Comentários sobre a padronização do procedimento do auxílio-doença, como forma de garantir celeridade e eficiência ao feito

Autor: Bruno Risch Fagundes de Oliveira

Juiz Federal Substituto

 publicado em 29.08.2014



Assumi a Vara dos Juizados Especiais de Santana do Livramento (atual 2ª Vara Federal) no ano de 2008 e, a partir daquele momento, senti a necessidade de padronizar alguns procedimentos a fim de facilitar o bom andamento dos trabalhos, viabilizando a aplicação dos princípios da isonomia, da celeridade e da eficiência.

Com efeito, entendo imprescindível, para atingir tal desiderato, a elaboração de um documento escrito do qual constem todas as rotinas de trabalho da vara, máxime nos casos de processos padrão, em especial os previdenciários.

Nos casos de auxílio-doença, por exemplo, por se tratar das demandas mais corriqueiras no âmbito previdenciário, várias medidas procedimentais e jurídicas foram adotadas, com o intuito de melhorar a prestação jurisdicional.
 
Assim, foi padronizado, por exemplo, que petições iniciais desacompanhadas de documentos considerados importantes ou imprescindíveis deveriam ser emendadas, a fim de subsidiar o processo com as peças básicas, desde o seu começo (tais como CTPS; informações sobre atividade habitual nos últimos 5 anos, com descrição das tarefas, e se está trabalhando atualmente; prova mínima da moléstia alegada; etc.).

Após a regularização da petição inicial, a fim dar dinâmica ágil ao processo, é elaborado despacho com inúmeras medidas (citação do INSS, eventual proposta de acordo, requisição de processo administrativo, designação de perícia com detalhamentos acerca dos quesitos).

Com a elaboração da perícia médica, dá-se vista às partes para ciência, pelo prazo de cinco dias, à exceção dos laudos aparentemente favoráveis, nos quais é conferido lapso de quinze dias, com intuito de viabilizar o estudo do caso pelo INSS, para eventual proposta de acordo.

Aliás, a tentativa de conciliação é uma prática constante no feito, seja ela por escrito, seja em audiência, durante o curso do feito em primeiro grau ou até após a sentença (antes da abertura de prazo recursal). Tal mecanismo tem potencial para encerrar a lide com enorme resolutividade, ainda que, eventualmente, possa não ser tão atrativa para os segurados, o que deve ser analisado casuisticamente, a fim de se evitar um acordo desigual e injusto.

Em que pese a ciência do laudo pelas partes antes da sentença possa, eventualmente, afetar a celeridade, isso se mostra, a meu ver, algo importante, não só pela necessidade lógica de os interessados saberem (ainda que possam acessar o processo a todo instante, por ser eletrônico) o teor da prova colhida, mas também na medida em que se abre a possibilidade de impugnação e apresentação de quesitos complementares, algo que pode qualificar a manifestação pericial e, por conseguinte, melhorar a prestação jurisdicional.

Cumpre salientar que, ainda que a audiência de instrução e julgamento no âmbito dos juizados especiais devesse ser praxe, a fim de evitar a ocorrência de ato inútil à finalidade do processo, não é regra marcá-la na 2ª Vara Federal de Santana do Livramento. Apenas são designadas audiências, nos casos de auxílio-doença, quando houver necessidade de comprovação fática (podem ser citadas, como exemplos, controvérsia acerca da qualidade de segurado ou dúvida sobre as funções exercidas pelo segurado) ou quando houver indícios de que poderá haver conciliação (com marcação de ato específico para isso).

E, ainda assim, as audiências para a elucidação fática somente são agendadas após a entrega do laudo, já que, caso este se mostre desfavorável, sequer haverá utilidade na audiência, pois a demanda já será, de qualquer forma, improcedente.

Outra questão que merece menção é a possibilidade de fungibilidade entre os pedidos de auxílio-doença e benefício assistencial, caso tenha havido um pedido no INSS e outro judicialmente. É dada certa flexibilidade para aceitar o indeferimento administrativo “diverso”, pois o INSS tem o dever de orientar o segurado quanto ao benefício correto.  Outrossim, ressalta-se que essa situação não justifica o processamento de um benefício pelo outro judicialmente, como nos casos de requerimento judicial de benefício assistencial (sendo provável caso de auxílio-doença), pois o pleito judicial é formal, submetendo-se a princípios processuais básicos, tal como o da congruência, sob pena de sentença extra petita.

No que toca à fungilibilidade entre auxílio-doença e aposentadoria por invalidez, como o INSS deve processar o “benefício por incapacidade”, pode-se aceitar um pelo outro, judicialmente, para fins de interesse processual. Outrossim, a flexibilidade dos procedimentos supra deve levar em conta também se o autor da demanda está acompanhado ou não de advogado, fato relevante para atingir o objetivo dos juizados especiais, que também é facilitar o ingresso judicial, sem necessidade de burocratização do procedimento.

Outra questão importante que restou padronizada é a do interesse processual. Caso não venham aos autos a(s) perícia(s) médica(s) (não se sabendo, pois, por qual incapacidade foi negada administrativamente, mas apenas que foi pelo requisito “incapacidade”), qualquer alegação de moléstia feita pelo autor é válida, e só haverá falta de interesse se o INSS trouxer aos autos comprovantes de que não foi negada aquela moléstia.

A despeito da litispendência, no caso de duas ações subsequentes, referentes à mesma moléstia, foi adotado critério técnico, mas, sobretudo, tendente a uma solução de política jurisdicional, a fim de evitar mais de uma demanda concomitante sobre a mesma moléstia, o que tumultuaria os feitos. A priori, parece não haver litispendência, ainda que as partes sejam as mesmas, pois a questão pode ser assim entendida: (a) os pedidos, em regra, sendo genéricos (para deferir o benefício dentro daquilo que a pessoa tem direito), podem vir a ser diferentes, já que se trata de relações continuativas, sendo que, se a primeira demanda que atestou que não houve incapacidade o fez até a data da perícia, o pedido da segunda é apto a discutir parcelas da data da perícia em diante; (b) a causa de pedir pode ser diferente, uma vez que a situação fática pode ter mudado do momento em que foi feita a perícia na primeira ação em relação à data do ajuizamento da segunda ação. Mas, por questão de política judiciária e para evitar pagamentos em duplicidade e outras complicações, adota-se o padrão de que o autor só pode ajuizar outra demanda, sobre o mesmo benefício, quando transitar em julgado a anterior, já que a discussão da demanda se prolonga no tempo e, inclusive, analisa eventual agravamento da moléstia no seu curso, não trazendo nenhum prejuízo ao segurado.

Ainda assim, haverá coisa julgada para decisões transitadas em julgado que sepultarem questões não modificáveis no tempo, como nos casos que reconhecem falta/perda da qualidade de segurado, preexistência da incapacidade à filiação ou falta de carência. E de se notar que, adotando-se aquele raciocínio, o decurso do tempo nada mudará em relação à modificação do requisito considerado não implementado, haverá identidade de demanda, com a imposição do reconhecimento de coisa julgada.

Em resumo, o procedimento adotado na 2ª Vara Federal sobre o tema ora abordado adotado é o seguinte:

– se já houve uma primeira demanda julgada improcedente, com trânsito em julgado, aí pode entrar com outra ação, desde que haja nova negativa administrativa (salvo a exceção apontada acerca da coisa julgada);

– se já existe um primeiro feito (a) julgado procedente (mas ainda não foi implantado o benefício), ou (b) ainda em curso (sem trânsito em julgado), aí deve ser extinto, devendo haver petição nos autos da ação originária para discutir eventual cessação/não pagamento (salvo no caso abaixo).

Não obstante, no que diz respeito a um acordo judicial de auxílio-doença, o autor pode entrar com aposentadoria por invalidez após o trânsito em julgado (ou até antes, já que o benefício é mais vantajoso e o pleito é diverso), uma vez que o acordo vale tanto para o INSS quanto para o autor, no que diz respeito à cláusula de que deve perdurar o benefício enquanto estiverem mantidos os requisitos (assim, caso o autor entenda que a moléstia se agravou e se tornou permanente e total, ele pode, em princípio, entrar com uma nova ação, desde que cumpra os requisitos antes referidos – demonstração do agravamento, nova negativa administrativa).

Outra questão bastante relevante e confusa, que mereceu uma padronização, foi a de demandas com alegação de existência de mais de uma doença incapacitante. Assim, pois, foi definido, no âmbito da 2ª Vara Federal de Santana do Livramento, que, se alguma delas não tiver prova mínima ou se não foi objeto do processo administrativo, aí se intima o demandante para juntar atestados, laudos (se for esse o caso) e, caso não junte, como sequer é objeto da ação, não deve ser feita perícia (princípio da congruência). A meu ver, tal procedimento é necessário para evitar a supressão da instância administrativa, pois aquela suposta incapacidade nunca foi levada ao conhecimento do INSS por meio dos documentos médicos correlatos. Pensar diferente seria aceitar que o Judiciário deve exercer função da autarquia federal, o que é inadmissível.

Quanto ao processamento nos casos de duas ou mais moléstias, são analisados os autos para ver se têm uma prova mínima de cada uma delas, prosseguindo apenas em relação às que tiverem. A fim de sanar o feito, são colocadas, expressamente, no despacho que designa perícia, quais as moléstias que serão analisadas, sendo que, no laudo, deve haver resposta dos quesitos para cada uma delas, apenas.

No que tange à limitação temporal para o INSS cancelar benefício administrativamente, é destacado que não pode fazê-lo, pelo menos, até o trânsito em julgado, ficando a critério da autarquia, após isso, verificar se remanescem os requisitos ou não e proceder de acordo com o seu entendimento. Todavia, nos casos em que o perito define prazo certo para o tratamento/melhora do autor, aí é definido, na sentença, que o INSS fica autorizado a refazer a perícia administrativa no termo final mencionado pelo expert (ou trânsito em julgado, o que vier depois, pelas razões já explanadas).

Cumpre salientar que os processos previdenciários, como se sabe, dizem respeito a verbas de caráter alimentício, pelo que merecem celeridade máxima. Com isso, foram concebidos alguns mecanismos para garantir uma maior dinâmica aos feitos.

Um deles é a adoção de “localizadores” como forma inteligente de divisão de tarefas. Assim, para processos com sentença “padrão” (nos quais são incluídos auxílios doença com laudo totalmente desfavorável – e sem chance de reversão por interpretação favorável ao autor), o processo é repassado diretamente para o estagiário do Gabinete, o qual elabora proposta de minuta, agilizando a resolução desse feito e, indiretamente, facilitando o trabalho dos oficiais de gabinete, que se debruçarão sobre questões mais complexas. Além disso, são feitas outras divisões a fim de facilitar o andamento dos processos, de acordo com o assunto/dificuldade correlato.

Outra padronização visando à celeridade é a referente à intimação do INSS para atos urgentes. Nesses casos, é feita a intimação da seguinte forma:

“A fim de dar maior agilidade ao procedimento, uma vez que a intimação se dará de forma eletrônica, determino que a Secretaria da Vara entre em contato com a procuradora/Posto/Agência do INSS e solicite a abertura imediata do evento de intimação de 5 dias. Caso não seja atendida, nos termos do art. 5º, § 5º, da Lei nº 11.419/2006, proceda-se à intimação por e-mail ou telefone, conforme necessário, certificando nos autos.”

Quanto à implantação do benefício, adota-se, na sentença, em regra, critério no sentido de que seja imediatamente oficiado o INSS para fazê-lo, sob pena de multa diária, nos casos de concessivas previdenciárias. Isso porque o recurso inominado não tem, em regra, efeito suspensivo e, por ser verba alimentar, tem necessidade de pagamento imediato. Todavia, nos casos de revisionais previdenciárias, por exemplo, aguarda-se o trânsito em julgado.

Por fim, no que diz respeito ao cumprimento de decisão judicial pelo INSS, em regra deve ser feita pelos postos e agências, a fim de facilitar a execução ágil. Todavia, nos casos em que não é cumprida a decisão/determinação judicial, sem explicações razoáveis, intima-se a procuradora do INSS para que cumpra a decisão, sob pena de aumento da multa diária.

Dito isso, conclui-se que o método visando à padronização dos procedimentos, em qualquer tema, é meio imprescindível para atingir uma prestação jurisdicional qualificada, célere e isonômica, uma vez que trata todos os casos de maneira similar e garante que todos os envolvidos, em especial no Judiciário, tenham plena ciência de como devem se portar ao analisar o feito.

 



Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023:2002/ABNT):
. . Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n., ago. 2014. Disponível em:
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Acesso em: .


REVISTA DE DOUTRINA DA 4ª REGIÃO
PUBLICAÇÃO DA ESCOLA DA MAGISTRATURA DO TRF DA 4ª REGIÃO - EMAGIS