Competência constitucional do Supremo Tribunal Federal para ações judiciais propostas por magistrados

Autor: Nelson Gustavo Mesquita Ribeiro Alves

Juiz Federal

 publicado em 29.08.2014


Resumo

Atualmente muito se fala acerca da excessiva judicialização das relações sociais, com o abarrotamento dos escaninhos do Poder Judiciário – ou dos seus computadores, para aqueles tribunais que vêm implementando o denominado processo judicial eletrônico. Contudo, olvida-se que a imensa maioria de tais litígios decorre da inação dos órgãos públicos, ou de suas concessionárias, no cumprimento de seus deveres constitucionais, obrigando os cidadãos a terem que ver seus direitos adimplidos apenas nos órgãos judiciais, quando deveriam sê-lo ainda na via administrativa. De tal realidade não escapam nem mesmo aqueles cidadãos designados constitucionalmente para apreciação dos processos judiciais, os magistrados. Também esses, especialmente os Juízes Federais, vêm tendo que recorrer ao Poder Judiciário para a garantia de seus direitos previstos constitucionalmente, os quais deveriam ser assegurados já na via administrativa, realidade, infelizmente, não verificada no plano concreto. Assim, com alarmante regularidade, ações judiciais aforadas por magistrados vêm desaguando nas mesas de seus pares para apreciação de direitos a eles negados. Diante desse quadro, surge a questão do órgão competente para apreciação de tais demandas, se, indistintamente, o Supremo Tribunal Federal, com base no artigo 102, I, n, da Constituição Federal de 1988, ou os juízos de primeiro grau, ante o fato de o magistrado não deter qualquer tipo de privilégio em relação aos demais cidadãos, exceto em situações muito específicas do texto constitucional. Esse trabalho busca a resposta para tal questionamento, passando pela análise constitucional da matéria, inclusive a jurisprudência atual da Suprema Corte e a análise doutrinária da matéria, além de sugestões para a correta resolução da questão.

Palavras-chave: Competência constitucional. Ações propostas por magistrados. Artigo 102, I, n, da Constituição Federal de 1988. Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Compreensão da matéria.

Sumário: Introdução. 1 Jurisdição e competência. 2 Jurisprudência do Pretório Excelso sobre a matéria. 3 Revisão de verbete sumular da Corte Maior. Conclusão. Referências bibliográficas.

Introdução

Atualmente, muito se fala acerca da excessiva judicialização das relações sociais, com o abarrotamento dos escaninhos do Poder Judiciário – ou dos seus computadores, para aqueles tribunais que vêm implementando o denominado processo judicial eletrônico. Contudo, olvida-se que a imensa maioria de tais litígios decorre da inação dos órgãos públicos, ou de suas concessionárias, no cumprimento de seus deveres constitucionais, obrigando os cidadãos a terem que ver seus direitos adimplidos apenas nos órgãos judiciais, quando deveriam sê-lo ainda na via administrativa.

Apenas para ilustrar tal situação de enxurrada processual, o Conselho Nacional de Justiça apurou em 2012 que, "Na Justiça Federal, na qual tramitam processos envolvendo empresas e órgãos federais, a liderança cabe ao INSS, com 34,35% dos processos, ante 12,89% ligados à Fazenda Nacional, 12,71% da Caixa Econômica Federal, 11,51% da União e 2,01% da Advocacia-Geral da União". Tal dado não representaria grande novidade por se tratar a Justiça Federal de ramo do Poder Judiciário voltado para apreciação de processos envolvendo órgãos públicos em sua essência. Porém, analisando o quadro global da Justiça do país, averiguou-se que os grandes líderes de ações judiciais são os órgãos públicos federais, sendo o ranking liderado pelo INSS, conforme extrato da notícia:

“O campeão de ações foi o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que tem 4,38% dos processos nas três esferas da Justiça, liderando os percentuais tanto nos estados como na área federal. O conselheiro do CNJ responsável pelo estudo, José Guilherme Werner, atribuiu a situação do INSS como maior litigante do país ao grande número de processos individuais de beneficiários ou cidadãos requerendo benefícios.
Na lista, o órgão público da Previdência Social é seguido da BV Financeira S/A (1,51%), do Grupo Votorantim, do município de Manaus (1,32%), da Fazenda Nacional (1,20%) e do Estado do Rio Grande do Sul (1,17%). O país conta com mais de 90 milhões de processos abertos.
‘Não há apenas uma causa que a gente possa apontar para isso, mas, em grande parte, o maior volume de ações é de execuções fiscais que os entes movem’, explicou Werner. No levantamento feito por grupo de atuação, o setor público federal aparece como litigante em 12,14% dos processos, seguido por bancos (10,88%), municípios (6,88%), estados (3,75%) e empresas de telefonia (1,84%).”(1)

Ou seja, de cada 100 (cem) processos que ingressam no Poder Judiciário, cerca de 12 (doze) têm como parte algum órgão público federal, a demonstrar o total descompromisso desses com a eficiência administrativa, princípio constitucional,(2) e muito menos respeito aos cidadãos, ainda mais considerando que tais 12,14% dizem respeito a um total de mais de 90 (noventa) milhões de processos. Assim, estamos a tratar de cerca de 11 (onze) milhões de processos em que tais entes são partes.

De tal infeliz realidade não escapam nem mesmo aqueles cidadãos designados constitucionalmente para apreciação dos processos judiciais, os magistrados. Também esses, especialmente os Juízes Federais, vêm tendo que recorrer ao Poder Judiciário para a garantia de seus direitos previstos constitucionalmente, os quais deveriam ser assegurados já na via administrativa, realidade, lamentavelmente, não verificada no plano concreto. Assim, com alarmante regularidade, ações judiciais aforadas por magistrados vêm desaguando nas mesas de seus pares para apreciação de direitos a eles negados.

Diante desse quadro, surge a questão do órgão competente para apreciação de tais demandas, se, indistintamente, o Supremo Tribunal Federal, com base no artigo 102, I, n, da Constituição Federal de 1988, ou os juízos de primeiro grau, ante o fato de o magistrado não deter qualquer tipo de privilégio em relação aos demais cidadãos, exceto em situações muito específicas do texto constitucional.

1 Jurisdição e competência

Prima facie, revela-se fundamental pequena incursão acerca das figuras jurídicas da jurisdição e da competência, as quais a doutrina há muito já sedimentou a diferença. Para Didier Jr.,

“A jurisdição pode ser vista como poder, função e atividade. É manifestação do poder estatal, conceituado como capacidade de decidir imperativamente e impor decisões. Expressa, ainda, a função que têm os órgãos estatais de promovar a pacificação de conflitos interindividuais, mediante realização do direito justo e por meio do processo (...).

A jurisdição, como função estatal para prevenir e compor os conflitos, aplicando o direito ao caso concreto, em última instância, resguardando a ordem jurídica e a paz social, é exercida em todo o território nacional (art. 1º, CPC). Por questão de conveniência, especializam-se setores da função jurisdicional.

Distribuem-se as causas pelos vários órgãos jurisdicionais, conforme as suas atribuições, que têm seus limites definidos em lei. Limites que lhes permitem o exercício da jurisdição. A jurisdição é una, porquanto manifestação do poder estatal. Entretanto, para que mais bem seja administrada, há de ser feita por diversos órgãos distintos.

A competência é exatamente o resultado de critérios para distribuir entre vários órgãos as atribuições relativas ao desempenho da jurisdição. A competência é o poder de exercer a jurisdição nos limites estabelecidos por lei. É o âmbito dentro do qual o juiz pode exercer a jurisdição. É a medida da jurisdição.”(3)

Lançando também brilhantes luzes sobre o assunto, assim expõe Carneiro:

“Ante a multiplicidade e a variedade das demandas proponíveis em juízo, tornou-se necessário encontrar critérios a fim de que as causas sejam adequadamente distribuídas aos juízes, de conformidade não só com o superior interesse de uma melhor aplicação da Justiça, como, também, buscando, na medida do possível, atender ao interesse particular, à comodidade das partes litigantes.
Todos os juízes exercem jurisdição, mas a exercem em uma certa medida, dentro de certos limites. São, pois, ‘competentes’somente para processar e julgar determinadas causas. A ‘competência’, assim, ‘é a medida da jurisdição’, ou, ainda, é a jurisdição na medida em que pode e deve ser exercida pelo juiz.”(4)

Igualmente Bochenek, ao afirmar que "A competência é a delimitação normativa do âmbito de atuação do órgão jurisdicional, corriqueiramente denominada pela doutrina como medida da jurisdição, ou seja, cada órgão só exerce a jurisdição dentro da medida que lhe fixam as regras sobre competência".(5)

Dessarte, as regras de competência pretendem dividir o exercício da jurisdição entre os inúmeros órgãos do Poder Judiciário, mesmo porque, acaso inexistentes, instalar-se-ia verdadeiro caos, pois sequer haveria definição precisa daquele responsável pelo julgamento de determinada causa. Indo além, mesmo que em futuro breve se implante completamente o processo judicial eletrônico, permitindo-se o amplo acesso aos processos virtuais ainda que em grande distância física do local que originou a demanda judicial, não haverá como serem afastadas as regras de competência, primordialmente por sua função de distribuição do exercício da jurisdição entre os vários órgãos judiciários.

Vale notar que não somente na legislação infraconstitucional se encontram as regras definidoras de competência, notadamente no Código de Processo Civil (Lei nº 5.869/73), mas também e especialmente na própria Constituição Federal de 1988.

De fato, a nossa Lei Maior prevê regras de competência para o Supremo Tribunal Federal (artigo 102), Superior Tribunal de Justiça (artigo 105), Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais (artigos 108 e 109), Tribunais Regionais do Trabalho e Juízes do Trabalho (artigo 114), Tribunais e Juízes Eleitorais (artigo 121), Tribunais e Juízes Militares (artigo 124) e Tribunais e Juízes dos Estados (artigos 125 e 126).

Até por isso, hodiernamente já se convencionou a existência de um direito processual constitucional com o objetivo de realizar o

“(...) estudo sistematizado dos princípios e das regras constitucionais que tratam do processo. Estão incluídos, nessa disciplina, os princípios constitucionais de cunho processual, as normas que tratam da organização do Poder Judiciário, bem como o conjunto de normas que tratam da chamada jurisdição constitucional e que tutelam as liberdades públicas e disciplinam o controle de constitucionalidade de leis e atos normativos instituídos pelo Poder Público.”(6)

Nesse sentido, a regra matriz para o desenvolvimento deste trabalho insere-se no campo do direito processual constitucional, porquanto se trata da regra de competência prevista no artigo 102, I, n, da Constituição Federal de 1988, ora reproduzido:

“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
I – processar e julgar, originariamente:
(...)
n) a ação em que todos os membros da magistratura sejam direta ou indiretamente interessados, e aquela em que mais da metade dos membros do tribunal de origem estejam impedidos ou sejam direta ou indiretamente interessados;”

Vale ressaltar a circunstância de que tal alínea não encontra correspondente em qualquer Constituição pretérita, seja republicana, seja imperial, o que, aliado ao fato de que os magistrados, em especial os federais, atravessam momento único na história deste país, compelidos que são a recorrer ao Poder Judiciário para verem reconhecidos seus direitos, faz com que tal regramento ainda esteja a receber as primeiras luzes pelo Supremo Tribunal Federal.

Para corroborar a jovialidade do tema, assim como, até passado recente, a existência de poucos casos que reclamavam a aplicação da regra inserida na Lei Maior de 1988, muitos doutrinadores do direito constitucional pouco escreveram acerca da regra do seu artigo 102, I, n, limitando-se a reproduzir o texto constitucional, sem maiores comentários.

Todavia, alguns estudiosos se aventuraram na análise do tema, dentre eles Mendes, Coelho e Branco:

“Questionam-se o conteúdo e o alcance do art. 102, I, n, da Constituição Federal, que fixa ao STF competência para apreciar ação em que todos os membros da magistratura sejam direta ou indiretamente interessados, e aquela em que mais da metade dos membros do tribunal de origem estejam impedidos ou sejam direta ou indiretamente interessados. Trata-se de competência nova, na percepção do Ministro Carlos Velloso, para quem ‘(...) o Supremo Tribunal Federal tem interpretado a disposição constitucional em apreço de forma a restringir a competência aos casos em que a intervenção do Tribunal, como cúpula do sistema judicial, se torne, efetivamente, necessária (...)’. O entendimento assente assevera que ‘a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem se orientado no sentido de que a letra n do inciso I do art. 102 da Constituição Federal, a firmar a competência originária do STF para a causa, só se aplica quando a matéria versada na demanda respeita a privativo interesse da magistratura enquanto tal e não quando também interessa a outros servidores’.”(7)

Como visto, para eles a competência originária do Pretório Excelso somente pode ser invocada quando efetivamente se fizer necessário o pronunciamento da mais alta Corte deste país, no que não se enquadra a análise, por exemplo, de verbas não privativas da magistratura por serem extensíveis a outras categorias de servidores públicos.

Silva vai além, inclusive para dizer que a regra em referência sequer mereceria caracterização como matéria de jurisdição constitucional.(8) Tecendo outra crítica, Moraes defende que "O STF possui, além das competências clássicas caracterizadoras da jurisdição constitucional, diversas outras competências comuns, que acabam distanciando-o do modelo dos Tribunais Constitucionais europeus",(9) no que pensamos estar inclusa a hipótese do artigo 102, I, n, da Lei Maior.

Nesse contexto, passa-se a estudar a jurisprudência da mais alta Corte do país sobre tal matéria.

2 Jurisprudência do Pretório Excelso sobre a matéria

Como já alertado anteriormente, cresce exponencialmente o número de ações propostas por magistrados, especialmente Juízes Federais. O estopim para tal situação decorre da situação por esses vivenciada.

Nesse sentido, apesar de o Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADIN 3854 MC/DF,(10) ter proclamado a unicidade das esferas da magistratura, o que hoje se vê é uma enorme proeminência remuneratória das magistraturas dos Estados em detrimento da magistratura federal.

Não só isso, pois a magistratura federal também teve que buscar no Conselho Nacional de Justiça o reconhecimento do direito à extensão de verbas recebidas pelo Ministério Público Federal e que igualmente lhe seriam devidas. Sobre o tema, reproduz-se a ementa do julgado:

“PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. ASSOCIAÇÃO DE MAGISTRADOS. REMUNERAÇÃO DA MAGISTRATURA. SIMETRIA CONSTITUCIONAL COM O MINISTÉRIO PÚBLICO (ART. 129, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO). RECONHECIMENTO DA EXTENSÃO DAS VANTAGENS PREVISTAS NO ESTATUTO DO MINISTÉRIO PÚBLICO (LC 73, de 1993, e LEI 8.625, de 1993). INADEQUAÇÃO DA LOMAN FRENTE À CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. REVOGAÇÃO DO ARTIGO 62 DA LEI ORGÂNICA DA MAGISTRATURA EM FACE DO NOVO REGIME REMUNERATÓRIO INSTITUÍDO PELA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 19. APLICAÇÃO DIRETA DAS REGRAS CONSTITUCIONAIS RELATIVAS AOS VENCIMENTOS, JÁ RECONHECIDA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INVIABILIDADE DA APLICAÇÃO DA SÚMULA 339 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. PEDIDO JULGADO PROCEDENTE PARA QUE SEJA EDITADA RESOLUÇÃO DA QUAL CONSTE A COMUNICAÇÃO DAS VANTAGENS FUNCIONAIS DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL À MAGISTRATURA NACIONAL, COMO DECORRÊNCIA DA APLICAÇÃO DIRETA DE DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL QUE GARANTE A SIMETRIA ÀS DUAS CARREIRAS DE ESTADO.
I – A Lei Orgânica da Magistratura, editada em 1979, em pleno regime de exceção, não está de acordo com os princípios republicanos e democráticos consagrados pela Constituição Federal de 1988.
II – A Constituição de 1988, em seu texto originário, constituiu-se no marco regulatório da mudança de nosso sistema jurídico para a adoção da simetria entre as carreiras da magistratura e do Ministério Público, obra complementada por meio da Emenda Constitucional nº 45, de 2004, mediante a dicção normativa emprestada ao § 4º do art. 129.
III – A determinação contida no art. 129, § 4º, da Constituição, que estabelece a necessidade da simetria da carreira do Ministério Público com a carreira da Magistratura, é autoaplicável, sendo necessária a comunicação das vantagens funcionais do Ministério Público, previstas na Lei Complementar 75, de 1993, e na Lei nº 8.625, de 1993, à Magistratura e vice-versa sempre que se verificar qualquer desequilíbrio entre as carreiras de Estado. Por coerência sistêmica, a aplicação recíproca dos estatutos das carreiras da Magistratura e do Ministério Público se autodefine e é autossuficiente, não necessitando de lei de hierarquia inferior para complementar o seu comando.
IV – Não é possível admitir a configuração do esdrúxulo panorama segundo o qual, a despeito de serem regidos pela mesma Carta Fundamental e de terem disciplina constitucional idêntica, os membros da Magistratura e do Ministério Público brasileiros passaram a viver realidades bem diferentes, do ponto de vista de direitos e vantagens.
V – A manutenção da realidade fática minimiza a dignidade da judicatura porque a independência econômica constitui um dos elementos centrais da sua atuação. A independência do juiz representa viga mestra do processo político de legitimação da função jurisdicional.
VI – Não existe instituição livre, se livres não forem seus talentos humanos. A Magistratura livre é dever institucional atribuído ao Conselho Nacional de Justiça, que vela diuturnamente por sua autonomia e sua independência, nos exatos ditames da Constituição Federal.
VII – No caso dos Magistrados e membros do Ministério Público, a independência é uma garantia qualificada, instituída pro societatis, dada a gravidade do exercício de suas funções, que, aliada à vitaliciedade e à inamovibilidade, formam os pilares e os alicerces de seu regime jurídico peculiar.
VIII – Os subsídios da Magistratura, mais especificamente os percebidos pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal, por força da Emenda Constitucional nº 19, de 1998, representam o teto remuneratório do serviço público nacional, aí incluída a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes (art. 37, XI), portanto, ao editar a norma do art. 129, § 4º (EC 45, de 2004), o constituinte partiu do pressuposto de que a remuneração real dos membros do Ministério Público deveria ser simétrica à da Magistratura.
IX – Pedido julgado procedente para que seja editada resolução que contenha o reconhecimento e a comunicação das vantagens funcionais do Ministério Público Federal à Magistratura nacional, como decorrência da aplicação direta do dispositivo constitucional (art. 129, § 4º) que garante a simetria às duas carreiras de Estado.”(11)

Contudo, aquilo que deveria ser motivo de encerramento das agruras remuneratórias vivenciadas pelos magistrados federais não passou de mera promessa, visto que a resolução editada em decorrência de tal julgamento (nº 133/2011)(12) previu a extensão de apenas alguns poucos direitos, deixando ao desamparo inúmeros outros, os quais vêm sendo perseguidos na via judicial.

Veem-se, portanto, os motivos pelos quais na atual quadra há inúmeras demandas judiciais propostas por magistrados, especialmente Juízes Federais, o que vem levando a Suprema Corte a ter que definir os contornos da regra prevista no artigo 102, I, n, do texto constitucional.

Antes de efetivamente adentrarmos a análise da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, necessário recordar que a regra do artigo 102, I, n, da Lei Maior possui duas hipóteses de incidência atrativas da competência da Corte Constitucional, quais sejam: (a) a ação em que todos os membros da magistratura sejam direta ou indiretamente interessados; e (b) aquela em que mais da metade dos membros do tribunal de origem estejam impedidos ou sejam direta ou indiretamente interessados.

Comentando a regra constitucional, Bastos e Martins assim expressam seus pensamentos:

“A norma em estudo defere competência ao Supremo Tribunal Federal para processar e julgar, originariamente, ação em que todos os membros da magistratura ou mais da metade dos membros do Tribunal de origem sejam direta ou indiretamente interessados e ação em que mais da metade dos membros do Tribunal de origem estejam impedidos. Na verdade, ambas as hipóteses cuidam de casos de impedimento, e o preceito visa a garantir a imparcialidade do juiz no julgamento da causa.”(13)

Relativamente ao item (b) acima referido, mais especificamente quanto à expressão "mais da metade dos membros do tribunal de origem estejam impedidos", o Pretório Excelso efetivamente já teve a oportunidade de decidir que a competência da Corte somente surge acaso efetivamente haja declaração de impedimento por parte dos integrantes do tribunal de origem, sendo insuficiente ao deslocamento da competência a mera presunção de tal situação. Não por outra razão, Dinamarco ensina que a regra constitucional em testilha "é uma disposição visivelmente destinada a cultuar o valor da imparcialidade".(14) Cita-se como exemplo o seguinte precedente que, apesar de já contar com quase um quarto de século, é lapidar em suas razões:

“MANDADO DE SEGURANÇA – COMPETÊNCIA – CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ART. 102, I, n – IMPEDIMENTO OU SUSPEIÇÃO – NECESSIDADE DE MANIFESTAÇÃO FORMAL DO TRIBUNAL A QUO – AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. O Supremo Tribunal Federal, ao apreciar a sua própria competência para processar e julgar causas originariamente ajuizadas com fundamento no art. 102, I, n, segunda parte, da Constituição, tem insistido na necessidade de que as situações tipificadoras de impedimento (CPC, art. 134) ou de suspeição (CPC, art. 135) evidenciem-se, formalmente, no Tribunal de origem, quer por ato de pessoal e espontânea afirmação de seus próprios membros, quer por efeito de seu reconhecimento no âmbito da correspondente exceção (CPC, art. 312), em ordem a afetar, em decorrência da recusatio judicis ou do exercício do dever ético-jurídico de abstenção, mais da metade dos magistrados que compõem o órgão judiciário. Não basta, pois, para efeito de aplicabilidade da norma de competência fixada no preceito constitucional em referência, a mera alegação de ocorrência de interesse, direto ou indireto, dos Magistrados que compõem o tribunal, no julgamento da causa submetida à sua apreciação. Dados conjecturais, ou juízos de mera probabilidade, ou suposições, ainda que fundadas, de infringência a obrigação ético-jurídica de isenção pessoal e funcional, ou, ainda, o justo receio de inobservância, pelos membros integrantes do Tribunal ordinariamente competente para a resolução do litígio, do dever de imparcialidade, não constituem, por si sós, desde que desacompanhados do formal reconhecimento do estado de impedimento ou de suspeição, situações providas de idoneidade jurídico-processual suficiente para legitimar o exercício, pelo Supremo Tribunal Federal, dessa sua especial competência originaria. O pressuposto processual relativo à competência originária – e que se revela de caráter absoluto – não está sujeito ao poder de disposição das partes. Cuida-se de matéria de ordem pública, cuja natureza mesma acentua-lhe a completa indisponibilidade pelos sujeitos da relação processual.” (MS 21193 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 04.04.1991, DJ 02.04.1993, PP-05618, EMENT VOL-01698-05, PP-00895, RTJ VOL-00146-01, PP-00114)(15)
 
Para corroborar, a simples oposição de exceção de suspeição em face de todos ou da maioria dos membros do tribunal não tem o condão de deslocar a competência para o Supremo Tribunal Federal, apenas cabendo a este conhecer e julgar o incidente processual.(16)

Restaria definir o exato alcance da expressão "membros da magistratura sejam direta ou indiretamente interessados", trazida em duplicidade na mesma alínea do texto constitucional, ora em abordagem ampla do conjunto de magistrados deste país, ora em apanhado mais restrito relativo ao colegiado de um determinado tribunal.

E, quanto a tal conceito, a jurisprudência do Pretório Excelso se mostrou vacilante em certo momento. Tal se deu, em grande parte, pela decisão tomada na AO 1569/DF, da relatoria do ministro Marco Aurélio, e que versa sobre regras para concessão de ajuda de custo em casos de remoção de magistrados federais.

Em questão de ordem, o plenário da Suprema Corte decidiu que a matéria em testilha desafiava a competência prevista no artigo 102, I, n, da Carta Magna, assentando como uma das principais razões para tal pensamento a "incidência da alínea n do inciso I do artigo 102 da Constituição Federal, que não possui outro objetivo senão o de deslocar a competência para evitar-se, embora de forma geral, o julgamento da causa por interessados".
O julgado recebeu esta singela ementa:

“COMPETÊNCIA – AÇÃO ORDINÁRIA – ALÍNEA N DO INCISO I DO ARTIGO 102 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Incide a norma constitucional, uma vez envolvida matéria de interesse de toda a magistratura federal.” (AO-QO 1569, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, julgado em 24.06.2010, publicado em 27.08.2010, Tribunal Pleno)

Contudo, com todas as vênias, tal decisum representou manifestação isolada do Supremo Tribunal Federal, o qual sempre emprestou caráter restritivo ao conceito de "interesse direto ou indireto dos membros da magistratura", relegando a incidência da hipótese apenas aos casos em que o direito versado traduzisse interesse exclusivo da magistratura.(17)

E, nesse sentido, a maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal vem tomando direção única nos últimos meses, interpretando a norma constitucional da forma acima referida, ou seja, de que somente haverá interesse da magistratura, de forma direta ou indireta, quando o direito postulado disser respeito de forma exclusiva a tal categoria. Havendo comunhão de interesses com outras categorias, torna-se inexistente a hipótese constitucional de competência originária do Pretório Excelso.

O pensamento foi acolhido por unanimidade pelo plenário da Corte no julgamento do agravo regimental na Reclamação nº 16.175/SC (destaques no original):

RECLAMAÇÃO INADMISSIBILIDADE FUNÇÃO CONSTITUCIONAL DO INSTRUMENTO RECLAMATÓRIO (RTJ 134/1033 – RTJ 166/785) – AUSÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS QUE AUTORIZAM A SUA UTILIZAÇÃO – REQUISITOS LEGITIMADORES DA INCIDÊNCIA DO ART. 102, I, n, DA CONSTITUIÇÃO – INOCORRÊNCIA LITÍGIO QUE, ADEMAIS, NÃO CONCERNE A INTERESSE ESPECÍFICO E EXCLUSIVO DA MAGISTRATURA – EXISTÊNCIA, NA ESPÉCIE, DE CONTROVÉRSIA QUE ENVOLVE VANTAGENS E DIREITOS COMUNS À PRÓPRIA MAGISTRATURA, AO MINISTÉRIO PÚBLICO, À DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO, À ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO, AOS SERVIDORES PÚBLICOS FEDERAIS COMO UM TODO E AOS MILITARES DAS FORÇAS ARMADAS – COMUNHÃO DE INTERESSES CUJA EXISTÊNCIA EXCLUI A APLICABILIDADE DA REGRA DE COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA ESPECIAL (CF, ART. 102, I, n) – PRECEDENTES CONSEQUENTE INEXISTÊNCIADE SITUAÇÃO CARACTERIZADORA DE USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – DECISÃO QUE NEGA SEGUIMENTO AO PROCESSO DE RECLAMAÇÃO – IMPUGNAÇÃO RECURSAL – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO.” (Rcl 16175 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 19.02.2014, DJe nº 72 de 10.04.2014)

Na espécie, tratava a demanda de concessão de ajuda de custo por ocasião de provimento inicial no cargo de juiz federal substituto, verba devida em virtude da extensão à magistratura federal dos direitos assegurados ao Ministério Público Federal, nos termos da decisão antes mencionada do Conselho Nacional de Justiça, mesmo porque prevista no artigo 227, I, a da Lei Complementar nº 75/1993.(18)

Em sua precisa fundamentação, apontou o ministro Celso de Mello (destaques no original):

Impende registrar, por necessário, que a regra inscrita no art. 102, I, n, da Constituição, para viabilizar o reconhecimento da competência originária desta Suprema Corte, impõe que se configure, em cada caso ocorrente, além da existência de interesse, direto ou indireto, de ‘(...) todos os membros da magistratura (...)’, também o caráter exclusivo do direito por eles vindicado. É que, como se sabe, a jurisprudência que esta Corte firmou em tema de aplicabilidade da regra de competência consubstanciada no art. 102, I, n, primeira parte, da Constituição Federal supõe, para incidir, a existência de interesse exclusivo da magistratura. Desse modo, ao fixar o sentido e o alcance da regra constitucional inscrita no art. 102, I, n, da Carta Política, esta Suprema Corte delimitou-lhe, em sucessivos pronunciamentos, o âmbito de incidência e aplicabilidade, ressaltando que falecerá competência originária ao Supremo Tribunal Federal sempre que o objeto da causa não envolver direitos, interesses ou vantagens que digam respeito, unicamente, à própria Magistratura.

(...)

Não obstante o precedente invocado na inicial desta reclamação (AO 1.569-QO/DF, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, sessão de 24.06.2010), devo assinalar, por relevante, que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, em momento posterior (01.08.2011), veio a reafirmar a jurisprudência desta Corte acima referida, desautorizadora da pretensão reclamatória ora em exame, como resulta claro de julgamento consubstanciado em acórdão assim ementado:

(...)

Isso significa que, se os interesses, direitos ou vantagens constituírem situações comuns a outras categorias funcionaiscomo sucede, p. ex., tratando-se de ajuda de custo para transporte e mudança de agente público,com os membros do Ministério Público da União (Lei Complementar nº 75/93, art. 227, I, a e b), com os membros da Defensoria Pública da União(Lei Complementar nº 80/94, art. 39, § 2º, na redação dada pela Lei Complementar nº 98/99), com os membros da Advocacia-Geral da União(Lei Complementar nº 73/93, art. 26), com os servidores públicos civis da União (Lei nº 8.112/90, art. 53), com os militares das Forças Armadas (Medida Provisória nº 2.215-10/2001, art. 2º) –, descaracterizar-se-á, em função desse estado de comunhão jurídica, a própria ratio essendi justificadora da especial competência originária do Supremo Tribunal Federal instituída pela Constituição da República. Impende assinalar, ainda, que o eventual reconhecimento da competência originária do Supremo Tribunal Federal, com fundamento no art. 102, I, n, da Constituição da República, para processar e julgar causas cujo objeto envolva vantagens comuns tanto a magistrados como a agentes públicos em geral, culminaria por transformar esta Corte em verdadeiro forum attractionis de múltiplas demandas que, na realidade, poderiam (e deveriam) ser resolvidas pelas instâncias judiciárias de primeiro grau, inclusive, a depender do valor da causa, pelos próprios Juizados Especiais Cíveis, como no caso.”

O julgado serviu para consolidar a força de inúmeras decisões monocráticas que vinham sendo tomadas pela maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal, sendo essa formada pelos ministros Marco Aurélio,(19) Ricardo Lewandowski,(20) Luiz Fux,(21) Rosa Weber,(22) Teori Zavascki(23) e Roberto Barroso,(24) além do próprio ministro Celso de Mello.

Tal pensamento restou adotado não somente em ações individuais dos magistrados, mas também em ações coletivas propostas por associações de classe.(25)

De fato, se fosse reconhecida a competência originária do Supremo Tribunal Federal, na forma do artigo 102, I, n, da Constituição Federal de 1988, pura e simplesmente por se tratar de ação proposta por magistrado, independentemente de seu conteúdo, certamente não haveria qualquer tipo de interpretação da norma constitucional, ante o absoluto alargamento do seu texto.

Assim, em boa hora consolida-se a interpretação do Pretório Excelso quanto à matéria, restringindo o alcance da competência constitucional apenas quando houver discussão de interesse exclusivo da magistratura, situação em que, efetivamente, deve ser chamado órgão central para decidir a controvérsia por serem os "membros da magistratura (...) direta ou indiretamente interessados".

Realmente não se vê lógica a justificar a competência da Suprema Corte em casos em que magistrados postulem direitos comuns a outras categorias jurídicas, como Ministério Público e Defensoria Pública, por exemplo, pois inexiste interesse exclusivo da magistratura. Pensar o contrário seria criar foro especial à magistratura no Supremo Tribunal Federal, o que não se coaduna com o texto constitucional, pois, se quisesse fazê-lo, teria dito que toda demanda proposta por magistrado seria processada e julgada pelo Pretório Excelso, e não apenas aquelas em que "todos os membros da magistratura sejam direta ou indiretamente interessados, e aquela em que mais da metade dos membros do tribunal de origem estejam impedidos ou sejam direta ou indiretamente interessados" (artigo 102, I, n, da Lei Maior).
Exposto tal raciocínio, vê-se que as ações que envolvam o efetivo cumprimento da decisão do Conselho Nacional de Justiça no Pedido de Providências nº 0002043-22.2009.2.00.0000, que reconheceu a extensão à magistratura federal dos direitos do Ministério Público Federal, não se encaixam na competência originária do Supremo Tribunal Federal, visto que as verbas postuladas são comuns ao menos a outra categoria jurídica. A título de exemplo, reproduz-se excerto da Lei Complementar nº 75, de 1993, que discrimina algumas dessas verbas:

“Art. 227. Os membros do Ministério Público da União farão jus, ainda, às seguintes vantagens:
I – ajuda de custo em caso de:
a) remoção de ofício, promoção ou nomeação que importe em alteração do domicílio legal, para atender às despesas de instalação na nova sede de exercício em valor correspondente a até três meses de vencimentos;
b) serviço fora da sede de exercício, por período superior a trinta dias, em valor correspondente a um trinta avos dos vencimentos, pelos dias em que perdurar o serviço, sem prejuízo da percepção de diárias;
II – diárias, por serviço eventual fora da sede, de valor mínimo equivalente a um trinta avos dos vencimentos para atender às despesas de locomoção, alimentação e pousada;
III – transporte:
a) pessoal e dos dependentes, bem como de mobiliário, em caso de remoção, promoção ou nomeação, previstas na alínea a do inciso I;
b) pessoal, no caso de qualquer outro deslocamento a serviço, fora da sede de exercício;
IV – auxílio-doença, no valor de um mês de vencimento, quando ocorrer licença para tratamento de saúde por mais de doze meses, ou invalidez declarada no curso desse prazo;
V – salário-família;
VI – pro labore pela atividade de magistério, por hora-aula proferida em cursos, seminários ou outros eventos destinados ao aperfeiçoamento dos membros da instituição;
VII – assistência médico-hospitalar, extensiva aos inativos, aos pensionistas e aos dependentes, assim entendida como o conjunto de atividades relacionadas com a prevenção, a conservação ou a recuperação da saúde, abrangendo serviços profissionais médicos, paramédicos, farmacêuticos e odontológicos, bem como o fornecimento e a aplicação dos meios e dos cuidados essenciais à saúde;
VIII – auxílio-moradia, em caso de lotação em local cujas condições de moradia sejam particularmente difíceis ou onerosas, assim definido em ato do Procurador-Geral da República;
IX – gratificação natalina, correspondente a um doze avos da remuneração a que fizer jus no mês de dezembro, por mês de exercício no respectivo ano, considerando-se como mês integral a fração igual ou superior a quinze dias.
§ 1º A gratificação natalina será paga até o dia vinte do mês de dezembro de cada ano.
§ 2º Em caso de exoneração antes do mês de dezembro, a gratificação natalina será proporcional aos meses de exercício e calculada com base na remuneração do mês em que ocorrer a exoneração.
§ 3º A gratificação natalina não será considerada para cálculo de qualquer vantagem pecuniária.
§ 4º Em caso de nomeação, as vantagens previstas nos incisos I, alínea a, e III, alínea a, são extensivas ao membro do Ministério Público da União sem vínculo estatutário imediatamente precedente, desde que seu último domicílio voluntário date de mais de doze meses.
§ 5º (Vetado).
§ 6º A assistência médico-hospitalar de que trata o inciso VII será proporcionada pela União, de preferência por meio de seus serviços, de acordo com normas e condições reguladas por ato do Procurador-Geral da República, sem prejuízo da assistência devida pela previdência social.
§ 7º (Vetado).
§ 8º À família do membro do Ministério Público da União que falecer no prazo de um ano a partir de remoção de ofício, promoção ou nomeação de que tenha resultado mudança de domicílio legal serão devidos a ajuda de custo e o transporte para a localidade de origem, no prazo de um ano, contado do óbito.”

É certo que, até passado recente, ainda existiam vozes dissonantes na Suprema Corte, notadamente em decisões monocráticas proferidas pelos ministros Gilmar Mendes,(26) Cármen Lúcia(27) e Dias Toffoli.(28) Porém, ao que parece, mesmo tais magistrados reviram suas posições, o que se pode presumir pela participação no julgamento do agravo regimental na Reclamação nº 16.175/SC, antes reproduzido, cuja votação se deu de forma unânime pelo afastamento da regra de competência originária do Pretório Excelso, inclusive com os votos daqueles.

Não custa lembrar, ainda, a existência de precedentes de ambas as Turmas do Supremo Tribunal Federal afastando a sua competência na forma anteriormente referida.(29),(30)

3 Revisão de verbete sumular da Corte Maior

Talvez a fixação da jurisprudência na forma relatada no item anterior já fosse suficiente para solapar todas as dúvidas acerca da matéria. Porém, ainda há processos em julgamento sobre o tema, além de verbete sumular do Supremo Tribunal Federal, que não se adequaram a tal jurisprudência, ou mesmo, por serem pretéritos, a contrariam de forma direta.

O exemplo mais latente é o verbete número 731 da súmula da Suprema Corte, o qual assim dispõe:

“PARA FIM DA COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, É DE INTERESSE GERAL DA MAGISTRATURA A QUESTÃO DE SABER SE, EM FACE DA LEI ORGÂNICA DA MAGISTRATURA NACIONAL, OS JUÍZES TÊM DIREITO À LICENÇA-PRÊMIO.”

Tal verbete foi aprovado em sessão plenária de 26.11.2003 e, a toda evidência, não se encaixa na atual jurisprudência pretoriana, notadamente porque o direito à licença-prêmio é comum a outras categorias jurídicas, novamente se trazendo à baila o exemplo do Ministério Público Federal que, no artigo 222, inciso III, de sua lei de regência (Lei Complementar nº 75 de 1993), prevê a concessão da verba:

“Art. 222. Conceder-se-á aos membros do Ministério Público da União licença:
I – (...)
III – prêmio por tempo de serviço;
IV – (...)
§ 3º A licença prevista no inciso III será devida após cada quinquênio ininterrupto de exercício, pelo prazo de três meses, observadas as seguintes condições:
a) será convertida em pecúnia em favor dos beneficiários do membro do Ministério Público da União falecido, que não a tiver gozado;
b) não será devida a quem houver sofrido penalidade de suspensão durante o período aquisitivo ou tiver gozado as licenças previstas nos incisos II e IV;
c) será concedida sem prejuízo dos vencimentos, das vantagens ou de qualquer direito inerente ao cargo;
d) para efeito de aposentadoria, será contado em dobro o período não gozado.”

Diante desse quadro, urge a revogação de tal verbete sumular, porquanto representativo de pensamento vetusto e isolado do Supremo Tribunal Federal acerca da matéria, encontrando-se, no atual cenário, em visível confronto com a sua jurisprudência dominante, e mesmo com verbete sumular diverso, qual seja, o de número 623, aliás, aprovado apenas dois meses antes do verbete de número 731, mais precisamente na sessão plenária de 24.09.2003:

“NÃO GERA POR SI SÓ A COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PARA CONHECER DO MANDADO DE SEGURANÇA COM BASE NO ART. 102, I, N, DA CONSTITUIÇÃO DIRIGIR-SE O PEDIDO CONTRA DELIBERAÇÃO ADMINISTRATIVA DO TRIBUNAL DE ORIGEM, DA QUAL HAJA PARTICIPADO A MAIORIA OU A TOTALIDADE DE SEUS MEMBROS.”

Idêntico raciocínio deve ser aplicado ao julgamento da Reclamação nº 11.323/SP, ainda em andamento, a qual discute a competência originária do Pretório Excelso para apreciar critérios para renovação de permissão de uso de arma de fogo por magistrados. Na prática, tanto o uso de arma de fogo como os critérios para renovação de sua permissão não são exclusivos da magistratura, motivo pelo qual, uma vez mais, inexiste qualquer motivo para que a demanda seja processada e julgada perante o Supremo Tribunal Federal.

Conclusão

Finalizando este trabalho, revela-se que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal se firmou por uma interpretação restritiva da norma prevista no artigo 102, I, n, da Constituição Federal de 1988, a qual somente deve incidir, a uma, em caso de efetiva declaração de impedimento por mais da metade dos membros do tribunal de origem, ou, a duas, quando versar a lide sobre matéria de interesse exclusivo da magistratura, não bastando a discussão sobre direito compartilhado com outras categorias jurídicas de servidores públicos para configuração do interesse direto ou indireto de todos os membros da magistratura.

E, de fato, não há motivos para que uma Corte Constitucional se torne competente para apreciar toda e qualquer ação apenas porque proposta por magistrados. Ao contrário, à exceção dos casos em que haja efetivo impedimento declarado por mais da metade dos membros de tribunal de origem, o exercício dessa competência somente deve se tornar real em situações excepcionalíssimas em que se revele a possibilidade de uma determinada questão interessar a todos os membros da magistratura e em matéria que diga respeito exclusivamente a essa carreira, fazendo surgir a necessidade de pronunciamento do principal órgão do Poder Judiciário.

É necessário, contudo, que a Suprema Corte ainda avance na matéria, notadamente para adequar julgamentos pendentes sobre a matéria de acordo com seu atual e firme entendimento, inclusive para também revogar verbete sumular incompatível com esse.
 
Referências bibliográficas

BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Comentários à Constituição do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 2. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2000. v. 4. Tomo III: arts. 92 a 126.

BOCHENEK, Antônio César. Competência cível da Justiça Federal e dos juizados especiais cíveis. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

CARNEIRO, Athos Gusmão. Jurisdição e competência. 15. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2007.

DANTAS, Paulo Roberto de Figueiredo. Direito processual constitucional. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: Atlas, 2012.

DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. 8. ed. rev. ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 2007. v. I.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2005. v. I.

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008.

MORAES, Alexandre de. Jurisdição constitucional e tribunais constitucionais: garantia suprema da Constituição. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2013.

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 20. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2002.

Notas

1. Disponível em: <http://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/noticia/2012-10-29/inss-lidera-lista-do-cnj-com-os-maiores-litigantes-do-pais>. Acesso em: 02 jun. 2014.

2. Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...)

3. DIDIER JR. (2007): 67-68 e 93.

4. CARNEIRO (2007): 69.

5. BOCHENEK (2004): 51.

6. DANTAS (2012): 9.

7. MENDES, COELHO e BRANCO (2008): 952-953.

8. DA SILVA (2002): 558.

9. MORAES (2013): 210.

10. EMENTA: MAGISTRATURA. Remuneração. Limite ou teto remuneratório constitucional. Fixação diferenciada para os membros da magistratura federal e estadual. Inadmissibilidade. Caráter nacional do Poder Judiciário. Distinção arbitrária. Ofensa à regra constitucional da igualdade ou isonomia. Interpretação conforme dada ao art. 37, inc. XI, e § 12, da CF. Aparência de inconstitucionalidade do art. 2º da Resolução nº 13/2006 e do art. 1º, parágrafo único, da Resolução nº 14/2006, ambas do Conselho Nacional de Justiça. Ação direta de inconstitucionalidade. Liminar deferida. Voto vencido em parte. Em sede liminar de ação direta, aparentam inconstitucionalidade normas que, editadas pelo Conselho Nacional da Magistratura, estabelecem tetos remuneratórios diferenciados para os membros da magistratura estadual e os da federal.
(ADI 3854 MC, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em 28.02.2007, DJe-047, DIVULG 28.06.2007, PUBLIC 29.06.2007, DJ 29.06.2007, PP-00022, EMENT VOL-02282-04, PP-00723, RTJ VOL-00203-01, PP-00184)

11. Pedido de Providências (PP) nº 0002043-22.2009.2.00.0000.

12. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/atos-administrativos/atos-da-presidencia/resolucoespresidencia/14845-resolucao-n-133-de-21-de-junho-de-2011>. Acesso em: 02 jun. 2014.

13. BASTOS e MARTINS (2000): 200.

14. DINAMARCO (2005): 483.

15. No mesmo sentido: AO 1031 AgR, Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO, Tribunal Pleno, julgado em 19.02.2004, DJ 19.03.2004, PP-00016, EMENT VOL-02144-01, PP-00206.

16. STF. Reclamação 473-AgRg, Rel. Min. Néri da Silveira, DJ de 24.08.2001. No mesmo sentido: STF. AO 1303, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ de 28.10.2005.

17. Nesse sentido: AO 114, Relator(a): Min. MOREIRA ALVES, Primeira Turma, julgado em 17.11.1992, DJ 05.02.1993, PP-00847, EMENT VOL-01690-01, PP-00005; e AO 35 QO, Relator(a): Min. NÉRI DA SILVEIRA, Tribunal Pleno, julgado em 23.10.1992, DJ 10.12.1993, PP-27117, EMENT VOL-01729-01, PP-00001.

18. Art. 227. Os membros do Ministério Público da União farão jus, ainda, às seguintes vantagens:
I – ajuda de custo em caso de:
a) remoção de ofício, promoção ou nomeação que importe em alteração do domicílio legal, para atender às despesas de instalação na nova sede de exercício em valor correspondente a até três meses de vencimentos;
(...)

19. AO 1809, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, julgado em 14.10.2013, publicado em DJe-217, DIVULG 30.10.2013, PUBLIC 04.11.2013, v.g.

20. AO 1794, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, julgado em 19.03.2014, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-057, DIVULG 21.03.2014, PUBLIC 24.03.2014, v.g.

21. Rcl 17243, Relator(a): Min. LUIZ FUX, julgado em 25.02.2014, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-041, DIVULG 26.02.2014, PUBLIC 27.02.2014, v.g.

22. Rcl 16779, Relator(a): Min. ROSA WEBER, julgado em 20.11.2013, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-236, DIVULG 29.11.2013, PUBLIC 02.12.2013, v.g.

23. Rcl 17493, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, julgado em 26.03.2014, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-064, DIVULG 31.03.2014, PUBLIC 01.04.2014, v.g.

24. Rcl 17481, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, julgado em 31.03.2014, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-067, DIVULG 03.04.2014, PUBLIC 04.04.2014, v.g.

25. AO 1663, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, julgado em 11.03.2014, publicado em DJe-054, DIVULG 18.03.2014, PUBLIC 19.03.2014; AO 1804, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, julgado em 11.03.2014, publicado em DJe-054, DIVULG 18.03.2014, PUBLIC 19.03.2014; e Rcl 16359, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, julgado em 18.09.2013, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-187, DIVULG 23.09.2013, PUBLIC 24.09.2013.

26. Rcl 17549, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, julgado em 30.04.2014, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-084, DIVULG 05.05.2014, PUBLIC 06.05.2014.

27. Rcl 17491 MC, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, julgado em 28.03.2014, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-064, DIVULG 31.03.2014, PUBLIC 01.04.2014.

28. Rcl 16595 MC, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, julgado em 29.11.2013, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-238, DIVULG 03.12.2013, PUBLIC 04.12.2013.

29. 1ª Turma: AgRg na Rcl 15944, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, julgado em 10.12.2013, DJe 03.02.2014.

30. 2ª Turma: AgRg nas Rcl 15637, 15855 e 15943, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, julgados em 03.06.2014. Acórdãos ainda não publicados até a conclusão deste artigo.




Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023:2002/ABNT):
. . Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n., ago. 2014. Disponível em:
<>
Acesso em: .


REVISTA DE DOUTRINA DA 4ª REGIÃO
PUBLICAÇÃO DA ESCOLA DA MAGISTRATURA DO TRF DA 4ª REGIÃO - EMAGIS