X, em um caso; e conforme a opinião Y, em outro caso. Tal conduta não significa, necessariamente, uma versatibilidade censurável. Porém, essa desigualdade de conduta é, geralmente, “pouco digna e pouco louvável”.(38) Conclusão O trabalho apresentado traz interessante análise deontológica sobre a relação das provas com a formação do juízo sob a ótica da diferença entre a persona privada e a persona pública do magistrado. Nessa perspectiva, a diferenciação entre a satisfação do juízo cível com a verdade formal e a satisfação do juízo criminal com a verdade material (ou formal-material) desaparece por ser uma distinção simplória, uma vez que tanto na área cível quanto na esfera criminal o magistrado tem por obrigação a busca da verdade única, entendida, na lição do Aquinte, como a adequação do intelecto à realidade. A monografia também demonstra a ilogicidade da afirmativa de que o destinatário da prova é o processo, criação abstrata e inanimada preferida pela maioria dos processualistas, uma vez que a prova tem por destinatário aqueles que, após juízo lógico-axiológico-contextual, decidem a aplicação do direito à luz dos fatos provados. Isso se verifica na adoção, pela maioria dos sistemas probatórios, da persuasão racional, segundo a qual o julgamento deve ser fruto de uma operação lógica, baseada em elementos constantes dos autos, formando o julgador sua convicção com liberdade intelectual, incumbindo-lhe apenas indicar o percurso jurídico suficiente para se chegar à conclusão. O Direito pátrio ordena aos juízes, portanto, que tenham bom senso ao julgar, que tenham jurisprudentia, isto é, a prudência requerida no trato do Direito, que é a ciência do conviver. Referências AQUINO, Santo Tomás de. Suma Teológica. Disponível em: <http://sumateologica.wordpress.com/download/>. ARISTÓTELES. Ética. BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico. São Paulo: Ícone, 1999. COUTURE, Eduardo. Fundamentos del Derecho Procesal Civil, 1974, nº 135. KELSEN, Hans. Teoria geral do Direito e do Estado. São Paulo: Martins Fontes, 1990. LOPES, José Reinaldo Lima. O Direito na história. São Paulo: Max Limonad, 2000. Revista de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e dos Tribunais Regionais Federais, v. 52. Revista de Processo, n. 10, p. 190, 1978. Revista Forense, v. 246. ROSENBERG, Leo. Tratado de Derecho Procesal Civil, 1922. SALSMANS, José. Deontología jurídica. 2. ed. Bilbao: El Mensajero del Corazón de Jesús, 1953. SANTOS, Moacir Amaral dos. Prova judiciária no cível e no comercial. v. I. São Paulo: Max Limonad, 1971. SILVA, Ovídio Araújo Batista da. Curso de processo civil. v. I. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1987. THEODORO JR., Humberto. Curso de direito processual civil. v. I. Rio de Janeiro: Forense, 1998. TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. CPP comentado. v. I. URDAÑOS, Teófilo. Suma de Salamanca. Madrid: BAC, MMX. VILLEY, Michel. Direito romano. Traduzido por Fernando Couto. Disponível em: <http://pt.scribd.com/doc/96905924/Michel-Villey-traducao-Fernando-Couto-Direito-Romano>. WERNER, Jaeger. Paidéia. São Paulo: Martins Fontes, 1989. 11. Ordálio é substantivo masculino. Não raro lemos e ouvimos “processualistas” utilizarem o termo “ordália” e “ordálias”. Tal erro é produzido pela ignorância da língua latina, pois ordálio é o singular (ordalium) e ordálios é o plural (ordalia). 25. A certeza obtida no direito não é como a certeza de cunho matemático, o que não impede, contudo, que se forme um juízo de certeza. Como ensina Aristóteles, “não se exige a mesma certeza em todas as coisas” (ÉTICA, I). 26. Na verdade, é o juízo sobre a prova que é duvidoso, não a prova em si, mas utilizamos a expressão por fidelidade ao pensamento dos tomistas.
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Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023:2002/ABNT): |
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