Resumo
O presente ensaio trata dos fatores que determinam indevida concentração de poderes no Supremo Tribunal Federal, que, a par de extenso rol de matérias submetidas a sua competência, igualmente detém a atribuição de exercer o controle concentrado de constitucionalidade, atualmente o mais prestigiado modelo de jurisdição constitucional. Tal situação, acaso não corrigida, estabelece a predominância do Supremo Tribunal Federal não apenas com relação aos demais órgãos do Poder Judiciário, bem como perpetuar visível desequilíbrio no âmbito de convivência com os demais poderes constitucionais, em especial o Legislativo.
Palavras-chave: Supremo Tribunal Federal. Jurisdição constitucional. Poder Judiciário. Poder Legislativo. Desequilíbrio.
Sumário: Introdução. 1 O modelo teórico da atual jurisdição constitucional. 2 A consagração da jurisdição constitucional. 3 O sistema brasileiro de jurisdição constitucional. 3.1 A atuação disfuncional do Supremo Tribunal Federal no plano horizontal. 3.2 A atuação disfuncional do Supremo Tribunal Federal no plano vertical. Conclusões. Referências bibliográficas.
Introdução
Muito provavelmente, jamais em outro momento da história republicana o Poder Judiciário permaneceu tão em evidência como atualmente. Inúmeros fatores influenciam para esse cenário de induvidosa exposição pública. Tal situação enseja refletir sobre a formatação e o funcionamento das instituições judiciais e inquirir sobre seu ajustamento aos reclamos da sociedade, sempre objetivando constante aprimoramento.
Especificamente no que atine ao Supremo Tribunal Federal, à engenharia constitucional do órgão de cúpula do Poder Judiciário, o enfoque é quase que invariavelmente direcionado à forma de composição da Corte. Essa polêmica questão, no entanto, corresponde menos ao sistema constitucional do que ao seu desempenho prático. Não é correto atribuir à Constituição Federal a responsabilidade pela omissão da sociedade quanto a discutir a conveniência e a oportunidade de indicações – ou, previamente, eventuais sugestões – de candidatos pela Presidência da República. Extrinsecamente ao território jurídico, são quase inexistentes quaisquer considerações sobre os indicados, e, mesmo no seu interior, terminam por se revelar inócuas. O Senado Federal, afora algum mise-en-scène de poucos congressistas, restringe-se a chancelar a indicação.
Essa questão, conquanto longe de ser desimportante, tem recebido, contudo, mais atenção do que a premente necessidade de se discutir o papel do Supremo Tribunal Federal. Por oportunidade da constituinte, foi cogitada a possibilidade de torná-lo uma genuína Corte constitucional, em conformidade com o modelo germânico. Por essa proposta, ao final vencida, ao Supremo estaria reservada apenas a chamada jurisdição constitucional, ou seja, a atribuição de confirmar a constitucionalidade ou afirmar a inconstitucionalidade de lei eventualmente impugnada. Optou-se, todavia, por, ao lado dessa competência, destinar-lhe diversas outras. O resultado dessa cumulação de atribuições é inquietante sob o aspecto político, especificamente quanto à desejável harmonia e equilíbrio entre os poderes republicanos.
O que se expõe como fato notório é que a Corte apresenta dificuldades para dedicar-se a sua atividade primeira, que é a de resguardar a Constituição. Não raro, são muito demoradas essas decisões. E, quase sempre assoberbado, o Supremo também não oferece respostas a contento quando do exercício das demais competências, corroborando as críticas que são opostas, por exemplo, ao chamado foro privilegiado. De resto, essas claudicações funcionais são evidenciadas a par de soluções adotadas pela Corte adjetivadas de invasivas em relação aos demais poderes. Ou seja, critica-se o Supremo Tribunal Federal por ineficiência quanto às suas atribuições correntes e por incontido ativismo.
De outro lado, essa demasiada concentração de poderes no Supremo Tribunal Federal, provocada pela sua potencializada competência constitucional, termina por desprestigiar as demais instâncias do Poder Judiciário, em prejuízo da efetividade e da celeridade processuais, ao estimular que qualquer matéria seja submetida a sua apreciação. O prejuízo ao dinamismo das instâncias inferiores é suficientemente exemplificado pelo instituto da repercussão geral, que, ao fundamento de garantir a segurança das relações jurídicas, desloca àquela Corte a resolução de fatos que poderiam ser satisfatoriamente solvidos pelos mecanismos judiciais rotineiros.
Tendo por indiciado esse panorama, o presente ensaio tem por finalidade contextualizar a atuação do Supremo Tribunal Federal na contemporaneidade, procurando compreender, a partir das diretrizes normativas traçadas pela Constituição Federal, sua desenvoltura no plano não apenas das relações jurídicas como, igualmente, no das políticas. Com esse propósito, inicialmente serão examinados os pressupostos teóricos que determinaram esse protagonismo político, ressaltando os ajustes decorrentes da necessária adaptação às peculiaridades da cultura jurídica nacional. Identificadas as opções do constituinte, serão analisados seus resultados práticos, atentando tanto para a relação do Supremo com os demais poderes quanto para a daquele com os demais órgãos do Poder Judiciário.
1 O modelo teórico da atual jurisdição constitucional
Atribui-se ao período do pós-Segunda Guerra o surgimento do movimento designado por neoconstitucionalismo. Com ele, o Direito Constitucional é impulsionado a patamares de compreensão e aplicação inimagináveis às construções teóricas que, em momento anterior, o consagraram como disciplina específica, influenciando sobremaneira a relação do exercício do poder político com as pessoas por este alcançadas.
Previamente a esse movimento, reconhece-se por constitucionalismo a coalizão de construções teóricas que preconizavam a adoção de instrumento jurídico invulgar, a constituição, que resguardasse os indivíduos do exercício do poder estatal. É inegável seu conteúdo libertário e emancipatório, porém, limitado a perspectiva eminentemente individualista. Em linhas gerais, coube às comunidades jurídicas dispor, em constituições, acerca de direitos e garantias individuais a serem opostos contra possíveis hostilidades estatais.
Cumpre reconhecer que a ideia de constituição remonta a períodos históricos localizados ainda na Antiguidade. Aristóteles já a prenunciara, conquanto que em sentido unicamente orgânico, quando do estudo da estruturação dos regimes políticos das diversas pólis.(1) A inovação atribuída ao constitucionalismo reside em seu propósito de articular a constituição com o estado moderno liberal. Com essa imbricação, a constituição deixa de configurar mera descrição da atuação estatal, para encetar modelos prévios de exercício do poder, atentando para a plena liberdade individual e haurindo como efeito dessa postura sua própria legitimidade. A idéia básica que sustenta a teoria do constitucionalismo, enfim, é a do exercício limitado do poder.(2)
Embora se cogite de “vários constitucionalismos”,(3) porquanto esse “movimento constitucional gerador da constituição em sentido moderno”(4) apresenta diversas “raízes localizadas em horizontes temporais diacrônicos e em espaços geográficos culturais diferenciados”,(5)fato é que o juízo de valor que lhe é ínsito decorre do amadurecimento de princípios caros ao liberalismo, em correspondência à ascensão da burguesia enquanto classe social e econômica prevalecente.(6)
Grosso modo, são esses os componentes da constituição moderna, doutrinada pelo constitucionalismo e compreendida, a partir de então, como “ordenação sistemática e racional da comunidade política por meio de um documento escrito no qual se declaram as liberdades e os direitos e se fixam os limites do poder político”.(7)
Entretanto, consoante declinado, o constitucionalismo manifestava juízos de valor consonantes à categoria social economicamente predominante, imbuída de propósitos específicos e desocupada dos segmentos alijados dos processos produtivos. Orientava-se pelo absenteísmo do Estado, reproduzido no epítome laissez-faire, o qual deveria se limitar a garantir a liberdade individual, rejeitando operar ativamente em qualquer espaço de realização comunitária.
Notáveis fatores históricos, contudo, determinaram sensíveis alterações de matriz sociológica, desprendendo profundas e intensas movimentações no âmbito das relações sociais. Essa conjuntura passou a exigir atenção estatal para aspectos antes imprevistos no modelo liberal. Em consequência, os ideais preponderantes precisaram renunciar a espaços, ainda que parcialmente, e permitir transformações tanto na estrutura quanto nos objetivos do Estado, o qual passa a ser instado a suprimir demandas antes alheias ao exercício do poder político. Por conta dessa ampliação e da consequente inclusão de segmentos sociais antes afastados do tablado deliberativo, a exigência de participação no debate público é acentuada. E o Direito, enquanto ciência social, decerto se ressente dessas comutações, passando a refleti-las diretamente nos seus fundamentos. É nesse ambiente que germina o neoconstitucionalismo.
A ampliação dos objetivos do Estado determina o incremento da constituição, a qual passa a se projetar não apenas sobre direitos fundamentais de cunhoindividual, mas também sobre aqueles de caráter social.(8) Alargado significativamente o leque da atuação constitucional, três desdobramentos lhe são decorrentes. Primeiro, será preciso manejar técnicas redacionais específicas, capazes de reger o mais amplo leque de situações políticas, atentas ainda à necessidade de permanência histórica e maleabilidade evolutiva, uma vez que a natural rigidez normativa que lhe é ínsita não autoriza, ou pelo menos não recomenda, constantes reformas. Segundo, a ampliação do seu espectro disciplinar implica assegurar ampla força normativa às suas regras, sob pena de esvaziamento de sua aplicação. Direitos consagrados em tese precisam se efetivar na prática, o que impõe especial teor vinculativo, sob pena de constituírem mandamentos meramente discursivos. Terceiro, é imprescindível a existência de instância hábil que assegure a aplicabilidade das regras constitucionais, a subsidiar sua peculiar força normativa, a qual termina por se concretizar na chamada jurisdição constitucional.
Esses três importantes desdobramentos – hermenêutica constitucional, força normativa constitucional e expansão da jurisdição constitucional – do neoconstitucionalismo(9) implicam inegável elevação do patamar político dos órgãos competentes ao julgamento das questões constitucionais. A experimentação desse método, por consequência, reclama compreensão diferenciada da clássica noção de separação de poderes.
2 A consagração da jurisdição constitucional
Consoante referido, com o fortalecimento da jurisdição constitucional, procura-se assegurar ampla força normativa à constituição, extraindo dela os significados que orientam juridicamente determinada sociedade. Em verdade, não se trata de construção teórica recente. O neoconstitucionalismo apresentou-lhe novos contornos, especialmente por exigência da ampliação do disciplinamento constitucional. Sem embargo, perscrutou em lições ainda do século passado fundamentos para seu domínio prático.
Em qualquer de suas acepções, mantenha conteúdo eminentemente liberal ou social, a constituição se sobressai às demais espécies normativas. Desde a teoria do constitucionalismo, assim é preconizado. Porque regulará a atuação do poder político, a constituição qualifica-se como instrumento hierarquicamente superior do sistema jurídico. É necessário, portanto, que seja resguardada de possíveis investidas com o propósito de emascular sua preeminência. E essa função de anteparo é exercida pela jurisdição constitucional.
Há diversas modalidades de certificação da constitucionalidade das leis. Pode ser preventiva, ou seja, anterior ao ingresso da norma na ordem jurídica, ou sucessiva, quando posterior a essa transposição. É possível classificá-la, ainda, em total ou parcial. Ocorre a primeira quando a lei em sua integralidade é qualificada como inconstitucional, enquanto a segunda, quando apenas algum ou alguns de seus dispositivos não encontram respaldo na constituição.
São dois os modelos de controle de constitucionalidade de atos legislativos. O primeiro, mais antigo, fruto do inequívoco prestígio do direito constitucional norte-americano, atribui a qualquer magistrado, independentemente da instância, a declaração incidental de inconstitucionalidade de lei. O segundo, de matriz germânica, estabelece competência exclusiva a determinado órgão para apreciação de vício formal ou substancial de ato legislativo. Este obteve especial prestígio no direito constitucional europeu, sem deixar de contaminar outros sistemas jurídicos pelo mundo. Por conta disso, alcançou sensível aprimoramento técnico. E, se o controle concentrado de constitucionalidade incumbe a órgão com específica atribuição para tanto, este pode desempenhá-la exclusivamente, sem estar atado ao Poder Judiciário, como no caso das Cortes constitucionais, ou praticá-la a par de outras competências típicas das instâncias judiciais, hipótese do sistema constitucional brasileiro.
As decisões proferidas em controle concentrado de constitucionalidade detêm efeitos erga omnes e ex tunc, ou seja, aplicam-se a todos, retirando-se o ato legislativo do ordenamento jurídico, a não gerar efeitos desde sua origem, erigindo a ficção de que em nenhum momento tivesse existido.(10)
No entanto, por razões eminentemente de segurança jurídica, tem-se arrefecido o princípio de que decisões desse jaez devam, necessariamente, manter efeitos próprios dos atos reconhecidamente nulos, especialmente o retroativo. Cogita-se, inclusive, da possibilidade de tal declaração implicar desajuste jurídico mais grave do que suportar, ainda que provisoriamente, a eficácia normativa maculada.(11) Assim, especialmente no sistema austríaco, de construção kelseniana, cujos efeitos decorrentes da declaração de inconstitucionalidade são ex nunc, foi observada exceção ao princípio geral do tratamento metodológico dispensado às nulidades.(12)
O controle incidental, por sua vez, pode ser exercido por qualquer magistrado, no âmbito de sua jurisdição, contudo, pressupõe exame de caso concreto. Em consequência, gera efeitos apenas entre as partes litigantes, não afetando diretamente terceiros estranhos ao processo.
São essas, em linhas gerais, as características da jurisdição constitucional. Sem embargo de suas distintas manifestações, nota-se como traço característico a circunstância de poder distinto do Legislativo dispor sobre a (in)validade de ato típico deste poder. Trata-se, portanto, inequivocamente, de interferência política, com consideráveis efeitos no plano teórico da separação de poderes.
Coube a Montesquieu, a partir das concepções político-filosóficas existentes, aprimorar os postulados que preconizavam o monitoramento do poder político mediante divisão dos órgãos incumbidos de exercê-lo. Segundo a percepção do estudioso francês, o Estado deveria ser composto por três poderes, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. Genericamente, incumbiria ao primeiro editar atos normativos, ao segundo, aplicá-los, e, finalmente, ao terceiro, zelar pela sua adequada observância.(13) Nessa moldura, Montesquieu patrocina a preponderância do poder Legislativo sobre o Judiciário, incumbindo-se este apenas de garantir, por intermédio de aparelhos jurídicos coercitivos, a aplicabilidade dos atos emanados daquele.(14)
Decerto a jurisdição constitucional não representa golpe fatal na doutrina da separação de poderes, mas sim necessária reconsideração acerca de sua disposição. O que resta sobremaneira alterado é o predomínio político antes estabelecido em favor do Legislativo. Simbolicamente reproduzido na imagem da palavra final, pode-se afirmar, a partir da jurisdição constitucional, que ela incumbe não mais ao Legislativo, mas ao Judiciário ou mesmo a corpo estatal alheio a esses dois. Nesse contexto, sobressai nítido o papel do órgão incumbido na judicial review, não limitado apenas a considerações de conteúdo jurídico, mas revestido do poder próprio atribuído a instâncias políticas. Referindo-se à Suprema Corte norte-americana, Leda Boechat Rodrigues menciona com extrema precisão que o “tribunal deve ser visto como parte do processo político americano, e não simplesmente como um órgão composto de juristas colocados acima e além da luta política”.(15)
Há vários exemplos de decisões proferidas no âmbito da jurisdição constitucional, em qualquer das suas matrizes, norte-americana ou europeia, que importaram significativo avanço no plano das relações públicas e privadas, individuais ou coletivas. Utilizando-se como critério avaliativo os resultados decorrentes da inclusão social, é significativo citar a decisão da Suprema Corte norte-americana Brown v. Board of Education of Topeka, a qual representou passo decisivo em direção contrária à discriminação racial.(16)
Certamente, outros precedentes pronunciados por jurisdições constitucionais, em razão de sua relevância política, poderiam ser mencionados. Entretanto, refoge do planejamento deste trabalho análise pormenorizada. Aliás, há distintos critérios para aquilatar o quão avançadas e progressistas sejam as decisões pronunciadas em jurisdição constitucional. Não obstante, cumpre salientar que esse exercício, por sua própria natureza, ainda que estimada sua importância apenas pelo critério da inclusão social, não se mostra infalível em toda e qualquer situação. Suficiente, para comprovação dessa assertiva, o registro de que a própria decisão Brown v. Board of Education of Topeka implicou reconsideração de manifestação anterior daquela mesma Corte, mas de conteúdo assaz restritivo.(17)
De todo modo, ainda que discutíveis os critérios avaliativos e os resultados obtidos pelo exercício concreto da jurisdição constitucional, como instrumento de controle político, especialmente protetor de indevidas intervenções estatais, é inegável que representa aperfeiçoamento da democracia constitucional.
Todavia, mesmo envolvendo inequívoco aprimoramento político, não deve ser olvidado o aspecto fundamental de que a jurisdição constitucional é exercida por meio da revisão de atos originados de outros poderes, em especial o Legislativo, constituído sob o critério da maioria política. Pode inclusive alcançar laivos de manifestação do poder constituinte derivado.(18)
Nesse caso, ainda que a função primordial de revisão de atos legislativos seja atribuída ao Judiciário ou a órgão alheio, fato é que tal atuação deve se mostrar contida. A especial formulação semântica da constituição, em regra, permite haurir soluções hermenêuticas distintas, quando não contraditórias.(19) Posturas de enfrentamento com os demais poderes apenas para afirmação da jurisdição constitucional não são desejáveis. Tampouco é assegurada, conforme anteriormente ressaltado, a infalibilidade das manifestações oriundas do judicial review, por mais ilustrados que sejam seus componentes. Demasiada concentração permite desvios do próprio ideal democrático.
3 O sistema brasileiro de jurisdição constitucional
O sistema brasileiro é bastante característico. Originalmente cativado pelo modelo norte-americano de jurisdição constitucional, posteriormente, inspirou-se no europeu. Na atualidade, embora admitida a concomitância, indiscutivelmente o segundo tem angariado maior prestígio.
Mimetizou o sistema norte-americano ao ensejo da elaboração da primeira Constituição republicana, ao atribuir a possibilidade de revisão de atos de outros poderes pelos órgãos judiciais, filiando-se, portanto, à figura do controle difuso de constitucionalidade. Em perspectiva histórica, entretanto, não se observou, em território brasileiro, protagonismo judicial comparável ao estadunidense, por implicações inerentes à cultura de cada nação. De qualquer modo, pelo menos em tese, os modelos seriam similares.
A partir da década de sessenta, inaugura-se a experimentação do controle concentrado, o qual passou a ser definitivamente cultivado com o advento da Constituição Federal de 1988. E, embora o modelo de controle difuso ainda detenha consentimento da Carta, na prática, encontra-se desprestigiado, precipuamente pela ampla e centrípeta competência atribuída ao Supremo Tribunal Federal. Essa compactação decorre não exatamente do exercício da jurisdição constitucional pela Corte, afinal esse tipo de engrenagem é observável em outros sistemas. O predicado pátrio é que a competência do Supremo não se limita à jurisdição constitucional, visto que lhe são constitucionalmente atribuídos o processo e o julgamento de demandas jurisdicionais típicas.(20) Mais que isso, o Supremo foi revestido de outras competências que lhe permitem conferir força normativa a suas decisões em determinadas hipóteses, não exatamente no exercício tradicional do controle concentrado de constitucionalidade, o que implica subjacente atividade legiferante.(21)
Esse delineamento normativo, desempenhado sem necessário comedimento, proporciona situações de indesejável embaraço político, hipertrofiando o exercício do poder pelo Supremo Tribunal Federal tanto no aspecto externo – ou seja, em relação aos demais poderes republicanos – quanto no interno – agora em referência aos demais órgãos do Poder Judiciário. Desse desbalanceamento resultam sérias consequências, especialmente nas estruturas dos pressupostos democráticos, os quais, sem embargo de relativizações, ainda se orientam mais acentuadamente por procedimentos eletivos e majoritários. Cumpre asseverar, portanto, o risco político de conferir e concentrar amplos poderes em um único órgão estatal.
3.1 A atuação disfuncional do Supremo Tribunal Federal no plano horizontal
A par de exercer a jurisdição constitucional – assim como a Suprema Corte norte-americana e os tribunais constitucionais –, o Supremo Tribunal Federal detém competência para deliberar sobre diversas outras questões,(22) convergindo para si o poder de dispor acerca de qualquer assunto que tenha sido deliberado por outra instância, pressupondo apenas prévia provocação de interessado. Em não poucas oportunidades, inclusive, mantém imobilizada a atuação dos demais órgãos do Poder Judiciário. Esse, contudo, não é o único problema.(23) A hipertrofia não é apenas intestina. Ultrapassa as fronteiras do Poder Judiciário para alcançar e interferir na atuação dos outros poderes da República, em especial o Legislativo.
Impende acentuar que essa possibilidade de interferência não deriva de atuação arbitrária do Supremo Tribunal Federal. Pelo contrário, há fundamento normativo, expresso ou implícito, a amparar essa intromissão. Observe-se, a propósito, o magistério de Oscar Vilhena Vieira:
“Foi apenas com a Constituição de 1988 que o Supremo deslocou-se para o centro de nosso arranjo político. Essa posição institucional vai sendo paulatinamente ocupada de forma substantiva, dada a enorme tarefa de guardar tão extensa Constituição. A ampliação dos instrumentos ofertados para a jurisdição constitucional tem levado o Supremo não apenas a exercer uma espécie de poder moderador, mas também a ser responsável por emitir a última palavra sobre inúmeras questões de natureza substantiva, ora validando e legitimando uma decisão dos órgãos representativos, ora substituindo as escolhas majoritárias. Se essa é uma atribuição comum a outros tribunais constitucionais ao redor do mundo, a distinção do Supremo é de escala e de natureza. De escala, pela quantidade de temas que, no Brasil, têm natureza constitucional e são reconhecidos pela doutrina como passíveis de judicialização; de natureza, pelo fato de não haver qualquer obstáculo para que o Supremo aprecie atos do poder constituinte reformador.”(24)
O que diferencia a atuação do Supremo Tribunal Federal da dos órgãos alienígenas também incumbidos da jurisdição constitucional é a ampla quantidade de assuntos que encontra respaldo constitucional.(25) Maior ou menor ginástica hermenêutica autoriza praticamente o ingresso de qualquer matéria no plano de apreciação da Corte. Essa formulação ampara plena possibilidade de atuação, mesmo que temperada pelo argumento da indispensável prévia provocação.(26) Basta atentar para o alarmante número de ações diretas de inconstitucionalidade.(27) Esse quadro naturalmente vindica a adoção, pelo Supremo, de posturas de autocontrole. Todavia, não é o que se conclui com o exame de três exemplos concretos apresentados por Oscar Vilhena Vieira a partir de julgados da própria Corte, parecendo desnecessário ressaltar que o elenco é meramente exemplificativo.
No case concernente à pesquisa com células-tronco, destacou o referido autor a proposição dos Ministros Carlos Alberto Direito e Antonio Carlos Peluso de estabelecer, no recinto da Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADIn nº 3.510/DF, diretrizes de caráter flagrantemente legislativo, concernentes à criação de instrumentos de fiscalização não previstos na legislação impugnada.(28) A respeito de dois outros arestos, o constitucionalista distingue que o Supremo Tribunal Federal atuou “não apenas conferindo efeito legiferante a algumas de suas decisões, mas que essa atuação legislativa eventualmente tem hierarquia constitucional”.(29) Refere-se ao Mandado de Segurança – MS nº 26.603/DF e à Reclamação nº 4.335/AC, suspeitando que “o Supremo parece ter dado um passo na direção do exercício do poder constituinte reformador”.(30) O primeiro tratou do tema da fidelidade partidária, terminando a Corte por estatuir hipótese de perda de mandato parlamentar não expressamente prevista na Constituição Federal,(31) enquanto no segundo praticamente esvaziou o conteúdo normativo da regra constitucional insculpida no inciso X do art. 52 da Carta.(32)
Outro exemplo de incômodo deslocamento à atividade legiferante é o caso da Súmula Vinculante nº 11,(33) referente à oportunidade e à conveniência do emprego de algemas pelas autoridades estatais. Não exatamente por seu conteúdo progressista e garantista, mas pelo procedimento que a originou, o verbete em discussão é altamente discutível. Seu déficit legitimador é de ordem formal, não material. Com efeito, a Constituição Federal faculta ao Supremo Tribunal Federal, “após reiteradas decisões sobre matéria constitucional”, a aprovação de súmula “que terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica”.(34) Sem embargo, não é tarefa fácil encontrar reiteradasdecisões sobre o assunto, senão que algumas poucas contadas às unidades; ou mesmo sobre a controvérsia havida entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública. Igualmente, é inviável dimensionar o quanto a ausência de sua edição acarretaria de insegurança jurídica ou multiplicação de processos sobre questão idêntica. Ao contrário, a súmula erige-se em fundamento para pretensões com esteio no uso indevido das algemas, encorajando, assim, futuras demandas.
As manifestações de poder anteriormente explicitadas situam-se, pela recorrência, menos na categoria das exceções do que no campo da habitualidade. Desconjuntam a função legislativa do poder que, por natureza política, a deveria deter, consequentemente esvaziando-o. Tais circunstâncias redundam em franca dissimetria entre os poderes constitucionais.
Por certo, seria leviano omitir que o Poder Legislativo tem contribuído para esse quadro de desarmonia, por peremptoriamente negligenciar suas atribuições constitucionais, amiúde relegando a deliberação sobre questões polêmicas a outras instâncias estatais. Talvez exatamente por antever essa possibilidade o constituinte tenha se antecipado e disponibilizado mecanismos como o mandado de injunção (art. 5º, inciso LXXI), a ação declaratória de inconstitucionalidade por omissão (§ 2º do art. 103) e a arguição de descumprimento de preceito fundamental (art. 103, § 1º). Tais ferramentas poderiam ser suficientes para remediar a inércia legislativa, contanto que o próprio Supremo Tribunal Federal as houvesse munido da necessária eficácia.
3.2 A atuação disfuncional do Supremo Tribunal Federal no plano vertical
A ampliação do horizonte de atuação do Supremo Tribunal Federal guarda estreita relação com a sobrelevação da Corte com relação às demais instâncias do Poder Judiciário. Essa projeção é diretamente proporcional à intensificação das disposições constitucionais. Porque mais minuciosa a Constituição, maior o alcance jurisdicional do órgão. Restará, consequentemente, alargada sua natural ascendência, desfocando a competência das demais instâncias judiciais, sejam monocráticas, sejam colegiadas. A aptidão de avocar a si o insustentável poder de judicar sobre qualquer tema, inclusive com atípico efeito normativo, praticamente exaure as atribuições das demais alçadas jurisdicionais.
A factibilidade dessa extrema concentração não é ensejada apenas pelas ações diretas de constitucionalidade e pelas súmulas vinculantes, mas reforçada pela reclamação (art. 102, inciso I, alínea l) e pelo recurso extraordinário (art. 102, inciso III). Copiosa nessas ferramentas se encontra a especial coloração constitucional atribuível a qualquer matéria, que, assim revestida, ingressa na competência do Supremo Tribunal Federal. Nitidamente, inexiste fórmula objetiva que assegure classificar determinada matéria como constitucional ou despida desse especial significado. Subjetivismos que porventura adestrem essa deliberação são, portanto, latentes. A depender da qualidade da fundamentação, uma irrelevante briga de cães pode ser reputada constitucional, enquanto a incidência de um tributo federal pode receber outra qualificação. A vagueza da locução repercussão geral, enquanto pressuposto de admissibilidade ou de conhecimento do recurso extraordinário (§ 3º do art. 103 da Constituição Federal), é permissiva de ilações imprevisíveis.
Desse contexto, há condições de conjecturar sobre algumas disfunções que exaurem, ao final, a legitimidade das decisões judiciais. A ciência jurídica reconhece amplamente que a sentença ou o acórdão estabelece a regra do caso concreto.(35) É manifesto, por conseguinte, o elemento interpretativo que compõe a decisão, enriquecido por inimagináveis fatores a interferir nesse processo de composição. E se, por um lado, pode causar imprevisibilidade quanto à solução jurídica a ser proposta, de outro, proporciona maior diversidade de argumentos a instruir a construção dessa resposta.
Pois a centralização das decisões pode conduzir a situações paradoxais. Em país de dimensões continentais, o tratamento genérico dos casos pode determinar soluções indiscutivelmente inábeis e em desconformidade à própria Constituição Federal. Quando o requisito para concessão de alguma prestação estatal dependa da verificação da disponibilidade econômica do requerente, são variáveis seus componentes. Assim, v.g., no caso do benefício assistencial,(36) cujo pressuposto é a constatação da miserabilidade, são distintos os critérios de avaliação. Os ingredientes relacionados à composição da dieta mínima individual variam regionalmente, assim como são díspares os valores necessários para tratamento medicamentoso. Descurar dessa realidade implica tornar inócuo o mandamento constitucional da assistência.(37)
Outro efeito negativo colhido da concentração é a restrição de acesso ao palco da deliberação, o qual se desloca à capital federal. A participação das partes, enquanto elemento indispensável para correta apreensão da controvérsia,(38) termina relegada. E é notória a indisponibilidade de significativa parcela populacional para se dirigir diretamente ao Supremo Tribunal Federal. Tampouco institutos processuais como as audiências públicas ou o amicus curiae – em outros contextos, de incriticável pertinência – são capazes de reverter essa insuficiência. O regular encaminhamento da demanda, mediante passagem pelas diversas instâncias componentes do iter formador do juízo natural, permite melhor amadurecimento da análise fática. Alcançando o Supremo, o colegiado disporá de todos esses elementos sem desmerecimento da necessária interação dos litigantes. Mas, na medida em que preconizado tratamento generalizado, será inegável o prejuízo sob essa ótica.
Acentua-se a possibilidade de indesejável tratamento generalizado a partir da repercussão geral, em conformidade à sua sistemática processual.(39) Com efeito, na hipótese em que “houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica controvérsia, a análise da repercussão geral” será submetida à seleção, pelos colegiados de origem (Tribunais, Turmas de Uniformização e Turmas Recursais), de “um ou mais recursos representativos da controvérsia” para encaminhamento ao Supremo Tribunal Federal, restando sobrestados os demais até resolução definitiva. Acaso não constatada a repercussão geral, os processos sobrestados deverão ser julgados nos respectivos colegiados de origem; porém, admitida a existência de repercussão geral e julgado o mérito do recurso extraordinário, poderão ser considerados prejudicados ou submetidos à retratação.
Nessa linha, na hipótese de o Supremo admitir a repercussão geral sobre determinado tema, após seleção de representativos da controvérsia, exemplificativamente, pelo Tribunal de um Estado da federação, todos os demais deverão aguardar a manifestação daquela Corte. Se reconhecida a repercussão geral e julgado o mérito do extraordinário, haverá indevida supressão de instância, visto que os demais pretórios serão alijados do processo decisório.(40) Eufemisticamente, poderão até julgar os processos; os seus resultados, no entanto, serão adiante adequados pelo Supremo à sua própria orientação.
Por derradeiro, não há que se descurar do princípio constitucional da celeridade processual (art. 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal). O reconhecimento descomedido de repercussão geral pode congestionar a regular tramitação dos demais processos no Supremo Tribunal Federal. A propósito, cumpre notar que há razoável quantidade de temas com repercussão geral reconhecida. Grosso modo, na suposição de que a Corte necessite de dia único para deliberar sobre cada assunto, a agenda deverá consumir pelo menos quinze meses, considerados finais de semana e feriados!(41) Isso sem considerar suas demais atribuições. De qualquer modo, duas indagações se impõem. Primeiro, é preciso questionar se haverá, de fato, tantas matérias que dependam de solução universal. Em caso positivo, impende indagar se essa repercussão geral não recomendaria prévia atuação legislativa, pelo poder constitucionalmente incumbido de estabelecer regras gerais. De todo modo, independentemente dessas inquirições, urge destacar a incongruência, com relação ao preceito fundamental da razoável duração do processo, havida em relação a matérias socialmente sensíveis que permanecerão aguardando indefinidamente por soluções que poderiam ser alcançadas pelo juízo natural.
Conclusões
Mesmo que permaneça suscetível a enquadramentos perfilados pelos estamentos mais conservadores da sociedade brasileira, é indiscutível que a Constituição Federal de 1988 desencadeou perceptíveis melhoramentos em benefício dos mais diversos segmentos sociais, especialmente daqueles setores alheios às legítimas relações de poder. O efeito socialmente inclusivo por ela produzido é inteligível mesmo aos mais resistentes.
Esse reconhecimento, contudo, não importa admitir que o Estado Constitucional, sem embargo de seus incrementos, prescinda de aprimoramento. Há carências de atuação insofismáveis. Nesse ponto, toda amplificação, reelaboração ou transformação que tenha por propósito a sofisticação de seu funcionamento é cobiçável. O disciplinamento – em parte original, em parte derivado de reforma – do exercício da jurisdição constitucional parece imbuído dessa finalidade. Os efeitos decursivos dessa novel ordenação é que não se afiguram alvissareiros, particularmente frente a posturas imoderadas. O regime constitucional permite-as. A despeito disso, recomenda-se contenção, ainda assim sob risco de desequilíbrio.
Noutras palavras, ainda que reflexamente estimulado pelo sistema constitucional, deve o Supremo Tribunal Federal abster-se de práticas mais ativas, especialmente recusando tarefas de cunho eminentemente legiferante. O eventual imobilismo, não afetado pelo aconselhado refreamento, pode ser menos prejudicial que a dissintonia institucional ocasionada pela interveniência. Isso pelo menos até que exista suficiente consenso que prescreva devida reforma constitucional que circunscreva o papel do Supremo Tribunal Federal tão somente à jurisdição constitucional, com as reconhecidas obtemperações que seu exercício exige. Enquanto permanecer com competência em outras áreas, a probabilidade de enviesada atuação em detrimento dos demais poderes republicanos ou órgãos judicantes é concreta, quando não efetivamente demonstrável.
Em última análise, não se descarta a possibilidade de, em não operadas as necessárias correções para restabelecimento da correlação de forças, ao invés de estabilizar-se o sistema constitucional, restarem estimuladas invectivas em desfavor da jurisdição constitucional. Esta, ao fim e ao cabo, correrá o perigo de ser asfixiada, de modo que todos os avanços até então obtidos sobrem desprezados. Enfim, é absolutamente imprudente não atentar para que a anunciada vacuidade legislativa de hoje não se converta em vacuidade judicial amanhã.
Referências bibliográficas
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CAPPELLETTI, Mauro. O controle judicial de constitucionalidade das leis no Direito Comparado. 2. ed. Traduzido por Haroldo Plínio Gonçalves. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1992.
COSTA, Gerson Godinho da. O princípio constitucional do contraditório como pressuposto de legitimação da atividade jurisdicional. In: HIROSE, Tadaaqui; SOUZA, Maria Helena Rau de. Curso modular de Direito Processual Civil. Florianópolis: Conceito, 2011. p. 13-37.
FREITAS, Juarez. A melhor interpretação constitucional “versus” a única resposta correta. In: SILVA, Virgílio Afonso da (org.). Interpretação constitucional. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 317-356.
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SECONDAT, Charles-Louis de (Barão de Montesquieu). Do espírito das leis. São Paulo: Nova Cultural, 2000. v. 1. (Os Pensadores).
VIEIRA, Oscar Vilhena. Supremocracia. Revista de Direito do Estado. Rio de Janeiro, a. 3, n. 12, p. 55-75, out./dez. 2008.
Notas
1. ARISTÓTELES. A Constituição de Atenas. Ed. bilíngue. Traduzido por Francisco Murari Pires. São Paulo: Hucitec, 1995. p. 15 et. seq.
2. Na precisa definição de Canotilho, “Constitucionalismo é a teoria (ou ideologia) que ergue o princípio do governo limitado indispensável à garantia dos direitos em dimensão estruturante da organização político-social de uma comunidade. Nesse sentido, o constitucionalismo moderno representará uma técnica específica de limitação do poder com fins garantísticos. O conceito de constitucionalismo transporta, assim, um claro juízo de valor” (CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 6. ed. Coimbra: Almedina, 2002. p. 51).
6. Ainda conforme Canotilho: “Em uma outra acepção – histórico-descritiva –, fala-se em constitucionalismo moderno para designar o movimento político, social e cultural que, sobretudo a partir de meados do século XVIII, questiona, nos planos político, filosófico e jurídico, os esquemas tradicionais de domínio político, sugerindo, ao mesmo tempo, a invenção de uma nova forma de ordenação e fundamentação do poder político” (Idem, p. 52).
8. Os direitos fundamentais, ao longo da contínua e irreversível marcha da História, submeteram-se a modificações concernentes ao conteúdo, à titularidade, à eficácia e à efetivação. O conjunto de alterações tem sido designado como gerações ou dimensões dos direitos fundamentais (SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 4. ed., rev. atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p. 53).
9. BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito: o triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil. Direito Federal: Revista da Ajufe. Brasília, a. 23, n. 82, out./dez. 2005, p. 115.
10. CAPPELLETTI, Mauro. O controle judicial de constitucionalidade das leis no Direito Comparado. 2. ed. Traduzido por Haroldo Plínio Gonçalves. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1992. p. 115 et. seq.
11. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 112.
13. SECONDAT, Charles-Louis de. Do espírito das leis. São Paulo: Nova Cultural, 2000. p. 202. Tal erudito ficou mais conhecido pelo título de Barão de Montesquieu. Por essa razão, este, mais frequente, será utilizado em detrimento do nome verdadeiro, menos conhecido.
14. Idem, p. 199 et. seq.
15. RODRIGUES, Leda Boechat. A Corte de Warren. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991. p. 19.
16. Conforme Leda Boechat: “A decisão era tão revolucionária, envolvia em seu bojo o comando de uma tal mudança social que a Corte não se animou a descer, de imediato, às consequências práticas de sua proclamação, lançada quase como um postulado teórico” (Idem, p. 21).
17. Com a decisão Brown v. Board of Education of Topeka, a Suprema Corte norte-americana considerou, “em um acórdão retumbante, que as escolas ‘iguais, mas separadas’, para os negros, segundo acórdão de 1866, não satisfaziam as exigências da cláusula de igual proteção das leis da 14ª Emenda, e que a discriminação racial nas escolas públicas era inconstitucional” (Idem, ibidem).
18. Note-se essa precisa síntese de Leda Boechat, ainda em comentários a Brown v. Board of Education of Topeka: “No dia 17 de maio de 1954, sem que tivesse havido reforma constitucional, sem que nenhuma lei do Congresso ou ato do Presidente houvesse trazido qualquer alteração à Constituição ou ao sistema legal vigente, a Suprema Corte encarou um dos principais problemas atuais dos Estados Unidos, o da educação” (Idem, ibidem). Mais adiante será examinado o comportamento do Supremo Tribunal Federal a respeito.
19. Afirma com extrema propriedade Juarez Freitas que a hermenêutica não opera “a régua e compasso” (FREITAS, Juarez. A melhor interpretação constitucional “versus” a única resposta correta. In: SILVA, Virgílio Afonso da (org.). Interpretação constitucional. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 319).
20. Professa Oscar Vilhena Vieira: “Ao Supremo Tribunal Federal foram atribuídas funções que na maioria das democracias contemporâneas estão divididas em pelo menos três tipos de instituições: tribunais constitucionais, foros judiciais especializados (ou simplesmente competências difusas pelo sistema judiciário) e tribunais de recursos de última instância” (VIEIRA, Oscar Vilhena. Supremocracia. Revista de Direito do Estado. Rio de Janeiro, a. 3, n. 12, out./dez. 2008, p. 62).
21. Empregando o apropriado termo supremocracia, Oscar Vilhena Vieira sintetiza o panorama da atual situação constitucional: “A hipótese fundamental deste texto é que esse perceptível processo de expansão da autoridade dos tribunais ao redor do mundo ganhou, no Brasil, contornos ainda mais acentuados. A enorme ambição do texto constitucional de 1988, somada à paulatina concentração de poderes na esfera de jurisdição do Supremo Tribunal Federal, ocorrida ao longo dos últimos vinte anos, aponta para uma mudança no equilíbrio do sistema de separação de poderes no Brasil. O Supremo, que, a partir de 1988, já havia passado a acumular as funções de tribunal constitucional, órgão de cúpula do Poder Judiciário e foro especializado (...)” (Idem, p. 59).
22. A singela transcrição do dispositivo constitucional que trata da competência do Supremo Tribunal Federal é suficientemente ilustrativa, dispensando digressões a respeito da sua extensão. Em conformidade ao art. 102 da Constituição, “Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I – processar e julgar, originariamente: a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal; b) nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República; c) nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, ressalvado o disposto no art. 52, I, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente; d) o habeas corpus, sendo paciente qualquer das pessoas referidas nas alíneas anteriores; o mandado de segurança e o habeas data contra atos do Presidente da República, das Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, do Tribunal de Contas da União, do Procurador-Geral da República e do próprio Supremo Tribunal Federal; e) o litígio entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e a União, o Estado, o Distrito Federal ou o Território; f) as causas e os conflitos entre a União e os Estados, a União e o Distrito Federal, ou entre uns e outros, inclusive as respectivas entidades da administração indireta; g) a extradição solicitada por Estado estrangeiro; h) (revogado pela Emenda Constitucional nº 45/2004); i) o habeas corpus, quando o coator for Tribunal Superior ou quando o coator ou o paciente for autoridade ou funcionário cujos atos estejam sujeitos diretamente à jurisdição do Supremo Tribunal Federal, ou se trate de crime sujeito à mesma jurisdição em uma única instância; j) a revisão criminal e a ação rescisória de seus julgados; l) a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões; m) a execução de sentença nas causas de sua competência originária, facultada a delegação de atribuições para a prática de atos processuais; n) a ação em que todos os membros da magistratura sejam direta ou indiretamente interessados, e aquela em que mais da metade dos membros do tribunal de origem estejam impedidos ou sejam direta ou indiretamente interessados; o) os conflitos de competência entre o Superior Tribunal de Justiça e quaisquer tribunais, entre Tribunais Superiores, ou entre estes e qualquer outro tribunal; p) o pedido de medida cautelar das ações diretas de inconstitucionalidade; q) o mandado de injunção, quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição do Presidente da República, do Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, das Mesas de uma dessas Casas Legislativas, do Tribunal de Contas da União, de um dos Tribunais Superiores, ou do próprio Supremo Tribunal Federal; r) as ações contra o Conselho Nacional de Justiça e contra o Conselho Nacional do Ministério Público; II – julgar, em recurso ordinário: a) o habeas corpus, o mandado de segurança, o habeas data e o mandado de injunção decididos em única instância pelos Tribunais Superiores, se denegatória a decisão; b) o crime político; III – julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida: a) contrariar dispositivo desta Constituição; b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição; d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal. § 1º A arguição de descumprimento de preceito fundamental, decorrente desta Constituição, será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma da lei. § 2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. § 3º No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros”.
23. Atentando apenas para o foro privilegiado, Oscar Vilhena Vieira alerta para o fato de que o “Tribunal não está equipado para analisar pormenorizadamente fatos, e, mesmo que ampliasse sua capacidade institucional para fazê-lo, seu escasso tempo seria consumido em intermináveis instruções criminais, desviando-o de suas responsabilidades mais propriamente constitucionais” (Ob. cit., p. 64). Nesse ponto, cabe destacar o congestionamento da agenda do Supremo Tribunal Federal por força do julgamento da Ação Penal nº 470, atinente ao que ficou notoriamente conhecido por processo do “Mensalão”.
25. A crítica deste ensaio não ingressa no exame do segundo critério utilizado pelo doutrinador, a distinção de natureza por ele apregoada.
26. Nesse ponto, a Constituição Federal ampliou significativamente o rol de legitimados para a propositura da ação direta de inconstitucionalidade. Dispõe o caput do art. 103: “Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade: I – o Presidente da República;II – a Mesa do Senado Federal; III – a Mesa da Câmara dos Deputados; IV – a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; V – o Governador de Estado ou do Distrito Federal; VI – o Procurador-Geral da República; VII – o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; VIII – partido político com representação no Congresso Nacional; IX – confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional”.
27. Desnecessário ser exaustivo. A menção dos números de três anos recentes é assaz esclarecedora para o que se pretende afirmar. Em 2010, foram distribuídas 134 ADIns; em 2011, 165; e, finalmente, em 2012, 159 (dados colhidos no sítio oficial do Supremo Tribunal Federal em 08.05.2013: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?
servico=estatistica&pagina=pesquisaClasse).
28. “Uma das maiores idiossincrasias desse julgamento foi o fato de que a minoria no plenário, já derrotada por aqueles que entendiam que a lei era constitucional em sua totalidade, obstinadamente buscou que fossem incluídas na sentença (sic) medidas de caráter legislativo, que restringiriam enormemente a eficácia da legislação. Os Ministros Carlos Alberto Direito e Antonio Carlos Peluso, invocando a doutrina da interpretação conforme à Constituição, propunham a criação de mecanismos mais rigorosos para a fiscalização das pesquisas com células-tronco. As proposições de cunho legislativo que se buscava inserir na decisão, barradas energicamente pelos Ministros Celso de Mello e Marco Aurélio, sugerem duas coisas: em primeiro lugar, uma óbvia ambição legislativa, por parte da minoria; em segundo lugar, uma exploração da teleaudiência como espaço para realização de um discurso, que apenas poderia ter consequências políticas, uma vez que a sorte jurídica do caso já se encontrava selada.” (Ob. cit., p. 69-70)
30. Idem, ibidem. Após análise de ambos os arestos, arremata o doutrinador: “Independentemente de nossa posição sobre o acerto ou o erro do Supremo Tribunal Federal no julgamento desses casos, o que parece claro é que o Tribunal passou a se enxergar como dotado de poder constituinte reformador, ainda que a promoção das mudanças constitucionais não se dê com a alteração explícita do texto da Constituição” (Idem, p. 72).
31. “Não irei aqui entrar no mérito político da decisão. Se esta beneficiou ou não a organização do sistema político-partidário brasileiro. Mas apenas destacar o fato jurídico de que a decisão dos tribunais (TSE e STF) criou uma nova categoria de perda de mandado (sic) parlamentar, distinta daquelas hipóteses previstas no artigo 55 da Constituição Federal, que, como o próprio Ministro Celso de Mello reconheceu, constituem ‘numerus clausus’. O fato de se estar estabelecendo mais uma hipótese de perda de mandado parlamentar, evidentemente, cria um problema institucional sério: a decisão tomada pelos dois tribunais é decorrência de um processo de interpretação constitucional ou tem ela caráter legislativo (no caso específico: de natureza constitucional)? O próprio Ministro Celso de Mello irá enfrentar essa questão ao dizer que a Constituição conferiu ao Supremo ‘o monopólio da última palavra em temas de exegese das normas positivadas no texto da Lei Fundamental’, o que pode ser interpretado como uma leitura fiel do artigo 102 da Constituição. O ministro, no entanto, vai além ao adotar em seu voto as seguintes palavras de Francisco Campos: ‘A Constituição está em elaboração permanente nos tribunais incumbidos de aplicá-la (...). Nos tribunais incumbidos da guarda da Constituição, funciona, igualmente, o poder constituinte’. Este certamente é um passo muito grande, no sentido de conferir poderes legislativos, eventualmente de reforma constitucional, ao Tribunal” (Idem, p. 71).
32. “Contra a denegação do pedido de progressão insurgem-se inúmeros condenados, vindo o Supremo a apreciar a Reclamação nº 4335. Após uma detalhada e sofisticada argumentação, o Ministro relator busca demonstrar que o sistema de controle de constitucionalidade brasileiro vem passando por um longo processo de mutação, marcado pela ampliação da importância do sistema de controle concentrado em detrimento do controle difuso. Nesse sentido, especialmente após a introdução do efeito vinculante em nosso sistema jurídico, a regra do artigo 52, X, ficou destituída de maior significado prático, tendo, portanto, ocorrido ‘uma autêntica reforma da Constituição sem expressa modificação do texto’. Essa mutação, evidentemente, consubstancia-se em novo direito constitucional, na medida em que é avalizada pelo Supremo Tribunal Federal.” (Idem, p. 72)
33. “Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.”
34. Redação conferida pelo art. 103-A, inserido pela Emenda Constitucional nº 45/2004.
35. Pontifica Humberto Ávila que as normas “não são textos nem o conjunto deles, mas os sentidos construídos a partir da interpretação sistemática de textos normativos” (ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 22). Em consequência, “os dispositivos se constituem no objeto da interpretação; e as normas, no seu resultado” (Idem, ibidem).
36. O benefício assistencial encontra-se disciplinado nos artigos 20 e 21 da Lei nº 8.742/93, com importantes alterações determinadas pela Lei nº 12.435/2011.
37. Art. 203 da Constituição Federal.
38. É sempre almejada a maior intervenção possível das partes como mecanismo de fundamentação democrática do Poder Judiciário. A propósito do assunto: COSTA, Gerson Godinho da. O princípio constitucional do contraditório como pressuposto de legitimação da atividade jurisdicional. In: HIROSE, Tadaaqui; SOUZA, Maria Helena Rau de. Curso modular de Direito Processual Civil. Florianópolis: Conceito, 2011. p. 14 et. seq.
39. Art. 543-B do Código de Processo Civil, incluído pela Lei nº 11.418/2006.
40. Com extrema acuidade, Oscar Vilhena Vieira propõe que a Corte dedique-se exclusivamente à jurisdição constitucional. Confere que tal “não significa adotar o modelo europeu de controle de constitucionalidade, mas sim dar seguimento a nossa experimentação institucional, que compõe o sistema difuso com o concentrado. Com a arguição de repercussão geral, o efeito vinculante e a súmula vinculante, o Supremo terá condição de redefinir sua própria agenda e passar a utilizar o sistema difuso como instrumento de construção da integridade do sistema judiciário e promoção do interesse público. Definitivamente não é necessário analisar cada recurso extraordinário e muito menos cada agravo de instrumento que chega ao Tribunal, todos os dias. Ao restringir sua própria jurisdição, ao se autoconter, o Supremo estaria ao mesmo tempo reforçado a sua autoridade remanescente e, indiretamente, fortalecendo as instâncias inferiores, que passariam, com o tempo, a ser últimas instâncias, nas suas respectivas jurisdições. É preocupante a posição de subalternidade a que os tribunais de segunda instância foram relegados no Brasil, a partir de 1988, quando as suas decisões passaram a ser invariavelmente objeto de reapreciação” (Ob. cit., p. 74).
41. Contabilizados os processos julgados e pendentes de julgamento, observa-se que foram admitidos em repercussão geral 456 assuntos (dados colhidos no sítio oficial do Supremo Tribunal Federal em 08.05.2013: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=
jurisprudenciaRepercussaoGeral&pagina=numeroRepercussao).
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