Prévio requerimento administrativo como condição para acesso ao Judiciário em matéria previdenciária
RE 631240-MG – repercussão geral

Autor: Paulo Afonso Brum Vaz

Desembargador Federal, Corregedor Regional da Justiça Federal da 4ª Região, Mestre em Poder Judiciário (FGV), Doutorando em Direito Público (Unisinos)

Autor: José Antonio Savaris

Juiz Federal, Mestre em Direito Econômico e Social (PUCPR), Doutor em Direito da Seguridade Social (USP), Professor do PPGD da Univali

 publicado em 30.10.2014



Introdução

Pretende o presente texto analisar e discutir criticamente a recente decisão do STF em sede de Repercussão Geral em Recurso Extraordinário (RE 631240-MG), em que foi relator o Ministro Luís Roberto Barroso, que instituiu uma condição de proponibilidade para o acesso ao sistema judicial de proteção dos direitos da seguridade social, é dizer: o prévio requerimento na via administrativa. A disposição da pesquisa passa pelo exame descritivo da jurisprudência anterior ao julgamento do STF, pela análise da sua conformação constitucional, pela crítica ao nível reduzido de eficácia do contencioso administrativo do INSS e ao consequente contributo para a judicialização dos conflitos inerentes, pela síntese das razões práticas da jurisprudência condicionante da jurisdição ao prévio requerimento administrativo, pela delimitação da carga eficacial da decisão do STF em sede de repercussão geral no julgamento de Recurso Extraordinário e pelo ponto culminante propositivo no sentido da necessidade de contextualização do precedente vinculativo do Supremo Tribunal Federal, inclusas suas regras de transição, e da sua incidência restritiva às hipóteses em que o prévio pedido administrativo não represente obstáculo nem protelação do acesso à Justiça.

1 A jurisprudência sobre a jurisdição previdenciária condicionada ao prévio requerimento administrativo

Quando do julgamento do RE 631.240 (03.09.2014), o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, em sede de repercussão geral (portanto, com caráter vinculante), que é preciso requerer previamente na via administrativa os benefícios previdenciários, como condição para poder questioná-los na Justiça. Por maioria de votos, o Plenário deu parcial provimento ao recurso do INSS, afirmando que, para o acesso à Justiça, é necessário que o segurado questione previamente o direito no INSS. Milhares de processos aguardavam sobrestados a decisão do Supremo.(1) Foi acolhida, nesse julgamento, a proposta apresentada pelo relator do recurso, Ministro Luís Roberto Barroso, referente ao destino das ações judiciais que se encontravam em trâmite sem a precedência de processo administrativo na autarquia federal. Os critérios definidos como regras de transição, disse o Ministro Barroso, representam o resultado de proposta de consenso apresentada em conjunto pela Defensoria Pública da União e pela Procuradoria-Geral Federal.

Trata-se de matéria antiga, mas nem por isso menos complexa. O primeiro entendimento jurisprudencial consolidado sobre o tema foi vazado na Súmula nº 213 do extinto TFR: “O exaurimento da via administrativa não é condição para a propositura de ação de natureza previdenciária”. Essa súmula, compreendida a contrario sensu, estava a sinalizar no sentido de que apenas o esgotamento da instância administrativa era desnecessário, sendo, portanto, necessário o requerimento. A jurisprudência não observou o norte definido pelo TFR e seguiu caminhos diversos.

A matéria, até o julgamento do Pretório Excelso, não se encontrava pacificada nos Juizados Especiais Federais, nos Tribunais Regionais Federais ou no Superior Tribunal de Justiça, oscilando os entendimentos desde a dispensa do prévio requerimento, passando pelo condicionamento parcial, até a sua exigência para todos os casos.

No TRF4, o prévio requerimento tem sido exigido, excepcionados alguns casos, tendo a Terceira Seção firmado o seguinte entendimento:

“(...) nas situações em que, sistematicamente, o INSS se nega a apreciar ou indefere de pronto a pretensão da parte, é possível a dispensa do prévio ingresso na esfera administrativa, pois a recusa da Administração e o interesse processual, em casos tais, são evidentes. Assim, excepcionalmente, é de se afastar tal exigência, quando notória a negativa da Administração, como se dá nos casos em que pretende o segurado a obtenção de benefício previdenciário na qualidade de boia-fria, volante ou diarista, sem apresentação de prova documental substancial.” (TRF4, Terceira Seção, Embargos Infringentes na Apelação Cível nº 1999.72.05.007962-3/SC, j. em 09.10.2002)

No STJ, preponderava o entendimento da “desnecessidade de prévio requerimento administrativo como condição para a propositura de ação que vise à concessão de benefício previdenciário” (STJ, AgRg no AREsp 41465/PR, 6ª Turma, Min. Og Fernandes, DJe 26.09.2012).

No sistema dos Juizados Especiais Federais, as Turmas Recursais (TRs) e a Turma Nacional de Uniformização (TNU) inclinam-se por reconhecer que a exigência do prévio pedido na via administrativa como condição para o ajuizamento da ação constitui a regra, excetuadas algumas hipóteses: a) nas ações revisionais de reajustes de benefícios; b) na ação proposta perante Juizado Especial Itinerante (Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei Federal, Processo 2002.81.10.00.2335-0-CE, j. 08.02.2010, Rel. Juiz Federal Derivaldo de Figueiredo Bezerra Filho); c) quando houver contestação de mérito apresentada pelo INSS (Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei Federal, Processo nº 2004.81.10.00.5614-4-CE, j. 16 e 17 de novembro de 2009, Rel. Juíza Federal Jacqueline Michels Bilhalva).

A jurisprudência do STF, por último, havia sinalizado o entendimento “no sentido de ser desnecessário para o ajuizamento de ação previdenciária o prévio requerimento administrativo do benefício à autarquia federal” (RE 549.055 AgR, Rel. Min. Ayres Britto, j. 05.10.2010).

2 A falta de efetividade do contencioso administrativo previdenciário

Quem habita os files dos processos eletrônicos que tramitam na Justiça Federal, sobretudo nos JEFs, são as entidades públicas federais, invariavelmente na condição de rés, demandadas em prestações relacionadas com o bem-estar das pessoas, predominando as de natureza previdenciária e as funcionais. Ambas constituem a esmagadora maioria: 73,1% dos processos que tramitam hoje nos JEFs têm como parte (passiva) o INSS.(2)

Para analisar o descrédito no contencioso administrativo previdenciário, cumpre, primeiro, focar o generoso contributo da forma irresponsável como o poder público trata, na via administrativa, os direitos e os interesses dos administrados. Se apenas 1/3 dos casos ajuizados fosse resolvido administrativamente, e poderia sê-lo, ter-se-ia solucionado o problema do excesso de demanda litigiosa. Um bom número de conflitos, que deveria ser resolvido administrativamente, passou a ser canalizado diretamente ao Poder Judiciário. Há, por assim dizer, um descrédito total na via administrativa e uma tendência de não mais provocá-la (nem falo de exauri-la!).

O referido fenômeno tem uma explicação complexa, que passa por análises sociológicas, políticas, econômicas e jurídicas, as quais não se tem espaço para discutir neste artigo, senão para lembrar que o Estado Social, em sua complexidade, depois de ter acenado com a possibilidade de assegurar a segurança ideal, por todos almejada, sob os rótulos de cidadania e democratização, verificando ser vã a sua pretensão em um mundo capitalista voltado para a eficiência econômica, optou por reduzir seu alcance protetivo.

O não cumprimento das promessas desenvolvimentistas da modernidade, no entanto, depois de criada a ilusão de segurança social, gera decepções, principalmente porque, abandonadas pelo capitalismo e sua perversa ideologia individualista e acumuladora, que não conhece as palavras solidariedade e fraternidade, as pessoas não têm a quem recorrer para a satisfação de suas necessidades contingenciais (riscos sociais), cada vez mais aguçadas pelo próprio capitalismo e seus irresistíveis apelos consumistas.

A crise multifacetada que assola o Estado Social (política, filosófica, de legitimidade e financeira), que se despe da responsabilidade de prover o bem-estar social, atribuído à iniciativa privada (quer dizer, às forças capitalistas), transforma os serviços públicos até então cobertos pelo Estado (seguridade social – saúde, assistência e previdência social – e segurança pública, principalmente) em produtos colocados no mercado, disponíveis a quem possa pagar. Já se disse que, em um futuro iminente, ficarão para o Estado apenas a filantropia e o mínimo existencial!

No campo operacional, a centralização administrativa, que constitui a administrativização ou burocratização dos direitos sociais, trouxe consigo um problema hermenêutico que até os dias de hoje configura óbice à concretização dos direitos sociais prestacionais reconhecidos constitucionalmente que incumbem ao Estado-Providência efetivar no plano da sensibilidade social. A burocracia não conseguiu, até hoje, desvencilhar-se das amarras dogmáticas positivistas. Não supera os modelos de subsunção e aplicação das regras jurídicas.(3) Opera com uma compreensão do direito que se esgota na literalidade dos textos legais, desprezando a hermenêutica.(4) Falta-lhe, ademais da compreensão dos textos a partir da faticidade, a ética do social. Confunde texto e norma e, escudada em uma errônea compreensão de legalidade, somente faz por render homenagem à obra legislativa, como se esta tivesse o condão de exaurir a complexidade da existência e da fenomenologia da realidade palpitante da vida.

Embora o acesso à Justiça não represente, em si, um direito negativo, ele também não deixa de conter elementos que garantam os direitos e as garantias dos indivíduos e da coletividade em relação ao abuso de poder de entes estatais, tais como o não cumprimento de normas constitucionais vinculadas às políticas públicas, como podemos perceber a partir da intensidade absurda das ações contra o poder público. Afirmar que o Estado figura como o maior litigante da Justiça implica dizer que ele se coloca como um obstáculo ao pleno exercício do direito de acesso à Justiça, na medida em que ocupa todos os espaços do Poder Judiciário. Colonizando as estruturas da Justiça, o Estado culmina por congestionar suas vias de acesso, impedindo e retardando o normal trânsito de outras espécies de demandas e mesmo daquelas que contra si são direcionadas. Bem a propósito a indagação de Nalini (1997):

“Não é o Estado o maior produtor de demandas, sufocando os tribunais com sua resistência em reconhecer seus desmandos? Compreende-se, após examinar as estatísticas da produção pretoriana em todas as instâncias brasileiras, por que Canotilho afirmou, talvez exageradamente: O Estado de Direito transformou-se em direito do Estado; fez do Poder Judiciário um serviço ao serviço do Estado.”

Com a democratização do acesso ao Judiciário (verdadeira corrida ao Judiciário proporcionada pela Constituição de 1988), sobretudo com a criação dos juizados especiais, essa situação agravou-se. Os juizados especiais, pelo menos os federais, passaram a funcionar como “balcão” de benefícios previdenciários e outros pleitos em face do INSS. Essa tendência de “empurrar” para o Judiciário a responsabilidade pelo Estado Social (cômoda e, ao mesmo tempo, arriscada para a autarquia previdenciária) tornou insuportável a demanda, a ponto de trazer à baila a discussão acerca da jurisdição condicionada ao prévio requerimento administrativo, como mecanismo de limitação do acesso ao Poder Judiciário.(5)

O Estado do Bem-Estar, depois da retomada liberalista (neoliberalismo ou ultraliberalismo), passou a ser “levado” nos ombros do Juiz Hércules: muito mais na jurisprudência do que positivado.(6) Cruz e Oliviero (2012) apontam o vazio normativo e a ausência de políticas legislativas como responsáveis pelo “fenômeno de reforço normativo do tipo jurisprudencial, a ponto de se poder afirmar que a existência de alguns direitos, não só os sociais, é muito mais fruto de um trabalho de criação judicial do direito do que de movimentos coordenados de governos ou de autoridades europeias”. Embora criado pelo legislador, o Welfare State é mantido hoje, bem ou mal, pelo Judiciário.

O Executivo, que tem a função de pôr em prática a legislação social, promovendo as políticas públicas, mostra-se excessivamente burocratizado, distante e inacessível, omitindo-se de seu ofício. Flutuando entre a tutela paternalista e a opressão autoritária sobre os cidadãos, suprime suas capacidades de organização e luta, frustrando o ideal de bem-estar geral em que está fundado. Restou ao Judiciário desempenhar o papel de garante dos direitos sociais, elevando-se ao nível dos outros poderes, como disse Cappelletti (1993, p. 47), tornando-se, enfim, “o terceiro gigante, capaz de controlar o legislador mastodonte e o leviatanesco administrador”, em um sistema de permanente equilíbrio de forças, de contrapesos e controles recíprocos (checks and balances).

Hércules é o juiz que aparece no modelo iconoclasta que faz da sua figura a fonte única do direito válido e eficaz (Dworkin disse não ser Hércules um tirano usurpador que tenta enganar o povo, privando-o do seu poder democrático).(7) Esse juiz inspirou as correntes realistas, especialmente o realismo norte-americano que influenciou a magistratura brasileira e suas vertentes da jurisprudência sociológica. Corresponde esse modelo de “embudo” às exigências do Estado Social ou assistencial do século XX (OST, 2012).

Ost diz que nada será perdoado ao juiz assistencial, que precisa resolver todos os tipos de problemas, estar em todas as frentes, incluindo relativizar o mito da supremacia do legislador. É responsável pela criação do direito, que se resume à materialidade do fato. Apesar de ser o melhor modelo de juiz para a solução dos problemas sociais, está ameaçado de transformar-se em utópico, sobretudo diante da impotência para continuar cumprindo seu papel; tende a ficar hipostasiado e corre o risco de não sobreviver diante do novo modelo, o do juiz Hermes…

Vamos exemplificar aqui com o caso dos direitos sociais da seguridade social, dimensionando a participação do Poder Judiciário. Conforme a pesquisa PNAD/IBGE, edição 2009, 1,1 milhão de pessoas tiveram envolvimento com conflitos sobre direito previdenciário, número que representa 8,6% do total de pessoas envolvidas em conflitos em 2009. Do total de entrevistados, 76,3% reportaram ter havido ação judicial para dirimir o conflito.(8)

Freitas (2013, p. 26) afirma que, em 2012, foram propostas por volta de 1.220.000 novas ações judiciais, enquanto foram concedidos 4.770.000 novos benefícios na via administrativa. Os benefícios previdenciários concedidos por ordem judicial correspondem a 8,58% do universo de benefícios implantados.(9) Definitivamente, há algo de patológico nesses números. Embora Freitas, que é Procurador-Geral Federal, entenda que o percentual de concessões judiciais não é preocupante, se tomarmos o universo de benefícios mantidos, que é de 30.000.000, vamos ver que 8,58% representam 2.400.000 benefícios concedidos judicialmente, um número muito elevado.

Ocorre que a jurisprudência, embora tenha um papel fundamental na concretização dos direitos fundamentais, além de atender às demandas sociais de forma fragmentada e atomizada (não molecular), não imuniza os direitos sociais reconhecidos contra o retrocesso nos momentos de crise econômica, é dizer, não garante a sustentabilidade. É preciso, pois, devolver à Administração a sua funcionalidade, o desempenho do seu papel no Estado Democrático de Direito. Sabe-se que 35% das ações previdenciárias não são precedidas de requerimento na via administrativa.

3 Análise da constitucionalidade do condicionamento do acesso à jurisdição ao prévio requerimento administrativo

Segundo a classificação da teoria dos direitos fundamentais, a problemática do acesso à Justiça está situada dentre os direitos sociais, os de segunda dimensão, isto é, os que exigem uma prestação material por parte do Estado para sua concretização.(10)

Nos países desenvolvidos, a problemática do acesso à Justiça, em parte, situa-se na questão do acesso das minorias à Justiça e ao reconhecimento de direitos, tais quais os direitos dos homossexuais, das mulheres, dos estrangeiros, dos deficientes, entre outros. Ou seja, nesses países, a questão da acessibilidade à Justiça relaciona-se principalmente ao reconhecimento de novos direitos, à expansão da cidadania e à sua prática.

No Brasil, entretanto, a realidade revela que a principal questão, diferentemente do que ocorria nos países centrais, não era a ampliação do welfare state e a necessidade de se tornarem efetivos os novos direitos conquistados principalmente a partir dos anos 60 por ditas “minorias”, mas, sim, a própria necessidade de se expandirem para o conjunto da população direitos básicos aos quais a maioria não tinha acesso (saúde, assistência social e moradia, p. ex.), tanto em função da tradição liberal-individualista do ordenamento jurídico brasileiro como em razão da histórica marginalização socioeconômica e das desigualdades que caracterizam o crescimento do país.(11)

Foi com esse viés que, a partir do início dos anos 80, o tema da democratização do Poder Judiciário incorporou-se à pauta de advogados, juízes, promotores, acadêmicos e militantes de organizações de assistência jurídica e comitês de direitos humanos, em uma densa discussão sobre assuntos tais como a ampliação do acesso à Justiça das classes mais baixas, a racionalização e a redução dos custos dos serviços judiciários, a simplificação e a informalização dos procedimentos nas áreas cível, penal e trabalhista, a representação jurídica de causas coletivas e a mudança na formação e no papel do juiz e dos demais atores envolvidos no processo jurídico.

O debate assim travado enlaça-se com a questão da democracia e da própria cidadania, direitos humanos universalmente reconhecidos que demandam a disponibilização e a generalização de recursos necessários ao seu exercício e à sua garantia. Esse esforço de alocação passa pelo fortalecimento da sociedade civil e abre a possibilidade concreta de intensificar a luta pelo aprofundamento da democracia deliberativa, no sentido da efetiva participação dessa sociedade civil nos processos decisórios de relevância para os seus destinos.

No modelo de Estado Democrático de Direito, o direito fundamental ao acesso à jurisdição (ou acesso à Justiça, como se convenciona chamar doravante) é corolário do dever de prestação jurisdicional assumido pelo Estado, em regime de monopólio, substituindo a ação e a vontade das partes na solução dos conflitos de interesses e na promoção da paz social.

Embora não se confundam as noções de acesso à Justiça e acesso ao Judiciário – aquele mais amplo, no sentido de acesso à ordem jurídica justa,(12) um conceito valorativo e substancial, dirigido ao efetivo reconhecimento e à efetiva concretização dos direitos fundamentais do homem, e este, um conceito formal e instrumental do acesso à Justiça, como possibilidade de deduzir em juízo demanda que se contraponha à ameaça ou à lesão de direito, nos termos do art. 5º, XXXV, da CR –, o esforço será no sentido da imbricação dos conceitos, é dizer, tomando o acesso à Justiça em um duplo e complementar sentido de caráter formal e material.

No sistema normativo brasileiro, o fundamento formal do princípio do acesso à Justiça acha-se no art. 5º, inciso XXXV, da CR: “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. O legislador constituinte, ao cuidar do princípio do acesso à Justiça no referido preceptivo, ao invés de proclamar diretamente o direito fundamental à jurisdição, preferiu estabelecer vedação dirigida ao Estado de restringir o acesso à Justiça para pôr fim a lesão ou ameaça a direito. Talvez estivesse buscando prevenir reminiscências de um passado não muito remoto em que convivíamos com leis que excluíam da apreciação do Poder Judiciário questões diversas, dirigindo diretamente ao legislador a vedação.

Do ponto de vista material, o direito fundamental ao acesso à Justiça encontra-se fundado no princípio da dignidade da pessoa humana, que é um valor alçado à condição de norma/princípio político estruturante da Constituição da República do Brasil (art. 1º), traduzindo-se em mandado de otimização a impor observância por todo o sistema normativo e também por todos os aplicadores do Direito. Em outras palavras: o princípio da dignidade da pessoa humana serve de vetor para a interpretação e o alcance de toda a gama de normas de direitos fundamentais constitucionalmente previstos, configurando-se assim em um princípio de maior hierarquia axiológico-valorativa.

A recorribilidade ao Poder Judiciário para evitar ou pôr fim a uma lesão ou ameaça a direito é um exercício de cidadania inerente à dignidade da pessoa humana. Na sua essência, a dignidade da pessoa humana marca uma opção do constituinte pelos valores humanistas, tornando o homem o centro da ordem político-constitucional, e, na medida em que se lhe restringe o acesso ao Judiciário, ter-se-á violação do núcleo essencial desse princípio/valor, que é, podemos assim dizer, a tônica da evolução jurídico-social deste início do terceiro milênio.

O princípio/direito fundamental ao acesso ao Judiciário desvela-se como o mais importante de todos os princípios constitucionais, porque lhe incumbe a função de maior relevância dentro do sistema constitucional, qual seja, a de assegurar o reconhecimento e o exercício de todos os demais direitos e garantias previstos na Constituição. Em outro dizer, desempenha o papel essencial de garantir a eficácia da própria Constituição e de seus valores essenciais, como o Estado Democrático de Direito. A Constituição fundamenta, garante e atribui confiabilidade à jurisdição, e esta retribui protegendo e velando pela higidez do sistema jurídico-constitucional. Sem jurisdição eficaz, a Constituição passa a ser uma mera manifestação de propósitos desprovida de qualquer utilidade prática à sociedade. Como bem assinalou Canotilho (1993, p. 57), “independentemente das densificações e das concretizações que o princípio do Estado de Direito encontra explícita ou implicitamente no texto constitucional, os pressupostos materiais subjacentes a esse princípio residem na tríade constitucionalidade, judicialidade e direitos fundamentais”.

O pleno exercício do direito fundamental ao acesso ao Judiciário funciona como uma espécie de sensor de plenitude democrática. Mede-se o nível de democracia de determinado povo pela amplitude de vias de acesso à Justiça, como efetiva e eficaz proteção contra ameaças e lesões a direitos individuais, sociais ou políticos. Conforme observou a Ministra da Suprema Corte Cármen Lúcia A. Rocha (1993, p. 32), “Quanto mais democrático o povo, mais alargada é nele a jurisdição, mais efetiva, rápida, facilitada e concretizada a sua prestação”.

Trata-se de um direito fundamental de toda a pessoa, que se traduz, evidentemente, em direito subjetivo exercitável em face do Estado, a quem incumbe o dever de prestar a jurisdição da forma mais efetiva, eficiente e eficaz. É, pois, direito fundamental de dupla funcionalidade (direito/dever). Cogita-se, ademais, de um direito fundamental que deve ser ativo, ou seja, transcendente da normatividade constitucional e infraconstitucional abstrata e frívola – muitas vezes apenas serviente de interesses meramente acadêmicos e utilizada para subsidiar demagogias políticas – e apto a produzir efeitos concretos e com densidade no plano social. O direito fundamental ao acesso à Justiça somente se legitima quando trespassa da órbita meramente discursiva para a realidade palpitante e viva da sociedade, refletindo-se na exigência de medidas práticas de democratização do acesso à Justiça.

O reconhecimento da titularidade de um direito subjetivo, um interesse legítimo, deve se fazer acompanhar pelo poder de invocá-lo perante os tribunais em processo jurisdicional, na célebre afirmação de Carnelutti. A combinação direito/ação, no entanto, não é absoluta e imediata.

O Tribunal Constitucional italiano, por exemplo, tem entendido que não viola o princípio do acesso à Justiça (art. 24, parágrafo primeiro, da Constituição italiana) a imposição, por lei, de uma condição de procedibilidade – no caso específico, a prévia tentativa de conciliação –, considerando legítimo o condicionamento que tenha por base um propósito maior da Justiça, desde que não torne a proteção judicial difícil ou postergada indefinidamente, é dizer, desde que sejam estabelecidos mecanismos de preservação do direito, tais como a estipulação de um prazo razoável, a suspensão da prescrição e a possibilidade de obtenção de medidas de urgência (Acórdão nº 7 de 1962, Acórdão nº 47 de 1964).

Mais recentemente, no Acórdão nº 272 de 2012, o Tribunal Constitucional italiano entendeu que a tentativa prévia de acordo não impede o acesso à Justiça, o qual só é adiado, ante o interesse das partes em se submeterem a um procedimento mais rápido e menos dispendioso. Ademais, deve ser considerado o interesse geral no sentido de promover o aperfeiçoamento da Administração da Justiça.

A proteção contra o abuso do direito de ação, segundo o Tribunal Constitucional italiano, embora legítima, deve obedecer a limites apertados, para evitar que esse direito (de ação) seja sacrificado. Ponderou referida Corte Constitucional entre o interesse coletivo de manter o Judiciário viável e o interesse particular de propor a ação mediante condições tais que permitam o exercício do direito de forma diferida.

No mesmo sentido, o Tribunal Europeu de Justiça (TJUE) (Quarta Seção, em acórdão de 18 de março de 2010, C-317/08, C-318/08, C-319/08, C-320/0849), diante da legislação italiana referida, pontificou que o fato de a legislação nacional não só ter introduzido o procedimento de conciliação fora dos tribunais, mas tê-lo tornado obrigatório para a maior parte das matérias, como condição de admissibilidade antes do recurso a um tribunal de justiça, não é susceptível de prejudicar a realização do seu objetivo, que é a resolução justa e rápida dos litígios. O que importa é que o procedimento não leve a uma decisão vinculativa para as partes, não conduza a um atraso essencial para o início do processo de revisão judicial, suspenda o prazo de prescrição, não gere custos e permita a concessão de medidas provisórias em casos excepcionais e em que a urgência da situação o exija.

Bem, no caso italiano, a jurisdição estava condicionada à previa tentativa de conciliação e não impedia a propositura da ação, senão que conferia ao juiz o poder de, verificando que não houve prévia tentativa de conciliação, intimar as partes para fazê-lo no prazo de 15 dias (art. 5º do Decreto Legislativo nº 28, de 2010). No caso brasileiro, tem-se uma diferença fundamental, pois o STF, ao legitimar a obrigatoriedade do prévio requerimento administrativo, instituiu uma autêntica condição de proponibilidade da ação, ou seja, uma condicionante ao próprio ajuizamento da ação, cujo descumprimento conduz à negação de instância e à rejeição da demanda. Além do prazo de 45 dias para a resposta do INSS, que foi expressamente mencionado no voto do relator, e das regras de transição, aplicáveis apenas aos processos em curso ao tempo do julgamento, não há qualquer tipo de proteção ao titular do direito, nem interrupção da prescrição, ou mesmo a possibilidade de obtenção de medidas urgentes.

4 Fundamentos teóricos e práticos da jurisprudência condicionante da jurisdição ao prévio requerimento administrativo

O Supremo Tribunal Federal (STF), pelo seu Plenário, por maioria, a partir do voto do Ministro Luís Roberto Barroso, acolheu o entendimento de que a exigência não fere a garantia de livre acesso ao Judiciário, prevista no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, pois, sem pedido administrativo anterior, não fica caracterizada a lesão ou a ameaça a direito. O STF considerou não haver interesse de agir do segurado que não tenha inicialmente protocolizado seu requerimento no INSS, pois a obtenção de um benefício depende de postulação ativa. No caso em que o pedido for negado, total ou parcialmente, ou em que não houver resposta no prazo legal de 45 dias, fica caracterizada a ameaça ou a lesão ao direito. Não há como caracterizar lesão ou ameaça a direito sem que tenha havido um prévio requerimento do segurado, cuja negativa irá aperfeiçoar o interesse de agir (necessidade, adequação e utilidade do recurso ao Poder Judiciário). O INSS não tem o dever de conceder o benefício de ofício. Para que a parte possa alegar que seu direito foi desrespeitado, é preciso que o segurado vá ao INSS e apresente seu pedido, afirmou o Ministro Barroso, observando também que o prévio requerimento administrativo não significa o exaurimento ou o esgotamento de todas as instâncias.

A novel jurisprudência do STF, assim como os antecedentes no mesmo sentido citados, sabemos, constituem uma modalidade de “jurisprudência defensiva”, que se esforça por interpor algum filtro à judiciarização da política e à politização da justiça, fenômeno complexo inserto no processo de juridificação das relações sociais, que vem se alastrando perigosamente, a ponto de inviabilizar o Poder Judiciário ao tempo em que esvazia as funções legislativas e administrativas.

Habermas (2012, II, p. 639) explica a patologia das sociedades modernas capitalistas que sofrem a influência dos subsistemas Economia e Estado, os quais, regidos, respectivamente, por meios monetários e burocráticos, interferem na reprodução simbólica do mundo da vida. O Direito amplia a sua regulação jurídica sobre assuntos sociais que antes eram geridos de maneira informal no contexto do mundo da vida. Para ele, a colonização do mundo da vida produz, inevitavelmente, processos de juridificação (Verrechtlichung) constituídos pela tendência de as sociedades modernas ampliarem significativamente a extensão do Direito escrito (2012, II, p. 641).(13)

Quanto à política do Estado Social, a colonização do mundo da vida produziu a juridificação e a burocratização como limites da política social. No caso do direito do seguro social, sendo as pretensões jurídicas prestações monetárias (seguro que cobre riscos sociais de natureza previdenciária), a juridificação dos riscos da vida cobra um preço elevado, “a ser pago na forma de interferências no mundo da vida dos beneficiados, provocando uma reestruturação desse mundo”. Esses custos decorrem da realização burocrática e do resgate monetário das prestações do direito social. A estrutura do direito burguês implica a necessidade de formular claramente as garantias oferecidas pelo Estado Social em termos de pretensões a direitos individuais genericamente disciplinados (HABERMAS, 2012, II, p. 650). A generalidade ou tipificação do caso é definida pela capacidade de realização burocrática, ou seja, é configurada conforme a Administração, que precisa responder ao problema social decorrente da pretensão jurídica. Esse cenário de desarticulação é assim descrito por Habermas (2012, II, p. 652):

“A situação carente de regulamentação, inserida no contexto de uma história de vida e uma forma de vida concreta, tem de ser submetida a uma violenta abstração, não apenas porque ela tem de ser submetida ao direito, mas também para que ela possa ser enfrentada de um ponto de vista administrativo. As burocracias encarregadas de fornecer o benefício têm de proceder de modo seletivo porque se veem obrigadas a escolher as situações sociais carentes, que podem ser apreendidas recorrendo-se a meios de um poder burocrático que procede legalmente tendo em conta a ficção jurídica de prejuízos a serem compensados.”

Dentro desse quadro, agravado pela obsolescência da gramática política do Estado Social, não tem sido possível evitar a emergência da judiciarização dos conflitos. Garapon (1996) observa a existência de uma crise valorativa e simbólica nas sociedades contemporâneas, matriz de um volume e de uma diversidade enormes de pleitos submetidos aos juízes, fenômeno justificado pela circunstância de ser o juiz um sobrevivente no universo simbólico da humanidade, a última instância moral de nossa sociedade e uma das últimas instâncias simbólicas que ainda se mantêm. “Perante a decomposição do político, doravante é ao juiz que se pede a salvação” (1996, p. 23). Surge o juiz como “recurso contra a implosão das sociedades democráticas que não conseguem gerir de forma diferente a complexidade e a diversidade que geram” (GARAPON, 1996, p. 23).

Assim, a expansão do papel do Judiciário é um fenômeno social que se reforça por meio da expansão do Direito, diz Garapon (1996, p. 22). A “viragem judiciária da vida política” resulta do enfraquecimento do Legislativo e do Executivo, que, ocupados apenas com questões de curto prazo, reféns do receio e seduzidos pela mídia, fazem o possível, sem sucesso, para governar o dia a dia de cidadãos indiferentes e exigentes, virados para sua própria vida privada, mas esperando do político algo que ele não lhes saberá dar: uma moral, um projeto duradouro (GARAPON, 1996, p. 45).

O domínio público despolitizado gera a desorganização do aparelho do Estado e corrompe as tarefas de planejamento governamental, desencadeando o abandono do núcleo essencial da democracia, que é a vontade popular manifestada pelos representantes eleitos. A obstrução dos canais de diálogo entre as estruturas do processo decisório dos assuntos de interesse público e a vontade social desloca para o Poder Judiciário, primeiro, as funções de governo e, segundo, a estabilização das expectativas da sociedade de solução dos problemas sociais. Sabemos que a sociedade necessita e deseja sempre mais e que as possibilidades de satisfação dessas expectativas são, em tempos de crise econômica, cada vez mais escassas (HABERMAS, 2002, p. 65).

A individualização dos direitos sociais, é dizer, o fato de as pretensões serem atribuídas a um sujeito de direitos que age estrategicamente na busca de seus interesses privados, além de acarretar consequências gravosas para a autocompreensão dos interesses, comprometendo os ideais de solidariedade e comunidade, produz um efeito nefasto em termos judiciarização dos conflitos.

É que os mecanismos de proteção judiciais e administrativos, de cariz liberal-subjetivista, privilegiam a tutela individual subjetiva em detrimento de políticas públicas. A tutela administrativa assim subjetivada é voltada às condutas positivas arbitrárias da Administração, limitando-se, no mais das vezes, a proteger apenas o sujeito individual e os seus interesses tutelados na forma de direitos subjetivos, sempre pela via jurisdicional, deixando de se preocupar com a construção de mecanismos administrativos e judiciais voltados à realização da dimensão objetiva dos direitos fundamentais, vale dizer: a proteção de interesses jurídicos transindividuais e, por conseguinte, o dever objetivo de a Administração tutelar e possibilitar a fruição universalizada e coletiva dos direitos sociais, a despeito de qualquer lesão direta à esfera jurídica de interesse de um indivíduo determinado. Dessa visão individualista resulta o incremento invencível da judiciarização, o ativismo judicial e, em última análise, a inadequada tutela fragmentária e insuficiente dos direitos sociais.(14)

Mas os fundamentos não se resumem à racionalização da jurisdição com a exigência do prévio requerimento administrativo. Existe uma razão prática instrumental que se impõe, em alguns casos, como condição mesmo da prestação jurisdicional. Primeiro de tudo, para que se configure a lide, é preciso que haja uma pretensão resistida, a caracterizar o interesse de agir, uma relação lógica de necessidade/adequação/utilidade. Segundo, há necessidade de definição precisa dos contornos da lide, da explicitação do objeto do litígio sobre o qual deve atuar a jurisdição, evitando-se um atuar no escuro.

Nos casos de concessão de benefício, a lei dispõe que cumpre ao INSS o recebimento do pedido e o processamento, o deferimento, a manutenção e a revisão dos benefícios previdenciários e assistenciais.(15) Assim, em princípio, a atuação da Justiça deve ocorrer quando houver o indeferimento administrativo, independentemente da motivação. O Judiciário não pode, nem deve, sobrepor-se à Administração, apenas controlar a sua atuação.

Vista a questão sob um viés político, é preciso resgatar a credibilidade das funções institucionais no INSS. Falamos da redenção do contencioso administrativo como condição mesmo de retração da judicialização na matéria previdenciária e consequente maior efetividade da jurisdição, hoje fatalmente comprometida com o excesso de demandas, muitas delas abusivas e infundadas.

Hoje, não seria demasiado falar em limitação do acesso ao Poder Judiciário como condição de possibilidade para a ampliação do acesso à Justiça. Explico: o número excessivo de demandas previdenciárias, insuportável às estruturas do Poder Judiciário, provoca um decréscimo qualitativo nas respostas jurisdicionais, um certo descompromisso mesmo com a justiça social e a efetivação dos direitos sociais propalados no texto da Constituição, para não dizer uma jurisdição de qualidade duvidosa e, no mais das vezes, serviente ao superado ideário positivista, que, nas suas várias vertentes, tanto pode concentrar-se apenas na atividade legislativa como abrir um perigoso flanco para o solipsismo, manifestação perigosa de subjetivismo do juiz, o que é ainda muito mais grave em um Estado Democrático Social de Direito.

E a limitação do acesso ao Poder Judiciário imposta pelo STF no RE 631240-MG culmina por justificar-se como medida de contenção do acesso abusivo ao Poder Judiciário, sendo certo, todavia, que outras medidas ainda devem ser tomadas para racionalizar a avalancha de ações previdenciárias que assoberba as estruturas da Justiça Federal, notadamente os nossos JEFs. Sob o pálio de uma assistência judiciária gratuita irrestrita, o custo-benefício de qualquer aventura judicial é mínimo e não tem consequências negativas para o aventureiro.

A falta de prévio pedido administrativo, nos casos em que ele é possível, necessário e útil, representa abuso do direito de acesso ao Judiciário, sobretudo porque a Justiça não dispõe das informações e dos sistemas informatizados de contagem de tempo que foram criados pelo INSS justamente para o exame rápido dos requisitos à concessão de benefícios. Mas quero aqui focar o prévio esgotamento da via administrativa enquanto mecanismo de otimização tanto da via contenciosa administrativa como da judicial.

O STF, tanto no RE em discussão como nos julgados precedentes sobre a matéria, tem assentado que

“não há previsão, na Lei Fundamental, de esgotamento da fase administrativa como condição para acesso ao Poder Judiciário por aquele que pleiteia o reconhecimento do direito previdenciário. Ao contrário da Carta pretérita, a atual não agasalha cláusula em branco, a viabilizar a edição de norma ordinária com disposição em tal sentido. A própria Constituição Federal contempla as limitações ao imediato acesso ao Judiciário, quando, no tocante ao dissídio coletivo, a cargo da Justiça do Trabalho, estabelece ser indispensável o término da fase de negociação e, relativamente a conflito sobre competição ou disciplina, preceitua que o interessado deve antes provocar a Justiça Desportiva – artigos 114, § 2º, e 217, § 1º, ambos do Diploma Maior (AI nº 525.766, Relator o Ministro Marco Aurélio, DJ de 01.03.07).” (STF, 2ª Turma, RE-AgR nº 548.676/SP, Rel. Min. Eros Grau, DJe 20.06.2008)

Recorrendo ao direito comparado, vamos ver que o art. 445-bis do CPC italiano prevê uma instância de acertamento prévio obrigatória para o acesso ao Judiciário para a obtenção em juízo de alguns direitos previdenciários relativos a benefícios por incapacidade, tendo como condição o exaurimento prévio da via administrativa:

(I) Nelle controversie in materia di invalidità civile, cecità civile, sordità civile, handicap e disabilità, nonché di pensione di inabilità e di assegno di invalidità, disciplinati dalla legge 12 giugno 1984, n. 222, chi intende proporre in giudizio domanda per il riconoscimento dei propri diritti presenta con ricorso al giudice competente ai sensi dell'articolo 442 codice di procedura civile, presso il Tribunale nel cui circondario risiede l'attore, istanza di accertamento tecnico per la verifica preventiva delle condizioni sanitarie legittimanti la pretesa fatta valere. Il giudice procede a norma dell'articolo 696-bis codice di procedura civile, in quanto compatibile nonché secondo le previsioni inerenti all'accertamento peritale di cui all'articolo 10, comma 6-bis, del decreto-legge 30 settembre 2005, n. 203, convertito, con modificazioni, dalla legge 2 dicembre 2005, n. 248, e all'articolo 195. (II) L'espletamento dell'accertamento tecnico preventivo costituisce condizione di procedibilità della domanda di cui al primo comma. L'improcedibilità deve essere eccepita dal convenuto a pena di decadenza o rilevata d'ufficio dal giudice, non oltre la prima udienza. Il giudice ove rilevi che l'accertamento tecnico preventivo non è stato espletato ovvero che è iniziato ma non si è concluso, assegna alle parti il termine di quindici giorni per la presentazione dell'istanza di accertamento tecnico ovvero di completamento dello stesso. (III) La richiesta di espletamento dell'accertamento tecnico interrompe la prescrizione. (IV) Il giudice, terminate le operazioni di consulenza, con decreto comunicato alle parti, fissa un termine perentorio non superiore a trenta giorni, entro il quale le medesime devono dichiarare, con atto scritto depositato in cancelleria, se intendono contestare le conclusioni del consulente tecnico dell'ufficio. (V) In assenza di contestazione, il giudice, se non procede ai sensi dell'articolo 196, con decreto pronunciato fuori udienza entro trenta giorni dalla scadenza del termine previsto dal comma precedente omologa l'accertamento del requisito sanitario secondo le risultanze probatorie indicate nella relazione del consulente tecnico dell'ufficio provvedendo sulle spese. Il decreto, non impugnabile né modificabile, è notificato agli enti competenti, che provvedono, subordinatamente alla verifica di tutti gli ulteriori requisiti previsti dalla normativa vigente, al pagamento delle relative prestazioni, entro 120 giorni. (VI) Nei casi di mancato accordo la parte che abbia dichiarato di contestare le conclusioni del consulente tecnico dell'ufficio deve depositare, presso il giudice di cui al comma primo, entro il termine perentorio di trenta giorni dalla formulazione della dichiarazione di dissenso, il ricorso introduttivo del giudizio, specificando, a pena di inammissibilità, i motivi della contestazione. (VII) La sentenza che definisce il giudizio previsto dal comma precedente è inappellabile (comma inserito con art. 27, c. 1, lett. f, legge 12 novembre 2011, n. 183).

No sistema judicial italiano (art. 445-bis do CPC), a instância de acertamento prévio obrigatória constitui, para a resolução de conflitos com base essencialmente na existência ou não dos requisitos de natureza médica, uma alternativa para o processo ordinário de cognição, necessário apenas em estágio posterior, caso não haja o acordo quanto ao laudo pericial. A demanda de acertamento técnico preventivo está sujeita ao prévio exaurimento da via administrativa, sempre que necessário. Constitui uma condição de proponibilidade, ou seja, um pré-requisito para a propositura da ação, tendo o legislador previsto que o interessado não pode postular seu direito previdenciário perante o tribunal antes da conclusão do pedido administrativo.

Na prática, o desuso do exaurimento das vias recursais administrativas previdenciárias decorre da escassa possibilidade de reversão da decisão de primeira instância na via recursiva, dentro daquela perspectiva de pouca efetividade do contencioso administrativo como um todo que vimos de sustentar. Essa realidade precisa mudar. Faz-se curial romper com o paradigma ora reinante, invertendo-se a lógica de insucesso. A propósito, já se vê, em julgamentos do Conselho de Recursos da Previdência Social (CRPS), algumas decisões animadoras sobre certas matérias, que, inclusive, são mais favoráveis do que as posições judiciais, atestando a própria inocuidade e a prejudicialidade da judicialização em determinados casos. É, quiçá, a semente de um novo tempo para o contencioso administrativo previdenciário e o início de um processo amplo de racionalização do acesso ao Poder Judiciário.

5 A eficácia da decisão do STF em sede de repercussão geral no julgamento de recurso extraordinário

Embora, ex lege, a decisão de mérito em sede de repercussão geral não tenha eficácia vinculante, como a súmula vinculante, esse efeito se depreende do art. 543-B, §§ 3º e 4º, do CPC e é haurido da racionalidade lógica dos sistemas processual e judiciário. Marinoni e Mitidiero (2008, p. 570) sustentam que essa vinculação é vertical:

“(...) sendo clara a ratio decidendi do precedente do STF a respeito da controvérsia constitucional, os demais órgãos do Poder Judiciário encontram-se a ela vinculados. Trata-se de consequência da objetivação do recurso extraordinário, paulatinamente mais afeiçoado ao controle concentrado de constitucionalidade. Vale dizer: a rigor, nada obstante o teor do art. 543-B, §§ 3º e 4º, CPC, os órgãos jurisdicionais de origem têm o dever de se conformar à orientação do STF, retratando-se das suas decisões, sob pena de debilitar-se a força normativa da Constituição, encarnada que está na sua compreensão pela nossa Corte Constitucional.”

O STF tem reiteradamente afirmado o caráter vinculante e erga omnes da decisão em sede de repercussão geral, distinguindo o regime dos processos objetivos sobrestados na repercussão geral e os demais casos, inclusive não admitindo a reclamação pela sua não aplicação:

“1. As decisões proferidas pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no momento do julgamento de recursos extraordinários com repercussão geral vinculam os demais órgãos do Poder Judiciário na solução, por estes, de outros feitos sobre idêntica controvérsia. 2. Cabe aos juízes e aos desembargadores respeitar a autoridade da decisão do Supremo Tribunal Federal tomada em sede de repercussão geral, assegurando racionalidade e eficiência ao sistema judiciário e concretizando a certeza jurídica sobre o tema. 3. O legislador não atribuiu ao Supremo Tribunal Federal o ônus de fazer aplicar diretamente a cada caso concreto seu entendimento. 4. A Lei 11.418/2006 evita que o Supremo Tribunal Federal seja sobrecarregado por recursos extraordinários fundados em idêntica controvérsia, pois atribuiu aos demais tribunais a obrigação de os sobrestarem e a possibilidade de realizarem juízo de retratação para adequarem seus acórdãos à orientação de mérito firmada por esta Corte. 5. Apenas na rara hipótese de que algum tribunal mantenha posição contrária à do Supremo Tribunal Federal é que caberá a este se pronunciar, em sede de recurso extraordinário, sobre o caso particular idêntico para a cassação ou a reforma do acórdão, nos termos do art. 543-B, § 4º, do Código de Processo Civil. 6. A competência é dos tribunais de origem para a solução dos casos concretos, cabendo-lhes, no exercício desse mister, observar a orientação fixada em sede de repercussão geral. 7. A cassação ou a revisão das decisões dos juízes contrárias à orientação firmada em sede de repercussão geral há de ser feita pelo tribunal a que estiverem vinculados, pela via recursal ordinária. 8. A atuação do Supremo Tribunal Federal, no ponto, deve ser subsidiária, só se manifestando quando o tribunal a quo negar observância ao leading case da repercussão geral, ensejando, então, a interposição e a subida de recurso extraordinário para cassação ou revisão do acórdão, conforme previsão legal específica constante do art. 543-B, § 4º, do Código de Processo Civil. 9. Nada autoriza ou aconselha que se substituam as vias recursais ordinária e extraordinária pela reclamação. 10. A novidade processual que corresponde à repercussão geral e aos seus efeitos não deve desfavorecer as partes nem permitir a perpetuação de decisão frontalmente contrária ao entendimento vinculante adotado pelo Supremo Tribunal Federal. Nesses casos, o questionamento deve ser remetido ao tribunal competente para a revisão das decisões do juízo de primeiro grau a fim de que aquela Corte o aprecie com o recurso cabível, independentemente de considerações sobre sua tempestividade.” (Rcl. nº 10.793/SP, Min. Ellen Gracie)

Neste ensaio, interessa destacar a necessidade de se distinguir as hipóteses no sentido de possibilitar que a eficácia da decisão alcance apenas as controvérsias idênticas. Quer dizer, controvérsias jurídicas, de direito, que pressupõem uma base fática e jurídica idêntica. No que concerne aos processos sobrestados, poderá a seleção pelo tribunal a quo não ter sido adequada. Existe o risco de que um RE, sem a devida identidade fático-jurídica em relação à causa representativa da controveìrsia encaminhada ao STF, seja indevidamente sobrestado, podendo ser inquinado com recurso. Nesse caso, o objeto recursal seria a demonstração da distinção entre a matéria inserida no recurso sobrestado e aquela em debate no RE submetido à jurisdição do STF. Nada obstante, depois de julgado o mérito do leading case,cabendo aos tribunais de admissibilidade (geralmente a vice-presidência) renovar a análise confrontativa do julgado com as situações dos processos sobrestados, nova oportunidade se abrirá para postular e demonstrar a falta de identidade (não apenas similitude). Nos demais casos, haverá uma liberdade maior tanto para a parte interessada como para o juiz de contrastar o caso concreto com aquele que chegou ao STF em sede de repercussão, cabendo eventual inconformismo ser deduzido na via recursal ordinária e não cabendo sequer reclamação no STF.

6 A necessidade de contextualização do precedente vinculativo do Supremo Tribunal Federal e as regras de transição

A partir da decisão do Pretório Excelso, temos uma regra geral, um paradigma que reconhece a necessidade do prévio pedido na via administrativa como condição para a propositura da ação previdenciária. É preciso, então, discutir a incidência do precedente obrigatório aos vários casos em julgamento hoje sobrestados e definir uma orientação para o futuro que leve em conta as peculiaridades do caso específico. No plano ideal, não se tem problemas, mas, na prática, as coisas ficam complicadas.

O paradigma traçado pelo STF na causa representativa da controvérsia, em sede de repercussão geral, no RE 631240-MG, pode assim ser sintetizado:

Regra geral: para a ação de concessão de benefícios, é necessário o prévio requerimento, mas, para a sua revisão, a sua manutenção e o seu restabelecimento, este é dispensado, salvo se depender da análise de matéria de fato ainda não levada à apreciação do INSS.

Exceções: a) requerimento administrativo sem resposta no prazo legal (45 dias); b) matérias em que o INSS tem posição firmada pelo indeferimento; e c) ações propostas perante os juizados itinerantes (equivocadamente disposta como regra de transição).

Regras de transição (modulação dos efeitos para os processos em curso ao tempo do julgamento): a) dispensa de requerimento para acesso ao juizado itinerante (deve ser definitiva); b) existência de contestação de mérito do INSS; c) baixa ao primeiro grau para possibilitar ao autor o requerimento, no prazo de 30 dias, e 90 dias para o INSS se manifestar; d) será considerada, tanto na decisão administrativa como na judicial, para os efeitos legais, como data do requerimento (não necessariamente a DIB), a data do ajuizamento da ação, para evitar eventuais prejuízos com a perda da condição de segurado subsequente ao ajuizamento da ação.

Casos específicos: a) para o benefício mínimo do rural/boia-fria, deve ser exigido o prévio requerimento, tendo em vista que o INSS, na via administrativa, atenuou seu entendimento sobre a exigência do início de prova material, não mais exigindo documento em nome próprio do segurado (pode ser em nome do cônjuge, ascendente ou descendente), contemporaneidade entre a data do documento e a da prestação do serviço e documentação ano a ano (Instruções Normativas INSS 45/51/61); b) nos casos de distância ou difícil acesso à agência de benefícios do INSS, deixou para o juiz, caso a caso, analisar as justificativas e as peculiaridades trazidas pelo autor para a dispensa de requerimento.

6.1 Aprofundando a análise das regras de transição: modulação dos efeitos da decisão

Para os processos em tramitação sem a precedência de processo administrativo na autarquia federal, foram fixadas pelo STF regras de transição.

1. Em primeiro lugar – e aqui não se trata de regra de transição, por ter caráter permanente –, ficou definido que, para aquelas ações propostas em juizados itinerantes, a ausência do pedido administrativo não implicará extinção do feito. Isso se dá porque os juizados se direcionam, basicamente, para onde não há agência do INSS. A TNU já vinha entendendo que, proposta a ação em Juizado Especial Itinerante, caracterizado por atender pessoas de baixa instrução e renda, sem qualquer familiaridade com os procedimentos administrativos e judiciais, e reconhecendo-se, ademais, a natural publicidade da realização da Justiça Itinerante na comunidade envolvida, não se afigura exigível o prévio requerimento administrativo para caracterizar o interesse processual na demanda visando à obtenção de benefício previdenciário, mesmo sem prévio requerimento perante o INSS (TNU, PEDILEF 200638007243544, Rel. Juíza Federal Rosana Noya Alves Weibel Kaufmann, DOU de 21.10.2011). No mesmo sentido, o Enunciado nº 80 do Fonajef: “Em juizados itinerantes, pode ser flexibilizada a exigência de prévio requerimento administrativo, consideradas as peculiaridades da região atendida”.

2. Em segundo lugar – agora sim autêntica regra de transição –, nos casos em que o INSS já apresentou contestação de mérito no curso do processo judicial, fica mantido seu trâmite. Isso porque a contestação caracteriza o interesse em agir do INSS, uma vez que há resistência ao pedido justificando a necessidade e a utilidade da atuação judicial.

Diz-se que a contestação de mérito representaria a pretensão resistida e justificaria o interesse de agir. Inúmeros são os precedentes nesse sentido. Nesse caso, o desfecho fica jungido à vontade do procurador federal que elabora a peça defensiva. Ele sempre corre o risco de fazer a escolha errada, deixando de contestar e permitindo a aplicação da confissão tácita da matéria fática. Quando se fala em pretensão resistida e legítimo interesse, remontam tais condições a um cenário que antecede o ajuizamento da ação. Com a decisão do STF, não se admitirá mais essa exegese, na medida em que ela tornou o prévio requerimento obrigatório, ficando ressalvada apenas a regra de transição, aplicável aos processos que já tinham contestação do INSS ao tempo do julgamento do STF, não se aplicando a casos novos.

3. Em terceiro lugar, nas ações judiciais sem o pedido administrativo, o processo deverá ficar sobrestado, oportunizando-se, no primeiro grau, ao autor da ação dar entrada no pedido administrativo no INSS, no prazo de 30 dias, sob pena de extinção do processo. Uma vez comprovada a postulação administrativa, a autarquia também será intimada a se manifestar, no prazo de 90 dias (dobro do prazo legal). Uma vez acolhido administrativamente o pedido, ou nos casos em que ele não possa ser analisado por motivo atribuível ao próprio requerente, a ação é extinta. Indeferida a pretensão na via administrativa, fica caracterizado o interesse em agir, devendo ter seguimento o pedido judicial da parte. A data do requerimento, para todos os fins legais, deve ser considerada a do ajuizamento da ação, mas não necessariamente a da DIB, que pode retroagir à data da incapacidade, à data do óbito ou à data do cancelamento do benefício, conforme o caso.

Essa hipótese de baixa dos autos para que o autor supra a omissão do requerimento somente terá incidência nos casos em que não haja a contestação de mérito do INSS. Para este caso, a regra transitória anterior (“b”) aponta solução diversa, no sentido de que o interesse processual restou aperfeiçoado com a contestação de mérito, sendo despiciendo o pedido administrativo. Vingando esse entendimento, fica praticamente esvaziada a regra de transição “c” (ut retro).

6.2 Cotejando as demais situações ocorrentes na práxis judicial previdenciária

Aqui, vale lembrar um texto legal que representa contributo relevante para a definição de alguns aspectos da controvérsia. A Instrução Normativa nº 45, INSS, de 2010, disciplinando o processo administrativo previdenciário, estabelece como preceitos, dentre outros, no art. 564, a “condução do processo administrativo com a finalidade de resguardar os direitos subjetivos de segurados, dependentes e demais interessados da Previdência Social, esclarecendo-se os requisitos necessários ao benefício ou serviço mais vantajoso” – Enunciado nº 05 do CRPS: “A Previdência Social deve conceder o melhor benefício a que o segurado fizer jus, cabendo ao servidor orientá-lo nesse sentido” – (inc. VI); “o dever de prestar ao interessado, em todas as fases do processo, os esclarecimentos necessários para o exercício dos seus direitos, tais como documentação indispensável ao requerimento administrativo, prazos para a prática de atos, abrangência e limite dos recursos, não sendo necessária, para tanto, a intermediação de terceiros” (inc. VII); e também a obrigatoriedade da “fundamentação das decisões administrativas, indicando os documentos e os elementos que levaram à concessão ou ao indeferimento do benefício ou do serviço” (inc. X) e da “identificação do servidor responsável pela prática de cada ato e a respectiva data” (inc. XI). E o mais importante: “Art. 578. Realizado o requerimento dos benefícios ou serviços, o processo administrativo será formalizado, obrigatoriamente (...)”.

Embora hoje com menor intensidade, existe ainda rechaço (indeferimento verbal) de pedidos na via administrativa, sem o devido processamento, e há também demora no exame da pretensão. Tem-se em pleno vigor um mecanismo legal eficiente para coibir práticas antigas como o indeferimento verbal, a recusa de plano, o anonimato, a falta de fundamentação (carta de indeferimento sucinta) e de orientação ao segurado. A norma está em vigor. Se a práxis administrativa vai lhe dar eficácia e efetividade, não se sabe. O INSS também sofre com suas próprias deficiências estruturais.

1. Temos o problema da demora ou da extrapolação do prazo legalmente definido de 45 (quarenta e cinco) dias. Na linha traçada pelo voto do Ministro Barroso, considera-se implementada a condição se não houver resposta administrativa em 45 (quarenta e cinco) dias, aguardando-se a contestação para que a lide fique adequadamente configurada à decisão judicial. A decisão do STF aplica-se literalmente.

2. Da mesma forma, não se exige prévio requerimento administrativo para as ações de restabelecimento de benefício previdenciário. Quanto às ações revisionais de benefício previdenciário, a decisão do STF igualmente ressaltou não haver necessidade de formulação de pedido administrativo prévio, “salvo se a pretensão depender da análise de matéria de fato ainda não levada ao conhecimento da Administração” (excerto do voto do relator). Esse ponto, contudo, deve ser compreendido de acordo com a premissa que foi reafirmada no mesmo voto condutor do julgamento, qual seja, a de que o INSS tem o dever fundamental de orientar o segurado e lhe conceder a mais efetiva proteção previdenciária.

O processo administrativo previdenciário não se desenvolve (ou não deve desenvolver-se) em uma dimensão em que o segurando litiga contra a Administração, deduzindo pretensão, alegando todos os fatos de seu interesse etc. Antes, deve ser compreendido como uma relação de cooperação, um concerto em que a Administração deve, em diálogo com o segurado, conhecer a sua realidade, esclarecer-lhe seus direitos e outorgar-lhe a devida proteção social, isto é, a mais eficaz proteção social a que faz jus. Tal como já se sustentou em outra oportunidade,

“Por força do princípio da proteção judicial contra lesões implícitas (ou por omissão), toda vez que a Administração Previdenciária deixa de orientar o segurado acerca de seus direitos e não avança para conhecer sua realidade, acarretando com tal proceder a ilusão do direito à devida proteção social (direito à mais eficaz proteção social), ela, ainda que de modo implícito, opera, por omissão, verdadeira lesão a direito. E isso é suficiente a caracterizar o interesse de agir, de modo a assegurar o acesso à Justiça.”(16)

Por essas razões, entendemos por “matéria de fato ainda não levada ao conhecimento da Administração” aquela que foi subtraída da análise da Administração, seja mediante descumprimento de carta de exigência, seja porque definida sua existência em momento posterior à concessão do benefício previdenciário, como no caso de reconhecimento de vínculo de emprego ou de elevação de diferenças salariais por decisão da justiça trabalhista. Todas as demais questões de fato devem ser apuradas pela Administração na prestação do serviço social (Lei 8.213/91, art. 88), e eventual omissão da autoridade administrativa consubstancia lesão a direito que se reputa suficiente a justificar o acesso à Justiça.

É dispensável, nessa perspectiva, o requerimento administrativo específico no caso de revisão judicial de benefício mediante reconhecimento de tempo especial não ventilado na via administrativa, uma vez que se supõe que essa atividade seja de conhecimento do INSS, depositário de todas as informações do segurado, e levando-se em conta que a Administração teria o dever de lhe informar e de lhe conceder o melhor benefício.(17)

3. Questão correlata é a da ação para obtenção de benefício por incapacidade em que a perícia realizada no processo administrativo identifica determinada patologia, mas a perícia judicial detecta outra. Parece-nos extravagante, nessas hipóteses, exigir-se novo requerimento administrativo. A situação resolve-se pelo desfazimento da confusão entre pedido e causa de pedir, estando presente o interesse de agir fundado na recusa da pretensão de cobertura previdenciária por incapacidade e no dever de a perícia médica administrativa identificar a patologia realmente existente a fim de possibilitar a concessão do benefício que lhe seja adequado, conforme o grau de sua incapacidade laboral. Trata-se, ademais, de uma questão de primazia da realidade sobre a forma, isto é, a circunstância de uma determinada patologia não haver sido formalmente consignada pelo médico da Previdência Social não significa que ele não a tenha identificado.

4. Alguns tribunais vinham excepcionando da exigência de prévio requerimento administrativo as ações de rurais e boias-frias, em que o INSS sistematicamente nega o benefício porque o trabalhador não dispõe de início material de prova. Essa situação, na decisão do STF, enquadra-se na expressa exigência de prévio requerimento administrativo, sob o argumento de mudança de orientação administrativa quanto ao alcance do início de prova material. Mas a própria irrazoabilidade da exigência de início de prova material de todo o período de trabalho para casos como o do rural, o do boia-fria, o do diarista e o do volante infelizmente não foi levada em conta, como fazia a remansosa jurisprudência do STJ, dos TRFs, das TRs e da TNU.(18) O INSS continuará negando o benefício para quem não comprove o início de prova material. Sem embargo, os argumentos relativos à contemporaneidade da prova material para todo o período objeto de comprovação, ao documento em nome próprio e ao documento ano a ano não devem mais ser levados a sério em juízo, porque contrários à disciplina administrativa, à qual se encontra vinculado o INSS em juízo, por força da vedação ao comportamento contraditório (venire contra factum proprium).

5. Dentro dessa mesma exceção à regra geral de necessidade de prévio requerimento administrativo para as ações de concessão de benefício (pretensões que o INSS indefere costumeiramente), teríamos outras tantas situações, como, por exemplo:

* o não reconhecimento do direito de acréscimo de tempo de contribuição decorrente do exercício de atividade especial para expedição de certidão para fins de contagem recíproca do tempo de contribuição, ao argumento de que não se admite, para tais casos, a contagem de tempo ficto;
* o não reconhecimento da natureza especial da atividade quando seu exercício ocorre em ambiente insalubre, ao argumento de que é assegurado equipamento de proteção coletiva ou fornecido equipamento de proteção individual ao trabalhador, mesmo no caso de exposição ao agente nocivo ruído;
* o não reconhecimento da natureza especial de atividade perigosa após a vigência do Decreto 2.172/97;
* o não reconhecimento da condição de união estável ou de dependência econômica, sob o entendimento de que não atendida a exigência de prova material;
* o indeferimento de aposentadoria por idade, mesmo que o segurado apresente a carência exigida na legislação previdenciária (Lei 8.213/91, art. 142), ao argumento de que o segurado não contava com o número de contribuições exigidas para o ano em que cumpriu o requisito etário;
* o indeferimento do benefício de prestação continuada da assistência social em face do não cumprimento do critério objetivo relativo à vulnerabilidade do grupo familiar (renda mensal per capita inferior a 1/4 do salário mínimo), sem considerar qualquer outro elemento particular do caso que justifique a flexibilização do requisito legal.

Pensamos que, embora o processo administrativo, ainda nesses casos, seja importante para melhor delimitar a lide, não deve ser extinto o processo judicial sem o julgamento do mérito em função da falta de interesse processual pela ausência de prévio requerimento administrativo.

6. Veja-se, ainda, nesse sentido, o caso de concessão administrativa de benefício menos vantajoso – ou da omissão administrativa em conceder o benefício devido ao segurado –, que tem gerado tanta discussão, mesmo após a decisão do STF, proferida em sede de repercussão geral (RE 630.501).(19) Parece que, em sendo um dever da Administração conceder o benefício que for mais vantajoso ao segurado, a questão do nomen iuris do benefício requerido passa a ser irrelevante, especialmente após o advento da IN nº 45 do INSS.(20) O que importa é a existência do pedido. O acórdão do STF confirma esse entendimento, aludindo ao citado Enunciado nº 05 do CRPS. Assim, já tendo havido requerimento administrativo, mesmo que diverso, outro não será necessário.

Definitivamente, a lesão a direito por omissão administrativa também abre espaço para o ajuizamento da pretensão de proteção social. Note-se, quanto ao particular, que o posicionamento expressamente assumido pelo STF é no sentido de que a só demora da resposta administrativa é suficiente a caracterizar o interesse de agir. Com mais razão, pode-se dizer, a cessação do auxílio-doença sem a imediata concessão do auxílio-acidente implica a denegação desse benefício, não sendo exigível o prévio requerimento específico.(21) Da mesma forma, a concessão do abono de que trata o art. 45 da Lei 8.213/91 (acréscimo de 25% para o aposentado por invalidez que necessite de assistência permanente de outra pessoa), tanto quanto o pedido de conversão de auxílio-doença em aposentadoria por invalidez, prescinde de prévio requerimento administrativo, uma vez que a manutenção de benefício por incapacidade menos vantajoso implica a rejeição da proteção mais efetiva que se busca em juízo.

Conclusões

É preciso discutir formas de debelar a cultura judicialista em que todas as questões precisam passar pelo crivo judicial para serem resolvidas, banalizando as estruturas do Judiciário, sobretudo para a solução de questões cotidianas em princípio mais afetas às atribuições de competência de setores administrativos. O Judiciário não pode ser o único refúgio – como se estivesse entre as suas funções a de atuar em primeira via como provedor social – dos reclamos mais iminentes da cidadania e das demandas impulsionadas pelo direito de resistência de comunidades carentes.

A decisão do STF não fecha a compreensão do fenômeno interesse processual na hipótese de ausência de prévio pedido administrativo em matéria previdenciária para todos os casos. A repercussão geral representa uma orientação para os casos idênticos, mas respeita as diferenças, remanescendo ao juiz analisar, no caso concreto, a situação particularizada da lide, senão estar-se-ia conferindo ao Estado-Juiz o poder de sequestrar a realidade tal como pretendeu o positivismo exegético do século XIX.

Condicionar o acesso à jurisdição não deve configurar um fator que impossibilite a busca da proteção judicial previdenciária, tornando-a impossível, excessivamente dificultosa ou demorada. Em poucas palavras: não deve ser exigido o prévio requerimento administrativo toda vez que a peculiaridade da situação particular do segurado indique que isso será excessivamente dispendioso, difícil ou improdutivo.

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Notas

1. Leading case RE 631240, Relator Min. Roberto Barroso.

2. O INSS é o maior cliente dos JEFs, com 73,1% dos processos, dos quais 70,6% têm como objeto temas da seguridade social. Ver, a propósito, a pesquisa do CEJ e do CJF – Justiça Federal, elaborada pelo Ipea (BRASIL. CEJ/CJF/Ipea, 2012, p. 108).

3. Isso quando não culmina por editar e pautar-se por atos infralegais que vão além da lei e francamente restringem o acesso a direitos, tal como no caso da exigência de prova material para a comprovação de união estável ou de dependência econômica, para fins de concessão de pensão por morte. Quanto a esse aspecto, note-se, enquanto a legislação previdenciária exige a apresentação de prova material apenas para a comprovação do tempo de serviço (Lei 8.213/91, art. 55, § 3º), o Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto 3.048/99, condiciona o reconhecimento daquelas circunstâncias fáticas à apresentação de, pelo menos, três documentos (art. 22, § 3º).

4. Ver, a propósito, Ohlweiler (2007, p. 151): “O Direito Administrativo há de ser (re)pensado filosoficamente por meio de uma prática interrogativa capaz de abrir-se para as várias faces de sentido; quer dizer, um novo modo de ser jurídico voltado não para as evidências lógico-formais do dogmatismo, mas para o desvelado no horizonte significativo do caminho percorrido pelos entes jurídico-administrativos”. Nesse sentido, observe-se, a Lei 9.784/99 – Lei Geral do Processo Administrativo Federal – impõe que a Administração, na análise dos direitos dos administrados, proceda a uma “atuação conforme a lei e o Direito”. Essa norma é subestimada, senão desconsiderada nos processos administrativos de concessão de benefícios previdenciários. A consequência de tal proceder faz precipitar litígios judiciais que seriam desnecessários. Imagine-se a hipótese, não incomum, de indeferimentos de pedidos de benefício assistencial apenas porque a renda mensal familiar per capita supera, em um centavo, o limite disposto no art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93.

5. Atualmente, cerca de 10% dos benefícios mantidos pelo INSS foram concedidos na via judicial. O caso da aposentadoria especial é emblemático, na medida em que praticamente não é mais concedida na via administrativa. Os benefícios por incapacidade também tendem ao indeferimento administrativo.

6. François Ost (2012) recriou, na perspectiva pós-moderna, modelos de juiz baseados na mitologia grega: os juízes Júpiter, Hércules e Hermes.

7. “Quando intervém no processo de governo para declarar inconstitucional alguma lei ou outro ato do governo, ele o faz a serviço de seu julgamento mais consciencioso sobre o que é, de fato, a democracia e sobre o que a Constituição, mãe e guardiã da democracia, realmente quer dizer.” (DWORKIN, 2010, p. 476)

8. Pesquisa IBGE/PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), edição 2009, sobre envolvimento em conflitos por área de direito.

9. FREITAS, 2013, p. 26.

10. Para Carvalho, “[...] a garantia da justiça exige a interferência do poder de Estado, assim como o exige a política de bem-estar. Ela não representa uma reação ao Estado, um direito negativo. Corresponde a um momento da sociedade liberal em que o Estado já foi convocado para garantir, pela intervenção, um direito inicialmente estendido a parcela limitada da população” (CARVALHO, 2002, p. 108).

11. O interesse pelo tema acesso à Justiça é relativamente recente no Brasil. Apenas no início dos anos 80 é que surgiram os primeiros trabalhos sobre o assunto, enquanto o movimento chamado acess-to-justice movement, que envolveu outros países, a partir do trabalho coordenado por Mauro Cappelletti e Bryant Garth, iniciou-se uma década antes. No relatório desse estudo, não constou qualquer referência à situação do Brasil, que, de rigor, despertou para a temática do acesso à Justiça, ao contrário de outros países, não a partir do reconhecimento de novos direitos, mas, sim, pela “necessidade de se expandirem para o conjunto da população direitos básicos aos quais a maioria não tinha acesso, tanto em função da tradição liberal-individualista do ordenamento jurídico brasileiro como em razão da história de marginalização socioeconômica dos setores subalternos e da exclusão político-jurídica provocada pelo regime pós-64” (JUNQUEIRA, 1996, p. 2).

12. A temática do acesso à ordem jurídica justa discute propostas e soluções à crise da justiça não apenas no âmbito do Judiciário, mas também como políticas públicas que promovam a acessibilidade, a justiça social e a garantia de concretização dos direitos, se possível dispensando a própria jurisdicização. Atua também com um viés prospectivo de análise de novas demandas e de otimização das legitimidades para a concretização dos direitos a despeito da atuação do Poder Judiciário. Suspeita-se que talvez não seja mesmo uma questão de eficiência do Poder Judiciário, mas, sim, um problema estrutural mais profundo e precedente, de conotação política, sociológica e econômica: a desigualdade e a exclusão social em um cenário de miséria e pobreza que compõem a conjuntura brasileira.

13. Habermas (2012, II, p. 641) distingue “entre a extensão do direito, ou seja, a normalização jurídica de novos fatos sociais, até então regulados de modo informal, e a condensação do direito, isto é, a especialização de matérias jurídicas globais que se solidificam em matérias particulares”.

14. Ver, a próposito, Hachem (2014).

15. Cumpre ao INSS, autarquia federal, a gestão do Plano de Benefícios e Serviços do Regime Geral da Previdência Social, nos termos das Leis nos 8.029/90, 8.212/91 e 8.213/91.

16. SAVARIS, 2014, p. 237. É importante recordar: “O autor de uma ação previdenciária é presumivelmente hipossuficiente. Trata-se de uma hipossuficiência econômica e informacional, assim considerada a insuficiência de conhecimento acerca de sua situação jurídica, seus direitos e deveres. Em face da grande complexidade dos mecanismos de proteção e da respectiva legislação, os indivíduos não se encontram em situação de tomar decisões de forma informada e responsável, tendo em conta as possíveis consequências” (Idem, p. 57).

17. Nesse sentido, a título ilustrativo: “PREVIDENCIÁRIO. TEMPO ESPECIAL. REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO ESPECÍFICO. AGENTES NOCIVOS. RUÍDO. HIDROCARBONETOS. APOSENTADORIA ESPECIAL. 1. Nas demandas visando à obtenção ou à revisão de benefício previdenciário mediante cômputo de tempo de serviço especial, em que, embora tenha havido requerimento prévio de aposentadoria, não houve pedido específico, na via administrativa, de reconhecimento de tempo de serviço sob condições nocivas, não há justificativa, em princípio, para a extinção do feito sem apreciação do mérito, tendo em vista que em grande parte dos pedidos de aposentadoria é possível ao INSS vislumbrar a existência de tempo de serviço prestado em condições especiais em face do tipo de atividade exercida” (TRF4, Sexta Turma, ApelReex – Apelação/Reexame Necessário nº 15.2011.404.7108/RS, j. 11.09.2013).

18. Sobre a suficiência de apresentação de prova material somente para parte do lapso temporal pretendido: REsp 1321493/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, j. 10.10.2012, DJe 19.12.2012, julgado de acordo com a sistemática do art. 543-C do CPC. Sobre a possibilidade de extensão da prova material para período anterior ao documento mais antigo: REsp 1.348.633, Rel. Min. Arnaldo Esteves, j. 28.08.2013, também julgado de acordo com o rito de recursos repetitivos. Também a jurisprudência da TNU encontra-se sedimentada no sentido de que “documentos pessoais dotados de fé pública, como as certidões de nascimento, casamento e óbito, não necessitam ostentar a contemporaneidade com o período de carência do benefício previdenciário rural para serem aceitos como início de prova material, desde que o restante do conjunto probatório permita a extensão de sua eficácia probatória por sobre aquele período (PEDILEF 200670950141890, Rel. Juiz Federal Manoel Rolim Campbell Penna, DOU de 05.05.2010) (...)” (PEDILEF: 200581100010653/CE , Rel. Juíza Federal Simone dos Santos Lemos Fernandes, DOU 04.10.2011).

19. Confira-se: “Cumpre observar o quadro mais favorável ao beneficiário, pouco importando o decesso remuneratório ocorrido em data posterior ao implemento das condições legais” (RE 630501, Rel. Min. Ellen Gracie, Redator para o Acórdão Min. Marco Aurélio, j. 21.02.2013, DJ 23.08.2013). De acordo com esse precedente, assegurou-se o direito de os segurados terem deferidos ou revisados seus benefícios de modo que correspondam à maior renda mensal inicial (RMI) possível no cotejo entre aquela obtida e as rendas mensais que estariam percebendo na mesma data caso tivessem requerido o benefício em algum momento anterior, desde quando possível a aposentadoria proporcional (Informativo STF 695).

20. É princípio da atuação administrativa, nos termos do art. 564 da IN nº 45 do INSS, “a condução do processo administrativo com a finalidade de resguardar os direitos subjetivos de segurados, dependentes e demais interessados da Previdência Social, esclarecendo-se os requisitos necessários ao benefício ou serviço mais vantajoso” (VI).

21. No momento da alta médica que implica a cessação do auxílio-doença, o corpo médico-pericial do INSS detém o dever de avaliar se as sequelas consolidadas, que não são incapacitantes, geraram ou não redução de capacidade laborativa (TRF4, Sexta Turma, Apelação Cível nº 87.2012.404.7107, j. 24.07.2013).

Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023: 2002/ABNT):
. . Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n., out. 2014. Disponível em:
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Acesso em: .


REVISTA DE DOUTRINA DA 4ª REGIÃO
PUBLICAÇÃO DA ESCOLA DA MAGISTRATURA DO TRF DA 4ª REGIÃO - EMAGIS