Sentença proferida em audiência: gestão do processo e estímulo à conciliação

Autor: Rafael Castegnaro Trevisan

Juiz Federal

 publicado em 29.08.2014



Resumo

No presente trabalho, partindo-se da distinção entre a atuação administrativa e a atuação jurisdicional do magistrado, procura-se destacar a importância da gestão do processo no exercício da jurisdição cível. Apresentando-se com objetividade aspectos vantajosos e desvantajosos de cada alternativa à disposição do juiz, na opção de sentenciar em audiência ou em gabinete, assim como algumas práticas que contribuem para o êxito da implementação da melhor alternativa, procura-se demonstrar a adequação e a vantagem da opção de sentenciar em audiência nos casos simples, que envolvam matéria de fato e direitos disponíveis, não só para a celeridade do processo, mas, também, para propiciar a conciliação das partes, inclusive após ser proferida a sentença, em audiência, conforme serve de exemplo o caso prático examinado. Afirma-se, a título de conclusão, que essa opção de o juiz proferir sentença em audiência, quando adequada, é medida agilizadora do trâmite processual, que acarreta economia de atos cartorários, incentiva a conciliação entre as partes litigantes e prestigia princípios processuais relevantes tais como o da oralidade e o da concentração da audiência, o da imediação e o da identidade física do juiz, o da informalidade e o da celeridade, assim como o da eficiência e o da duração razoável do processo.

Palavras-chave: Poder Judiciário. Gestão judiciária. Processo civil. Juizados especiais. Oralidade. Sentença. Audiência. Conciliação.

Sumário: Introdução. 1 Jurisdição e gestão do processo. 2 Opção pela prolação da sentença em audiência: instrumento de gestão e de estímulo à conciliação. 2.1 Aspectos a considerar na opção pela prolação de sentença em audiência. 2.1.1 Prolação de sentença em gabinete: vantagens e desvantagens. 2.1.2 Prolação de sentença em audiência: vantagens e desvantagens. 2.2 Casos em que é aplicável esta opção e práticas que contribuem para a prolação da sentença em audiência. 3 Sentença proferida em audiência e estímulo à conciliação: estudo de um caso concreto. Conclusão. Referências bibliográficas.

Introdução

O presente trabalho tem por finalidade correlacionar os conteúdos estudados ao longo do Curso de Currículo Permanente – Módulo VI – Planejamento e Gestão no Poder Judiciário, promovido pela Escola da Magistratura do TRF da 4ª Região, com a prática jurisdicional, procurando apresentar uma reflexão sobre um aspecto integrante da atividade profissional do juiz federal. Levando em conta a temática predominante do curso, envolvendo, em sua maior parte, questões práticas relacionadas à gestão de pessoas, de processos e de conhecimento, opta-se, neste trabalho, por uma reflexão e um relato de experiência prática e exitosa na gestão da 1ª Vara Federal de Passo Fundo/RS: a opção do magistrado pela prolação de sentenças em audiência, sempre que possível e adequada essa alternativa.

Tomar-se-á como ponto de partida, neste trabalho, a distinção entre a atuação administrativa e a atuação jurisdicional do magistrado, para destacar a importância da gestão do processo, no exercício da jurisdição, em atenção a princípios. Na sequência, serão referidos, com objetividade, aspectos vantajosos e desvantajosos em cada alternativa à disposição do juiz, na opção de sentenciar em audiência ou em gabinete, assim como citadas algumas práticas que contribuem para o êxito da implementação da melhor opção. Por fim, será examinado um caso concreto correspondente a um processo de juizado especial federal cível, no qual atuou como juiz o autor deste trabalho.

1 Jurisdição e gestão do processo

Na clássica divisão das funções estatais desenvolvida por Montesquieu, são identificadas as três atividades básicas desenvolvidas pelo Estado: legislar, administrar e julgar. A função de julgar é aquela típica do Poder Judiciário, sua atividade-fim, a jurisdição. Para bem e melhor cumprir a função jurisdicional, todavia, é inafastável que o Poder Judiciário, em alguma medida, também produza normas (servem de exemplo as resoluções e os provimentos, atos administrativos normativos que, embora de baixa hierarquia na pirâmide kelseniana, cumprem relevante papel), assim como administre seus serviços, das mais diferentes maneiras.

Sem dúvida, a atividade administrativa desenvolvida pelo Poder Judiciário desenvolve-se em maior escala na execução de tarefas como a admissão de servidores públicos, a contratação de serviços, a compra de insumos, a administração financeira, etc. Essas atividades correspondem a tarefas a que todas as esferas do serviço público necessariamente se dedicam. Agentes privados também não podem desempenhar seus propósitos sem meios materiais e humanos adequadamente organizados e supridos. Tal atividade administrativa propriamente dita, pois, é inerente a todas as organizações, públicas ou privadas.

A atividade administrativa do Poder Judiciário é considerada uma atividade-meio, no que se distingue da jurisdição, sua atividade-fim. Assim, e adotando essa diferenciação no exame das atividades rotineiras de um magistrado, na condução de uma unidade judiciária (uma vara federal, por exemplo), quando o juiz atribui a um servidor uma tarefa específica (ex.: atender ao público externo, em horário de expediente), estaria desenvolvendo atividade administrativa (atividade-meio); quando, diferentemente, profere uma sentença, um julgamento (ex.: em uma simples ação de cobrança, o juiz acolhe ou rejeita o pedido formulado pela parte-autora, decidindo quem está com a razão na demanda), estaria exercendo jurisdição (atividade-fim do Poder Judiciário). Segundo essa visão antiga e tradicional, a distinção entre essas duas atividades desempenhadas por um juiz seriam claras, aplicando-se a cada qual, inclusive, diferentes regimes jurídicos. Ora o juiz seria administrador, ora seria julgador.

O Poder Judiciário, porém, é, a cada dia que passa, mais exigido da sociedade, que não se contenta apenas com julgamentos corretos e imparciais, quer mais: espera um atendimento ágil, reclama celeridade, exige do juiz uma postura aberta, democrática e dinâmica, não aceita mais a morosidade como algo inevitável ou inerente aos serviços judiciários. Cobra-se, hoje, dos juízes, de um modo geral, então, mais eficiência, sendo o princípio da eficiência inclusive expresso na Constituição Federal, para reger a Administração Pública (art. 37, caput). De igual modo, constitui, hoje, direito e garantia fundamental, expresso na Constituição Federal, a razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII, incluído pela Emenda Constitucional nº 45/2004). Essa nova realidade está fazendo com que se modifique, progressivamente, o modo de trabalhar dos juízes. Servem de exemplos de mudanças, especialmente na Justiça Federal, a cada vez maior delegação de tarefas aos serventuários (os juízes passaram a ser coordenadores de equipes, não trabalham mais sozinhos), a informatização (o trâmite dos processos judiciais é cada vez mais informatizado, a assinatura de documentos é digital, o processo eletrônico já é uma realidade em diversos segmentos, etc.), o investimento em conciliação como importante alternativa para a solução de conflitos, entre tantos outros progressos. Estão os juízes, cada vez mais, percebendo que seu papel não é limitado a proferir julgamentos. O juiz deve ser, sempre, também um gestor, não apenas no trato de assuntos administrativos, propriamente ditos, mas, especialmente, na condução dos processos, não se concebendo mais o exercício da jurisdição sem a concomitante gestão do andamento processual e do funcionamento do Poder Judiciário, como um todo, na busca de maior eficiência.

Inseridos nessa nova realidade, o Direito Processual Civil e suas regras jurídicas, assim, necessariamente devem, hoje, ser aplicados levando em conta a otimização comandada por princípios,(1) prevalecendo a ideia de que não basta aplicar, simplesmente, as regras processuais, deve essa aplicação ocorrer mediante gestão do processo a fim de serem prestigiados princípios como o da oralidade(2) e o da concentração da audiência,(3) o da imediação e o da identidade física do juiz,(4) o da informalidade e o da celeridade,(5) assim como o da eficiência e o da duração razoável do processo.(6)

O desmedido formalismo jurídico e o apego excessivo aos rituais são práticas cada vez menos prestigiadas. Hoje, espera-se uma atuação judicial voltada para resultados, a sociedade quer dos juízes um tipo de atuação que compatibilize, da melhor maneira possível, a observância ao devido processo legal(7) (e a segurança jurídica que este proporciona, um valor irrenunciável) com a simplicidade, a agilidade e a eficiência (para que se evite, na medida do possível, a morosidade no trâmite dos processos, tão criticada no Poder Judiciário).

São inúmeras as abordagens e as questões passíveis de reflexão e análise, neste tema. Dois pontos específicos, nesse contexto, porém, pretende-se destacar neste trabalho, e, ainda assim, com muita brevidade e objetividade: a opção de o juiz proferir sentenças em audiência, em um contexto de oralidade, informalidade, simplicidade e celeridade, e o incentivo à conciliação que se verifica em tal opção.

2 Opção pela prolação da sentença em audiência: instrumento de gestão e de estímulo à conciliação

O ato de sentenciar é, por excelência, um ato jurisdicional. É o ato por meio do qual o juiz extingue o processo, emitindo um juízo definitivo a respeito do mérito da causa.  É a atividade mais nobre e privativa desempenhada pelos magistrados, por meio da qual o juiz aplica o Direito ao fato social. Embora seja o ato de sentenciar, em si, jurisdicional por excelência, a opção de realizá-lo em gabinete ou em audiência é ato de gestão do juiz, na condução do processo.(8) Evidentemente, diversos aspectos pesam nessa escolha do magistrado, bastando dizer que nem sempre o juiz estará, no momento da audiência, preparado para emitir sua sentença, convencido do conteúdo do julgamento, etc. Alguns casos exigem, por sua complexidade, tempo, reflexão, análise, pesquisa, etc., incompatíveis com a brevidade de uma audiência. Em meio a uma pauta de audiências sobrecarregada, muitas vezes é inviável destinar tempo à prolação de sentenças. Pressupondo-se, todavia, que haja um expressivo contingente de casos simples, que envolvem matéria de fato, nos quais o juiz, em audiência, sem grande dificuldade, possa estar preparado para emitir seu julgamento (antes da audiência já havia formado alguma convicção, ou durante a audiência decidiu-se), a opção por sentenciar em audiência ou em gabinete será uma opção de gestão, pois envolverá sobretudo a administração do tempo do magistrado, a divisão de tarefas em sua unidade (maior ou menor participação da assessoria), a prática de uma maior ou menor quantidade de atos cartorários. Há, sem dúvida, vantagens e desvantagens em cada uma das duas opções, cabendo ao juiz, em cada caso, e em cada audiência, de acordo com as circunstâncias, optar pela melhor alternativa, sem prejuízo de haver, em sua unidade jurisdicional, em caráter permanente, uma sistemática de trabalho que favoreça, sempre que possível, a prática de julgamentos em audiência, conforme se verá na sequência deste trabalho.

2.1 Aspectos a considerar na opção pela prolação de sentença em audiência

Ao sentenciar em gabinete, o juiz assina, manualmente ou eletronicamente, uma sentença, que nada mais é que um documento contendo um texto correspondente ao julgamento, elaborado pelo próprio juiz, com ou sem auxílio da assessoria.(9) Quando o juiz sentencia em audiência, diferentemente, necessariamente elabora ele próprio, juiz, na presença das partes e dos seus advogados, o texto de seu julgamento. O julgamento não é apenas divulgado para as partes, em um contexto de oralidade, é efetivamente construído na presença destas. Predomina, nessa segunda opção, além da oralidade, a informalidade, uma maior simplicidade, daí ser essa prática mais verificada no âmbito dos juizados especiais que na chamada jurisdição ordinária. Sem dúvida, as duas alternativas podem, também, ser combinadas, em alguma medida: pode o juiz comparecer à audiência, por exemplo, já com um julgamento previamente preparado, no todo ou em parte, o qual será publicado em audiência, se for o caso, mediante adaptações. O objetivo deste trabalho, porém, é o exame da opção, à disposição do juiz, de realmente sentenciar em audiência, isto é, de o juiz de fato decidir-se em audiência e elaborar, na presença das partes, mediante ditado, seu julgamento, sem prévia preparação do texto (o que demanda tempo e trabalho). É importante ter presentes, para a escolha, as vantagens e as desvantagens de cada uma das opções, sentenciar em gabinete ou em audiência.

2.1.1 Prolação de sentença em gabinete: vantagens e desvantagens

Sentenciar em gabinete, após serem para tanto os autos conclusos ao juiz, é uma opção que oferece as seguintes vantagens:

a) mais tempo para que o magistrado possa, com tranquilidade, examinar os autos, discutir o caso com sua assessoria, refletir sobre as questões controvertidas, pesquisar subsídios teóricos que embasem o julgamento, etc.;

b) possibilidade de haver, na administração do tempo, maior flexibilidade na escolha do momento de sentenciar, priorizando-se casos mais urgentes, trabalhando-se em horários alternativos (à noite, nos finais de semana, etc.);

c) melhor qualidade, em tese, do texto da sentença e do próprio trabalho jurisdicional, do ponto de vista técnico, já que é possível maior revisão, pesquisa de jurisprudência, doutrina, etc.;

d) viabilidade de maior delegação da tarefa de elaborar o texto da sentença, pois a assessoria do juiz poderá elaborar até mesmo por completo o trabalho, sob sua supervisão, poupando o magistrado desse esforço e do dispêndio de tempo e energia para tanto necessário, em um contexto de sobrecarga de trabalho;(10)

e) menor duração da audiência de instrução, que poderá ser encerrada logo após serem colhidas as provas e oportunizados os debates, resultando daí também a possibilidade de realizar mais audiências no mesmo turno de trabalho, por exemplo.

O ato de proferir sentença em gabinete, porém, apresenta basicamente as seguintes desvantagens:

a) necessidade de o juiz, após encerrar a instrução do processo, ter de retomar o exame do caso em outro momento, inteirando-se novamente dos pontos controvertidos, etc., o que exigirá dispêndio de tempo e energia, e possivelmente retrabalho;(11)

b) demora no tempo que pode transcorrer até que se realize a própria prolação da sentença, em gabinete;(12)

 c) prática de mais atos cartorários e demora daí decorrente, já que, após encerrada a audiência, será necessário fazer os autos conclusos ao juiz e, após ser proferida a sentença, em gabinete, deverá esta ser recebida e processada em secretaria ou cartório, assim como intimadas as partes por nota de expediente ou eletronicamente, etc.;

d) maior dispêndio de força de trabalho, tempo e energia também da assessoria do juiz.(13)

2.1.2 Prolação de sentença em audiência: vantagens e desvantagens

A opção do juiz de emitir seu julgamento em audiência, quando isso for possível ou conveniente, apresenta as seguintes vantagens:

a) menor dispêndio de tempo na execução do trabalho, que é finalizado no ato da audiência, com maior simplicidade, em alguns minutos, o que contribui para a celeridade processual;(14)

b) pronto aproveitamento, pelo juiz, do diálogo imediato com as partes litigantes em audiência, para formar seu convencimento e compor o julgamento;(15)

c) prevenção de embargos de declaração, na medida em que eventuais imperfeições (omissões, contradições ou obscuridades) do julgamento podem ser prontamente corrigidas pelo juiz, no ato, mediante imediato questionamento das partes;(16)

d) possibilidade de haver maior satisfação das partes e dos advogados com o serviço judiciário, já que a pronta resposta jurisdicional, mediante contato imediato com o juiz na atividade de julgamento, de um modo geral, parece ser vista pelo jurisdicionado como algo positivo;(17)

e) estímulo à conciliação, seja antes,(18) seja após(19) a prolação da sentença.

As desvantagens que podem ser identificadas nesta opção de prolação da sentença em audiência seriam basicamente as seguintes:

a) necessidade de o juiz, na presença das partes, muitas vezes improvisar e eventualmente ser mais superficial em sua análise, isto é, ter de ditar prontamente o texto da sentença, sem possibilidade de maior reflexão, pesquisa, revisão, etc., correndo até mesmo o indesejável risco de proferir seu julgamento sem uma completa e exaustiva análise do caso;(20)

b) maior duração da audiência, já que, ao final desta, será necessário destinar tempo suficiente para ser ditado o texto da sentença;(21)

c) provável menor qualidade técnica do texto da sentença, na comparação com a sentença proferida em gabinete, de modo convencional, já que inexistentes condições propícias ou mesmo tempo para maior reflexão ou pesquisa, assim como para revisão do texto;(22)

d) menor possibilidade de delegação da tarefa de elaboração do texto da sentença para a assessoria, atuando os auxiliares do juiz, neste caso, apenas na preparação da audiência(23) e na digitação do texto, ditado pelo juiz, no ato;(24)

e) risco de haver um certo constrangimento, para o magistrado, ao revelar seu julgamento na presença das partes.(25)

2.2 Casos em que é aplicável esta opção e práticas que contribuem para a prolação da sentença em audiência

Diante do que foi exposto, não é possível afirmar, taxativamente, que o juiz proferir sentenças em audiência será, em qualquer caso, ou sempre, medida vantajosa para a gestão do processo. Em certos casos, é até mesmo inviável essa opção. Deve o magistrado, em cada caso, avaliar sua conveniência. Litígios repetitivos, ou que envolvam preponderantemente questões de direito, nos quais é muito improvável uma conciliação, devem ser julgados em gabinete.(26) O mesmo diga-se das causas mais complexas, em que as questões de direito e os elementos de prova a serem examinados são inúmeros e demandam muita pesquisa e reflexão, por exemplo.

Há casos, porém, realmente simples, nos quais o diálogo com as partes, em audiência, associado à prova oral produzida, é determinante para o julgamento. Nesses casos, a alternativa de proferir sentença em audiência é de grande valia, pois, se não julgados em audiência, acabam exigindo, seja da assessoria, seja do juiz, após, em gabinete, uma solução construída para o caso concreto, por vezes trabalhosa e demorada. A noção de caso simples e caso difícil é muito relativa, sendo muito comum, na prática forense, casos aparentemente singelos demandarem bastante atenção e trabalho, especialmente em razão da difícil compreensão das diferentes questões fáticas envolvidas. A leitura das peças processuais, nesses casos, nem sempre é tarefa rápida de ser executada, ou realmente esclarecedora. Comumente revela-se mais eficiente, em tais casos, uma boa conversa, em audiência, com a participação não somente de advogados, mas também das partes. Em alguns minutos, em audiência, tudo pode acabar sendo esclarecido, e o juiz, com tranquilidade e segurança (e sobretudo justiça), pode formar seu convencimento. Nesses casos, a opção do juiz de proferir, de pronto, seu julgamento, na própria audiência, indiscutivelmente agiliza o trabalho e agrega valor ao serviço judiciário, pois a compreensão do caso que parecia simples no momento do diálogo com as partes e os advogados nem sempre é recuperada, plenamente, algumas horas depois, no solitário trabalho de gabinete, especialmente se considerada a realidade prática de o juiz fazer várias audiências em um mesmo dia e, após, correr o risco de até mesmo confundir impressões colhidas em uma audiência com aquelas assimiladas em outra. O ideal, nesse tipo de realidade, muito comum no âmbito dos juizados especiais cíveis, é o juiz ir fazendo audiências em sequência, discutindo um a um os casos com as partes, colhendo provas e julgando um caso por vez, ao longo de um turno de trabalho, de modo que, ao final de uma tarde, por exemplo, tenha suas audiências por completo realizadas e os respectivos processos já julgados, sobrando mais tempo para o trabalho de gabinete, voltado ao trato de casos realmente mais difíceis.

Medidas relativamente simples, na gestão da vara e dos processos, podem contribuir para o êxito dessa opção de preferencialmente julgar, em audiências, casos simples envolvendo matéria de fato:

a) programar-se a pauta de audiências reservando tempo suficiente para colher as provas, oportunizar debates e proferir sentença, na mesma audiência (sugere-se de quarenta minutos a uma hora para que seja tentada a conciliação, discutido o caso, colhidos alguns depoimentos e proferido o julgamento, programando-se, por exemplo, no máximo quatro ou cinco audiências desse perfil por tarde);

b) atribuir-se à assessoria a tarefa de analisar previamente os casos que serão trabalhados em audiências, para identificar os aspectos fáticos e jurídicos centrais do litígio, tais como pedidos formulados, fundamentos centrais da causa, preliminares arguidas pela parte-ré, teses de defesa, questões incidentes surgidas ou pendentes, etc., a fim de abreviar o tempo de análise dos autos pelo magistrado antes da audiência, dar segurança a este durante os trabalhos e, ao mesmo tempo, viabilizar-se, nesta, o julgamento;(27)

c) estipular o juiz, com as partes e os procuradores, já no início da audiência, sua programação de trabalho, alertando para o limite de tempo, o incentivo à conciliação, a necessidade de discussão do caso (mediante apresentação e reiteração, pelas partes, de seus argumentos centrais, prestigiando-se a oralidade) e, especialmente, a intenção do juiz de julgar a causa no mesmo ato, com base sobretudo no que for tratado em audiência;(28)

d) adotar-se, na audiência, sistema de registro de depoimentos e testemunhos em áudio ou vídeo, a fim de dispensar a necessidade de registro escrito, poupar tempo e abreviar a duração da audiência;(29)

e) organizar-se uma coletânea de precedentes e sentenças já proferidas em casos similares, para serem aproveitados como modelos, no ato da audiência, pelo juiz, no momento em que julgar a causa.

De todos os aspectos e as vantagens antes mencionados, envolvidos na opção, pelo juiz, de proferir sentença em audiência, uma, em particular, este trabalho tem por finalidade destacar e examinar, além da celeridade obtida: o estímulo à conciliação, em especial após ser proferido o julgamento. Para tanto, tomar-se-á como ponto de partida um caso concreto que reflete, a título de exemplo, uma realidade que vem sendo vivenciada na 1ª Vara Federal de Passo Fundo/RS.

3 Sentença proferida em audiência e estímulo à conciliação: estudo de um caso concreto

A conciliação é tida, hoje, como uma importantíssima alternativa de solução de conflitos. Cada vez mais vem preponderando a ideia de que todos – juízes, advogados, entidades públicas e privadas, partes interessadas em geral – devem pensar o processo não apenas como ambiente de litígio em que ao Estado-juiz cabe decidir quem está com a razão, impondo uma solução, mas, também, como um ambiente em que, mediante diálogo, bom senso e negociação, seja possível obter também uma solução conciliatória, negociada. Verificou-se, no Brasil, no passado recente, uma verdadeira mudança de mentalidade entre os operadores do Direito, sendo louváveis as iniciativas dos diversos tribunais e do Conselho Nacional de Justiça no sentido de estimular essa prática.(30)

Levam as partes em conta, nas negociações que estabelecem, antes de ser proferido o julgamento, variáveis como necessidades, riscos, expectativas. Fatores como os custos envolvidos no processo, já suportados ou potenciais, a demora estimada para um desfecho final, os riscos relativos à efetividade do julgamento (muitas vezes, a parte tem ganho de causa e, no entanto, não obtém, de fato, a satisfação de seu crédito, pelas mais diversas razões) são levados em conta pelos negociadores. É comum, em audiência, ao ser tentada a conciliação, ambas as partes apresentarem propostas, mas não chegarem a um acordo, em razão de discrepâncias entre suas expectativas. Um aspecto importante que pesa, sem dúvida, é a incerteza do julgamento que será proferido, caso não haja um acordo. Sempre é possível “apostar” que o julgamento, aguardado, será bem mais benéfico que o acordo em vista, compensando a espera e o prosseguimento da indefinição.

Nesse contexto é que a prolação de sentença em audiência revela-se importante instrumento de estímulo à conciliação: minutos após estabelecerem tratativas e não obterem um acordo, recebem as partes, do Estado-juiz, na própria audiência, o julgamento. Proferida a sentença, tem-se um novo referencial: antes, talvez fosse completamente incerto o desfecho do processo; agora, voltam-se para as vias recursais os planos e as preocupações das partes, caso prossigam no litígio. Nesse contexto específico, abre-se, novamente, e de um modo diverso, a perspectiva de uma conciliação.

A fim de ilustrar o que antes foi exposto, apresenta-se um caso concreto no qual houve não apenas a prolação da sentença em audiência, mas, também, conciliação após o julgamento. Trata-se do Processo nº 5009471-14.2012.404.7104, que tramitou na 1ª Vara Federal de Passo Fundo, Seção Judiciária do Rio Grande do Sul, no qual o autor deste trabalho atuou como juiz. A audiência, ocorrida em 30 de abril de 2013, restou assim atermada:

“TERMO DE AUDIÊNCIA
(audiência nº 75)
Aos trinta dias do mês de abril do ano de dois mil e treze, às quatorze horas, nesta cidade de Passo Fundo, Estado do Rio Grande do Sul, na sala de audiências da Primeira Vara Federal e Juizado Especial Federal Cível Adjunto desta Subseção Judiciária, onde se encontrava o MM. Juiz Federal da 1ª Vara, Dr. Rafael Castegnaro Trevisan, comigo, Andréia Chiodelli, Analista Judiciária, para audiência de conciliação, instrução e julgamento nos autos do Processo nº 5009471-14.2012.404.7104, ajuizado por C.E.J.(31) contra a CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, foram apregoadas as partes. Presente o autor, em causa própria. Presente a CEF, por meio de seu preposto, assim como seu advogado, Dr. J.B.V., OAB/RS nº__. Foi declarada aberta a audiência. Estabeleceram as partes tratativas no sentido de obter um acordo, não tendo este sido obtido. Na sequência, passou-se à discussão das circunstâncias do caso. Afirmou a CEF que, entre junho e agosto de 2011, ocorreu, no seu entender, inadimplência do contrato. Ponderou o autor que, no período, teve que ir até a CEF para tratar do assunto, em 2011. Reconhece o autor que, em meados de 2011, momentaneamente sua conta não apresentou saldo positivo. Diligentemente, compareceu até a CEF, e, por solicitação do autor, a CEF imprimiu um boleto bancário para que o autor pagasse a prestação com vencimento em agosto de 2011, em aberto. O autor quitou tal ‘doc’ no Banco do Brasil. A respeito do fato, manifestou-se a CEF reconhecendo que o autor efetuou tal pagamento, mas ponderando que, por alguma falha de processamento, esse pagamento havido no Banco do Brasil não foi identificado pelo sistema da CEF. Questionou o juiz às partes quando ocorreu a inscrição indevida e se, em tal época, havia ou não inadimplência. Fica consignado que é incontroverso entre as partes que a inscrição ocorreu em 13.12.2012 e foi cancelada em janeiro de 2013. A respeito disso, argumentou o autor que tomou conhecimento da inscrição em 17.12.2012, na Loja Brasóptica. Em tal data, esteve em tal loja para trocar um presente que recebeu e, ao tentar levar mercadorias em condicional, isso não lhe foi permitido, pois, em consulta ao SPC, verificou-se a existência da inscrição em nome do autor. Fica consignado que a liminar foi deferida em 20.12.2012, logo após o ajuizamento da presente ação. Reconhece a CEF que a inscrição ocorreu em dezembro de 2012, com base na prestação com vencimento em agosto de 2011, que ficou em aberto em razão da aludida falha do sistema. Declarou o autor ao juízo ter renda média mensal de R$__. Declarou-se também advogado em exercício, sendo esta a sua única atividade. Declarou o autor não ter certeza, mas acreditar já ter sido anteriormente inscrito no SPC. Declarou-se, porém, ‘bom pagador’, não tem por hábito atrasar seus compromissos. Argumentou o autor que, em dezembro de 2012, sua conta corrente junto à CEF dispunha de limite de cheque especial, inclusive, o que reforça o descabimento da inscrição em cadastros de inadimplentes. Também argumentou o autor no sentido de que sua gerente do Banco do Brasil declarou que não seria possível renovar seu cheque especial, que vencia em dezembro de 2012, se subsistisse a inscrição em cadastros de inadimplentes pela CEF. Declarou o autor que, depois de tomar conhecimento de sua inscrição na Loja Brasóptica, telefonou para o seu gerente da CEF, Sr. O., o qual declarou não ser possível reverter a inscrição do autor em cadastros de inadimplentes, o que gerou inconformidade para o autor, salientando que a época era véspera de recesso judiciário. Manifestou-se a CEF no sentido de não concordar com essa última afirmação do autor, pois o gerente O. participou das verificações havidas no sentido de identificar o pagamento. Declarou a CEF que sim, era possível reverter administrativamente a inscrição. Reiterou o autor que trocou e-mails com o Sr. O., declarando também que esta ação não foi promovida sem antes tentar resolver administrativamente o problema. Reconheceu o autor que os e-mails não constam dos autos. Concordaram ambas as partes com a dispensa do depoimento pessoal do autor, diante das declarações prestadas. Passou o juiz a proferir, então, a seguinte sentença:
‘Dispensado o relatório, na forma da lei. Trata-se de ação ajuizada por C.E.J. contra a CEF, na qual postula a condenação desta ao pagamento de indenização por danos morais em razão da indevida inscrição de seu nome em cadastros de inadimplentes. Merece acolhida o pedido do autor. É fato incontroverso e reconhecido pela CEF que a inscrição do autor não teve por base efetiva inadimplência. Decorreu de uma falha de processamento de dados. Não vem ao caso, para o julgamento desta ação, se, em meados de 2011, o autor foi inadimplente. O que importa é que, na época, pagou via documento avulso de cobrança a prestação de agosto de 2011 e que, em 2012, especialmente em dezembro de 2012, quando ocorreu a prática do ato ilícito, o autor não estava mais inadimplente. A jurisprudência é pacífica no sentido de presumir o dano moral, uma vez demonstrada a indevida inscrição em cadastros de inadimplentes. No presente caso, é o que ocorre: o autor não estava inadimplente, foi inscrito indevidamente, e, ainda, alega que passou por constrangimento em uma loja (Brasóptica) em razão da indevida inscrição. O autor é advogado, declara-se bom pagador, merece acolhida seu pedido de reparação por danos morais em razão do ato ilícito praticado pela CEF. Há muito tem este juízo o entendimento de que a automação de procedimentos no sistema bancário gera economia e eficiência para os bancos, mas gera também riscos, cabendo responsabilizar a instituição financeira quando uma falha de sistema causar dano indevidamente a cliente ou terceiro. Passo a arbitrar a indenização. O caso não é de gravidade tal que justifique indenização elevada. Por outro lado, deve-se considerar a condição social do autor, inclusive sua atividade de advogado, que exige idoneidade para o seu pleno exercício. De igual modo, deve-se considerar o aspecto punitivo tendente a desestimular a CEF a praticar ilícitos dessa natureza. Diante do exposto, arbitro indenização em quantia equivalente a dez salários mínimos, o que equivale hoje ao montante de R$ 6.780,00. Tal quantia deverá ser paga corrigida monetariamente pelo INPC a contar desta data, montante que deve ser acrescido de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês a contar de dezembro de 2012, data da inscrição em cadastros de inadimplentes, eleita por este juízo para os fins da Súmula nº 54 do STJ. Isso posto, julgo procedente o pedido formulado nesta ação, condenando a CEF a pagar ao autor a quantia de R$ 6.780,00 (seis mil setecentos e oitenta reais) a título de danos morais. O valor em questão deverá ser corrigido monetariamente pelo INPC a contar desta data, montante que deve ser acrescido de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês a contar de dezembro de 2012, data da inscrição em cadastros de inadimplentes, eleita por este juízo para os fins da Súmula nº 54 do STJ. Sem custas e honorários advocatícios, na forma da lei. Registre-se. Ficam todos os presentes intimados.’
Após ser proferida a sentença, retomaram as partes as tratativas de negociação, tendo sido obtido o seguinte acordo: pagará a CEF ao autor, no prazo de dez dias úteis, o valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais). Tal valor deverá ser depositado na conta corrente do autor mantida junto à CEF (agência 3063, CPF nº__). Fica fixada em comum acordo uma cláusula penal de 15% (quinze por cento) na hipótese de não ser pago o montante convencionado no prazo de dez dias úteis. Condicionou o autor o acordo à expedição de ofício à Loja Brasóptica Bourbon, comunicando o fato de que seu pedido formulado nesta ação foi acolhido e que era descabida a inscrição no SPC detectada por tal estabelecimento em dezembro de 2012. Manifestou-se a CEF no sentido de não se opor à expedição de ofício solicitada pelo autor. Proferiu o juiz a seguinte decisão:
‘Homologo interlocutoriamente o acordo havido em audiência após ser proferida a sentença. Diante do acordo havido, declaro transitada em julgado a sentença, ante a ausência de interesse para interpor recurso. Declaro, de igual modo, prejudicada a sentença proferida, já que as partes optaram por negociar e acordar valor diverso. Expeça-se ofício deste juízo dirigido ao estabelecimento comercial Brasóptica Bourbon, nos termos solicitados pela parte-autora. Deverá acompanhar o ofício cópia deste termo de audiência. Fica estabelecido que, dez dias após a expedição de ofício, deverá haver baixa e arquivamento do feito, independentemente de nova intimação das partes (em tal prazo, poderão as partes livremente acessar o processo eletrônico e eventualmente alegar e requerer o que entenderem de direito). Ficam os presentes intimados.’
Nada mais sendo requerido, o MM. Juiz declarou encerrada a audiência, sendo impresso o presente termo, que vai por todos assinado. Rafael Castegnaro Trevisan,  Juiz Federal.”

Analisando-se o ocorrido em tal caso, verifica-se claramente o que segue:

a) a conciliação, inicialmente tentada em audiência, apesar das tratativas havidas, em um primeiro momento, não foi obtida;

b) o debate, em audiência, dos pontos controvertidos, em processo efetivamente oral, contribuiu para o desfecho do caso, na medida em que (b.1) com exatidão restaram esclarecidos os fatos incontroversos – devidamente consignados no termo de audiência – e (b.2) os fatos controvertidos, não necessariamente claros ou fáceis de extrair dos autos, foram objeto de debate, na presença do juiz – também mediante registro no termo de audiência –, oportunizando-se ao magistrado, em alguns minutos, uma exata compreensão do ocorrido;

c) houve dispensa do registro, em termo separado, do depoimento pessoal em seu sentido formal, prevalecendo a informalidade e a simplicidade do registro de declarações das partes no próprio termo principal da audiência;

d) a sentença foi proferida em audiência, imediatamente, mediante ditado do juiz, sem que tenha sido preparado o texto previamente, formando o magistrado seu convencimento no ato, mediante diálogo com as partes sobre as circunstâncias da causa e os fatos controvertidos;

e) após ser proferida a sentença, e a despeito de logo antes ter sido inviável a conciliação, as partes, cientes do julgamento, ainda na mesma audiência, com o incentivo do magistrado, conseguiram retomar a negociação, entabulando acordo segundo o qual seria pago montante indenizatório menor que aquele fixado na sentença condenatória, mas prontamente, e sem prosseguimento do litígio e demora daí decorrente;

f) no acordo havido entre as partes, houve ajuste não apenas quanto ao montante indenizatório a título de danos morais, mas, também, no sentido de ser expedido ofício ao estabelecimento comercial no qual o consumidor teria sofrido o constrangimento, circunstância que, sem dúvida, agregou valor e efetividade ao processo, cuja finalidade era, em última análise, reparar um consumidor que alegava ter sido moralmente lesado;

g) obtido o acordo após a sentença, restou este homologado interlocutoriamente pelo juiz (já que a sentença, de mérito, propriamente dita, já havia sido proferida), encerrando-se o litígio e arquivando-se o feito, sem necessidade de recursos e consequente tramitação em instâncias superiores.

Esse caso tomado como paradigma comportaria, como qualquer processo e suas variadas circunstâncias, diversas outras apreciações. Levando-se em conta o singelo e específico objetivo deste trabalho, porém, deve ser destacada apenas a vantagem obtida para todos, assim como para a efetividade de princípios constitucionais, a partir da opção do juiz por sentenciar em audiência, na gestão do processo. Realmente, fosse outra a opção (sentenciar em gabinete, após encerrada a audiência), diversas seriam as desvantagens: haveria maior atividade cartorária; a elaboração de uma minuta, com orientação do juiz, demandaria mais tempo e energia da assessoria; haveria a necessidade de o juiz revisar o trabalho e assinar a sentença, em um contexto de sobrecarga de trabalho e relativa demora daí decorrente; advogados teriam que, em seus escritórios, analisar o julgamento e avaliar o caminho a tomar; dificilmente, conforme revela a experiência prática, haveria uma reaproximação das partes, para obter um acordo, sendo o caminho natural a interposição de recursos, a apresentação de contrarrazões e o consequente envio do caso para a turma recursal competente, para julgamento, mediante nova atividade do Poder Judiciário, por meio de seus juízes e serventuários, de análise dos autos, trâmite processual, etc. Isso sem considerar a muito provável necessidade, ao final, de cumprir-se de maneira ortodoxa o julgado, mediante apresentação de cálculo, depósito judicial do valor devido, expedição de alvarás, etc. (sem levar em conta o risco de surgir, no momento do cumprimento, alguma divergência entre as partes, ou equívoco acerca de correção monetária e juros, ou algum outro aspecto, com consequente demora e trabalho para ser obtido um efetivo encerramento do caso e satisfação do direito. Por todas essas razões, entende-se que, nesse caso, tomado apenas como exemplo, revelaram-se, na prática, as vantagens presentes na opção do juiz de sentenciar em audiência, especialmente quando em questão casos simples, envolvendo direito privado e disponível, nos quais é controvertida matéria de fato.

Conclusão

Diante do exposto, conclui-se:

a) embora seja típica do Poder Judiciário apenas a função de julgar, diante das atuais exigências de eficiência e de razoável duração do processo, devem os juízes preocupar-se também com a gestão de processos;

b) são exemplos de medidas de gestão, especialmente na Justiça Federal, a cada vez maior delegação de tarefas aos serventuários, a informatização e o investimento em conciliação;

c) o Direito Processual Civil e suas regras jurídicas necessariamente devem, hoje, ser aplicados levando em conta a otimização comandada por princípios tais como o da oralidade e o da concentração da audiência, o da imediação e o da identidade física do juiz, o da informalidade e o da celeridade, assim como o da eficiência e o da duração razoável do processo;

d) o ato de sentenciar é jurisdicional por excelência, mas a opção de proferir sentença em gabinete ou em audiência é ato de gestão, na condução do processo;
e) nem todos os casos comportam julgamento em audiência, sendo essa opção mais adequada e conveniente naqueles mais simples, que envolvam matéria de fato;

f) sentenciar em gabinete oferece vantagens como maior tempo para que o magistrado possa analisar o caso, maior flexibilidade na escolha do momento de sentenciar, melhor qualidade, em tese, do texto da sentença, do ponto de vista técnico, maior possibilidade de delegação à assessoria e menor duração da audiência;

f) sentenciar em gabinete, porém, oferece desvantagens como a necessidade de o juiz retomar o mesmo caso após encerramento da audiência, com maior dispêndio de tempo e energia, maior morosidade, prática de mais atos cartorários e maior investimento de força de trabalho da assessoria;

g) sentenciar em audiência oferece vantagens como menor dispêndio de tempo, melhor aproveitamento, pelo juiz, dos elementos e das impressões colhidos em audiência, prevenção de embargos de declaração, possibilidade de haver maior satisfação das partes e dos advogados com o serviço judiciário e maior estímulo à conciliação, seja antes, seja após a prolação da sentença;

h) sentenciar em audiência oferece, todavia, desvantagens como a necessidade de o juiz eventualmente ser mais superficial em sua análise do caso, maior duração da audiência, provável menor qualidade técnica do texto da sentença, menor possibilidade de delegação para a assessoria e risco de haver um certo constrangimento, para o magistrado, ao revelar seu julgamento na presença das partes;

i) contribuem para o êxito da opção de preferencialmente julgar, em audiência, casos mais simples, envolvendo matéria de fato, medidas como programar-se a pauta de audiências reservando-se tempo suficiente para tanto, atribuir-se à assessoria a tarefa de analisar previamente os casos e sistematizar os dados, estipular o juiz, com as partes e os procuradores, sua programação de trabalho, adotar-se, na audiência, sistemas de registro de depoimentos e testemunhos em áudio ou vídeo e organizar-se coletânea de precedentes e sentenças para serem aproveitados como modelos;

j) a opção de proferir sentença em audiência, além da celeridade obtida, estimula a conciliação das partes, em especial após ser proferido o julgamento, conforme serve de exemplo o caso prático examinado neste trabalho;

k) a opção do magistrado pela prolação de sentença em audiência, sempre que possível, em casos simples envolvendo matéria de fato, revela-se, em suma, medida agilizadora do trâmite processual, que acarreta economia de atos cartorários, incentiva a conciliação entre as partes litigantes e prestigia princípios processuais relevantes como o da oralidade e o da concentração da audiência, o da imediação e o da identidade física do juiz, o da informalidade e o da celeridade, assim como o da eficiência e o da duração razoável do processo.

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Notas

1. “Os princípios são importantes auxiliares no ato do conhecimento, na compreensão global do sistema. São a base do ordenamento jurídico. São as ideias fundamentais e informadoras de qualquer organização jurídica. São os elementos que dão racionalidade e lógica, um sentido de coesão e unidade ao ordenamento jurídico. Dão ao todo um aspecto de coerência, logicidade e ordenação. São instrumentos de construção de um sistema, seu elo de coordenação, sua ordem e sua unidade. (...) O que deve ser bem compreendido é que as normas jurídicas são gênero do qual os princípios jurídicos e as regras jurídicas são espécies bem diferentes. O que distingue essas duas espécies de normas jurídicas é, fundamentalmente, a densidade normativa de uma e de outra. (...) Interpretam-se e aplicam-se ‘princípios jurídicos’ de forma muito diferente do que as ‘regras jurídicas’ são interpretadas e aplicadas. Porque as ‘regras’, por definição, têm em mira uma limitação clara e inequívoca de casos que reclamam sua incidência, o que não ocorre com os princípios; porque as regras colidem umas com as outras e revogam umas às outras, e os princípios, não; eles convivem uns com os outros mesmo quando se encontrem em estado de total colidência. Eles não se revogam, não se sucedem uns aos outros, mas, bem diferentemente, preponderam, mesmo que momentaneamente, uns sobre os outros. (...) De resto, os princípios assumem fundamental papel na própria interpretação e aplicação das regras jurídicas. (...) O que caracteriza a interpretação e a aplicação dos princípios é o seu conflito e a necessidade de seus valores antagônicos preponderarem, mesmo que momentaneamente, uns sobre os outros, em cada caso concreto que reclame a sua incidência. Disso resulta uma questão, cuja resposta tem dado ensejo a diversas pesquisas. Como decidir o conflito entre princípios? Como saber qual princípio deve preponderar, no sentido de prevalecer, momentaneamente, sobre o outro? (...) Quando regras jurídicas conflitam entre si, deve prevalecer a mais recente e a mais específica. (...) A doutrina especializada desenvolveu, a esse propósito, o que, por vezes, é chamado de ‘princípio da proporcionalidade’, mas que, rigorosamente – e isso de acordo com os próprios teóricos do tema –, deve ser entendido como ‘regra da proporcionalidade’. Regra, e não princípio, justamente pelas suas características, em especial porque ela, regra da proporcionalidade, não admite qualquer hesitação, quanto à sua aplicação, em termos de preponderância valorativa. A ‘regra da proporcionalidade’ fornece  critérios os mais objetivos possíveis que deverão ser empregados  para solucionar os impasses de preponderância dos diversos princípios jurídicos em cada caso concreto. (...) Esses critérios são os seguintes: regra da adequação; regra da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito. De acordo com a regra da adequação, o que se deve buscar é a exata correspondência entre meios e fins para que haja uma correlação lógica entre os fins e os meios utilizados ou utilizáveis para serem alcançados. A regra da necessidade impõe a avaliação dos próprios meios adotados para atingimento das finalidades. Ela leva a uma consideração crítica sobre a existência de outros meios possíveis para ser alcançado o mesmo fim. Na exata medida em que haja outros meios, deve-se dar preferência àquele que traga menores prejuízos, menor restrição a quaisquer outros direitos.” (BUENO, 2008, p. 96-100)

2. Os procedimentos podem seguir a forma oral, a forma escrita ou a combinação de ambas. Pelo princípio da documentação, há a exigência de que as alegações e as provas sejam conservadas por escrito ou gravadas em arquivos eletrônicos de áudio ou vídeo. Pelo princípio da oralidade, admite-se que sejam orais os atos processuais. Hoje, é raro o procedimento oral em sua forma pura. Adota-se, sim, o procedimento misto, segundo o qual “a palavra escrita pode ter até mesmo acentuada predominância quantitativa, mas ao seu lado permanece a falada, como meio de expressão de atos relevantes para a formação do convencimento do juiz” (CINTRA, 2006, p. 348). Na verdade, a ideia de oralidade não é adotada, hoje, em seu sentido primitivo: em vez disso, manifesta-se em outros princípios específicos, como o da concentração, o da imediação, o da identidade física do juiz, o da irrecorribilidade das decisões interlocutórias.

3. “Para que a oralidade, representada por esse contato pessoal do julgador com a causa, surta todos os seus benéficos efeitos, torna-se necessária a redução de toda a instrução processual a um número mínimo de audiências, se possível a uma única audiência, na qual se façam, desde logo, a instrução da causa e o seu julgamento. A proximidade temporal entre aquilo que o juiz apreendeu, por sua observação pessoal, e o momento em que deverá avaliá-lo na sentença é elemento decisivo para a preservação das vantagens do princípio, pois um intervalo de tempo excessivo entre a audiência e o julgamento certamente tornará difícil ao julgador conservar, com nitidez, na memória os elementos que o tenham impressionado na recepção da prova, fruto de sua observação pessoal, sujeita a desaparecer com o passar do tempo.” (SILVA, 2006, p. 54)

4. O princípio da imediação ou imediatidade envolve a ideia de contato direto do juiz com as partes e as provas, sem intermediários. Dele decorre o princípio da identidade física do juiz, segundo o qual o magistrado deve ser o mesmo do início ao fim do procedimento, salvo situações excepcionais. O princípio da imediatidade “exige que o juiz, que deverá julgar a causa, haja assistido à produção das provas, em contato pessoal com as testemunhas, com os peritos e com as próprias partes, a que deve ouvir, para recepção de depoimento formal ou para simples esclarecimentos sobre pontos relevantes de suas divergências” (SILVA, 2006, p. 53). Segundo o princípio da identidade física do juiz, “o mesmo juiz que haja presidido a instrução da causa haverá de ser o juiz da sentença” (SILVA, 2006, p. 54). Tal princípio complementa o princípio da imediatidade, pois não faz sentido exigir o contato do juiz com as partes se tal juiz não for o mesmo que proferirá a sentença (CPC, art. 132).

5. Os princípios da informalidade e da celeridade estão entre aqueles norteadores dos juizados especiais, tanto estaduais quanto federais, estabelecendo o art. 2º da Lei nº 9.099/1995 que, nos juizados especiais, “o processo orientar-se-á pelos critérios de oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação”.

6. Estabelece a Constituição Federal, em seu art. 5º, LXXVIII, que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação” (inciso incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004).

7. “(...) verifica-se que a cláusula procedural due process of law nada mais é do que a possibilidade efetiva de a parte ter acesso à justiça, deduzindo pretensão e defendendo-se do modo mais amplo possível, isto é, de ter his day in Court, na denominação genérica da Suprema Corte dos Estados Unidos.” (NERY JUNIOR, 2009, p. 85)

8. Estabelece o CPC que a sentença deve ser proferida, em audiência, logo após encerrados os debates, facultando-se ao juiz proferi-la depois, em um prazo de 10 (dez) dias. Eis o que estabelece o CPC em seus artigos 456 e 457: “Art. 456. Encerrado o debate ou oferecidos os memoriais, o juiz proferirá a sentença desde logo ou no prazo de 10 (dez) dias. Art. 457. O escrivão lavrará, sob ditado do juiz, termo que conterá, em resumo, o ocorrido na audiência, bem como, por extenso, os despachos e a sentença, se esta for proferida no ato. § 1º Quando o termo for datilografado, o juiz lhe rubricará as folhas, ordenando que sejam encadernadas em volume próprio. § 2º Subscreverão o termo o juiz, os advogados, o órgão do Ministério Público e o escrivão. § 3º O escrivão trasladará para os autos cópia autêntica do termo de audiência. § 4º Tratando-se de processo eletrônico, observar-se-á o disposto nos §§ 2º e 3º do art. 169 desta lei”.

9. No âmbito da Justiça Federal, a maior parte das sentenças é apenas revisada e conferida pelos juízes, após ser elaborada, na verdade, pela assessoria, mediante análise dos processos dentro de um trabalho em equipe supervisionado e acompanhado pelo juiz.

10. Após realizada a audiência, por exemplo, poderá o juiz simplesmente transmitir à assessoria a essência de seu julgamento, apenas indicando os pontos centrais da fundamentação a ser elaborada, para que, após elaborada a minuta de julgamento, apenas seja revisado e assinado o texto pelo juiz; essa “vantagem”, todavia, não garante necessariamente uma plena agilização do serviço, pois é necessário haver disponibilidade da assessoria para executar tal tarefa depois da audiência, e terá o juiz também de despender, depois, certo tempo e trabalho para aprovar a minuta e finalizar o trabalho jurisdicional, o que acarreta, em menor ou maior grau, certa demora processual.

11. Mesmo quando o texto da sentença é elaborado pela assessoria, exige-se do juiz, na revisão, conferência e assinatura da sentença, considerável dispêndio de tempo, geralmente muito mais tempo que o necessário para, em audiência, proferir o julgamento (alguns minutos).

12. Nesse ponto, é indiscutível a vantagem obtida com a prolação da sentença em audiência: além de a sentença ser proferida imediatamente (não há demora para a prática do ato), já saem as partes intimadas da audiência, tendo início, prontamente, o prazo para interposição de recurso, sem qualquer necessidade da prática de outro ato processual (poupa-se atividade cartorária). O acúmulo de trabalho no gabinete do juiz (infelizmente muito comum no Poder Judiciário), a necessidade de priorizar casos urgentes, prioritários por força de lei, etc. poderão acarretar indesejável morosidade.

13. Não somente os juízes, mas também os servidores do Poder Judiciário, em um contexto de grande delegação de tarefas que hoje prevalece, são, comumente, sobrecarregados no trabalho, o que dificulta a manutenção do padrão de celeridade processual desejável nas unidades judiciárias. Quanto maior o número de processos conclusos para sentença no gabinete de um juiz, maior será a dificuldade para proferir sentenças com celeridade, sendo essa dificuldade não apenas do juiz, mas, também, de toda sua equipe de trabalho.

14. Parece induvidoso que um caso simples, envolvendo matéria de fato, pode ser sentenciado em poucos minutos em audiência, mas, em gabinete, a mesma tarefa, como regra, não raro pode consumir horas de trabalho da assessoria, do juiz ou de ambos.

15. Em audiência, com a participação não só de advogados, mas também das partes envolvidas, verifica-se comumente um rico diálogo no qual transparecem sutilezas do caso concreto que os autos muitas vezes não demonstravam com tanta clareza. Em poucos minutos de audiência, o juiz pode, nesse contato com as partes, adquirir uma compreensão do litígio que não raro demandaria horas de leitura das peças processuais e seria até impossível mediante apenas exame dos autos. Nesse diálogo com as partes e os advogados, pode o juiz fazer questionamentos e registrar, no termo de audiência, os fatos incontroversos, os pontos controvertidos e as diferentes versões e argumentos das partes, etc. A partir do debate dos fatos da causa, voltado ao esclarecimento e ao convencimento do juiz, viabiliza-se um julgamento com muito maior convicção e segurança. Sendo a sentença proferida imediatamente, há um aproveitamento máximo dessa gama de elementos colhidos na audiência, pois a prática demonstra que nem tudo é ou pode ser registrado, e alguns dias ou semanas depois o aproveitamento dessas informações e impressões colhidas em audiência, em um julgamento em gabinete, não seria o mesmo.

16. Embargos de declaração geram morosidade processual, como é notório. Proferindo a sentença em audiência e em um contexto de informalidade e diálogo, não seria exagero afirmar que podem as partes “participar” do julgamento, caso oportunizada, pelo juiz, com critério, essa salutar interação, durante ditado ou logo após ditar o texto da sentença, sendo a sentença finalizada já levando em conta eventuais questionamentos das partes, o que, na prática, evita a ocorrência, em momento posterior, de embargos de declaração.

17. Mesmo quando o julgamento é desfavorável à parte e esta fica insatisfeita, portanto, com o conteúdo da sentença proferida, o fato de testemunhar e fiscalizar o trabalho do juiz e poder dialogar com este, antes e após o julgamento, parece ser positivo para a imagem do Poder Judiciário, contribuindo para a sua legitimação social. O Poder Judiciário frequentemente é criticado por ser fechado e refratário à comunicação, sendo o encontro proporcionado pela audiência uma oportunidade de aproximação com a sociedade.

18. Em audiência de conciliação, instrução e julgamento, a tentativa de conciliação é, obviamente, parte do rito processual, e situa-se cronologicamente no início dos trabalhos. A experiência mostra, todavia, que um bom acordo é obtido, muitas vezes, somente após uma considerável discussão dos diferentes pontos controvertidos, assim como das diferentes variáveis presentes no caso, das quais se possa extrair diferentes alternativas de composição. Sendo assim, a discussão da matéria de fato, para esclarecimento do juiz, com vista a um julgamento (em vez de programar-se o detido exame dos autos, depois, em gabinete), contribui, na prática, também para que seja obtida, quando possível, antes do julgamento, uma conciliação, graças a essa discussão detalhada dos diferentes aspectos do litígio, que muitas vezes enseja o surgimento de alternativas de composição.

19. Caso inexitosa a tentativa de conciliação no início da audiência, vislumbra-se, já em outro contexto, após a prolação da sentença, superadas, em alguma medida, a incerteza e a expectativa das partes a respeito do conteúdo do julgamento que seria proferido em primeira instância, uma nova oportunidade de conciliação. De fato, cientificadas as partes do julgamento, logo após haver uma exaustiva discussão da causa em audiência, abre-se a possibilidade de retomada da negociação para compor a lide, partindo a negociação justamente daquilo que restou decidido pelo juiz, em audiência. Não é raro as partes negociarem e não chegarem, em um momento inicial, a um consenso, por não entrarem em acordo, por exemplo, a respeito dos valores envolvidos nas tratativas. Proferido um julgamento, porém, surge uma nova referência de negociação (o valor fixado pelo juiz, por exemplo), constituindo muitas vezes esse elemento novo o fator determinante para ser obtido um acordo (isso se verificou no caso concreto que será adiante examinado, neste trabalho). Por outro lado, caso venha a ser proferido o julgamento em gabinete, em momento posterior, será necessário, para ser tentada novamente a conciliação por iniciativa do juiz, designar-se nova audiência de conciliação, o que não é usual na prática forense e é relativamente oneroso para o juiz e para as partes, que novamente teriam que se deslocar à sede do Poder Judiciário para tratar do assunto. Além disso, a experiência prática demonstra também que as partes, após ser proferida a sentença, como regra, dedicam-se prioritariamente à interposição de recursos (por razões óbvias, há um prazo exíguo para tanto) e ao aguardo do julgamento de segunda instância, dificilmente entrando em um acordo ou estabelecendo novas e efetivas tratativas para uma composição, por conta própria. Superada, então, a expectativa quanto ao julgamento de primeira instância, o atrativo de encerrar o litígio na mesma audiência, sem a necessidade de prosseguir na discussão pela via recursal, pode determinar a obtenção de um acordo.

20. Para que possa o juiz julgar com segurança, em audiência, impõe-se que o caso tenha sido suficientemente analisado previamente, tendo sido identificados os pontos controvertidos, arguidas as preliminares, examinada a tese de defesa, os requerimentos pendentes, etc. Essa análise prévia pode ser delegada, ao menos em parte, à assessoria, a qual, nesse caso, fica encarregada de sistematizar todos os dados que devam ser considerados pelo juiz, em seu trabalho em audiência (com base nesses elementos e dispondo dos autos, poderá o juiz, em audiência, examinar mais detidamente a prova, inclusive valendo-se da concomitante argumentação das partes). Sobre esse ponto, porém, é necessário reconhecer que o conhecimento do caso, pelo juiz, constitui requisito necessário ou pelo menos conveniente para qualquer audiência, mesmo que não seja vislumbrado, nesta, o julgamento da causa. Por fim, a ideia de que o juiz, em gabinete, pode examinar melhor os elementos de prova e os detalhes do caso nem sempre se confirma na prática: sendo a delegação de tarefas uma imposição decorrente da imensa carga de trabalho, há o risco de a sentença proferida em gabinete envolver uma cognição menor que aquela que se verificaria em audiência, ou, o que é mais grave, em casos mais extremos, uma verdadeira delegação da própria cognição, passando a assessoria a realizar, na prática, a efetiva tomada de decisão e o julgamento, que, na verdade, seria privativo do magistrado.

21. Mesmo que a prolação da sentença exija alguns poucos minutos, esse tempo repercute significativamente em uma pauta na qual estejam previstas diversas audiências de conciliação, instrução e julgamento, em um mesmo turno de trabalho.

22. A sentença proferida em audiência, mediante ditado do juiz, na presença das partes e dos advogados, é e deve ser, por natureza, mais simples, sucinta, objetiva. Deve o juiz, ao proferir seu julgamento, nesse caso, ser breve, conciso, ater-se ao essencial. Não se exige, na prática forense, portanto, nesse caso, na elaboração do texto da sentença, a mesma qualidade técnica de um julgamento proferido em gabinete, sujeito a revisão, sendo admissíveis pequenas imperfeições de redação decorrentes da oralidade e da informalidade que prevalecem no ato.

23. A preparação da audiência, pela assessoria, deve envolver, preferencialmente, não apenas a verificação da situação do processo pautado para audiência (regularidade das intimações, etc.), mas, também, a identificação e a sistematização dos principais pontos controvertidos, pedidos formulados, preliminares arguidas, teses de defesa, enfim, dos pontos relevantes a serem considerados no trabalho de instrução e no julgamento.

24. Nada impede que seja previamente elaborada uma minuta de julgamento, para ser aproveitada em audiência, mas, nesse caso, o que se tem, na verdade, não é uma sentença verdadeiramente proferida em audiência, com as vantagens que oferece para a agilização do serviço, e sim um julgamento elaborado em gabinete – com o trabalho que isso envolve – que é apenas finalizado e publicado em audiência.

25. Esse possível constrangimento do magistrado ao proferir julgamento em audiência não é, na experiência prática, uma questão menor: talvez seja uma das principais razões pelas quais alguns juízes prefiram prolatar suas sentenças apenas em gabinete. Isso é compreensível, pois, em um litígio, é muito comum que a parte perdedora fique inconformada e até mesmo indignada com o julgamento desfavorável, inclusive manifestando essa inconformidade em audiência, perante o juiz. Sobre esse ponto, porém, novamente deve ser destacada a audiência e o encontro que esta proporciona como uma oportunidade de aproximação do Poder Judiciário com a sociedade: o risco de haver algum dissabor ou constrangimento para o juiz é insignificante se considerada a importância do contato direto do magistrado com o jurisdicionado, sem intermediários, com total transparência na execução do ofício jurisdicional.

26. Na realidade atual, é inafastável que juízes trabalhem com o suporte de equipes que elaborem minutas que são apenas revisadas e assinadas pelo juiz, sendo isso particularmente presente nos litígios de massa, em que são verificadas ações repetitivas. Envolvendo tais ações questões de direito, nas quais é improvável uma conciliação, é recomendável a opção pelo julgamento em gabinete.

27. O ideal é que o mesmo serventuário da justiça que atuou nessa tarefa de análise preparatória do caso participe, também, da própria audiência, secretariando-a e auxiliando o juiz em sua atividade.

28. Tal estipulação inicial incentiva as partes a aderir à sistemática de trabalho do juiz, conscientes de que suas intervenções poderão inclusive influenciar diretamente no julgamento que minutos após será proferido, caso não obtida a conciliação. O julgamento em audiência, embora previsto em lei e relativamente comum na prática forense, não é praticado por todos os juízes, recomendando-se, assim, que o juiz revele aos interessados, no ato, sua sistemática de trabalho.

29. O sistema de registro escrito de depoimentos e testemunhos, mediante ditado do juiz, exige tempo e energia que podem ser melhor aproveitados se canalizados para a solução do conflito. Com equipamentos adequados, é possível, em poucos minutos, realizar o registro da prova oral, restando mais tempo, na pauta, para a discussão dos pontos controvertidos e para o próprio julgamento da causa.

30. Serve de exemplo a Semana Nacional de Conciliação, promovida, em âmbito nacional, pelo Conselho Nacional de Justiça, no mês de dezembro de cada ano.

31. Embora seja público o processo, dados de identificação das partes são omitidos neste trabalho para evitar sua desnecessária exposição.



Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023:2002/ABNT):
. . Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n., ago. 2014. Disponível em:
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Acesso em: .


REVISTA DE DOUTRINA DA 4ª REGIÃO
PUBLICAÇÃO DA ESCOLA DA MAGISTRATURA DO TRF DA 4ª REGIÃO - EMAGIS