Análise econômica do direito penal e do processo penal(1)

Autor: Clenio Jair Schulze

Juiz Federal Substituto, Mestre em Ciência Jurídica pela Univali

 publicado em 29.08.2014



Resumo

O referente deste artigo reside em fixar breves comentários acerca da influência do posicionamento de Richard Posner no sistema jurídico, a partir da análise das características da análise econômica do direito e da sua aplicação no direito penal e no direito processual penal.

Palavras-chave: Direito. Economia. Interdisciplinaridade.

Abstract

The referent of this article is to establish brief comments about the influence of the position of Richard Posner to the legal system, based on the analysis of the characteristics of the economic analysis of law and its application on criminal law and criminal procedural law.

Keywords: Law. Economics. Interdisciplinarity.

Sumário: Introdução. 1 Para além do direito. 2 Pragmatismo, economia e liberalismo. 3 O que os juízes maximizam? 4 Estilos de raciocínio jurídico. 5 O pragmatismo e o direito. 6 Direito e economia. 7 Direito e literatura. 8 A análise econômica do direito brasileiro. 9 A aplicação da análise econômica do direito. 10 A análise econômica do direito penal e do processo penal. Considerações finais. Referências das fontes consultadas.

Introdução

A busca pela melhor teoria do direito, que satisfaça os interesses da comunidade, configura um dos temas de grande inquietação no âmbito jurídico.

Não há, contudo, uniformidade sobre a melhor forma de atuação do direito e, principalmente, quanto ao conteúdo dos modelos jurídicos existentes.

Nessa perspectiva, o referente deste artigo reside em fixar breves comentários acerca da influência do posicionamento de Richard Posner para o sistema jurídico, a partir da análise das características da análise econômica do direito e da sua aplicação no direito penal e no direito processual penal.

Posner é o principal fomentador da Law and Economics. É juiz do Tribunal de Apelação do Sétimo Circuito da Justiça Federal dos EUA e professor na Faculdade de Direito da Universidade de Chicago.

Para o desenvolvimento do trabalho, serão abordadas as obras de Posner traduzidas para o português, com destaque para a relação entre pragmatismo, economia e liberalismo, passando pela maximização da riqueza até a abordagem da conexão entre direito e economia, com a análise, ao final, da influência do movimento Law and Economics no direito penal e no processo penal.

1 Para além do direito

A principal contribuição de Posner para a teoria do direito consiste na inclusão da economia como elemento para a resolução de questões jurídicas. É, pois, um dos baluartes da análise econômica do direito.

Em Para além do direito,(2) Posner apresenta sua concepção abrangente da teoria do direito, destacando o aspecto multidisciplinar, com a análise de temas outrora vinculados apenas à teoria política ou à sociologia. Aborda a atuação dos profissionais do direito – com destaque para os juízes –, a teoria constitucional norte-americana, a sexualidade, o construtivismo social, o feminismo, a retórica, a economia, a teoria política e a relação entre direito e literatura. Isso demonstra, portanto, que Posner analisa o direito de forma ampla e analítica.

2 Pragmatismo, economia e liberalismo

Posner enfatiza a importância da análise econômica do direito, segundo a qual as decisões judiciais são avaliadas por sua adequação à teoria econômica.

Um dos principais modelos de técnica para abordagem do direito, que auxilia na teoria da decisão judicial, é o pragmatismo. Segundo Posner:

“Não há um conceito canônico de pragmatismo. Defino-o, para começar, como uma abordagem prática e instrumental, e não por aquilo que ‘realmente’ é. Portanto, olha para a frente e valoriza a continuidade com o passado na medida em que essa continuidade seja capaz de ajudar-nos com os problemas do presente e do futuro.”(3)

A vinculação do pragmatismo ao direito consiste no respeito aos precedentes (stare decisis) e na atitude ativista (para prestigiar o progresso). Isso não significa, contudo, que o juiz pragmatista seja obrigatoriamente ativista.(4) A filosofia pragmática é instrumental, caracterizada pela ação e pelo aperfeiçoamento.(5) É empírica, por enfatizar a prática, a visão prospectiva e consequencial.(6) “Interessa-se pelos ‘fatos’, e, portanto, deseja estar bem informado sobre o funcionamento, as propriedades e os efeitos prováveis de diferentes planos de ação.”(7)

O pragmatista é antidogmático, porquanto pretende fomentar o debate, a investigação e a experimentação.(8) Também é antimetafísico ao depositar na ciência a possibilidade de o ser humano arriscar-se a errar. Assim, as teorias científicas são ferramentas para explicar e prever os fatos e, por intermédio da tecnologia, da explanação e da previsão, auxiliam os indivíduos a entender e a controlar o ambiente físico e social.(9) O núcleo da ideia pragmatista pode ser resumida nas seguintes perguntas:

“Que diferença prática, concreta e observável isso faz para nós? O que, por exemplo, está em jogo quando os juristas debatem sobre se uma determinada teoria de como os juízes devem agir respeita a ‘legitimidade democrática’? Como reconhecemos uma ‘democracia’, para começar? Que diferença faz alguém pensar que os juízes tiraram da Constituição as doutrinas de direito constitucional vigentes ou que as colocam lá?”(10)

Segundo Posner, o termo pragmatismo não possui um significado exato. Os prosélitos da sua escola o compreendem como sinônimo de sensatez, ao passo que os antipragmáticos entendem que consiste em uma teoria irracional e de autocontradição.(11)

Dworkin é um dos maiores críticos do pragmatismo. Para ele, a ideia de direito como integridade, que prestigia a equidade, a justiça e o devido processo legal, não se compatibiliza com os ideais pragmáticos.(12) A despeito de acalorados debates entre os simpatizantes e os contrários à análise pragmática do direito, o importante é encontrar um modelo justo e adequado de resolução dos conflitos de interesse e das mais diversas questões jurídicas, especialmente a criminal.

A noção de pragmatismo aproxima-se da análise econômica do direito, pois a econômica concebe os indivíduos como seres pragmáticos, e não como homem econômico.(13) Ou seja, a teoria econômica exige a fixação de metas, que devem ser perseguidas e alcançadas no futuro. Por isso que a análise econômica do direito nega autonomia ao direito, exigindo a vinculação entre as duas ciências (economia e direito).(14)

Vale dizer, a economia deve orientar todas as decisões judiciais. Posner, contudo, não afirma que o império dos economistas deve substituir o Estado de Direito. Sustenta que direito e economia podem caminhar juntos em prol de um modelo adequado para a resolução de questões.(15)

Posner também não é ingênuo em admitir que todas as questões jurídicas sejam passíveis de tradução em questões econômicas (v.g. regulamentação da sexualidade).(16) Daí a necessidade de invocação do pragmatismo, que permite o enfoque multidisciplinar, com o auxílio, inclusive, das ciências naturais.

Segundo Posner, o liberalismo de John Stuart Mill contribuiu para o nascimento da análise econômica do direito, pois se vincula a uma das modalidades de economia normativa. O liberalismo prestigia e fomenta a liberdade pessoal e a prosperidade econômica. Estimula a meritocracia, reduz os conflitos ideológicos e maximiza a produção eficiente. “A justificação do liberalismo é pragmática.”(17)

A ideia principal de Posner, enfim, é demonstrar que a combinação de economia, liberalismo e pragmatismo transforma positivamente a teoria do direito e fornece, por conseguinte, elementos valorosos para a teoria da decisão judicial criminal.(18)

Posner enfatiza que houve, nos últimos anos, a desprofissionalização do estudo acadêmico do direito. Dois são os argumentos principais. O primeiro decorre do surgimento de disciplinas que afastaram a autonomia do direito acadêmico em relação a outras esferas de estudo. O segundo diz respeito ao declínio do consenso político entre os profissionais.(19)

Entre as várias disciplinas que invadiram o direito, a mais destacável é a economia. Para Posner, há importantes áreas da economia que refletem na atual teoria do direito, com destaque para a teoria financeira, a teoria da escolha pública (public choice) e a teoria dos jogos.(20) A primeira delas incursiona por temas vinculados a seguros, falência, fundos de investimento. A segunda influencia o modo de análise das leis e do direito constitucional. E a última auxilia na interpretação dos direitos contratual, falimentar e antitruste.(21) Isso tudo também se complementa com a intervenção da economia no direito penal e no direito processual penal.

A filosofia política e moral, igualmente, é outra disciplina amplamente aplicada ao direito, que vem sofrendo com a penetração do pensamento de juristas com a tradição de Foucault, Derrida, Gadamer, John Rawls, John Elster, Stephen Holmes, Jeremy Waldron, entre outros.(22)

Também é importante lembrar a forte influência que a disciplina vinculada ao feminismo e aos estudos raciais e éticos tem apresentada ao sistema jurídico atual.(23) Isso se conecta, por exemplo, com a abordagem de crimes sexuais – Lei Maria da Penha –, do racismo, do homossexualismo.

Tudo isso demonstra que os doutrinadores jurídicos perderam terreno para os analistas econômicos do direito, para os sociólogos do direito e para os filósofos do direito.(24)

3 O que os juízes maximizam?

A invasão de várias disciplinas ao estudo do direito, com especial destaque para a economia, e a direta influência do pragmatismo, que preconiza a maximização das riquezas, permite a seguinte abordagem atinente à teoria da decisão judicial criminal: o que os juízes maximizam?

Com base nessa questão, Posner propõe uma teoria do comportamento dos juízes centrada no juiz convencional, que exerce função em tribunal recursal federal ou na Suprema Corte.(25) “A mudança de foco do juiz extraordinário para o convencional ilustra o interesse do pragmatista pelo mundo dos fatos, visto que a maioria dos juízes é, de fato, comum.”(26)

A função do juiz é comparável com a atividade dos artistas, pois

“Os artistas criam obras de arte que transformam a percepção. Os juízes tomam decisões que transformam as práticas sociais ou comerciais. Os artistas imprimem sua visão estética à sociedade, e os juízes, sua visão política. Fazem isso principalmente por meio da força de jurisprudência de suas decisões, já que uma decisão isolada dificilmente causa grande impacto.”(27)

Questão importante é saber o que leva um juiz a condenar criminalmente alguém, em vez de absolver; a utilizar uma determinada interpretação em detrimento de outra; ou a atuar com postura – conservadora, liberal, ativista ou moderada – em contrário a outra.(28)

Essas escolhas, para Posner, assemelham-se àquelas feitas em outros setores da vida. “São as escolhas que fazemos, por exemplo, quando assistimos a peças de teatro ou filmes.”(29) A analogia é pertinente porque o público de uma peça de teatro ou de um filme está distanciado do conflito apresentado no palco ou na tela, mas esse público é induzido a optar por um dos lados. O espectador, assim, deve analisar as provas e adotar uma decisão, tal qual ocorre com o juiz do processo. A diferença é que o juiz, além das experiências pessoais e políticas, vai invocar seu conhecimento e sua vivência com o direito.(30) Em todos os casos, é verdade, a escolha é neutra.

A analogia com o espectador também auxilia entender porque as decisões judiciais refletem as preferências dos juízes.(31) Segundo Posner, o prazer de julgar conecta-se com a observância das regras limitativas que definem o jogo judicial. Ou seja:

“Para um juiz, é fonte de satisfação votar a favor do litigante antipático, a favor do advogado que não se porta com o devido respeito perante a corte, ou a favor da parte que representa uma classe social diferente da sua. É ao fazer tais coisas que ele sabe que está desempenhando o papel de juiz, e não algum outro papel; e os juízes, em geral, são pessoas que querem ser juízes. Isso bate com a indisposição da maioria dos juízes com o trabalho em excesso.”(32)

A analogia de julgar processos com a participação de jogos auxilia na resposta às escolhas adotadas pelo magistrado. Em ambos há regras para seguir, e tal fato é coerente com a maximização da utilidade.(33) E, ainda:

“Outro ponto é que, nos jogos e na arte, as pessoas encontram um refúgio temporário das realidades ameaçadoras da vida cotidiana; transformando imaginativamente realidades como o ódio, a doença, o crime, a traição, a guerra, a pobreza, a perda e a desesperança. Esse refúgio e essa transformação também caracterizam, em muitos aspectos, o jogo judicial. A matéria-prima do processo são as duras realidades da vida, mas o jogo judicial transforma essas realidades em disputas em torno de direitos e deveres legais, acusações e provas, pressuposições e réplicas, jurisdição e competências. Isso traz conforto, já que, por exemplo, poupa o juiz que determina uma pena de morte da angústia de ver-se como um assassino. Porém, para usufruir desse conforto, o juiz deve seguir as regras do jogo judicial, pois estas são essenciais a esse jogo.”(34)

Tais elementos são importantes para o estudo do direito penal e do processo penal, sob a influência da teoria econômica.

4 Estilos de raciocínio jurídico

As considerações acima apresentadas demonstram que Posner preocupa-se com a função de julgar e, principalmente, com o resultado das decisões judiciais na esfera criminal, especialmente quanto à sua legitimidade.

Ainda em relação ao modelo de julgamento, Posner investiga dois estilos de raciocínios jurídicos, de cima para baixo e de baixo para cima.

O raciocínio de cima para baixo é o estilo dominante nas teorias constitucionais vigentes e opera-se da seguinte forma:

“No raciocínio de cima para baixo, o juiz, ou outro analista jurídico, inventa ou adota uma teoria sobre algum campo do direito, quiçá sobre o direito em geral, e a utiliza para organizar, criticar, aceitar, rejeitar ou distinguir os casos decididos, bem como para inventar justificativas para estes; ou, ainda para ampliar seu alcance e fazer com que se encaixem na teoria, gerando-se assim, em cada novo caso que surja, um resultado coerente com a teoria e com os casos por esta revestidos de autoridade.”(35)

Tal teoria, segundo Posner, não precisa se abeberar no direito e dispensa a utilização do jargão jurídico.(36)

De outro lado, no raciocínio de baixo para cima a solução para a questão parte do texto da lei ou de uma decisão anterior (precedente), permitindo, se necessário, a utilização conjunta de raciocínio por analogia ou da interpretação conforme o sentido ordinário.(37) É o estilo mais adotado pelos profissionais jurídicos, pois a tradição (civil law) recomenda que a análise de um caso se inicie com a leitura da legislação.

Posner, contudo, não adota o estilo de cima para baixo ou o estilo de baixo para cima. Entende que o estilo pragmático é mais apto a apresentar respostas adequadas ao sistema jurídico.

Ao analisar o texto constitucional americano, Posner menciona que se trata de documento antigo, criado por indivíduos que não eram portadores de clarividência, a demonstrar que, nas centenas de anos que se sucederam após a sua redação, várias decisões judiciais foram necessárias para atualizá-la, muitas das quais desprovidas de coerência interna.(38) Por isso que a soma desses fatores deve constituir apenas uma fonte de estudos para a teoria da decisão judicial penal.

Essa questão relembra, ainda, a importância da interdisciplinaridade interpretativa, nos termos do pensamento de Posner:

“Deve-se escolher a interpretação que pareça a melhor em um sentido que inclua, mas também transcenda, as considerações de fidelidade a um texto ou uma tradição. A questão interpretativa é, em última instância, política, econômica ou social; e a sociologia tem mais a contribuir com ela que o direito.”(39)

As questões extrajurídicas, portanto, são importantes para a produção da melhor decisão judicial. “Uma dieta composta exclusivamente por votos da Suprema Corte é receita de má nutrição intelectual.”(40)

Outro aspecto destacado por Posner refere-se ao debate entre ativismo e autocontenção judicial. Sobre o tema, afirma que:

“A teoria jurídica que parte de uma rejeição do ativismo judicial é, às vezes, chamada de ‘interpretacionismo estrito’. Se aplicada ao direito constitucional, costuma-se chamá-la de ‘originalismo’ ou ‘textualismo’; e, em seu sentido mais amplo, ‘formalismo’. Seus defensores vivos mais conhecidos são Roberto Bork e Antonin Scalia.”(41)

O problema do originalismo, para Posner, é que apenas considera o passado e pouco respeita as consequências da decisão, o que não acontece com o pragmatismo.(42) O juiz pragmático, assim, não é um violador da Constituição e possui consciência das consequências de eventual desrespeito da lei na sua atuação.(43)

Nesse sentido:

“Até mesmo a decisão de interpretar a Constituição de modo estreito e ‘restringir’, desse modo, o poder interpretativo dos juízes não está diretamente implicada pelo texto. A Constituição não diz ‘Interprete-me de modo abrangente’ ou ‘Interprete-me de modo estrito’. A decisão de fazer uma dessas duas coisas deve ser tomada como uma questão de teoria política e dependerá de fatores como a visão que se tem das fontes de legitimidade judicial e da competência comparada do judiciário e do legislativo no tratamento de determinados tipos de questão.”(44)

Invocando Holmes, Posner afirma que os juízes legislam intersticialmente. Vale dizer, os juízes legislam, mas com cautela, em menor velocidade e com reduzido partidarismo.(45) Isto é, o processo legislativo é mais marcado pela pressão de grupos de interesse que o Judiciário.(46)

O sistema jurídico também é influenciado, atualmente, pela pós-modernidade. Segundo Posner:

“O pós-modernismo, naquele seu aspecto que chamo de histórico, apresenta semelhanças com a economia do comportamento não mercadológico, pois ambas as disciplinas estudam os efeitos das transformações materiais sobre o pensamento e veem com ceticismo as descrições idealizantes de práticas sociais, como a linguagem e a reputação. Em seu aspecto filosófico, por sua vez, o pós-modernismo possui óbvias afinidades com o pragmatismo, do qual Rorty e Fish são distintos representantes. Ainda assim, eu não me descrevia como um pensador pós-modernista. O pós-modernismo é o exagero do pragmatismo. Os pós-modernistas não são apenas antimetafísicos (postura com a qual não há nada de errado), mas também antiteoréticos; quase todos eles estão infectados pelo vírus do politicamente correto; e, além disso, embora haja exceções dignas de nota, expressam-se mediante uma linguagem feia e impenetrável, às vezes com a desculpa de que escrever com clareza é aceitar o mito iluminista da comunicação direta entre autor e leitor.”(47)

A verdade é que ainda não há definição adequada do que seja pós-moderno. Nada obstante, as transformações da sociedade hodierna, caracterizada pela dinamicidade, devem, necessariamente, ser observadas pelo juiz criminal.

5 O pragmatismo e o direito

Um ponto importante para compreender o pensamento do Posner reside em saber o que o pragmatismo tem a oferecer para o direito penal e para o processo penal.

A evolução do pragmatismo pode ser assim resumida:

“O movimento pragmatista deu ao realismo jurídico toda a sua forma e todo o seu conteúdo intelectuais. Depois, o pragmatismo morreu (ou fundiu-se a outros movimentos filosóficos, perdendo sua identidade própria) e também o realismo jurídico (ou, de forma semelhante, foi absorvido e transcendido). Tempos depois, o pragmatismo ressurgiu, o que nos leva a imaginar se está surgindo no horizonte uma nova teoria do direito, cuja relação com o novo pragmatismo será a mesma que o realismo jurídico tinha com o antigo pragmatismo. Minha resposta é um duplo ‘não’. O novo pragmatismo, como o antigo, não é um movimento filosófico bem definido, mas um termo curinga para diversas tendências do pensamento filosófico. Mais ainda, é um termo que se aplica a tendências iguais; ou seja, o novo pragmatismo não é novo.”(48)

O pragmatismo poderá, segundo Posner, configurar uma nova tendência se superar os defeitos do realismo, descartando posturas políticas ingênuas, imaturidade e imoderações.(49) O interesse do pragmatista não é encontrar a verdade, mas os fundamentos sociais da crença.(50) Por isso, na visão pragmática, as normas jurídicas devem ser observadas na perspectiva da instrumentalidade.(51) Aliás, o pragmatismo funciona como um antídoto para o formalismo, pois permite o ajuste e a adaptação de categorias do direito a todas as práticas, jurídicas ou não.(52)

A análise pragmática é adotada da seguinte forma:

“Ao abordarem uma questão que tenha sido colocada como de interpretação de uma lei, os pragmatistas perguntarão qual das resoluções possíveis tem as melhores consequências, considerando-se tudo aquilo que é ou deveria ser do interesse dos juristas, incluindo-se a importância de preservar a linguagem como meio de comunicação eficaz e de preservar a separação dos poderes, por meio do acatamento, em linhas gerais, das decisões do legislativo relativamente ao interesse público.”(53)

E as consequências, para o pragmatista, são aquelas de curto, médio e longo prazo; são gerais e individuais; são vinculadas à estabilidade/previsibilidade e à justiça.(54)

O pragmatismo, segundo Posner, não é engessado, não limita o sistema jurídico. Permite que os juízes adaptem as leis aos novos ambientes sociais e políticos. Por intermédio da sensibilidade instrumental, o julgador deve contextualizar as normas ao novo contexto, à nova realidade fática.(55)

“Tudo o que uma teoria pragmática do direito realmente conota – e já conotava em 1897 ou em 1921, tanto quanto hoje – é uma rejeição da ideia de que o direito é algo fundado em princípios permanentes e realizado por meio de manipulações lógicas desses princípios; bem como uma determinação de usar o direito como instrumento para fins sociais. Ainda que essa teoria pragmática do direito que defendo não plante nenhuma árvore, ao menos dá uma boa limpada no terreno. Assinala uma atitude, uma orientação e, às vezes, uma mudança de direção. Isso já é algo, talvez muito.”(56)

Tal conclusão demonstra que o pragmatismo apresenta contribuições positivas para a teoria da decisão judicial criminal, ao menos na visão de Posner.

6 Direito e economia

O movimento que vincula o direito e a economia não é novo no sistema jurídico. Bentham utilizava a teoria econômica em relação a criminosos e à sanção a eles imposta. Ainda, segundo Posner, a partir das décadas de 1940 e 1950, a economia passou a estudar determinados ramos do direito, vinculados com o mecanismo antitruste, o direito societário, o direito tributário e diversas áreas de regulamentação dos serviços públicos.(57)

Nos anos seguintes, com trabalhos escritos por Guido Calabresi, Coase e Becker, surgiu uma nova teoria econômica do direito, que preconiza a atuação da economia em pontos centrais da área jurídica, com destaque para a propriedade, a responsabilidade civil, o direito de família, o direito penal, os direitos processual civil e penal, entre outros.(58)

Assim, a análise econômica do direito ganhou força e expandiu-se do direito americano para inúmeros outros sistemas jurídicos.

Isso se conecta com o aspecto interdisciplinar do direito, que também constitui a marca deixada por Posner em Fronteiras da teoria do direito,(59) em que se enfatiza a necessidade premente do cultivo, pelos agentes jurídicos, de uma perspectiva externa ao direito e do exame de contribuições de outras áreas e ciências.

O objetivo de Posner é demonstrar que os problemas do direito não podem ser resolvidos com base exclusivamente no direito, mas a partir de ferramentas encontradas em outras disciplinas.

Como visto, a principal influência recebida pelo direito é da teoria econômica. Segundo Posner:

“A análise econômica do direito tem aspectos heurísticos, descritivos e normativos. Como heurística, procura apresentar a unidade subjacente às doutrinas e instituições jurídicas. Em sua modalidade descritiva, procura identificar a lógica e as consequências econômicas das transformações jurídicas. Finalmente, em seu aspecto normativo, orienta os juízes e outros defensores do interesse público quanto aos métodos mais eficientes de regulamentação da conduta por meio do direito.”(60)

A importância do movimento Law and Economics, conforme já mencionado anteriormente, ficou demonstrada na ampliação da sua incidência na teoria do direito, alcançando os campos da liberdade de expressão, da responsabilidade civil, do direito de família, do direito ambiental, das questões atinentes a políticas públicas e também do direito penal e do direito processual penal.(61)

Um fator que permite a abertura pragmática do direito e a sua vinculação com a economia é a fluidez da teoria constitucional, da teoria política e da própria teoria do direito. Tal característica vai influenciar nas relações entre os poderes e, em especial, na forma de atuação do Judiciário, no enfrentamento dos conflitos sociais. Daí o debate travado entre a postura de autorrestrição, desenvolvida a partir de um trabalho de James Bradley Thayer e hoje representada fortemente por Antonin Scalia, juiz da Corte Suprema America, que rejeita a ideia de Constituição viva, prestigiando o pensamento originalista, dos founding fathers,(62) e, de outro lado, a noção que admite a atualização do texto da Constituição, a partir da contextualização temporal do sistema jurídico a partir dos elementos extraídos da sociedade.

A vagueza da Constituição permite e fomenta, ainda, a relação entre o direito e a filosofia,(63) o direito e a psicologia,(64) o direito e a literatura,(65) o direito e o feminismo.(66)

É claro que, para Posner, a análise econômica do direito é o mais importante campo interdisciplinar dos estudos jurídicos.(67) Considerados os aspectos positivos (descritivos) e normativos, conforme já mencionado, o movimento Law and Economics tem em mira explicar e prever os comportamentos dos agentes que atuam no sistema jurídico e, mais importante, permitir o auxílio da economia na abordagem das consequências das normas jurídicas, apresentando propostas práticas.(68)

Posner, aqui, volta a demonstrar a fragilidade do utilitarismo como fonte para a solução dos problemas sociais. Aponta, em argumento, três pontos: (a) a felicidade é necessária, mas não é tudo na vida, ou seja, a maximização da alegria e do contentamento não é objetivo dos indivíduos; se fosse, uma dose de Prozac seria suficiente para alcançá-la; (b) o somatório geral de utilidade não trata as pessoas como indivíduos, mas como células de um organismo social; (c) não existem princípios que imponham limites ao utilitarismo.(69)

A maximização da riqueza, de outro lado, reduz esses problemas, diante da maior facilidade em mensurar valor do que utilidade.(70)

A tarefa de introduzir a perspectiva econômica no direito não é fácil. Segundo Posner, a área jurídica, em comparação com outras, é a mais dependente do passado. Argumenta o seguinte:

“O direito venera a tradição, o precedente, o ritual, o costume, as práticas antigas, os textos antigos, a terminologia arcaica, a maturidade, a sabedoria, a experiência que vem com a idade, a gerontocracia e a interpretação concebida como método de resgate dos fatos históricos. Desconfia da inovação, das rupturas, das ‘mudanças de paradigma’, bem como da energia e do ímpeto dos jovens. Essas atitudes arraigadas são obstáculos para aqueles que, como eu, gostariam de redirecionar o direito para caminhos mais científicos, econômicos ou pragmáticos.”(71)

Nada obstante, é real e concreta a invasão da análise econômica do direito.

7 Direito e literatura

A interdisciplinaridade do direito não se limita à sua análise econômica. Com o passar do anos, Posner também se interessou por outras áreas, outrora desligadas, que passaram a se interligar com o direito, tais como a teoria feminista do direito, os estudos jurídicos críticos e a teoria literária do direito.(72)

Isso demonstra que a “[...] progressiva dissolução das fronteiras entre as diferentes áreas do conhecimento é uma tendência cada vez mais forte no campo da pesquisa acadêmica em geral.”(73) Os limites divisórios entre as diversas ciências foram se estreitando, por isso que não se concebe, hodiernamente, o estudo isolado da ciência jurídica.

A relação que Posner estabelece entre o direito e a literatura apresenta quatro perspectivas: (a) o direito está representado nas obras de literatura (A fogueira das vaidades, O mercador de Veneza, Os irmãos Karamazov, O estrangeiro, Billy Budd, O processo, entre outros); (b) o direito se utiliza de técnicas literárias em documentos jurídicos, especialmente na retórica dos julgadores; (c) as teorias da interpretação literária influenciam os métodos de interpretação das leis e da Constituição; (d) há vinculação entre campos do direito que regulam a produção literária, materializados nas normas que regulam a privacidade, o ultraje ao pudor e a propriedade intelectual.(74)

Outro aspecto que demonstra a íntima vinculação entre direito e literatura reside nos problemas de interpretação decorrentes da tradução de uma obra para outra língua. Isso ocasiona, muitas vezes, novas interpretações acerca das leis e da Constituição.(75) Tal consideração permite a incrível constatação de que o tradutor pode alterar o texto das normas.(76)

Em O Estrangeiro,(77) de Albert Camus, Meursault é condenado pela morte de um indivíduo apenas porque não demonstrou sensibilidade no velório e no sepultamento de sua mãe. Apenas a frieza de Mersault foi suficiente para sua condenação criminal pela prática de homicídio.

Tais considerações demonstram que há acerto no pensamento de Posner, pois a relação entre literatura e direito penal é íntima e inegável.

8 A análise econômica do direito brasileiro

Em Para além do direito, o principal destaque de Posner foi para o pragmatismo. Em outra obra, A economia da justiça,(78) o autor americano defende de modo ainda mais franco e direto a análise econômica do direito.

Posner apresentou prefácio específico para a edição brasileira, a demonstrar o respeito que o autor dedicou à comunidade jurídica nacional. Nesse sentido, reconheceu que o Brasil passou por profundas alterações, já que tradicionalmente adotava uma concepção positivista do papel do Poder Judiciário, que concebia como direito apenas aquilo que era editado exclusivamente pelo legislador e que atualmente, entretanto, os constitucionalistas pátrios passaram a aplicar uma postura não positivista da interpretação constitucional, “[...] orientando-se por teorias constitucionais como as da ponderação de valores ou interesses, da proporcionalidade e do direito como moral (direito natural)”.(79) Igualmente, o modelo brasileiro reconheceu a textura aberta dos textos legislativos, a permitir, também, maior discricionariedade judicial.(80)

É nesse cenário que a análise econômica do direito surge, a fim de permitir o exercício da discricionariedade pelo juiz, dentro dos patamares fixados pela teoria econômica aplicada do direito (Law and economics).(81)

O ponto central da teoria econômica do direito reside na maximização da riqueza, que configura critério de custo-benefício a orientar a teoria da decisão judicial.(82) Vale dizer, o dinheiro, que constitui a unidade comum, vai servir de suporte para investigar se os custos e os benefícios – incluindo os não pecuniários – sejam considerados para se decidir o que é uma norma ou prática eficiente.(83)

A novidade do movimento Law and Economics, na lição de Posner, consiste em “[...] insistir que os juízes, ao tomar decisões, exerçam sua ampla discricionariedade de modo que se produzam resultados eficientes, entendidos no sentido de resultados que evitem o desperdício social [...]”.(84)

A perspectiva indicada por Posner é a ausência de limitação da análise econômica do direito apenas às áreas do direito privado (contratos, responsabilidade civil). Atinge também o direito público (leis antitruste, serviços e transportes públicos, direito penal), em especial o direito constitucional, como se observa, exemplificativamente, na abordagem de questões relativas a liberdade de expressão (vinculada ao mercado de ideias e opiniões). A primeira perspectiva tem origem em Adam Smith e a segunda é mais recente, pois diz respeito a questão não mercadológicas, estudadas, inicialmente, por Ronald Coase e Guido Calabresi.(85) O direito penal e o direito processual penal, conforme se verá a seguir, também sofrem inegável influência da perspectiva econômica.

A possibilidade jurídica de admitir-se a invasão do direito pela economia, segundo Posner, está na ausência de detalhamento da legislação, que não escraviza a atuação do julgador, deixando grande margem de discricionariedade.(86)

Em outras palavras:

“Especialmente em uma sociedade comercial (como é o Brasil de hoje), é inevitável que os valores comerciais, tais como a eficiência econômica, venham a influenciar as autoridades que determinam os rumos políticos do país; e, como é inevitável a discricionariedade judicial, os juízes se contam entre essas autoridades. Assim, a análise econômica do direito tem também uma dimensão positiva (no sentido descritivo ou empírico, não juspositivista), além da dimensão normativa sobre a qual já falamos.”(87)

Posner aponta, ainda, dois aspectos para influenciar a aplicação da análise econômica do direito no Brasil.(88) O primeiro refere-se à formação dos juízes, centrada no sistema civil law, que concentra o ensino jurídico em metodologias conservadoras. Assim, deve-se incentivar o estudo da Law and Economics nas universidades e nas faculdades de direito. O segundo está relacionado ao caráter periférico do Brasil, e, por se tratar de país em desenvolvimento, deve haver uma aplicação diferenciada da análise econômica, em comparação àquela adotada nos países desenvolvidos. É que aqui a tutela de alguns direitos (propriedade, liberdade contratual, prevenção à corrupção e ao proselitismo e favorecimento político, além da regulação estatal de atividades econômicas) possui – e isso deve ser perseguido – importância maior do que nos territórios desenvolvidos, que já consolidaram um modelo de sistemas jurídico e social.(89)

Para Posner, essa diferença é bem-vinda, pois favorece e fomenta o movimento Law and Economics.(90) Isso, contudo – e isso será destacado a seguir –, não pode ser levado ao extremo.

9 A aplicação da análise econômica do direito

A noção de que os indivíduos buscam encontrar o máximo de satisfação – maior felicidade – tem raiz em Jeremy Bentham.(91) O utilitarismo, contudo, é uma teoria que reúne a moral individual e a justiça social.(92) Por isso que Posner afirma que existe diferença entre maximização das riquezas e maximização da utilidade, pois aquela permite a conciliação entre princípios éticos concorrentes e interligados: utilidade, liberdade e igualdade.(93)

O utilitarismo(94) exerceu, durante muito tempo, grande influência no direito. Contudo, hodiernamente, os juristas o rejeitam como teoria normativa do direito, surgindo, em substituição, o atrelamento da economia ao direito.(95)

Mesmo assim, não é recente a aproximação do direito com a economia. O juiz Learned Hand já apresentava uma fórmula para a responsabilidade por negligência que, para Posner,

“[...] é considerada como uma falta de cuidado nos casos em que o custo de prevenção (Hand chama isso de ‘ônus da precaução’) é inferior à probabilidade de ocorrência do acidente multiplicada pela perda advinda da sua efetiva ocorrência. Ao produto dessa multiplicação um economista chamaria custos esperados do acidente.”(96)

Nessa linha de raciocínio, os economistas constataram que o direito obedece às leis da economia, tal qual se verifica das doutrinas da presunção de risco na responsabilidade civil, dos diferentes graus de homicídio, dos princípios que regulam a indenização por perdas e danos por atos ilícitos e inadimplemento contratual, entre outros.(97)

A maximização da riqueza, diferentemente da maximização da utilidade, configura princípio moral com base sólida para a construção de uma teoria da justiça distributiva e corretiva.(98)

Na ideia de Posner, “[...] o princípio da maximização da riqueza determina que os direitos devem ser inicialmente conferidos àqueles que provavelmente os valorizarão mais, de modo a minimizar os custos de transação.”(99) Por isso que, no plano econômico, justifica-se ao trabalhador o direito de vender seu trabalho.(100)

A noção apresentada por Posner pode ser resumida no seguinte exemplo: em um acidente entre dois veículos, se o causador for proprietário de um automóvel de baixíssimo valor e a vítima possuidora de veículo de luxo, a indenização pelo acidente se dará com a entrega do automóvel simples para a vítima, pois não há compensação para o sistema jurídico se houver indenização pecuniária, que sequer poderá ser culminada se o culpado não possuir condições financeiras suficientes para reparar o dano causado ao automóvel de luxo.

Vale dizer, a maximização da riqueza permite alteração na teoria da decisão judicial, pois o aspecto econômico passa a exercer função importante na resolução dos conflitos.

10 A análise econômica do direito penal e do processo penal

É inegável a influência da economia no direito penal e no processo penal. Aliás, o modelo de política criminal fixado pelo Estado segue muitas regras de natureza econômica. Tal conclusão é facilmente encontrada no estudo do abolicionismo, do movimento de lei e ordem e no direito penal mínimo.

O direito penal empresarial também é fortemente marcado pela perspectiva econômica. Nesse sentido, os crimes societários são estabelecidos no sistema jurídico a partir de critérios de economia, não apenas com a finalidade de repressão, mas com o objetivo especial de produzir estabilidade e eficiência ao mercado, com a tentativa de redução da concorrência desleal.

Na perspectiva legislativa, inúmeros tipos penais somente são capitulados a partir da valoração econômica, a ensejar, inclusive, a discussão sobre a aplicação do princípio da insignificância.

No âmbito judicial, também, vários são os precedentes do Supremo Tribunal Federal que analisam apenas os aspectos econômicos para concluir pela criminalização ou não de condutas.

Para alguns crimes, o STF utiliza como referência para aplicação do princípio da insignificância o valor não executável pela Procuradoria da Fazenda Nacional, invocando o artigo 20 da Lei Nº 10.522/2002.(101) O limite de R$ 10.000,00 foi ampliado, no âmbito federal, pela Portaria do Ministro da Fazenda nº 75 (22.03.2012), que dispensa o ajuizamento de execução fiscal para cobrança de crédito igual ou inferior a R$ 20.000,00(102) (como se tais cifras fossem desnecessárias para os cofres do Estado, que sequer tem condições de recuperar suficientemente os créditos que superam tal patamar!). Esse valor, portanto, serve de referência para a aplicação do princípio da insignificância. Vale dizer, se o crédito tributário decorreu de sonegação criminalmente sancionável ou de descaminho/contrabando, o autor da conduta não sofrerá a reprimenda penal.

Nesse sentido, há vários precedentes do Supremo Tribunal Federal(103) e também do Superior Tribunal de Justiça.(104)

Isso demonstra que o custo/benefício do ajuizamento da execução fiscal é reduzido, é ineficaz e não maximiza riquezas, na linha da análise econômica do direito, a permitir tal raciocínio no âmbito penal.(105)

O aspecto econômico também é utilizado para afastar crime praticado contra a administração pública.(106) Ou seja, o prejuízo reduzido é suficiente, ao que parece, para afastar a reprimenda penal, em total descompasso ao que estabelecem os princípios estampados no artigo 37 da Constituição.

Os custos de manutenção de normas penais e de normas processuais penais também são influenciados pela economia. Nesse sentido, é nítido o avanço do discurso neoliberal apresentado com o fim de provocar a descriminalização de condutas e de repressão penal.

A Lei 12.403/2011, que alterou o Código de Processo Penal - CPP, demonstra claramente tal proposta. Ou seja, observado o aspecto econômico, não se pode tolerar o imenso custo de um presídio e de uma penitenciária, especialmente quando a sanção penal permite outra possibilidade de reprimenda – substitutiva.

A nova redação do artigo 312 do Código de Processo Penal somente admite a decretação da prisão em flagrante se for impossível a utilização de inúmeras outras modalidades de medida cautelar, que permitem o controle e a fiscalização do agente sem o seu encarceramento, tal como se verifica no rol de providências fixado no artigo 319 do CPP.(107)

Assim, ao analisar um pedido de prisão preventiva, o juiz deve procurar aplicar alguma(s) das possibilidades estampadas no rol do artigo 319 e tão somente na hipótese excepcional é que terá disponível a aludida modalidade de prisão processual.

Tudo isso demonstra que o direito penal e o processo penal precisam ser eficientes e, principalmente, econômicos no dispêndio de tempo e de dinheiro, para atingir a eficácia necessária à atuação estatal.

O tempo,(108) portanto, é inimigo do processo, pois reduz a eficiência da persecução penal. Nessa perspectiva, o processo como procedimento contraditório, na linha preconizada por Fazzallari,(109) fica inviabilizado, muitas vezes, em prol da influência econômica. A Law and Economics preconiza uma decisão relâmpago,(110) e isso nem sempre é possível, especialmente porque potencializa a vulneração de garantias constitucionais processuais.

Os Juizados Especiais Criminais demonstram a força da política encetada pelo movimento da economia no direito, já que permite com maior celeridade a aplicação de sanção por práticas criminosas de menor potencial ofensivo, com a adoção de medidas não autoritárias, tal como se verifica com a transação penal e com a suspensão condicional do processo.(111)

É preciso cuidado, entretanto, para não fulminar a persecução penal apenas para prestigiar a eficiência e o pragmatismo inerentes à análise econômica do direito. Vários institutos jurídicos acabam banalizados com a aplicação indevida da teoria econômica.

A edição da súmula vinculante(112) sobre o uso de algemas pelo Supremo Tribunal Federal é exemplo disso, pois deturpa a percepção que se tem sobre o fenômeno jurídico-político-social.

Apesar disso, importa lembrar que cabe ao Estado a preservação dos direitos fundamentais dos indivíduos, sob pena de insuficiência de proteção ou descumprimento da proibição de déficit (Untermassverbot). No mesmo sentido, o Estado também não pode pecar pelo excesso, ou seja, deve atuar na medida suficiente para cumprir as determinações constitucionais, sem abuso (Übermassverbot).

O tema também se conecta com a criação de legislações próprias de emergência, destinadas a respeitar eventual pressão social imediata. Nesse sentido, o caráter publicitário das leis penais e processuais penais é compatível com o modelo preconizado pela Law and Economics, que procura preservar os interesses do mercado.(113)

Assim, a partir da AED, também não se mostra econômico ao Estado admitir um sistema penal amplo, com vasta legislação materializadora de crimes de perigo abstrato, de mera conduta e sem ofensividade. Tudo isso representa um alto custo/benefício para a manutenção do modelo estatal.

Ou seja, o direito penal precisa ser subsidiário, não apenas no plano abstrato, sob pena de negar o eficientismo desejado pela Law and Economics.(114)

A invasão do direito penal em outras áreas também pode ser estabelecida a partir da perspectiva da eficiência estatal (ou da sua tentativa). Isso se verifica, principalmente, nas áreas fiscal e tributária, quando o direito penal é utilizado para a arrecadação de tributos, nos crimes contra a ordem tributária. A questão é agravada a partir de leis de parcelamento (Refis e outros correlatos) que permitem a suspensão do processo penal enquanto são efetuados os pagamentos das parcelas do débito tributário.

A ordem da economia é a criação de um Estado mínimo, em que o mercado coordena a atuação jurídica e política, fortalecendo a propriedade privada e a liberdade de contratar. Assim, o direito penal deve tratar apenas de questões específicas, para não dificultar a regulação do mercado.

Os aspectos apresentados demonstram que a invasão da economia no direito devem ser equilibrados em prol do sistema jurídico e, principalmente, com observância às normas estabelecidas no Estado Constitucional Democrático, especialmente sem a violação aos direitos fundamentais.

Considerações finais

Guido Calabresi sugeriu que se facultasse ao Judiciário a atribuição de anular normas antiquadas, a fim de ajustar o sistema jurídico à realidade.(115) Trata-se, em verdade, de argumento ad terrorem, que não pode ser invocado para permitir a invasão, sem limites, da economia no direito penal e no direito processual penal. À jurisdição, em verdade, cabe a análise das normas penais e processuais penais à luz do sistema jurídico, que exige a aplicação do processo hermenêutico de filtragem constitucional.

Não se pode esvaziar o direito penal e o processo penal apenas para satisfazer os interesses da ciência econômica. O direito possui normas próprias, que o caracterizam. Deve-se negar a transformação da decisão judicial penal em mero instrumento de satisfação dos economistas. A eficiência dos tribunais é meta a ser alcançada, mas não ao arrepio de valores constitucionais cristalizados no sistema jurídico.(116) Nesse aspecto, é impossível a aplicação dos postulados econômicos em desrespeito aos direitos fundamentais, que se caracterizam pela intangibilidade, já que não passíveis de revisão ou supressão, nos termos do artigo 60, § 4º, da Constituição.

Assim, não se pode creditar à Law & Economics a esperança de resolver todos os problemas do direito penal e do processo penal ao arrepio do Estado Constitucional Democrático vigente. O movimento que reúne direito e economia é importante para demonstrar a necessidade de relação interdisciplinar, mas com respeito às características inerentes a cada ciência.

Milton Friedman afirmou que o Direito é muito importante para ficar nas mãos dos juristas.(117)

Isso demonstra o cuidado com a leitura econômica do direito penal e do processo penal. Geralmente, o interesse do economista é distinto do interesse do jurista. Este se preocupa, sempre, com o cumprimento do conjunto de normas do sistema jurídico. O economista preconiza principalmente a eficiência e o pragmatismo que, muitas vezes, podem prejudicar o modelo jurídico ou a justiça constitucional penal e processual penal.

Referências das fontes consultadas

CALLEGARI, André Luís. Legitimidade constitucional do direito penal econômico: uma crítica aos tipos penais abertos. Revista dos Tribunais, Rio de Janeiro, v. 851, p. 436-437, set. 2006.

CAMUS, Albert. O estrangeiro. Traduzido por Valerie Rumjanek. 30. ed. Rio de Janeiro: Record, 2009.

DWORKIN, Ronald. A justiça de toga. Traduzido por Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2010. Tradução de: Justice in robes.

FAZZALLARI, Elio. Istituzioni di diritto processuale. 4 ed. Pádua: Cedam, 1986.

______. Note in tema di diritto e processo. Milão: Giuffrè, 1957.

POSNER, Richard. A economia da justiça. Traduzido por Evandro Ferreira e Silva. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010. Tradução de: The economics of justice.

______. Fronteiras da teoria do direito. Traduzido por Evandro Ferreira e Silva, Jefferson Luiz Camargo, Paulo Salles e Pedro Sette-Câmara. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011. Tradução de: Frontiers of legal theory.

______. Para além do direito. Traduzido por Evandro Ferreira da Silva. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009. Tradução de: Overcoming law.

OST, François. O tempo do direito. Traduzido por Élcio Fernandes. Bauru: Edusc, 2005. Tradução de: Le temps du droit.

ROSA, Alexandre Morais da; LINHARES, José Manuel Aroso. Diálogos com a law & economics. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.


Notas

1. Artigo apresentado como requisito necessário à conclusão do Currículo Permanente – Módulo IV – Direito Penal e Processual Penal, na modalidade Ensino à Distância – EAD, da Escola da Magistratura do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

2. POSNER, Richard. Para além do direito. Traduzido por Evandro Ferreira da Silva. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009. Tradução de: Overcoming law.

3. POSNER, 2009, p. 4.

4. “O ativismo judicial propriamente dito é uma visão das competências e responsabilidades dos tribunais perante os outros órgãos do Estado.” (POSNER, 2009, p. 5)

5. POSNER, 2009, p. 4-5.

6. POSNER, 2009, p. 5.

7. POSNER, 2009, p. 5.

8. POSNER, 2009, p. 7.

9. POSNER, 2009, p. 7.

10. POSNER, 2009, p. 7.

11. POSNER, 2009, p. 11.

12. Dworkin faz a seguinte apresentação de Posner: “[...] o juiz preguiçoso que escreve um livro antes do café da manhã, decide vários casos antes do meio-dia, passa a tarde dando aulas na Faculdade de Direito de Chicago e faz cirurgia no cérebro depois do jantar”. (DWORKIN, Ronald. A justiça de toga. Traduzido por Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 74. Tradução de: Justice in robes)

13. POSNER, 2009, p. 16.

14. POSNER, 2009, p. 19.

15. POSNER, 2009, p. 21.

16. POSNER, 2009, p. 23.

17. POSNER, 2009, p. 26.

18. POSNER, 2009, p. 31.

19. POSNER, 2009, p. 90.

20. POSNER, 2009, p. 90.

21. POSNER, 2009, p. 90.

22. POSNER, 2009, p. 90.

23. POSNER, 2009, p. 91.

24. POSNER, 2009, p. 92.

25. POSNER, 2009, p. 116.

26. POSNER, 2009, p. 116-117.

27. POSNER, 2009, p. 129.

28. POSNER, 2009, p. 135.

29. POSNER, 2009, p. 136.

30. POSNER, 2009, p. 137.

31. POSNER, 2009, p. 139.

32. POSNER, 2009, p. 140.

33. POSNER, 2009, p. 142.

34. POSNER, 2009, p. 142-143.

35. POSNER, 2009, p. 184.

36. POSNER, 2009, p. 184.

37. POSNER, 2009, p. 184.

38. POSNER, 2009, p. 221.

39. POSNER, 2009, p. 222.

40. POSNER, 2009, p. 222.

41. POSNER, 2009, p. 244.

42. POSNER, 2009, p. 269.

43. POSNER, 2009, p. 269.

44. POSNER, 2009, p. 249.

45. POSNER, 2009, p. 250.

46. POSNER, 2009, p. 415.

47. POSNER, 2009, p. 335.

48. POSNER, 2009, p. 410.

49. POSNER, 2009, p. 410.

50. POSNER, 2009, p. 412.

51. POSNER, 2009, p. 413.

52. POSNER, 2009, p. 421-422.

53. POSNER, 2009, p. 422-423.

54. POSNER, 2009, p. 423.

55. POSNER, 2009, p. 425.

56. POSNER, 2009, p. 428.

57. POSNER, 2009, p. 462.

58. POSNER, 2009, p. 462.

59. POSNER, Richard. Fronteiras da teoria do direito. Traduzido por Evandro Ferreira e Silva, Jefferson Luiz Camargo, Paulo Salles e Pedro Sette-Câmara. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011. Tradução de: Frontiers of legal theory.

60. POSNER, 2011, p. XII.

61. POSNER, 2011, p. XII-XIII.

62. POSNER, 2011, p. XIX.

63. POSNER, 2011, p. XX.

64. POSNER, 2011, p. XXII.

65. “Desde o começo da década de 1970, um grande número de professores de direito, um número um pouco menor de especialistas em literatura e alguns acadêmicos com formação nas duas áreas vêm explorando as inúmeras relações entre direito e literatura. Muitas obras literárias cujo enredo contém temas jurídicos (entre elas algumas tragédias gregas, várias peças de Shakespeare e diversos romances e contos) foram exploradas por sua importância do ponto de vista do direito. As aplicações mais práticas desse campo de estudos concentram-se nas áreas da interpretação, da retórica, do ensino do direito e da propriedade intelectual. Métodos de interpretação desenvolvidos por críticos e estudiosos da literatura foram aplicados à Constituição norte-americana (criando um entrecruzamento entre a teoria constitucional e a teoria literária do direito); métodos de avaliação do estilo e da retórica das obras literárias foram empregados na crítica dos votos e das sentenças dos juízes; obras literárias tidas como ilustrativas de princípios éticos ou capazes de suscitar sentimentos de solidarização com os problemas das minorias têm tido seu estudo recomendado a estudantes de direito e juízes; e, finalmente, o conhecimento literário tem sido usado como fonte de ideias de originalidade e criatividade que poderiam ser usadas como paradigma para a interpretação dos direitos autorais e das demais leis que regulamentam a atividade expressiva.” (POSNER, 2011, p. XXIV-XXV)

66. POSNER, 2011, p. XVI.

67. POSNER, 2011, p. 3.

68. POSNER, 2011, p. 8.

69. POSNER, 2011, p. 99-101.

70. POSNER, 2011, p. 102.

71. POSNER, 2011, p. 167.

72. POSNER, 2009, p. 495.

73. POSNER, 2009, p. 496.

74. POSNER, 2009, p. 496-497.

75. POSNER, 2009, p. 517.

76. POSNER, 2009, p. 520.

77. CAMUS, Albert. O estrangeiro. Traduzido por Valerie Rumjanek. 30. ed. Rio de Janeiro: Record, 2009.

78. POSNER, Richard. A economia da justiça. Traduzido por Evandro Ferreira e Silva. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010. Tradução de: The economics of justice.

79. POSNER, 2010, p. X.

80. POSNER, 2010, p. X.

81. POSNER, 2010, p. XI.

82. POSNER, 2010, p. XIII-XIV.

83. POSNER, 2010, p. XIV.

84. POSNER, 2010, p. XIV-XV.

85. POSNER, 2010, p. 6-7.

86. POSNER, 2010, p. XVI.

87. POSNER, 2010, p. XVI-XVII.

88. POSNER, 2010, p. XVIII.

89. POSNER, 2010, p. XVIII.

90. POSNER, 2010, p. XVIII.

91. POSNER, 2010, p. 4-5.

92. POSNER, 2010, p. 62-63.

93. POSNER, 2010, p. 138.

94. Um dos grandes problemas do utilitarismo é a ausência de método para medir o efeito de uma política ou de uma decisão judicial na felicidade da população (POSNER, 2010, p. 66).

95. POSNER, 2010, p. 62.

96. POSNER, 2010, p. 8.

97. POSNER, 2010, p. 8-9.

98. POSNER, 2010, p. 83.

99. POSNER, 2010, p. 86.

100. POSNER, 2010, p. 86.

101. “Art. 20. Serão arquivados, sem baixa na distribuição, mediante requerimento do Procurador da Fazenda Nacional, os autos das execuções fiscais de débitos inscritos como Dívida Ativa da União pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ou por ela cobrados, de valor consolidado igual ou inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais).”

102. “O MINISTRO DE ESTADO DA FAZENDA, no uso da atribuição que lhe confere o parágrafo único, inciso II, do art. 87 da Constituição da República Federativa do Brasil e tendo em vista o disposto no art. 5º do Decreto-Lei nº 1.569, de 8 de agosto de 1977; no parágrafo único do art. 65 da Lei nº 7.799, de 10 de julho de 1989; no § 1º do art. 18 da Lei nº 10.522, de 19 de julho de 2002; no art. 68 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996; e no art. 54 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, resolve:
Art. 1º Determinar:
I – a não inscrição na Dívida Ativa da União de débito de um mesmo devedor com a Fazenda Nacional de valor consolidado igual ou inferior a R$ 1.000,00 (mil reais); e II – o não ajuizamento de execuções fiscais de débitos com a Fazenda Nacional, cujo valor consolidado seja igual ou inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais).”

103. “PENAL. HABEAS CORPUS. DESCAMINHO (ART. 334, CAPUT, DO CP). PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. REQUISITOS PRESENTES. DELITO PURAMENTE FISCAL. TRIBUTO ILUDIDO EM VALOR INFERIOR A R$ 10.000,00 (DEZ MIL REAIS). ATIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA. ART. 20 DA LEI Nº 10.522/02. DISPENSA DA UNIÃO DE EXECUTAR OS CRÉDITOS FISCAIS EM VALOR INFERIOR A ESSE PATAMAR. PRECEDENTES. ORDEM CONCEDIDA. 1. O princípio da insignificância incide quando o tributo iludido pelo delito de descaminho for de valor inferior a R$ 10.000,00, presentes os princípios da lesividade, da fragmentariedade e da intervenção mínima e ante o disposto no art. 20 da Lei nº 10.522/02, que dispensa a União de executar os créditos fiscais em valor inferior a esse patamar. Precedentes: HC 96412/SP, rel. p/ acórdão Min. Dias Toffoli; 1ª Turma, DJ de 18.03.2011; HC 97257/RS, rel. Min. Marco Aurélio, 1ª Turma, DJ de 01.12.2010; HC 102935, rel. Min. Dias Toffoli, 1ª Turma, DJ de 19.11.2010; HC 96852/PR, rel. Min. Joaquim Barbosa, 2ª Turma, DJ de 15.03.2011; HC 96307/GO, rel. Min. Joaquim Barbosa, 2ª Turma, DJ de 10.12.2009; HC 100365/PR, rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ de 05.02.2010) 2. In casu, a paciente fora denunciada pela prática do crime de descaminho por iludir, no ingresso de mercadorias em território nacional, tributos no valor de R$ 3.045,98. 3. Ordem concedida para restabelecer a decisão do Juízo rejeitando a denúncia.” (HC 100942/PR, Relator Min. LUIZ FUX, j. 09.08.2011, Primeira Turma, DJe-172 06.09.2011)
Habeas corpus. Penal. Crime de descaminho. Princípio da insignificância. Possibilidade. Precedentes. Ordem concedida. 1. Nos termos da jurisprudência deste Supremo Tribunal, o princípio da insignificância deve ser aplicado no delito de descaminho quando o valor sonegado for inferior ao montante mínimo de R$ 10.000,00 (dez mil reais) legalmente previsto no art. 20 da Lei n° 10.522/02, com a redação dada pela Lei nº 11.033/04. 2. Ordem concedida.” (HC 96919/RS, Relatora Min. CÁRMEN LÚCIA, Relator p/ Acórdão Min. DIAS TOFFOLI, j. 18.05.2010, Primeira Turma, DJe-120 30.06.2010)
HABEAS CORPUS. CRIME DE DESCAMINHO. DÉBITO TRIBUTÁRIO INFERIOR AO VALOR PREVISTO NO ART. 20 DA LEI Nº 10.522/02. ARQUIVAMENTO. CONDUTA IRRELEVANTE PARA A ADMINISTRAÇÃO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. 1. Crime de descaminho. O arquivamento das execuções fiscais cujo valor seja igual ou inferior ao previsto no artigo 20 da Lei nº 10.522/02 é dever-poder do Procurador da Fazenda Nacional, independentemente de qualquer juízo de conveniência e oportunidade. 2. É inadmissível que a conduta seja irrelevante para a Administração Fazendária e não para o direito penal. O Estado, vinculado pelo princípio de sua intervenção mínima em direito penal, somente deve ocupar-se das condutas que impliquem grave violação ao bem juridicamente tutelado. Neste caso se impõe a aplicação do princípio da insignificância. Ordem concedida.” (HC 95749/PR, Relator Min. EROS GRAU, j. 23.09.2008, Segunda Turma, DJe-211 06.11.2008)

104. “CRIMINAL. RESP. DESCAMINHO. NÃO INCIDÊNCIA, NO CÁLCULO DO IMPOSTO DEVIDO, DAS ALÍQUOTAS DO PIS E DO COFINS. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
Tratando-se de crime de descaminho, não incide sobre o cálculo do imposto devido a alíquota do PIS, tampouco a do Cofins, nos termos do inc. III do art. 2º da Lei nº 10.865/04.
Nos termos do julgamento, pela Terceira Seção, do Recurso Especial Repetitivo nº 1.112.748/TO, pacificou-se o entendimento no sentido de que o princípio da insignificância no crime de descaminho incide quando o débito tributário não ultrapassar o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), nos termos do disposto no art. 20 da Lei 10.522/2002.
Não deve ser objeto de cassação ou reforma acórdão que se encontra em consonância com o entendimento desta Corte.
Recurso especial conhecido e desprovido, nos termos do voto do relator.” (STJ, REsp 1231432/PR, Relator Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, j. 13.03.2012, DJe 20.03.2012)

105. Não é unânime, contudo, a aplicação do princípio da insignificância nos crimes tributários. Nesse sentido:
HABEAS CORPUS. PENAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. NÃO REPASSE À PREVIDÊNCIA SOCIAL DO VALOR DE R$ 7.767,59 (SETE MIL, SETECENTOS E SESSENTA E SETE REAIS E CINQUENTA E NOVE CENTAVOS). INVIABILIDADE DA APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA: ALTO GRAU DE REPROVABILIDADE DA CONDUTA E OFENSA AO BEM JURÍDICO PENALMENTE TUTELADO. ORDEM DENEGADA. 1. A tipicidade penal não pode ser percebida como o trivial exercício de adequação do fato concreto à norma abstrata. Além da correspondência formal, para a configuração da tipicidade, é necessária análise materialmente valorativa das circunstâncias do caso concreto, no sentido de se verificar a ocorrência de lesão grave e penalmente relevante do bem jurídico tutelado. 2. O princípio da insignificância reduz o âmbito de proibição aparente da tipicidade legal, tornando atípico o fato na seara penal, apesar de haver lesão a bem juridicamente tutelado pela norma penal. 3. Para a incidência do princípio da insignificância, devem ser relevados o valor do objeto do crime e os aspectos objetivos do fato, como a mínima ofensividade da conduta do agente, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica causada. 4. Não repassar à Previdência Social R$ 7.767,59 (sete mil, setecentos e sessenta e sete reais e cinquenta e nove centavos), além de ser reprovável, não é minimamente ofensivo. 5. Habeas corpus denegado.” (HC 110124/SP, Relatora Min. CÁRMEN LÚCIA, j. 14.02.2012, Primeira Turma, DJe-055 15.03.2012)

106. “1. Habeas Corpus. 2. Ex-prefeito condenado pela prática do crime previsto no art. 1º, II, do Decreto-Lei 201/1967, por ter utilizado máquinas e caminhões de propriedade da Prefeitura para efetuar terraplanagem no terreno de sua residência. 3. Aplicação do princípio da insignificância. Possibilidade. 4. Ordem concedida.” (HC 104286/SP, Relator Min. GILMAR MENDES, j. 03.05.2011, Segunda Turma, DJe-095 19.05.2011)

107. “Art. 319.  São medidas cautelares diversas da prisão:
I – comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades;
II – proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações;
III – proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante;
IV – proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução;
V – recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos;
VI – suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais;
VII – internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração;
VIII – fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial;
IX – monitoração eletrônica.”

108. OST, François. O tempo do direito. Traduzido por Élcio Fernandes. Bauru: Edusc, 2005. Tradução de: Le temps du droit.

109. FAZZALLARI, Elio. Note in tema di diritto e processo. Milão: Giuffrè, 1957; FAZZALLARI, Elio. Istituzioni di diritto processuale. 4. ed. Pádua: Cedam, 1986.

110. ROSA, Alexandre Morais da; LINHARES, José Manuel Aroso. Diálogos com a law & economics. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.

111. Lei 9.099/95 e Lei 10.259/01.

112. Súmula Vinculante nº 11: “Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado”.

113. ROSA; LINHARES, 2011, p. 37. A Lei dos Crimes Hediondos é exemplo disso, pois sua edição, a despeito do marketing a ela destinado, não demonstrou efetividade.

114. “O Poder Judiciário, assim, possui o papel de garantir o desenho dos direitos patrimoniais e das regras de trocas (pactuação e cumprimento), no campo do mercado, para que as respectivas manifestações de vontade possam ocorrer com o menor custo econômico.” (ROSA; LINHARES, 2011, p. 75)

115. POSNER, 2011, p. 186.

116. A Law and Economics preconiza “[...] a funcionalidade do Sistema Judicial na manutenção dos dogmas neoliberais (propriedade privada e cumprimento dos contratos). Assim é que, quanto menor for o custo (das partes e social), o tempo do processo, bem assim for potencializada a visibilidade das sanções (prevenção geral e especial, positiva e negativa), para efeito de cumprimento das normas jurídicas, mais eficiente será, do ponto de vista econômico, o Sistema Judicial” (ROSA; LINHARES, 2011, p. 81).

117. ROSA; LINHARES, 2011, p. 9. A assertiva permite concluir que o inverso também pode ser admitido, pois a economia não pode ficar apenas ao alvedrio dos economistas, que devem permitir a sua análise jurídica.



Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023:2002/ABNT):
. . Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n., ago. 2014. Disponível em:
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Acesso em: .


REVISTA DE DOUTRINA DA 4ª REGIÃO
PUBLICAÇÃO DA ESCOLA DA MAGISTRATURA DO TRF DA 4ª REGIÃO - EMAGIS