Os avanços tecnológicos vêm produzindo transformações incisivas e duradouras nas mais variadas searas sociais, influindo em métodos de organização e formas de relacionamento entre as pessoas. O incremento substancial na facilidade de acesso a informações e o aumento dos meios digitais como ancoradouros de novas formas de sistemas de organização implicam a necessidade de uma singular análise sobre o formato tradicional de trabalho, centrado atualmente em uma típica espécie de linha de produção, na qual trabalhadores/servidores, quase lado a lado, vão cumprindo os passos necessários dentro da organização de um sistema.
Não foi à toa que a Lei nº 12.251/11 veio estabelecer no art. 6º da CLT que “não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego”. Seguindo esse caminho e atentando para o engessado formato das relações de trabalho que permeiam o serviço público, o Egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em medida inovadora e corajosa, expediu a Resolução nº 92, de 28 de maio de 2013, cuja finalidade foi regulamentar o teletrabalho no âmbito da Justiça Federal de 1º e 2º Graus da 4ª Região.
Não obstante existam as mais variadas opiniões sobre tal medida, muitas delas não estribadas em qualquer análise empírica do tema, a hipótese é, em verdade, uma realidade dentro da Justiça Federal na 4ª Região. Embora ainda incipiente, a medida começou a dar seus primeiros sinais mediante a permissão de realização de teletrabalho a alguns servidores da instituição.
De qualquer sorte, a ideia que norteia este relato/comentário, inserido no bojo do Curso de Planejamento e Gestão no Poder Judiciário, é externar como vem se dando esse novo formato de trabalho dentro do Poder Judiciário Federal da 4ª Região, expondo-se as vicissitudes que permeiam caso concreto existente na 3ª Vara Federal de Chapecó.(2)
Nesse sentido, sinalo que, em agosto do corrente ano, uma servidora lotada na Direção do Foro da Subseção Judiciária de Chapecó recebeu a notícia da transferência de seu esposo, em decorrência do trabalho, a cidade do Centro-Oeste brasileiro. Não se cuidando de cônjuge servidor público, as soluções tradicionais seriam (a) a ruptura do convívio familiar ou (b) o pedido de licença não remunerada (art. 84 da Lei nº 8.112/90). Note-se que as duas hipóteses trariam prejuízo à Administração ou à entidade familiar (art. 226 da CF/88), mitigando o princípio da eficiência aventado no art. 37 da Constituição Federal.
Ocorre que o teletrabalho a domicílio(3) surgiu como solução para a questão, deduzindo a servidora pleito nesse sentido. Após parecer favorável da Direção do Foro da Subseção Judiciária de Chapecó, emergira, todavia, o primeiro ponto a ser equacionado, qual seja, o local de desenvolvimento de seu mister, mormente porque o trabalho até então realizado pela servidora era basicamente de atendimento e de recebimento de processos físicos, cabendo lembrar que o art. 3º da indigitada resolução estatui que
“o regime de teletrabalho (...) abrange somente os processos exclusivamente eletrônicos, judiciais e administrativos, sendo restrito às atividades em que seja possível, em função da característica do serviço, mensurar objetivamente o desempenho dos servidores e em relação às quais se possa prescindir, a critério do titular da unidade, do relacionamento interpessoal a modo presencial.”
Diante disso, a servidora foi lotada na 3ª Vara Federal, unidade que lida unicamente com processos de Juizados Especiais. Ocorre que, mesmo em uma unidade jurisdicional, não é simples a atribuição de funções em que se possa medir o desempenho de forma objetiva e, ainda, com prescindibilidade do contato presencial. Nesse prisma, ponderaram-se, na ocasião, diversos cenários e possibilidades, chegando-se à conclusão de que a melhor forma de solucionar o ponto seria a alocação da servidora no gabinete do Juízo para auxílio na elaboração de minutas de sentença do juiz federal substituto, em especial pela necessidade de vinculação a um único gestor para fins de controle e avaliação da atividade. Apurou-se, na ocasião, que a servidora possuía os atributos necessários para o desempenho de tal ofício (conhecimento jurídico, boa escrita, etc.), ponto essencial no regime de teletrabalho, sem prejuízo da necessidade de constante aprimoramento técnico.
Assim, as semanas prévias à transferência de domicílio serviram para a realização de reuniões e para que a servidora tomasse conhecimento das ferramentas e das formas de trabalho utilizadas na unidade.
As reuniões prévias tiveram papel fundamental no êxito da medida. A um, porque é indispensável que fiquem acertadas todas as nuances da relação de trabalho que está por vir. Não é apropriado, nesse momento, deixar margens a subjetivismos, pois estes poderão trazer malefícios futuros, sem contar que o pioneirismo da medida, pelo menos no âmbito da Justiça Federal de Chapecó, não permitia a ponderação de riscos e problemas havidos em outros casos pretéritos. A dois, pois é imperioso que o magistrado responsável tenha confiança no servidor. E por confiança não se conclua a necessidade de longos anos de trabalho em conjunto, mas sim que o servidor deixe claro o pleno comprometimento com o êxito da empreitada. E isso se dá porque só há uma forma de o teletrabalho propiciar êxito: o servidor deve empenhar-se ao máximo para tanto, dedicando-se e buscando ferramentas para equacionar problemas que, presencialmente, seriam simples de manejar.
No caso concreto, foram entabulados alguns pontos. Primeiro, em comum acordo, alcançou-se uma meta objetiva diária a ser realizada. Tal meta partiu da análise de desempenho dos demais servidores, bem como levou em conta tipos de processos específicos, em que é possível inferir um padrão médio e razoável de produtividade. Na hipótese, a servidora ficou responsável pela elaboração de minutas de sentença atinentes a processos relativos a benefícios por incapacidade, acertando-se então que o labor envolveria a elaboração da minuta, bem como do cálculo, se necessário, sem contar o lançamento e o encaminhamento de todas as fases correspondentes no processo eletrônico.
Como apregoa o art. 4º da resolução, “a estipulação de metas de desempenho é requisito para a implementação do teletrabalho na unidade”. Mais que isso, o parágrafo 2º do referido artigo aventa que “a meta de desempenho do servidor em regime de teletrabalho em domicílio deverá ser superior àquela estipulada para os servidores que executarem as mesmas atividades nas dependências da Justiça Federal de 1º e 2º Graus”. Por certo, a fixação das metas firma-se como intricada tarefa, notadamente porque inexiste um parâmetro certo e inquestionável. Tudo depende das características do servidor, do tipo de trabalho e das peculiaridades de cada processo, de modo que o estabelecimento de um número fechado, estanque, não importa dizer que este não poderá ser ulteriormente alterado, para mais ou para menos.
Anoto, outrossim, que, embora o parágrafo 1º do art. 4º estipule que não é imprescindível consenso entre gestor e servidor na fixação das metas, cabendo àquele a respectiva definição, parece-me ser desaconselhável tal formato, uma vez que a estipulação de metas que o servidor não logrará cumprir redundará em provável fracasso do programa, cabendo lembrar que o teletrabalho é facultativo. Ou seja, ou se realiza o teletrabalho buscando benefícios para o servidor e a Administração, ou o teletrabalho deixa de ser uma boa ferramenta.
Outro ponto que foi motivo de acerto, no caso concreto, foi a necessidade de que a servidora estivesse presente no comunicador instantâneo de mensagens da Justiça Federal, laborando em certos horários do dia pré-estabelecidos, muito embora o sistema de teletrabalho não preveja “carga horária”, mas sim cumprimento de metas (art. 21 da resolução). No caso, fixou-se a necessidade de a sua presença alcançar o período das 13h às 18h, devendo o restante do trabalho ser realizado no momento que a servidora entendesse adequado. Isso se deu, entre outros motivos, por se estar diante de hipótese em que a servidora estará laborando em outro Estado da Federação, ou seja, distante de Chapecó, o que impede contatos presenciais. Com efeito, cabe lembrar que a resolução exige que o servidor atenda “às convocações para comparecimento às dependências da sua unidade de lotação, em dias de expediente, sempre que houver necessidade da unidade e/ou interesse da administração” (art. 9º, II), desenvolva suas atividades no “município onde está instalada a sede da sua unidade de lotação ou em localidade próxima a esta” (art. 9º, III), reúna-se com a chefia a cada 15 dias (art. 9º, VII), bem como participe “das atividades de orientação, capacitação e acompanhamento” (art. 9º, VII), salvo se o servidor for “acompanhar cônjuge ou companheiro(a) que foi deslocado(a) ou se deslocou temporariamente, por motivo justificado, para outro ponto do território nacional ou para o exterior” (art. 7º). Portanto, cuida-se de caso em que está impossibilitado o contato presencial. Além disso, a atividade técnica atribuída à servidora exige um canal de comunicação instantâneo, em algum momento do dia, para se equacionar dúvidas surgidas no decorrer do manejo do ofício. Não se mostra adequado ao serviço que se tenha que aguardar futuro acesso do servidor – ainda que diário – para resolução de dúvidas ou correção de equívocos, sobretudo diante da dinâmica de um Juizado, razão pela qual o trabalho de forma concomitante entre gestor e servidor por algum momento do dia emerge como ponto importante, quiçá fundamental, para o êxito do programa, como se afere na experiência do cotidiano da unidade.
As reuniões prévias também tiveram o condão de acertar as questões explicitadas no art. 10 da resolução (“Compete exclusivamente ao servidor providenciar, às suas expensas, as estruturas física e tecnológica necessárias à realização do teletrabalho, mediante o uso de equipamentos ergonômicos e adequados, bem como prover o transporte e a guarda dos documentos e materiais de pesquisa que forem necessários ao desenvolvimento dos trabalhos”). Isso porque é sabido que a ausência de aparato tecnológico adequado obstaculiza o apropriado desenvolvimento do trabalho. Conexão lenta de Internet, computador com baixa capacidade, entre outros pontos, são hipóteses que tendem a inviabilizar o cumprimento das metas, sobretudo quando estabelecidas com base em critérios de razoabilidade aferidos dentro da Justiça Federal, órgão nutrido por excelente estrutura tecnológica. Os prejuízos de uma atividade em equipamentos retrógrados e desatualizados atingem inegavelmente a Administração. O próprio uso, por exemplo, de duas telas de computador no e-Proc sabidamente produz efeitos deveras benéficos à celeridade e à qualidade da atividade, sendo de suma importância que o servidor se comprometa com isso. Não se esqueça também a necessidade de uso de equipamentos ergonômicos para o bem-estar do servidor (cadeiras e mesas adequadas, entre outros), evitando futuros afastamentos médicos e propiciando saúde adequada.
Acresça-se também que há uma série de sistemas que hoje beneficiam o trabalho desenvolvido na Justiça Federal (CNIS, Plenus, etc.), devendo, portanto, ser estabelecido formato que não impeça o servidor de ter acesso a tais informações. No caso concreto, foram estabelecidas conexões da servidora em teletrabalho com determinado servidor da secretaria, previamente escolhido, para a colheita de informações que possam vir a ser necessárias no desenvolvimento da atividade.
É certo que o regime de teletrabalho na 3ª Vara Federal de Chapecó começou há cerca de dois meses, prazo curto para avaliar todos os benefícios e malefícios da medida. De qualquer forma, o panorama hoje visualizado externa aparente êxito. Com efeito, as metas vêm sendo cumpridas a contento, sem prejuízo da qualidade do trabalho. Além disso, a comunicação vem sendo realizada de forma eficaz, seja com uso do comunicador instantâneo da Justiça Federal para dúvidas corriqueiras, seja com o manejo do uso do e-mail para questões mais intrincadas ou que exijam um detalhamento maior.
É importante ressaltar também que a eficácia da medida demanda auxílio de outros servidores, não podendo a relação ficar restrita ao servidor em teletrabalho e ao gestor, mormente pela dinâmica de um Juizado, em que o caminho do processo exige atenção a rotinas preestabelecidas. Nesse sentido, embora incentivado o contato da servidora com todos os demais auxiliares do Juízo da unidade, foi eleito um específico servidor para equacionar problemas mais corriqueiros e comuns, sem prejuízo do regular e necessário contato entre servidor e magistrado (gestor).
A resistência que até então havia com tal tipo de formato, de certa forma, esvaiu-se com os resultados alcançados. Embora, como dito alhures, seja cedo para extrair qualquer conclusão definitiva, é inegável que o teletrabalho foi a ferramenta certa para o cenário com que se deparou a servidora e, de conseguinte, a Administração. Isso não quer dizer, todavia, que o teletrabalho deva ser autorizado e incentivado em todos os casos. Por mais que a resolução preveja hipóteses de vedação, tais como casos de servidor em estágio probatório ou que tenha sofrido penalidade disciplinar (art. 6º), tais impedimentos encontram assento apenas em critérios objetivos, devendo ser avaliada a eficácia da medida no caso concreto, notadamente a partir do próprio perfil do servidor. Tenho que o pleito pelo teletrabalho deve vir ancorado em razões claras e pertinentes, não se podendo usar o formato pelo simples interesse do servidor de laborar em casa. Ora, no atual momento, não vislumbro hipótese em que o trabalho não presencial possa repercutir em maior produtividade que o presencial, notadamente quando se atenta para a necessidade do contato humano existente entre os próprios servidores, tanto no desenvolvimento da pessoa como na realização do trabalho, solucionando dúvidas e angariando conhecimentos de forma compartilhada.
Além disso, o teletrabalho impõe inegavelmente novas incumbências ao gestor (ver, por sinal, art. 11 da resolução), que passa a ser responsável por um controle muito mais aproximado e atento dos resultados da atividade do servidor, sem, todavia, ter o contato presencial tão importante em instrumentos de avaliação. Não é à toa que a resolução fixa limites para o uso do teletrabalho. No caso, somente 30% dos servidores da unidade podem laborar por meio remoto (art. 5º, parágrafo 3º), o que, em uma unidade de Juizado, cuja lotação alcança quatorze servidores normalmente, implica que quatro deles podem exercer suas atividades a distância.
É preciso, também, avaliar os efeitos do teletrabalho a longo prazo, consoante preconiza o art. 14 da resolução, uma vez que ele externa riscos dos mais variados. Ora, por mais que o estabelecimento de metas objetivas seja importante no caso concreto, pelo menos nesse estágio inicial do programa, a fim de que se possa avaliar de alguma forma o trabalho desenvolvido a distância, o gerenciamento de pessoas envolve muito mais que isso, sendo as metas, algumas vezes, desabonadoras do desenvolvimento da atividade e do próprio indivíduo. Isso porque, dependendo do alinhamento do perfil do servidor, as metas acabam por apenas homogeneizar a produtividade, democratizando o ordinário e o comum. Sobretudo em um trabalho a distância, a fixação de metas pode colocar um freio no desenvolvimento individual do servidor, ante a ausência de elementos que o estimulem a se desenvolver. Cada trabalhador guarda sua motivação em pontos específicos de sua personalidade, não podendo o teletrabalho servir como subsídio, ainda que inconsciente, para desestímulo, sobretudo diante do fato de que o trabalho isolado, sem compartilhamento de informações e conhecimentos, já tem, por si só, certo efeito deletério nesse mesmo sentido.
Além disso, todo trabalhador deseja integrar-se ao grupo do qual faz parte, interagindo, participando e sendo ouvido. Sentindo-se elemento do grupo, o desenvolvimento técnico e social tende a reverberar-se, atingindo terceiros e ganhando contornos rígidos no incremento da qualidade do trabalho geral, de modo que é importante que se cogite formas de interação entre o servidor em teletrabalho e os demais integrantes da unidade. É do debate de opiniões e do compartilhamento de experiências que defluem novas concepções e ideias hábeis a incrementar o serviço público prestado.
Por fim, é bom lembrar, apenas como hipótese elucidativa, que, para uma servidora que estava prestes a ver sua unidade familiar dilacerada ou ter que pedir licença sem remuneração, os primeiros meses do teletrabalho figuram como uma dádiva, a ponto de incentivá-la e motivá-la à realização de um trabalho exemplar. Mas não se olvide que o tempo passa, e as pessoas tendem, muitas vezes, a acomodar-se, circunstância que, embora possa, sim, ser contornada em um trabalho a distância, demanda muito mais atenção e dedicação do gestor e da própria Administração (NADH e SGEP) se comparada com uma hipótese de trabalho presencial.
Enfim, o teletrabalho propicia soluções para uma série de situações que até então trariam prejuízos à Administração. O próprio caso concreto relatado, tempos atrás, talvez implicasse pedido de licença não remunerada, em prejuízo da servidora, que não mais auferiria sua remuneração, bem como da Administração, que não poderia contar com os esforços de servidora galgada ao cargo por meio de concurso público, prejudicando a atividade fim desenvolvida pelo Poder Judiciário. Tais benefícios, contudo, não podem impedir que o formato da atividade seja constantemente ponderado e avaliado, como articulam os arts. 17 e seguintes da resolução, especialmente no sentido de que a possibilidade do teletrabalho seja ofertada em casos de necessidade – e não mera conveniência –, que exijam uma solução distinta para o problema enfrentado. Não me parece que o quadro atual e o próprio formato hodierno dos sistemas processuais existentes no Tribunal Regional Federal da 4ª Região indiquem uma tendência a prestigiar o teletrabalho em detrimento do habitual labor presencial. De qualquer forma, cuida-se de assunto plantado em campo fértil que, caso bem coordenado, pode trazer diversos benefícios à Administração Pública e aos servidores, equacionando conflitos que, até então, tinham soluções impertinentes.
Notas
1. Artigo redigido como trabalho de conclusão do Curso de Currículo Permanente – Módulo VI – Planejamento e Gestão do Poder Judiciário, promovido pela Escola da Magistratura (Emagis) do Tribunal Regional Federal da 4ª Região em 2013.
2. Processo SEI nº 0004250-26.2013.404.8002.
3. A Resolução do TRF4 distingue, no art. 1º, o teletrabalho a domicílio do teletrabalho distribuído. Naquele, o servidor executa seu ofício na sua residência, enquanto neste o servidor auxilia – em sua residência ou nas dependências do órgão – unidade distante, caracterizando hipótese de trabalho em rede, com estratégias colaborativas e visão sistêmica da gestão da carga de trabalho.
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