Gestão processual – efeitos da coisa julgada nos processos coletivos com juízo de parcial procedência em matéria eminentemente de direito e mesma causa de pedir

Autor: Diego Viegas Veras

Juiz Federal Substituto

 publicado em 29.08.2014



Resumo

O processo coletivo foi pensado visando, basicamente, à diminuição da quantidade de processos, além de ao fortalecimento da uniformidade jurisdicional, evitando decisões contraditórias. Ocorre que, a despeito da existência de demanda resolvida definitivamente na macrolide coletiva, percebe-se, na prática, a massificação dos processos repetitivos individuais com idênticos argumentos jurídicos e pedidos, tornando praticamente vazia a utilidade das ações coletivas. Questiona-se se uma simples releitura do § 1º do art. 103 do CDC, sob o influxo dos princípios constitucionais, envolvendo a repercussão dos efeitos da coisa julgada das demandas coletivas sobre o interesse ou direito individual do integrante da categoria, da classe ou do grupo, quando existir coincidência de causa de pedir e pedidos, não auxiliaria a harmonizar o objetivo inspirador da criação dos processos coletivos. Isso desaguaria inelutavelmente na melhoria da gestão processual e na otimização do sistema judiciário, o qual se encontra abarrotado de processos.

Palavras-chave: Coisa julgada. Ação coletiva. Matéria de direito. Repercussão no processo individual.

Sumário: Introdução. 1 Inspiração e objetivos do processo coletivo X coisa julgada em pronunciamentos procedentes em parte. 2 Reinterpretação dos efeitos da coisa julgada da macrolide sobre a microlide. Conclusão. Referências bibliográficas.

Introdução

Não há dúvidas de que, hodiernamente, o planejamento e a gestão processual são temas umbilicalmente ligados à celeridade processual e à efetividade do acesso à jurisdição, na medida em que a avalanche de demandas judiciais tem sobrecarregado o aparelho estatal e encetado consequências de ordem prática que impedem o adequado tratamento de forma eficiente e condizente com a envergadura de outras situações fático-jurídicas presentes no acervo processual da unidade judiciária.

Quem labuta(ou) na atividade forense tem ciência de que quem ingressa com demandas idênticas em favor de várias pessoas, invariavelmente, utiliza-se de petições “padrão” (individualmente ou em litisconsórcio multitudinário), que apenas reproduzem identicamente a matéria jurídica. No mesmo sentido, prolatar decisões judiciais em tema repetitivo e sem discussão fática gera a tentação de valer-se das sentenças “modelo”, no afã de otimizar o tempo para focar nos processos de maior complexidade técnico-fática.

Na verdade, a massificação das demandas repetitivas, mais notadamente nas ações coletivas, merece análise mais acentuada pelo Poder Judiciário, sob pena de o instituto ser desvirtuado de sua finalidade precípua: evitar decisões contraditórias e enxurrada de ações individuais que discutem o mesmo tema fático-jurídico.

Nesse diapasão, é necessária uma releitura do microssistema coletivo, visando aclarar o efeito direto da coisa julgada em demandas coletivas, julgadas procedentes em parte (na parte improcedente), com suficiência de provas, em relação ao direito individual do integrante da coletividade, do grupo, da categoria ou da classe, quando discutido idêntico pedido com base na mesma causa de pedir.

1 Inspiração e objetivos do processo coletivo X coisa julgada em pronunciamentos procedentes em parte

Ab initio, insta salientar que o modelo brasileiro inspirou-se, nos primórdios da codificação, no sistema norte-americano da class action, o qual possui como principal característica a vinculatividade da coisa julgada para todo o grupo/classe/categoria independentemente do resultado do litígio (afastando-a apenas em caso de interesse individual homogêneo), divergindo do Verbandsklage (tradicional na Europa Continental), pois neste a tutela é primordialmente inibitória ou injuncional, não permitindo o ressarcimento do dano em sede de demanda coletiva (incluindo qualquer repercussão patrimonial), daí inexistir razão para impedir o acesso à ação individual em caso de improcedência.

A incorporação ao ordenamento jurídico do processo coletivo sempre teve os precisos objetivos(1):

“As ações coletivas têm, em geral, duas justificativas atuais de ordem sociológica e política: a primeira, mais abrangente, revela-se no princípio do acesso à Justiça; a segunda, de política judiciária, no princípio da economia processual.

As motivações políticas mais salientes são a redução dos custos materiais e econômicos na prestação jurisdicional e a uniformização dos julgamentos, com consequente harmonização social, evitação de decisões contraditórias e aumento da credibilidade dos órgãos jurisdicionais e do próprio Poder Judiciário como instituição republicana. Outra consequência benéfica para as relações sociais são a maior previsibilidade e a segurança jurídica decorrentes do atingimento das pretensões constitucionais de uma Justiça mais célere e efetiva (EC 45/04).

As motivações sociológicas podem ser verificadas e identificadas no aumento das ‘demandas de massa’ instigando uma ‘litigiosidade de massa’, que precisa ser controlada em face da crescente industrialização, urbanização e globalização da sociedade contemporânea.”

Entretanto, subsiste parcela da doutrina que, utilizando-se dos ares europeus, influenciou o legislador brasileiro a instituir a impossibilidade de afetação ao direito individual em caso de improcedência da tutela coletiva, fato que culminou com a edição do § 1º do art. 103 do Código de Defesa do Consumidor.

Não se descura que a principal justificativa é objetar a possibilidade de existência de conluio entre o legitimado ativo coletivo e o demandado, com o ajuizamento de demandas propositadamente com o intuito de engessar os interesses e direitos individuais dos integrantes da coletividade, do grupo, da categoria ou da classe, pois, nesse aspecto, os efeitos da coisa julgada atingiriam quem sequer autorizou ou soube da tramitação da demanda coletiva.

Todavia, tal raciocínio não pode ser analisado aprioristicamente, sob pena de subverter a ordem jurídico-constitucional brasileira.

Isso porque, quando se está diante de sentença proferida em processo coletivo com juízo de parcial procedência, atinente a matéria eminentemente de direito e causa de pedir delimitadas, executada pelos substituídos quanto a essa parcela, com manejo posterior de demanda individual no que se refere à parte vencida na ação coletiva, a interpretação dos efeitos da coisa julgada não pode ser dissociada do filtro dos princípios constitucionais da segurança jurídica (possibilidade de decisões conflitantes nas esferas coletiva e individual), do respeito à coisa julgada (sindicabilidade para executar parcela favorável), do juiz natural (ressubmissão da mesma causa e dos mesmos argumentos passados em julgado a outro magistrado) e da economia processual (incontáveis ações individuais apenas para discutir o que não fora obtido na demanda coletiva), mais notadamente quando o substituído (indivíduo) participe e/ou aquiesça em executar a sentença de procedência parcial da ação coletiva.

Dito de outro modo: o poder de interpretar as normas jurídicas não pode antever a tolerância à possibilidade de ajuizamento de idêntica demanda pelo interessado individual, difuso ou coletivo, utilizando os mesmos argumentos jurídicos já rechaçados em ação coletiva, pois, caso contrário, indiretamente, estar-se-á admitindo a possibilidade de contradição prática entre dois pronunciamentos judiciais, no qual o diferencial é apenas quem está no polo ativo (legitimado coletivo ou interessado individual).

Caso se admitisse o ajuizamento de demandas individuais para resolver o litígio de modo indubitavelmente igual ao desfecho do processo coletivo, teríamos a simples reiteração e rejeição em outra demanda, onerando claramente o aparelho estatal, em desprezo aos princípios constitucionais da economia processual, da celeridade, da eficiência, entre outros.
É o que defendem Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr.(2):

“A decisão nas ações coletivas trará, porém, sempre alguma influência sobre as ações individuais, mesmo quando denegatória de mérito. Como salientou-se na doutrina, somente em casos excepcionais os titulares individuais terão chance de êxito, visto que a natural amplitude da discussão no processo coletivo agirá como fator de reforço ou fortalecimento da convicção jurisdicional (advogados mais preparados, juízes mais atentos etc.).”

Todavia, na prática, inexiste essa conscientização, haja vista que, na tentativa de proteger os interessados individuais da coletividade, do grupo, da categoria ou da classe de possíveis maquinações entre legitimados coletivos e demandados (qualidade da legitimação extraordinária), o sistema acaba admitindo, por via transversa, a probabilidade da existência de contradição prática entre dois pronunciamentos judiciais, o que, no mínimo, se apresenta como suicídio do microssistema coletivo e, concomitantemente, desprestígio ao Poder Judiciário.

É induvidoso que existem jurisconsultos e julgados abalizados, os quais promanam, ao interpretar o § 1º do art. 103 do Código de Defesa do Consumidor, que os efeitos da coisa julgada, nos processos coletivos, “não prejudicarão os interesses e direitos individuais dos integrantes da coletividade, do grupo, da categoria ou da classe, aduzindo que, diferentemente da Lei de Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/1985), a Lei nº 8.078/90 (CDC) outorgou aos indivíduos o acesso jurisdicional em caso de insucesso nas ações coletivas.

No mesmo sentido, verbis in verbis(3):

“O CDC (Lei Federal nº 8.078/90) estabeleceu nova disciplina: deu atenção direta às garantias individuais, ditando que não serão prejudicadas as ações individuais em razão do insucesso da ação coletiva, sem a anuência do indivíduo (aqui ocorreu, portanto, uma ruptura com a ideia original de que a coisa julgada proveniente de um processo conduzido por um legitimado extraordinário atingiria sempre ao substituído). A improcedência de uma demanda coletiva poderia ser estabilizada pela coisa julgada material apenas no âmbito da tutela coletiva, sem qualquer repercussão no âmbito da tutela individual ('não serão prejudicadas as ações individuais'). A procedência da demanda coletiva torna-se indiscutível pela coisa julgada material no âmbito da tutela coletiva e, ainda, estende seus efeitos para beneficiar os indivíduos em suas ações individuais.

Surgiu assim uma situação interessante e nova: a extensão secundum eventum litis da coisa julgada coletiva no plano individual: as sentenças somente terão estabilizadas suas eficácias com relação aos substituídos (indivíduos) quando forem de procedência na ação coletiva.

(...)

Em contrapartida, o CDC determinou a ocorrência da coisa julgada material entre os colegitimados e a contraparte, ou seja, a impossibilidade de repropor a demanda coletiva caso haja sentença de mérito (pro et contra), atendendo, assim, aos fins do Estado na obtenção da segurança jurídica e respeitando o devido processo legal com relação ao réu, que não se expõe indeterminadamente à ação coletiva, ficando, dessa forma, respeitada a regra tantas vezes definida pela doutrina: 'A coisa julgada, como resultado da definição da relação processual, é obrigatória para os sujeitos desta'. Nos processos coletivos, ocorre sempre coisa julgada. A extensão subjetiva desta é que se dará 'segundo o resultado do litígio', atingindo os titulares do direito individual (de certa forma denominados substituídos) apenas para seu benefício.”

Data maxima venia, tal questão não pode ser vista com tamanha simplicidade, tendo em vista a organicidade do Direito e a impossibilidade de aceitação de falhas no sistema jurisdicional.

Seguindo as diretrizes acima expostas, é de bom alvitre destacar que a coisa julgada nas demandas coletivas (em relação ao interessado individualmente) não pode ser vista singularmente como se de uma única hipótese se tratasse, uma vez que cada interesse em jogo possui normas diferenciadas (difuso, coletivo ou individual homogêneo), até porque em nenhuma das oportunidades nas quais foi desafiado a enfrentar o tema o Superior Tribunal de Justiça se manifestou, direta e especificadamente (apenas indiretamente), quanto à diferença existente no que se refere à coisa julgada, em se tratando de interesse coletivo, difuso ou individual homogêneo, haja vista que o instituto da coisa julgada, no processo coletivo, não pode ser interpretado igualmente às demandas individuais (simples análise da identidade de partes, causa de pedir e pedido), diante da diferença existente em seu microssistema normativo.

Senão vejamos:

“Processo civil. Recurso especial. Ação coletiva ajuizada por sindicato na defesa de direitos individuais homogêneos de integrantes da categoria profissional. Apresentação, pelo réu, de pedido de declaração incidental, em face do sindicato-autor. Objetivo de atribuir eficácia de coisa julgada à decisão quanto à extensão dos efeitos de cláusula de quitação contida em transação assinada com os trabalhadores. Inadmissibilidade da medida, em ações coletivas.
– Nas ações coletivas, a lei atribui a algumas entidades poderes para representar ativamente um grupo definido ou indefinido de pessoas, na tutela de direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos. A disciplina quanto à coisa julgada, em cada uma dessas hipóteses, modifica-se.
– A atribuição de legitimidade ativa não implica, automaticamente, legitimidade passiva dessas entidades para figurarem, como rés, em ações coletivas, salvo hipóteses excepcionais.
– Todos os projetos de Códigos de Processo Civil Coletivo regulam hipóteses de ações coletivas passivas, conferindo legitimidade a associações para representação da coletividade, como rés. Nas hipóteses de direitos individuais homogêneos, contudo, não há consenso.
– Pelo panorama legislativo atual, a disciplina da coisa julgada nas ações coletivas é incompatível com o pedido de declaração incidental formulado pelo réu, em face do sindicato-autor. A pretensão a que se declare a extensão dos efeitos de cláusula contratual, com eficácia de coisa julgada, implicaria, por via transversa, burlar a norma do art. 103, III, do CDC. Recurso improvido.” (RESP 200800882108, NANCY ANDRIGHI, STJ – TERCEIRA TURMA, DJE DATA: 28.04.2010) (destacou-se)

Ademais, calha mencionar que não se pode coadunar com a interpretação simplista do art. 103, § 1º, do CDC no sentido de que, em se tratando de demanda de improcedência envolvendo interesse coletivo ou difuso (exceto individual homogêneo, que exige participação efetiva do titular no processo para que a coisa julgada lhe atinja – art. 103, § 2º, do CDC), independentemente de ser com ou sem suficiência de provas ou da matéria decidida, deve ser permitido o ingresso de demandas individuais, sob pena de desnaturar o processo coletivo e causar grande insegurança jurídica. É o que se passa a explicar.

2 Reinterpretação dos efeitos da coisa julgada da macrolide sobre a microlide

O atual cenário acerca da interpretação dos efeitos da coisa julgada sobre as microlides apenas reforça um dos principais entraves ao adequado aproveitamento do processo coletivo(4):

“Esse, com efeito, é o grande mal enfrentado pela tutela coletiva no direito brasileiro. Em que pese o fato de o direito nacional estar munido de suficientes instrumentos para a tutela das novas situações de direito substancial, o despreparo para o trato com esses novos e poderosos mecanismos vem, nitidamente, minando o sistema e transformando-o em ente teratológico que flutua no limbo. As demonstrações dessa crise são evidentes, e são mostradas diariamente pelos veículos de comunicação, quando se vê o tratamento dispensado às ações coletivas no direito brasileiro. Para impedir o prosseguimento dessa visão míope da figura, bem como para permitir a adequada aplicação do instituto, é necessário não se afastar do norte fundamental: o direito transindividual não pode ser confundido com o direito individual, e mesmo este último, diante das peculiaridades da sociedade de massa, merece tratamento diferenciado.”

Indo diretamente ao cerne da questão, a coisa julgada, em processos coletivos com juízo de procedência em parte, merece melhor reflexão, mormente para se ater aos princípios do processo coletivo: universalidade da jurisdição (dar primazia ao processo coletivo e objetar a fragmentação de litígios); fortalecimento da legitimação processual anômala (representação ou substituição); e economia processual (redução de custos econômicos e julgamentos uniformes e concentrados).

A praxis judicial tem demonstrado que se aceitar, apenas em caso de procedência, que a coisa julgada assumiria eficácia erga omnes (interesse difuso) ou ultra partes (direito coletivo), sem se ater ao thema decidendum/causa petendi, é incentivar a proliferação de demandas individuais quando houver improcedência em outro pedido, em caso de matéria eminentemente de direito, e enfraquecer a principiologia do processo coletivo, o qual visa justamente evitar a reiteração de demandas individuais.

Quanto à necessidade de reforçar o microssistema coletivo, extrai-se de aresto do Superior Tribunal de Justiça, in verbis:

“CONFLITO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POSTULANDO RESERVA DE VAGAS AOS PORTADORES DE DEFICIÊNCIA. CONCURSO DE ÂMBITO NACIONAL. DIREITO COLETIVO STRICTO SENSU. INAPLICABILIDADE DA LIMITAÇÃO TERRITORIAL PREVISTA NO ART. 16 DA LEI 7.374/85. DIREITO INDIVISÍVEL. EFEITOS ESTENDIDOS À INTEGRALIDADE DA COLETIVIDADE ATINGIDA. EFICÁCIA PRECLUSIVA DA COISA JULGADA. COMPETÊNCIA DO JUIZ FEDERAL PREVENTO PARA CONHECER DA INTEGRALIDADE DA CAUSA.
1. O direito a ser tutelado consubstancia interesse coletivo, a que se refere o inciso II do art. 81 do CDC (reserva de vagas aos portadores de deficiência em concurso de âmbito nacional), já que pertence a uma categoria, um grupo ou uma classe de pessoas indeterminadas, mas determináveis e, sob o aspecto objetivo, é indivisível, uma vez que não comporta atribuição de sua parcela a cada um dos indivíduos que compõem aquela categoria.
2. O que caracteriza os interesses coletivos não é somente o fato de serem compartilhados por diversos titulares individuais reunidos em uma mesma relação jurídica, mas também o de a ordem jurídica reconhecer a necessidade de que o seu acesso ao Judiciário seja feito de forma coletiva; o processo coletivo deve ser exercido de uma só vez, em proveito de todo o grupo lesado, evitando, assim, a proliferação de ações com o mesmo objetivo e a prolação de diferentes decisões sobre o mesmo conflito, o que conduz a uma solução mais eficaz para a lide coletiva.
3. A restrição territorial prevista no art. 16 da Lei da Ação Civil Pública (7.374/85) não opera efeitos no que diz respeito às ações coletivas que visam proteger interesses difusos ou coletivos stricto sensu, como no presente caso; nessas hipóteses, a extensão dos efeitos a toda a categoria decorre naturalmente do efeito da sentença prolatada, uma vez que, por ser a legitimação do tipo ordinária, tanto o autor quanto o réu estão sujeitos à autoridade da coisa julgada, não importando onde se encontrem.
4. A cláusula erga omnes a que alude o art. 16 da Lei 7.347/85 apenas estende os efeitos da coisa julgada a quem não participou diretamente da relação processual; as partes originárias, ou seja, aqueles que já compuseram a relação processual, não são abrangidos pelo efeito erga omnes, mas sim pela imutabilidade decorrente da simples preclusão ou da própria coisa julgada, cujos limites subjetivos já os abrangem direta e imediatamente.
5. Conflito conhecido para determinar a competência do Juízo Federal da 4ª Vara Cível da Seção Judiciária do Estado do Mato Grosso do Sul, o suscitado, para conhecer da integralidade da causa, não havendo que se falar em desmembramento da ação.” (STJ, no Conflito de Competência nº 109.435, 3ª Seção, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 22.09.2010 e publ. 15.12.2010) (destacou-se)

Desse modo, o mais correto seria analisar a matéria posta à apreciação judicial, no sentido de que, em se tratando de matéria eminentemente de direito discutida em ação coletiva, é defeso o ajuizamento individual de nova demanda, desde que o indivíduo integrante do grupo, da categoria ou da classe aquiesça, direta (ingresse na ação coletiva na fase de cognição ou opte por suspender o feito individual e aguardar o desfecho da ação coletiva nos termos do art. 104 do CDC) ou indiretamente (execute a parte procedente da ação coletiva de maneira individual ou tenha sido representado pelo amicus curiae que tenha participado do feito na fase de conhecimento).

Situando: a) no caso de ingresso individual anterior à ação coletiva, o art. 104 do CDC permite que o indivíduo opte por aguardar a ação coletiva e seguir a sorte desta ou continuar a demanda dissociada da sorte da coletiva – calha mencionar que, em relação à ultima opção, o STJ modificou seu entendimento, em sede de recurso repetitivo, para determinar a suspensão ex officio das ações individuais independentemente de requerimento do indivíduo (conferir Recurso Especial nº 1.110.549, 2ª Seção, Rel. Min. Sidnei Beneti, j. 28.10.2009 e publ. 14.12.2009); b) ao revés, se o indivíduo ingressa com a demanda sem ter ciência da existência da coisa coletiva, segue a demanda dissociada do resultado da coletiva, exceto se o Poder Judiciário determinar a suspensão dos processos individuais de ofício; c) por fim, não é possível favorecer apenas aqueles que se quedaram inertes quando deveriam tê-lo feito e preferiram esperar o resultado do processo coletivo para ingressar judicial e individualmente, no afã de fugir da aplicação do art. 104 do CDC (princípio geral do Direito – nemo auditur propriam turpitudinem allegans – ninguém pode se beneficiar da própria torpeza).

Seguindo essa linha, em caso de ingresso judicial individual depois de ciência da resposta da ação coletiva, no mínimo, admitir-se-ia que competiria a cada interessado escolher se aplicaria tudo o que fora decidido na ação coletiva ou nada, possibilitando-se apenas nesse último caso o ingresso individual, inexistindo substrato jurídico-legal para se aproveitar apenas aquilo que lhe aprouver e ingressar com nova demanda individual da parte improcedente coletiva, uma vez que, caso contrário, o sistema estará prejudicando aqueles que ingressaram judicialmente, antes da ação coletiva, e favorecendo os que permaneceram inertes, em contradição ao brocardo jurídico “Dormientibus non sucurrit jus”(“O Direito não socorre os que dormem”).

Isto é, jamais seria possível segregar o comando normativo sentencial para executar parte da sentença e rejeitar a outra desfavorável, sob pena de criar regime de jurisdição dupla, desnaturando os princípios do juiz natural, da coisa julgada e da economia processual e todo o sistema judicial, que prima pela estabilização das relações jurídicas, evitando a perpetuação do conflito de interesses e a sensação de injustiça, pois certamente existirão decisões judiciais conflitantes.

Ademais, inexistiria razão para que o Superior Tribunal de Justiça possibilitasse a suspensão, ex officio, dos feitos individuais diante da coexistência de processo coletivo, consoante se extrai do aresto a seguir delineado, fixado em sede de recurso repetitivo (art. 543-C do CPC), nos autos do Recurso Especial nº 1.110.549, 2ª Seção, Rel. Min. Sidnei Beneti, j. 28.10.2009 e publ. 14.12.2009:

RECURSO REPETITIVO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO COLETIVA. MACROLIDE. CORREÇÃO DE SALDOS DE CADERNETAS DE POUPANÇA. SUSTAÇÃO DE ANDAMENTO DE AÇÕES INDIVIDUAIS. POSSIBILIDADE.
1.– Ajuizada ação coletiva atinente a macrolide geradora de processos multitudinários, suspendem-se as ações individuais, no aguardo do julgamento da ação coletiva.
2.– Entendimento que não nega vigência aos arts. 51, IV e § 1º, 103 e 104 do Código de Defesa do Consumidor; 122 e 166 do Código Civil; e 2º e 6º do Código de Processo Civil, com os quais se harmoniza, atualizando-lhes a interpretação extraída da potencialidade desses dispositivos legais ante a diretriz legal resultante do disposto no art. 543-C do Código de Processo Civil, com a redação dada pela Lei dos Recursos Repetitivos (Lei nº 11.672, de 08.05.2008).
3.– Recurso especial improvido.”

Vê-se, pois, que o Poder Judiciário não se pode coadunar com um sistema judicial em que proliferem decisões contraditórias, as quais somente maculam o princípio da segurança jurídica, pois, dependendo de para quem foi distribuída a demanda coletiva, o resultado poderá ser diferente daquele de quem manejou ação individual, ou até mesmo entre diferentes divisões competenciais entre os estados federados, como ocorrido com a VPNI/GEL (Gratificação Especial da Localidade), em que o Sindicato do Paraná saiu vencido (2006.70.00.017616-7/PR) e o representativo da mesma categoria profissional do Rio Grande do Sul logrou êxito (2006.71.00.020290-9/RS), privilegiando toda a categoria deste ente federativo, em detrimento daqueles que foram substituídos/representados pelo primeiro, em clara ofensa aos princípios da segurança jurídica, da isonomia e da distribuição equânime da justiça, caindo em descrédito a magistratura e o sistema coletivo.

Neste ponto, resta indagar: como justificar aos cidadãos que, em uma demanda coletiva, o julgador do caso tenha decidido contrariamente ao pleito vindicado (com trânsito em julgado) e, em outra demanda, coletiva ou individual (envolvendo a mesma matéria jurídica da primeira demanda), outro integrante do mesmo poder estatal tenha julgado em sentido diametralmente oposto, não obstante se ater a idêntica matéria jurídica, sem expor a fragilidade da interpretação que vem sendo conferida aos processos coletivos, culminando com a insegurança jurídica?

É percuciente a seguinte observação(5):

“Dir-se-ia que por aí se evita o mal maior – a contradição prática –, mas tal amenização do problema não lhe reduz a complexidade, porque: (i) se todos são iguais perante a lei (CF, art. 5º), descabe distinguir entre lei-norma e lei-judicada, porque do contrário ter-se-ia que admitir que uma norma seria isonômica só enquanto in abstracto, mas deixaria de sê-lo quando submetida ao crivo judicial em um caso concreto; (ii) a divergência jurisprudencial, conquanto previsível, em uma organização judiciária piramidal como a nossa (órgãos sobrepostos, aos quais é outorgada uma competência de derrogação), não implica que deva o dissenso ser resignadamente tolerado na práxis judiciária, bastando ter em conta a existência de recursos justamente voltados a prevenir ou superar a heterogeneidade dos julgados, como os embargos de divergência, o recurso especial com base no art. 105, III, a, da CF, a par dos incidentes de uniformização de jurisprudência e de assunção de competência (CPC, arts. 476 e 555, § 1º, respectivamente); (iii) se a resposta judiciária só se legitima quando compõe o conflito com justiça, então não se pode tolerar discrepância judicial ocorrente em face de análogas situações judicializadas, não servindo de conforto à parte prejudicada saber que o seu caso configura (...) contradição meramente lógica. Antes, onde a disposição seja a mesma, análogas devem ser as respostas judiciárias nos casos afins, constituindo tarefa do Poder Judiciário a busca incessante por esse ideal igualitário. Para tal objetivo é enorme a contribuição que podem dar as ações coletivas, nisso que ensejam um trato judicial molecularizado, prevenindo a atomização do conflito coletivo.”

São irretorquíveis os ensinamentos supracitados, na medida em que é justamente no seio do processo coletivo que se deve buscar incessantemente pelo ideal igualitário de pronunciamentos judiciais, não podendo o dissenso ser resignadamente tolerado por qualquer dos atores processuais, quiçá pelo próprio Poder Judiciário, responsável por zelar pelo efetivo cumprimento do mandamento constitucional da igualdade (todos são iguais perante a lei).

Seguindo tal raciocínio, a coisa julgada, no caso de interesse coletivo/difuso, impõe apresentar-se ultra partes secundum thema decidendum/causa petendi pro et contra (em relação à causa de pedir e ao tema decidido, independentemente de ser favorável ou contrária – matéria de direito), principalmentena hipótese de o indivíduo optar por executar o comando normativo sentencial coletivo (aquiescência à coisa julgada indireta). Ou seja, é preciso analisar a matéria discutida, pois, caso a lide tenha sido decidida por falta de provas ou por outra questão fático-jurídica, a ação poderia ser repetida, seja coletiva, seja individualmente.

Em sentido contrário – sentença de parcial procedência com suficiência de provas envolvendo os mesmos argumentos fático-jurídicos e preferindo o substituído/representado executar aquele decisum –, a nova demanda (quanto à parte improcedente) não poderia ser processada, ainda que o substituído não tenha participado da fase de conhecimento da demanda coletiva (por se tratar de matéria de direito, é indesejável que o mesmo poder estatal julgue diferentemente), visando evitar o malferimento ao princípio da impossibilidade de segregar a coisa julgada (imutabilidade da matéria jurídica discutida na ação coletiva).

Não se descure de que, durante longos anos, havia o beneplácito da jurisprudência pátria no sentido de que os efeitos da coisa julgada se circunscreveriam apenas dentro do limite territorial do órgão prolator, o que vem sendo paulatinamente revisitado pelo Superior Tribunal de Justiça, o qual recentemente admitiu que os efeitos da coisa julgada fossem estendidos a toda a categoria/classe (interesse coletivo) ou todo o grupo (interesse difuso), pouco importando onde se encontrem seus integrantes, calhando repisar, na parte que interessa, o item 3 do aresto doSTJ, noConflito de Competência nº 109.435, 3ª Seção, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 22.09.2010 e publ. 15.12.2010,supracitado:

“(...)
3. A restrição territorial prevista no art. 16 da Lei da Ação Civil Pública (7.374/85) não opera efeitos no que diz respeito às ações coletivas que visam proteger interesses difusos ou coletivos stricto sensu, como no presente caso; nessas hipóteses, a extensão dos efeitos a toda a categoria decorre naturalmente do efeito da sentença prolatada, uma vez que, por ser a legitimação do tipo ordinária, tanto o autor quanto o réu estão sujeitos à autoridade da coisa julgada, não importando onde se encontrem.
(...)”

Não é por outra razão que, depois do julgado em Recurso Repetitivo nº 1.110.549, 2ª Seção, Rel. Min. Sidnei Beneti, j. 28.10.2009 e publ. 14.12.2009, supramencionado, o Superior Tribunal de Justiça vem modificando seu entendimento quanto ao trâmite processual e, consequentemente, à coisa julgada, passando a determinar a suspensão das ações individuais, as quais deverão seguir a sorte da demanda coletiva quanto à matéria jurídica. Transcreva-se julgado que passou a adotar tal tese:

“PROCESSO CIVIL. PROJETO 'CADERNETA DE POUPANÇA' DO TJ/RS. SUSPENSÃO, DE OFÍCIO, DE AÇÕES INDIVIDUAIS PROPOSTAS POR POUPADORES, ATÉ QUE SE JULGUEM AÇÕES COLETIVAS RELATIVAS AO TEMA. PROCEDIMENTO CONVALIDADO NESTA CORTE EM JULGAMENTO DE RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA REPETITIVA. CONVERSÃO, DE OFÍCIO, DA AÇÃO INDIVIDUAL, ANTERIORMENTE SUSPENSA, EM LIQUIDAÇÃO, APÓS A PROLAÇÃO DE SENTENÇA NA AÇÃO COLETIVA. REGULARIDADE.
1. É impossível apreciar a alegação de que restou violado o princípio do juiz natural pela atribuição a determinado juiz da incumbência de dar andamento uniforme para todas as ações individuais suspensas em função da propositura, pelos legitimados, de ações coletivas para discussão de expurgos em caderneta de poupança. Se o Tribunal afastou a violação desse princípio com fundamento em normas estaduais e a parte alega a incompatibilidade dessas normas com o comando do CPC, o conflito entre lei estadual e lei federal deve ser dirimido pelo STF, nos termos do art. 102, III, alíneas c e d do CPC.
2. A suspensão de ofício das ações individuais foi corroborada por esta Corte no julgamento do Recurso Especial Representativo de Controvérsia Repetitiva nº 1.110.549/RS, de modo que não cabe, nesta sede, revisar o que ficou ali estabelecido. Tendo-se admitido a suspensão de ofício por razões ligadas à melhor ordenação dos processos, privilegiando-se a sua solução uniforme e simultânea, otimizando-se a atuação do judiciário e desafogando-se sua estrutura, as mesmas razões justificam que se corrobore a retomada de ofício desses processos, convertendo-se a ação individual em liquidação da sentença coletiva. Essa medida colaborará para o mesmo fim: o de distribuir justiça de maneira mais célere e uniforme.
3. Se o recurso interposto contra a sentença que decidiu a ação coletiva foi recebido com efeito suspensivo mitigado, autorizando-se, de maneira expressa, a liquidação provisória do julgado, não há motivos para que se vincule esse ato ao trânsito em julgado da referida sentença. A interpretação conjunta dos dispositivos da LACP e do CDC conduz à regularidade desse procedimento.
4. Inexiste violação do art. 6º, VIII, do CDC pela determinação de que a instituição financeira apresente os extratos de seus correntistas à época dos expurgos inflacionários, nas liquidações individuais. O fato de os contratos terem sido celebrados anteriormente à vigência do Código não influi nessa decisão, porquanto se trata de norma de natureza processual.
5. Ainda que não se considere possível aplicar o CDC à espécie, o pedido de exibição de documentos encontra previsão expressa no CPC e pode ser deferido independentemente de eventual inversão do ônus probatório. Consoante precedente da 3ª Turma (REsp 896.435/PR, de minha relatoria, DJe 09.11.2009), a eventual inexistência dos extratos que conduza à impossibilidade de produção da prova pode ser decidida pelo juízo mediante a utilização das regras ordinárias do processo civil, inclusive com a aplicação da teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova, conforme o caso.
6. A autorização de que se promova a liquidação do julgado coletivo não gera prejuízo a qualquer das partes, notadamente porquanto a atuação coletiva deve prosseguir apenas até a fixação do valor controvertido, não sendo possível a prática de atos de execução antes do trânsito em julgado da ação coletiva.
7. Recurso improvido.” (STJ, Recurso Especial nº 1.189.679, 2ª Seção, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 24.11.2010 e publ. 17.12.2010) (destacou-se)

Alfim, indubitavelmente, é clara a necessidade premente de mudança de paradigma interpretativo dos efeitos da coisa julgada, com a reanálise desse instituto no processo coletivo, sob as luzes dos princípios constitucionais da igualdade, da segurança jurídica, do juiz natural, da isonomia, da economia processual, do respeito à coisa julgada e da estabilização das relações jurídico-sociais, sob pena de, além de fazer letra morta dos comentados princípios constitucionais, esvaziar por completo a utilidade do processo coletivo, transformando-o apenas em meio de aumento da demanda jurisdicional (objetivo contrário à criação de tal instituto coletivo), já que a doutrina clássica defende inexistir coisa julgada em demanda coletiva em caso de improcedência (coisa julgada secundum eventum litis) de maneira simplista, sem analisar o thema decidendum/causa petendi.

Entre as tantas propostas legislativas de alteração das normas jurídicas envolvendo o processo coletivo, destaque-se a ideia acerca da coisa julgada coletiva defendida por Antônio Gidi(6):

“Artigo 18. Coisa julgada coletiva. A coisa julgada coletiva vinculará o grupo e seus membros independentemente do resultado da demanda, exceto se a improcedência for causada por: I – representação inadequada dos direitos e interesses do grupo e de seus membros (vide art. 3, II); II – insuficiência de provas. 18.1. Se a ação coletiva for julgada improcedente por insuficiência de provas, qualquer legitimado coletivo (vide art. 2) poderá propor a mesma ação coletiva, valendo-se de nova prova que poderia levar a um diferente resultado. 18.2. Os vícios de que trata este artigo serão reconhecidos tanto pelo juiz da causa quanto pelo juiz da ação individual ou coletiva posteriormente proposta. 18.3. Na ação individual proposta por um membro do grupo vinculado pela coisa julgada coletiva, somente poderão ser discutidas questões não acobertadas pela coisa julgada coletiva e questão de natureza individual.

O que permeia de diferente entre a proposta de lege ferenda e o presente ensaio é que este enfoca a possibilidade de aplicação desse entendimento de acordo com o arcabouço existente, a despeito da inexistência de mudança legislativa, bastando que as atuais normas jurídicas do microssistema coletivo sejam interpretadas à luz das disposições constitucionais supratranscritas.

Conclusão

– Enredando o posicionamento jurídico, ressai que, sob a ótica dos princípios constitucionais reiteradamente citados, uma interpretação principiologicamente possível e aceitável (não exclusiva) do art. 103, § 1º, do CDC é no sentido de que a coisa julgada, no caso de interesse coletivo, deve apresentar-se erga omnes (difuso) ou ultra partes (coletivo) secundum thema decidendum/causa petendi pro et contra (em relação à matéria jurídica e à causa de pedir discutida, independentemente de ser favorável ou contrária).

– Tal interpretação não prejudicaria os interesses e os direitos individuais dos integrantes da coletividade, do grupo, da categoria ou da classe que não aquiescessem direta ou indiretamente à sorte do processo coletivo (evitando discussões quanto à qualidade da legitimidade ativa difusa ou coletiva), bem ainda dos que viessem a modificar a causa de pedir remota, passando a discutir outra matéria jurídica, pois, nesse caso, o thema decidendum/causa petendi seria(m) outro(s).

– Por outro lado, atingiria frontalmente o indivíduo que opte por executar o comando normativo sentencial coletivo da parte favorável (aquiescência à coisa julgada indireta), pela impossibilidade de sindicar a coisa julgada.

– Bastaria uma mudança de comportamento em relação à adequada compreensão da importância do processo coletivo, buscando seu fortalecimento, sob as luzes dos princípios constitucionais da igualdade, da segurança jurídica, do juiz natural, da isonomia, da economia processual, do respeito à coisa julgada e da estabilização das relações jurídico-sociais, tudo isso sem desnaturar o direito ou o interesse individual dos integrantes da coletividade, do grupo, da categoria ou da classe.

– Seria, na verdade, uma forma de repensar o processo coletivo com azo à segurança jurídica e à economia processual, por meio da adequada gestão processual, mediante simples reinterpretação da coisa julgada, com repercussão em pleito individual que tenha decidido matéria eminentemente jurídica com base em idêntica causa de pedir.

– A repercussão prática dessa tese seria a diminuição exponencial das demandas individuais que apenas reproduzissem a mesma tese jurídica (causa petendi – causa de pedir próxima), envolvendo determinado tema objeto da lide (thema decidendum), definitivamente julgado e rechaçado em demanda coletiva por qualquer legitimado.

– O que se espera é que o operador do Direito realize a extração do conteúdo normativo dos efeitos da coisa julgada em processos coletivos, com viés constitucional, sob o influxo dos objetivos do próprio instituto jurídico, sem olvidar a técnica da interpretação sistemática, de modo a extirpar as inconsistências/inconstitucionalidades porventura existentes.

– Não há dúvidas de que essa releitura traria consequências extremamente benéficas na quantidade de processos, permitindo o combate à morosidade da Justiça, inclusive com potencialidade de influência no comportamento de advogados e partes, que deixariam de ajuizar demandas no afã de tentar “nova sorte” e buscar algo que o sistema judiciário outrora rejeitara em idêntico pleito na macrolide coletiva.

Referências bibliográficas

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.051.302 (200800882108), Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 22.03.2010 e publ. DJE 28.04.2010.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.110.549, Segunda Seção, Rel. Min. Sidnei Beneti, j. 28.10.2009 e publ. DJE 14.12.2009.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.189.679, Segunda Seção, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 24.11.2010 e publ. DJE 17.12.2010.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Conflito de Competência nº 109.435, Terceira Seção, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 22.09.2010 e publ. DJE 15.12.2010.

BRASIL. Lei nº 8.072, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8078.htm>. Acesso em: 09 out. 2013.

GIDI, Antônio. Coisa julgada e litispendência em ações coletivas. São Paulo: Saraiva, 1995.

DIDIER JÚNIOR, Fredie; ZANETI JÚNIOR, Hermes. Curso de Direito Processual Civil. Processo coletivo. 3. ed. Salvador: Jus Podivm, 2008.

MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Jurisdição coletiva e coisa julgada: teoria geral das ações coletivas. 2. ed. São Paulo: RT, 2008.

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do processo de conhecimento. 5. ed. São Paulo: RT, 2006.

Notas

1. DIDIER JÚNIOR, Fredie; ZANETI JÚNIOR, Hermes. Curso de Direito Processual Civil. Processo coletivo. 3. ed. Salvador: Jus Podivm, 2008. p. 36-37.

2. Idem, p. 373.

3. Ibidem, p. 370-372.

4. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do processo de conhecimento. 5. ed. São Paulo: RT, 2006.

5. MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Jurisdição coletiva e coisa julgada: teoria geral das ações coletivas. 2. ed.  São Paulo: RT, 2008. p. 255.

6. GIDI, Antônio. Coisa julgada e litispendência em ações coletivas. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 73-74.



Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023:2002/ABNT):
. . Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n., ago. 2014. Disponível em:
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Acesso em: .


REVISTA DE DOUTRINA DA 4ª REGIÃO
PUBLICAÇÃO DA ESCOLA DA MAGISTRATURA DO TRF DA 4ª REGIÃO - EMAGIS