Proposições alternativas ao processo judicial de execução fiscal

Autora: Ana Paula Martini Tremarin Wedy

Juíza Federal Substituta

 publicado em 29.08.2014



Resumo

A execução fiscal representa um terço dos 92,2 milhões de processos judiciais que tramitam no Brasil, alcançando o expressivo número de 29,3 milhões de processos, o que evidentemente gera grande impacto sobre o congestionamento judicial.  Pesquisas realizadas a pedido do Conselho Nacional de Justiça evidenciam a necessidade de revisão do modelo de execução fiscal previsto na Lei nº 6.830/1980, o qual propicia sobremaneira o estrangulamento do Poder Judiciário, o protelamento e o não pagamento da dívida pública e a certeza de impunidade aos maus pagadores. Assim, defende-se a adoção de algumas medidas necessárias à eficácia e à eficiência da execução fiscal.

Palavras-chave: Execução fiscal. Desjudicialização. Competência. Valor mínimo. Custo-benefício.
 
Sumário: Introdução. 1 Execução fiscal em números. 2 Proposições alternativas ao processo judicial de execução fiscal. 2.1 Desjudicialização de atos da execução fiscal. 2.2 Extinção da delegação da competência federal. 2.3 Exigência de um patamar mínimo para execuções ajuizadas pelos conselhos de fiscalização de atividades profissionais. Conclusão. Referências bibliográficas.

Introdução

Atualmente a execução fiscal é o modelo disponível à Fazenda Pública da União, dos Estados, do Distrito Federal e das suas autarquias e fundações de direito público para cobrar os débitos inscritos na dívida ativa, tenham eles natureza tributária ou não.  Não obstante, o processo de execução fiscal é ajuizado de forma incondicionada, não se exige qualquer tentativa de conciliação prévia, análise sobre a localização do devedor, viabilidade da cobrança e da existência de bem penhorável.

Em atenção a esse problema, tramitam no Poder Legislativo algumas propostas de alteração da Lei nº 6.830/1980, dentre as quais se destaca o PL nº 5.080/2009, que, quando aprovado for, transferirá para a fase administrativa a necessária identificação do devedor e dos bens e direitos passíveis de penhora, a constrição desses bens e a análise de indícios de movimentação financeira ou atividade produtiva do executado que justifique o ajuizamento da execução fiscal.

O projeto dessa lei foi elaborado pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, pelo Conselho da Justiça Federal e por acadêmicos da área jurídica, como resultado de vários meses de trabalho e discussões com vários setores da sociedade, da administração tributária e do Poder Judiciário. A novel legislação permitirá a integração da fase administrativa de cobrança do crédito público com a subsequente fase judicial, evitando a duplicidade de atos e reservando ao exame e à atuação do Poder Judiciário apenas as demandas que, sem solução extrajudicial, tenham alguma base patrimonial para a execução forçada.(1)

Outrossim, outras soluções ao uso racional da via jurisdicional e à promoção da eficiência e da eficácia das execuções fiscais não podem ser descuradas, como, por exemplo, a extinção da delegação da competência da Justiça Federal para a Justiça Estadual, a exigência de um patamar mínimo legal e outras imposições ao ajuizamento das execuções ajuizadas pelos conselhos de profissão.

1 Execução fiscal em números

Conforme a nona edição do Relatório Justiça em Números do Conselho Nacional de Justiça, o principal desafio ao Poder Judiciário é resolver o crescente número de processos judiciais em tramitação, cujo aumento foi de 10,6% nos últimos quatro anos, atingindo 92,2 milhões em 2012, sendo desse número 28 milhões relativos a casos novos.

A quantidade de execuções fiscais em tramitação corresponde a 32% do total de 92,2 milhões de ações no Judiciário, sendo que 29,3 milhões são execuções fiscais, dentre as quais aproximadamente 25,6 milhões tramitam na Justiça Estadual, com taxa de congestionamento de 89%, superior a todas as outras classes. Na Justiça Federal, tramitam mais de 3,5 milhões de execuções fiscais, com semelhante taxa de congestionamento.(2)

Consta nas considerações finais do referido relatório do CNJ:

“A análise da série histórica traz à tona, novamente, o peso exercido pelos processos de execução fiscal, que representam 40% do estoque de processos pendentes e apenas 13% dos casos novos. A principal dificuldade consiste na redução do estoque dos processos de execução fiscal, visto que, mesmo com esforços empreendidos em 2011 e 2012 para aumentar o número de processos baixados, o quantitativo de processos em tramitação permanece subindo. A taxa de congestionamento na execução fiscal é de 89%, ou seja, de cada 100 processos em tramitação, 11 são baixados no decorrer do ano. Além disso, 8% dos processos de execução fiscal em tramitação foram sentenciados em 2012.”(3)

No que tange ao estoque da dívida ativa da União, consta na exposição de motivos do PL nº 5.080/2009 que já ultrapassa a cifra de R$ 600 bilhões e, uma vez incorporado o que ainda está em litígio administrativo, tem-se a impressionante cifra de R$ 900 bilhões. Ainda, no mesmo documento, há a informação de que, no que concerne à eficácia da execução judicial da dívida ativa da União, essa via é responsável por menos de 1% da satisfação do crédito.

No intuito de obter um real panorama da situação das milhares de execuções fiscais que tramitam no Poder Judiciário, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a Diretoria de Estudos e Políticas do Estado, das Instituições e da Democracia (Diest/Ipea) e o Departamento de Pesquisas Judiciárias (DPJ/CNJ) firmaram o Acordo de Cooperação Técnica nº 26/2008, a fim de realizar um estudo em que fosse constatado o custo unitário do processo de execução fiscal na Justiça Federal em 2011, o qual resultou no Comunicado do Ipea n° 83.  Essa pesquisa analisou 1.510 processos de execução fiscal com baixa definitiva no ano de 2009 em 184 varas da Justiça Federal de 1º Grau em 124 cidades, as quais foram visitadas por pesquisadores do Ipea entre julho e setembro de 2010.  

Os resultados espelham a total inaptidão do modelo de execução da dívida pública. Segundo o estudo, cada execução fiscal tem duração média de oito anos e dois meses, sendo que somente a citação do devedor leva cinco anos para ser realizada, e a penhora de algum bem, pelo menos mais um ano. O mais surpreendente é que apenas a localização do patrimônio do devedor para a satisfação do crédito público tem duração média seis anos.

Algumas estatísticas apontadas pelo Ipea permitem traçar a origem do problema e por isso serão mencionadas. No que concerne aos autores das ações de execução, a União aparece como autora, direta ou indiretamente, de apenas 59,2% do total de ações de execução fiscal, sendo que a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) representa somente 50,3% do volume de processos baixados. Ainda, constatou-se que os conselhos de fiscalização das profissões liberais aparecem como grandes usuários dos procedimentos de execução fiscal na Justiça Federal, representando 36,4% do volume de baixas.

No que tange aos executados, concluiu-se que as execuções fiscais contra pessoas físicas representam 39,5%; em relação ao total patrocinado contra pessoas jurídicas, 60,5%.

O principal objeto das execuções fiscais são as taxas de fiscalização, mensalidades e anuidades cobradas pelos conselhos de fiscalização das profissões liberais, representam 37,3%, seguidas de impostos federais (27,1%), contribuições sociais federais (25,3%) e outras verbas destinadas à União, como multas, aforamentos, laudêmios e obrigações contratuais diversas (10,1%).

O valor médio cobrado nas ações de execução fiscal é de R$ 22.507,51. Enquanto os executivos fiscais de autoria da PGFN apresentam um valor médio de R$ 26.303,81, os conselhos de fiscalização das profissões liberais movimentam o aparato jurisdicional do Estado em busca de somente R$ 1.540,74.

O custo médio de um processo de execução fiscal é de R$ 4.368,00, e, incluindo os recursos e embargos, pode chegar a R$ 4.685,39. 

O fator mais aberrante e que por si só demonstra a ineficiência do modelo de cobrança adotado é que apenas três quintos dos processos de execução fiscal conseguem ultrapassar a fase de citação. A probabilidade de o executivo fiscal obter êxito ou fracassar absolutamente é quase idêntica. O grau de sucesso das ações de execução fiscal é relativamente alto, uma vez que, em 33,9% dos casos, a baixa ocorre em virtude do pagamento integral da dívida, índice que sobe para 45% nos casos em que houve citação pessoal.

Ainda, 27,7% das execuções são extintas por prescrição ou decadência, e 64,4% dos executados que aderem a programas de parcelamento cumprem integralmente com as obrigações pactuadas.

A arrecadação média dos executivos fiscais é de R$ 23.751,18 em principal e R$ 100,83 em custas judiciais. Enquanto as ações de autoria da PGFN extintas por pagamento arrecadam em média R$ 36.057,25 em principal e R$ 191,43 em custas judiciais, os executivos fiscais propostos pelos conselhos de fiscalização das profissões liberais resultam na arrecadação média de R$ 1.228,16 em principal e R$ 15,93 em custas judiciais.

No que se refere à defesa dos executados, tem-se que 4,4% apresentam objeção de pré-executividade, a qual é julgada favoravelmente ao devedor em 0,3% dos casos. Apresentam embargos apenas 6,5% dos executados, os quais obtem ganho de causa em 1,3% dos casos. Assim, a taxa de sucesso das objeções de pré-executividade é de 7,4%, enquanto a dos embargos é de 20,2%.

Esses números apontados pela pesquisa do Ipea revelam a ineficiência e a ineficácia do modelo processual da execução fiscal, que mais se presta a abarrotar o Poder Judiciário de processos que, em sua grande maioria, serão extintos sem a recuperação de ativos, incentivando uma cultura de protelamento e não pagamento de tributos no país.

2 Proposições alternativas ao processo judicial de execução fiscal

2.1 Desjudicialização de atos da execução fiscal

O Conselho Nacional de Justiça cometeu à Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Fadufrgs uma pesquisa a fim de estudar as inter-relações entre o processo administrativo e o judicial na esfera fiscal, a partir do estudo dos contenciosos cuja solução deveria ser tentada previamente na esfera administrativa, enfocando, sobretudo, o aspecto da duplicidade de instâncias.(4)

Essa pesquisa, realizada entre fevereiro e dezembro de 2010, investigou o efeito da duplicidade de instâncias para a efetivação da justiça e das relações fisco-contribuinte, bem como analisou o efeito dessa duplicidade para a economicidade e a eficiência do poder público na realização da segurança jurídica e da justiça.

Os pesquisadores ao final apresentaram três propostas visando à melhoria da atuação jurisdicional brasileira em relação à matéria administrativa fiscal:

1) Instituir melhorias na instância administrativa, exigindo a obrigatoriedade de as questões tributárias e administrativas serem submetidas à apreciação dos organismos julgadores administrativos antes de serem levadas à jurisdição judicial; declarar a impossibilidade de os órgãos administrativos se absterem de resolver qualquer reclamação recebida; impor à instância administrativa prazo para resolver seus processos (possivelmente um ano); realizar a apreciação administrativa por alçadas (pelo valor da contenda, estabelecendo procedimentos processuais sumários e comuns); selecionar os membros julgadores administrativos por concurso público; proibir a reformatio in pejus (os órgãos jurisdicionais administrativos deverão julgar as lides dentro dos limites e das pretensões formuladas pelas partes) e, por fim, instituir a obrigatoriedade de apreciação de provas praticadas no procedimento administrativo dentro do processo judicial.

2) Converter a atual instância administrativa tributária em órgão julgador de 1ª instância, que faria coisa julgada quanto aos fatos, sendo os eventuais recursos encaminhados aos tribunais judiciais competentes (Tribunais Regionais Federais ou Tribunais de Justiça), a exemplo do modelo americano em que há o direito constitucional ao recurso. Acresce-se que, ao órgão jurisdicional, caberia apenas a revisão das questões de direito. Para tanto, seria necessário prover os órgãos julgadores administrativos de cargos de vogais administrativos, por via de provimento por concurso público e, a fim de garantir imparcialidade e independência, retirar esses órgãos da hierarquia do Ministério ou das Secretarias da Fazenda.

3) Separar as jurisdições, criando dois novos órgãos no Poder Judiciário brasileiro: 1) Os Tribunais Tributários Federais e Juízes Tributários Federais; e 2) Os Tribunais Tributários e Juízes Tributários dos Estados e do DF e Territórios. A fim de extinguir a duplicidade ,tornar-se-ia necessário aplicar uma das três ações: (a) findar os órgãos julgadores administrativos; (b) transformá-los em órgãos julgadores de 1ª instância; ou (c) tornar essa instância administrativa obrigatória com o fim de fortalecê-la. Essa proposta, inspirada nos modelos francês e português, encontra paradigma no modelo da Justiça Eleitoral, que é um Poder Judiciário administrativo.

As propostas apresentadas pela Fadufrgs não são de pronta ou de fácil implementação, porquanto demandariam alterações legislativas, sendo que a terceira proposta demandaria uma reforma da própria organização jurisdicional prevista no art. 92 da Constituição Federal. O fato é que a pesquisa serviu para evidenciar que o modelo de duplicidade de instâncias, administrativa e judicial, deve ser revisado ou melhorado, porquanto, da forma em que se apresenta, apenas colabora para o estrangulamento e a ineficiência do Poder Judiciário, a protelação do pagamento da dívida pública por tempo indeterminado e a certeza da impunidade ao mau pagador.  

Nesta toada, seria salutar ao sistema de cobrança da dívida pública que as propostas que constam no primeiro item fossem acolhidas em sua integralidade, notadamente a necessidade de julgamento administrativo prévio à judicialização da demanda no que se refere às questões tributárias e administrativas.

Acresça-se às propostas apresentadas ser crucial à eficácia e à efetividade da execução fiscal, atribuir ao Poder Executivo a tarefa de localizar o devedor e identificar os seus bens, reservando-se ao Poder Judiciário o controle dos atos administrativos.

Nesse sentido, o Projeto de Lei nº 5.080/2009 adota proposta da transferência de procedimentos do processo judicial de execução fiscal para a esfera administrativa.(5) O novo rito prevê uma fase pré-judicial ou administrativa, que antecederá a propositura da execução fiscal. O executado será notificado da inscrição em dívida ativa e terá o prazo de 60 dias para pagamento, caso contrário, o fisco iniciará os atos de constrição preparatória.(6)

A notificação interromperá a prescrição, desobrigando a Fazenda de ajuizar execuções fiscais apenas a obstar a consumação da prescrição, como atualmente ocorre; e a prescrição será interrompida a partir da notificação administrativa, de forma que os órgãos fazendários terão tempo necessário à identificação do patrimônio penhorável do devedor, de forma a viabilizar, se for o caso, a execução forçada.(7)

O rito da execução fiscal do PL nº 5.080/2009 prevê a realização de atos de constrição sobre o patrimônio do devedor nos âmbitos administrativo e judicial.(8)

No que tange à identificação do patrimônio penhorável do devedor, o Poder Executivo poderá instituir o Sistema Nacional de Informações Patrimoniais dos Contribuintes (SNIPC), administrado pelo Ministério da Fazenda, com base nas informações gerenciadas pela Secretaria da Receita Federal, organizando o acesso eletrônico às bases de informação patrimonial de contribuintes, contemplando informações sobre o patrimônio, os rendimentos e os endereços, entre outras.

A execução fiscal deverá ser ajuizada no prazo de 30 dias, a partir da primeira constrição. O despacho do juiz que deferir a inicial importa em ordem para citação; convolação da constrição preparatória em penhora ou arresto; intimação do executado da convolação da constrição preparatória em penhora; e registro da penhora ou do arresto independentemente de custas ou despesas.

A Fazenda Pública poderá, no interesse da eficácia da execução, promover diretamente o reforço da constrição preparatória insuficiente e a substituição de bens objeto de constrição por outros, obedecida a ordem enumerada no CPC.

A constrição provisória ocorre durante a tramitação da execução e deverá ser comunicada ao juiz no prazo de cinco dias de sua efetivação, ao passo que a preparatória ocorre antes do ajuizamento da execução fiscal. Ambas são realizadas pela própria autoridade administrativa.

A constrição preparatória ou provisória de dinheiro é efetivada pela Fazenda Pública, que a determinará por intermédio da autoridade supervisora do sistema bancário. A Fazenda Pública deverá ajuizar a execução fiscal três dias após a realização da constrição preparatória sobre dinheiro, sob pena de ineficácia da constrição.

Não se pretende, no presente estudo, analisar todas as alterações que serão promovidas no processo de execução fiscal quando aprovado for o PL nº 5.080/2009, mas apenas apontar para as principais modificações em relação ao modelo atualmente vigente da Lei nº 6.830/80.

Desde logo é possível prever que, aprovada a instituição do Sistema Nacional de Informações Patrimoniais dos Contribuintes (SNIPC), haverá diversos questionamentos sobre a possibilidade ou não de acesso aos dados dos particulares sobre a guarda de instituições privadas, dada a proteção constitucional ao sigilo bancário.

No que se refere à transferência da localização do devedor e de seus bens, bem como dos atos de constrição, à fase administrativa, estima-se que tais modificações não resolverão o problema da inadimplência da dívida pública, mas indubitavelmente será um grande avanço, porquanto resta cabalmente demonstrada a total inadequação da atribuição desses atos administrativos ao Poder Judiciário.

Outrossim, urge desde logo afastar quaisquer alegações de que a atribuição dos atos de constrição ao Poder Executivo ofenderia as garantias constitucionais do devido processo legal e de seus corolários contraditório e ampla defesa (art. 5º, LIV e LV), porquanto tais garantias serão devidamente observadas no âmbito do processo administrativo.

Note-se que em nenhum momento o constituinte condicionou a privação dos bens dos particulares ao devido processo legal judicial, ou seja, não há dispositivo constitucional que institua o monopólio judiciário sobre a execução fiscal, ou que vede a privação de bens por meio de processo administrativo, desde que seja garantido ao particular o devido processo legal, em seu duplo aspecto processual e substancial, e seus corolários do contraditório e da ampla defesa. Por fim, insta recordar que o princípio constitucional da inafastabilidade do controle jurisdicional (art. 5º, inciso XXXV, da CF de 1988) é reforçado pelo legislador, ao prever o controle judicial dos atos de constrição preparatória e provisória promovidos pela Fazenda Pública.(9)

Não obstante, para que se preste ao seu desiderato, é imprescindível que não mais se mantenha a prerrogativa legal, não mais justificável, da intimação pessoal dos procuradores da Fazenda. Note-se que, na década de 80, tal prerrogativa era justificável, em face de que naquela época a defesa judicial do Estado não estava aparelhada, diferentemente do que ocorre na atualidade, em que o fisco conta com milhares de capacitados procuradores selecionados mediante difícil concurso público.(10)

Por fim, perdeu-se grande oportunidade de se exigir a tentativa de composição administrativa ou a necessidade de julgamento administrativo prévio à judicialização da demanda no que se refere às questões tributárias e administrativas fiscais.

Aliás, sobre a composição administrativa, o Projeto de Lei nº 5.082/2009 cria a Câmara Geral de Transação e Conciliação da Fazenda Nacional, para negociar administrativamente multas e juros que não ultrapassem R$ 1.000.000,00, medida que evidentemente contribuirá para a extinção do crédito tributário, porquanto atualmente os procuradores da Fazenda Nacional não possuem essa margem de flexibilidade para negociar nos processos administrativos e judiciais.

 2.2 Extinção da delegação da competência federal

A redução gradativa dos casos de delegação da competência da Justiça Federal para a Estadual em relação às execuções fiscais e às ações previdenciárias contribuirá decisivamente com a redução da taxa de congestionamento na tramitação dos processos em 1º grau de jurisdição.(11)

Nesse sentido, o acesso à justiça nos locais onde não há sede de Vara Federal poderia haver um atendimento itinerante e permanente por meio de Unidades de Atendimento Avançado – UAA, a exemplo da prática bem sucedida do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.(12)

Não obstante, em que pese seja louvável a instalação das Unidades de Atendimento Avançado, trata-se de solução paliativa, de forma que a solução que melhor se apresenta é a reforma do § 3º do art. 109 da Constituição Federal, para que fosse extinta a delegação da competência da Justiça Federal à Justiça Estadual, porquanto, em face da capilarização e da informatização atual da Justiça Federal, a regra constitucional não mais se justifica e é nociva à celeridade processual, alçada a direito fundamental pelo constituinte.(13)

Outrossim, o térrmino da competência delegada contribuirá para desafogar os Tribunais Regionais Federais, que atualmente julgam os recursos das sentenças proferidas pela Justiça Estadual no exercício da competência delegada. Nesse sentido, o índice de recursos interpostos na segunda instância da Justiça Federal é 50% maior nos casos em que as ações desse ramo do Judiciário são julgadas por juízes estaduais por meio da competência delegada.

Ainda, a pesquisa Competência delegada – Impacto nas ações dos Tribunais de Justiça, elaborada pelo Departamento de Pesquisas Judiciárias do CNJ (DPJ/CNJ) e divulgada em 2013, estudou os processos de matéria tipicamente federal, processados e julgados pela justiça estadual durante o período de 2009 a 2011, e apontou as ações da competência delegada como um dos fatores que contribuíram para a morosidade verificada no primeiro grau. Segundo o estudo, quase um terço dos processos de competência da Justiça Federal tramitou, em 2011, nos Tribunais de Justiça dos Estados, ou seja, pelo menos 27% dos 7,4 milhões de processos que, se não fosse a competência delegada, seriam apreciados e julgados pelos TRFs.(14)

Nesse aspecto, lamentável o entendimento do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a competência para a execução fiscal de dívida ativa da União e das suas autarquias é absoluta em favor do juízo estadual do domicílio do devedor, sempre que não houver Justiça Federal na comarca, podendo o juiz federal declinar de ofício da sua competência, pois vai de encontro à política do Conselho Nacional de Justiça para reduzir gradativamente os casos de delegação da competência da Justiça Federal para a Estadual.(15)

Por fim, ressalta-se que o PL nº 5.080/2009 em boa hora revoga o art. 15, inciso I, da Lei nº 5.010/60, configurando este mais um motivo para que seja urgentemente aprovado pelo Poder Legislativo.

2.3 Exigência de um patamar mínimo para execuções ajuizadas pelos conselhos de fiscalização de atividades profissionais

Os conselhos de profissões são criados por lei federal, possuem autonomia administrativa e financeira e se prestam a zelar pela observância dos princípios da ética e da disciplina da classe dos que exercem atividades profissionais afetas à sua existência. A natureza jurídica dos conselhos de fiscalização de atividades profissionais, exceto da OAB, é de autarquia federal.(16) As anuidades dos conselhos têm a mesma natureza jurídica de contribuições de interesses de categorias profissionais, consoante disposto no art. 149 da Constituição Federal.

A pesquisa do Ipea apontou que as taxas de fiscalização, mensalidades e anuidades cobradas pelos conselhos de fiscalização das profissões liberais são o principal objeto da ação de execução fiscal, representam 37,3% do total de execuções fiscais ajuizadas. Não obstante, o valor médio de R$ 1.540,74 das execuções ajuizadas pelos conselhos é muito inferior ao custo médio de R$ 4.685,39 da cobrança fiscal federal.

Desta feita, nos casos em que o crédito da autarquia for de ínfimo valor, evidentemente não se justifica o processamento das cobranças de anuidades pela via judicial, pois indubitavelmente a medida não sobrevive à análise do custo-benefício, já que o benefício eventualmente alcançável pela satisfação do crédito é inferior ao custo do processamento da ação de execução.

No que concerne aos créditos da Fazenda Nacional de pequeno valor, a execução é legalmente impossibilitada quando não corresponder a uma mínima relação custo-benefício para movimentar o aparelho judiciário (Lei nº 10.522/2002 e Portarias nº 75 e 130 de 2012 do Ministério da Fazenda).  Atualmente esse limite mínimo ao ajuizamento das execuções fiscais é de R$ 20.000,00.(17)

Neste rumo, similar requisito de admissibilidade ao aforamento das execuções fiscais promovidas pelos conselhos de profissões foi adotado no art. 8º da Lei nº 12.514/11:

"Os Conselhos não executarão judicialmente dívidas referentes a anuidades inferiores a 4 (quatro) vezes o valor cobrado anualmente da pessoa física ou jurídica inadimplente.
Parágrafo único. O disposto no caput não limitará a realização de medidas administrativas de cobrança, a aplicação de sanções por violação da ética ou a suspensão do exercício profissional."

O requisito de procedibilidade ao ajuizamento da execução fiscal está em consonância com o princípio da economicidade, previsto no art. 70 da Constituição Federal, segundo o qual a economicidade é um dos parâmetros utilizados no controle e na fiscalização das despesas públicas, fundado na ponderação de custo-benefício e na ideia de proporcionalidade entre fins e meios.

Não se olvida que as anuidades cobradas pelos conselhos constituem receita essencial à sua manutenção, porquanto não são custeados por verbas públicas. Entretanto, há que se exigir um mínimo de racionalidade no uso da prestação jurisdicional. Depreende-se que, por serem isentas do pagamento das custas judiciais, é menos oneroso para essas autarquias executarem judicialmente as anuidades em vez de tentar a cobrança amigável, independentemente do valor a ser cobrado.

O Poder Judiciário não pode ser confundido com um escritório de cobrança dessas autarquias, de forma que o legislador deveria exigir, além da judicialização do conflito apenas em casos de valores minimamente relevantes, que tais autarquias comprovassem o fracasso da cobrança dessas anuidades por outras vias. Realmente, sendo ínfima a repercussão econômica do valor executado, não se justifica seu processamento, havendo nítida carência de ação, merecendo o processo ser extinto por falta de interesse de agir, nos termos do art. 267, VI, do CPC.(18)

Outrossim, tendo em vista que os valores das anuidades variam de acordo com a profissão regulamentada, a melhor solução legal seria exigir-se um valor mínimo único aplicável a todos os conselhos, variável conforme o nível técnico ou superior. Ainda, o legislador deveria ter explicitado a suspensão do prazo prescricional de cada anuidade até que seja atingido o patamar mínimo necessário ao ajuizamento da ação,(19) bem como a aplicação da regra de procedibilidade às execuções em andamento.

No que se refere às execuções ajuizadas anteriormente à vigência da regra de procedibilidade, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento de Recurso Especial  1.404.796-SP, entendeu que o art. 8° da Lei 12.514/2011 é inaplicável às execuções ficais propostas antes da vigência do referido diploma legal. Tal solução jurisprudencial em nada colabora para o passivo das execuções fiscais, mormente se considerado que o último relatório do CNJ aponta que o grande problema desses processos é justamente o estoque, que ultrapassa 40% do total de processos pendentes.(20)

Conclusão

Evidentemente a simples aprovação do PL nº 5.080/2009 não será a redenção quanto ao problema da insolvência e da irrecuperabilidade da dívida pública. O insucesso da execução fiscal não decorre da ineficiência do Poder Judiciário, e sim do próprio modelo adotado, em que apenas três quintos dos processos de execução fiscal conseguem ultrapassar a fase de citação, e a localização do patrimônio do devedor para a satisfação do crédito público tem duração média de seis anos.

A transferência da localização do devedor e de seus bens, bem como dos atos de constrição, à fase administrativa não significará a perda de poderes do Judiciário em benefício do Poder Executivo, nem o reconhecimento da ineficiência do Poder Judiciário para a execução fiscal, mas sim a reserva ao Judiciário apenas do exame da legalidade dos atos administrativos, permitindo assim a prestação jurisdicional célere e qualificada que o contribuinte merece.

Por fim, a toda evidência, não mais se justifica a competência delegada da Justiça Federal para a Estadual em matéria tributária nem o uso irracional do Poder Judiciário na execução de dívida em que o valor sequer ultrapasse o custo do processamento da ação.

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Notas

1. Disponível em: <www.apesp.org.br/legislacao/camaraPL50802009.pdf.>. Acesso em: 28 maio 2014.

2. Conforme matéria publicada no jornal Folha de S. Paulo, em São Paulo, maior tribunal do país, o percentual é ainda mais expressivo: de quase 20 milhões de processos, 60% (12 milhões) referem-se a cobranças de dívidas pelo Estado. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2014/03/
1423526-editorial-justica-irracional.shtml>. Acesso em: 29 maio 2014.

3. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/programas-de-a-a-z/
eficiencia-modernizacao-e-transparencia/pj-justica-em-
numeros/relatorios>. Acesso em: 28 maio 2014.

4. Em conformidade com o Edital de Seleção nº 1/2009 (Item 1.5), de 16 de novembro de 2009, Contrato n° 65/2009, de 11.01.2010. Disponível em:  <http://www.cnj.jus.br/images/pesquisas-judiciarias/Publicacoes/
pesq_sintese_exec_fiscal_dpj.pdf>. Acesso em: 28 maio 2014.  

5. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=
9348D3F1386D12C1B7839C28EA4F889B.proposicoesWeb1?
codteor=648721&filename=PL+5080/2009>. Acesso em: 28 maio 2014.

6. Uma vez notificado, o executado poderá pagar, parcelar ou oferecer garantia, dispondo do prazo de 60 dias (art. 5º, caput, do PL 5.080/2009). Ultrapassado esse prazo, a Fazenda Pública inicia os atos de constrição preparatória, que estarão submetidos ao controle do Poder Judiciário (arts. 3º e 5º, § 6º, do PL 5.080/2009).

7. A  Lei nº 6.830/1980 dispõe que  o despacho do juiz que ordenar a citação interrompe a prescrição (art. 8º, § 2º, da Lei 6.830/1980 e art. 174, parágrafo único, I, do CTN). 

8. Na fase pré-judicial, a autoridade administrativa pode realizar atos de constrição preparatórios, a avaliação dos bens (art. 9º, I, do PL 5.080/2009), a intimação da constrição (art. 9º, II, do PL 5.080/2009) e o registro da constrição (art. 9º, III, do PL 5.080/2009). Todos esses atos são realizados por meio do despacho da autoridade administrativa que determina a notificação, independentemente de prévia autorização do Judiciário, ressalvados os prazos para pagamento, parcelamento, oferecimento de garantia e arguição das matérias previstas no art. 7º do PL nº 5.080/2009. Concretizada a constrição preparatória, resta vedada a alienação ou a constituição de ônus sobre o bem ou direito objeto da constrição, pelo prazo de 120 dias (art. 9º, § 2º, do PL nº 5.080/2009). A constrição preparatória poderá ser convertida em penhora ou arresto pelo Poder Judiciário no prazo de 120 dias, caso contrário os órgãos de controle ou registro de bens e direitos deverão promover automaticamente a desconstituição da constrição, comunicando imediatamente o ato ao Sistema Nacional de Informações Patrimoniais dos Contribuintes, preferencialmente por meio informatizado (art. 9º, § 3º, do PL 5.080/2009).

9. Art. 3 Os atos de constrição preparatória e provisória serão praticados pela Fazenda Pública credora, cabendo seu controle ao Poder Judiciário, na forma prevista nesta lei. No que se refere à dupla faceta do princípio do devido processo legal, entendimento do STF: “Abrindo o debate, deixo expresso que a Constituição de 1988 consagra o devido processo legal nos seus dois aspectos, substantivo e processual, nos incisos LIV e LV do art. 5º, respectivamente. (...) Due process of law, com conteúdo substantivo – substantive due process –, constitui limite ao Legislativo, no sentido de que as leis devem ser elaboradas com justiça, devem ser dotadas de razoabilidade (reasonableness) e de racionalidade (rationality), devem guardar, segundo W. Holmes, um real e substancial nexo com o objetivo que se quer atingir. Paralelamente, due process of law, com caráter processual – procedural due process –, garante às pessoas um procedimento judicial justo, com direito de defesa” (ADI 1.511-MC, voto do Min. Carlos Velloso, DJ 06.06.03).

10. Art. 28. Nos embargos à execução fiscal e em todos os incidentes judiciais relativos à execução, qualquer intimação ao representante judicial da Fazenda Pública será feita pessoalmente. Parágrafo único. A intimação de que trata este artigo será feita mediante vista dos autos, com imediata remessa ao representante judicial da Fazenda Pública, inclusive por meio eletrônico, pelo cartório ou secretaria. Igualmente não mais se justifica a prerrogativa do prazo em quádruplo para contestar e em dobro para recorrer previsto no art. 188 do CPC.

11. “Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
(...)
§ 3º – Serão processadas e julgadas na justiça estadual, no foro do domicílio dos segurados ou beneficiários, as causas em que forem parte instituição de previdência social e segurado, sempre que a comarca não seja sede de vara do juízo federal, e, se verificada essa condição, a lei poderá permitir que outras causas sejam também processadas e julgadas pela justiça estadual.”
Art. 15 da Lei no 5.010/66: “Nas comarcas do interior onde não funcionar Vara da Justiça Federal (art. 12), os Juízes Estaduais são competentes para processar e julgar
I – os executivos fiscais da União e de suas autarquias, ajuizadas contra devedores domiciliados na respectivas comarcas”.

12. O TRF da 4ª Região, de forma pioneira, criou as UAAs (Resolução 109, de 20.06.2013), sendo que atualmente são 19 unidades distribuídas entre os três Estados deste Tribunal. Tramitam hoje 25.674 processos nestas unidades de atendimento. Somente na cidade de São Leopoldo, onde a unidade foi instalada em 2013, há 6.681 processos, número que por si só justifica a instalação de uma subseção da Justiça Federal.

13. Note-se que não se está a defender a supressão imediata da competência delegada da Justiça Federal à Estadual. Evidentemente, haverá necessidade de uma regra de transição para aqueles processos em tramitação, quiçá a possibilidade de não abrangência das execuções em tramitação judicial, bem como uma preparação da Justiça Federal para receber essa enxurrada de processos.

14. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/images/pesquisas-judiciarias/Publicacoes/
rel2013_comp_delegada.pdf>.  Acesso em: 30 maio 2014.

15. Ver Portaria nº 155/2013, mais especificadamente página 53 do Relatório final apresentado pelo grupo de trabalho constituído pelo CNJ como instrumento da Política Nacional de Priorização do Primeiro Grau de Jurisdição. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. COMPETÊNCIA PARA PROCESSAR E JULGAR EXECUÇÃO FISCAL. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES. 8/2008-STJ). Na hipótese em que, em razão da inexistência de vara da Justiça Federal na localidade do domicílio do devedor, execução fiscal tenha sido ajuizada pela União ou por suas autarquias em vara da Justiça Federal sediada em local diverso, o juiz federal poderá declinar, de ofício, da competência para processar e julgar a demanda, determinando a remessa dos autos para o juízo de direito da comarca do domicílio do executado. Isso porque, nas comarcas do interior onde não funcionar vara da Justiça Federal, os juízes estaduais são competentes para processar e julgar os executivos fiscais da União e de suas autarquias ajuizados contra devedores domiciliados nas respectivas comarcas (art. 15, I, da Lei 5.010/1966). Portanto, a decisão do juiz federal que declina da competência quando a norma do art. 15, I, da Lei 5.010/1966 deixa de ser observada não está sujeita à Súmula 33 do STJ, segundo a qual “a incompetência relativa não pode ser declarada de ofício”. No mesmo sentido é o teor da Súmula 40 do TFR, segundo a qual "a execução fiscal da Fazenda Pública Federal será proposta perante o Juiz de Direito da comarca do domicílio do devedor, desde que não seja ela sede de vara da Justiça Federal". "Será proposta", diz o texto, a significar que não há opção, nem relatividade. Cabe ressaltar, ademais, que essa regra pretende facilitar tanto a defesa do devedor quanto o aparelhamento da execução, que assim não fica, em regra, sujeita a cumprimento de atos por cartas precatórias. REsp 1.146.194-SC, Rel. originário Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. para acórdão Min. Ari Pargendler, julgado em 14.08.2013.

16. Por meio da MP nº 1.154.36/97, objetivou-se alterar a natureza jurídica dos conselhos, pretendendo transformá-los em entidades privadas. Ocorre que o novo regime idealizado pelo Executivo e, ao final, abrigado no art. 58 da Lei nº 9.649 /98, veio a ser declarado inconstitucional pelo E. STF na ADI nº 1.717/DF, da Relatoria do Ministro Sidney Sanches, confirmando-se assim a sua natureza pública.

17. Portaria MF n° 75, de 22.03.12: “Art. 1º Determinar: I – a não inscrição na Dívida Ativa da União de débito de um mesmo devedor com a Fazenda Nacional de valor consolidado igual ou inferior a R$ 1.000,00 (mil reais); e II – o não ajuizamento de execuções fiscais de débitos com a Fazenda Nacional, cujo valor consolidado seja igual ou inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais)”.

18. Nesse sentido,  Súmula 22 do Tribunal de Justiça de Santa Catarina: “A desproporção entre a despesa pública realizada para a propositura e a tramitação da execução fiscal, quando o crédito tributário for inferior a um salário mínimo, acarreta a sua extinção por ausência de interesse de agir, sem prejuízo do protesto da certidão de dívida ativa e da renovação do pleito se a reunião com outros débitos contemporâneos ou posteriores justificar a demanda”.

19. Nesse sentido, entendimento consagrado no TRF da 4ª Região: “O prazo prescricional para pleitear a satisfação das quatro anuidades somente tem início a partir da constituição do crédito correspondente à quarta anuidade, que será somada às três precedentes. Esse o termo a quo do exsurgimento da pretensão e, a fortiori, da actio nata. (TRF4, AC 5000247-43.2012.404.7204, Primeira Turma, Relator p/ Acórdão Jorge Antonio Maurique, D.E. 17.10.2012).

20. “Ocorre que, por mais que a lei processual seja aplicada imediatamente aos processos pendentes, deve-se ter conhecimento de que o processo é constituído por inúmeros atos. Tal entendimento nos leva à chamada ‘Teoria dos Atos Processuais Isolados’, em que cada ato deve ser considerado separadamente dos demais para o fim de se determinar qual a lei que o rege, recaindo sobre ele a preclusão consumativa, ou seja, a lei que rege o ato processual é aquela em vigor no momento em que ele é praticado. Seria a aplicação do princípio tempus regit actum.  Com base nesse princípio, temos que a lei processual atinge o processo no estágio em que ele se encontra, quanto a incidência da lei nova não gera prejuízo algum às partes, respeitando-se a eficácia do ato processual já praticado. Dessa forma, a publicação e a entrada em vigor de nova lei só atingem os atos ainda por praticar, no caso, os processos futuros, não sendo possível falar em retroatividade da nova norma, visto que os atos anteriores de processos em curso não serão atingidos” (Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 09.04.2014). Entendimento contrário à posição do TRF da 4ª Região, que aplicava a imposição do patamar mínimo aos processos ajuizados anteriormente à vigência da lei (AC – APELAÇÃO CIVEL 5024747-39.2013.404.7108, D.E. 30.05.2014).



Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023:2002/ABNT):
. . Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n., ago. 2014. Disponível em:
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Acesso em: .


REVISTA DE DOUTRINA DA 4ª REGIÃO
PUBLICAÇÃO DA ESCOLA DA MAGISTRATURA DO TRF DA 4ª REGIÃO - EMAGIS