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publicado em 17.12.2014
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O tema acerca da exequibilidade das sentenças declaratórias enseja grandes debates doutrinários. Para parte da doutrina, a força executória dos títulos judiciais decorria apenas das sentenças classificadas como condenatórias, pois impunham ao demandado uma obrigação. Nesse sentido era a redação do revogado art. 584, inciso I, do CPC: “Art. 584. São títulos executivos judiciais: I – a sentença condenatória proferida no processo civil”.Entretanto, para outros, as sentenças declaratórias, quando reconhecem uma obrigação, poderiam, nesse caso, ensejar um processo de execução forçada, caso assim quisesse a parte vencedora na ação, ainda que não houvesse um comando judicial determinando o cumprimento dessa obrigação. Tal posicionamento baseia-se na economia processual, a assegurar a efetividade da jurisdição, assim como na imutabilidade da sentença, ante a garantia da coisa julgada. A jurisprudência passou a adotar essa segunda corrente. Porém, o debate doutrinário seguiu e se intensificou com o advento da Lei nº 11.232/2005, que revogou o referido art. 584, inciso I, e introduziu o art. 475-N, I, ao diploma processual, prevendo: “Art. 475-N. São títulos executivos judiciais: I – a sentença proferida no processo civil que reconheça a existência de obrigação de fazer, não fazer, entregar coisa ou pagar quantia”. Tal disposição vem ensejando divergências entre os juristas, questionando se atualmente a legislação processual permite a execução forçada de qualquer sentença. Palavras-chave: Sentenças. Declaratórias. Execução. Condenatórias. O Código de Processo Civil – CPC, Lei nº 5.869/1973, vem sofrendo reformas substanciais no sentido de adaptar-se às novas realidades sociais e jurídicas, muitas vezes instituindo novos instrumentos processuais, como, por exemplo, em 1994, com a Lei nº 8.952, passando a prever no ordenamento pátrio a antecipação de tutela, atual artigo 273. Em 2005, com a Lei nº 11.232, o legislador ordinário fez uma nova e importante reforma, modificando substancialmente a execução judicial, tanto aquela oriunda de um título judicial como a decorrente de um título extrajudicial. Com relação à primeira, passou-se a uma fase do processo, no intuito de dar cumprimento ao julgado judicial. Já no tocante à segunda, os chamados títulos executivos extrajudiciais ficaram disciplinados no Livro II do Código, com regras específicas, atinentes a um processo próprio. Diante desse novo panorama processual, diversos debates surgiram, quando não se intensificaram. É o caso da previsão contida no art. 475-N, inciso I, do CPC. Em outras palavras, ao relacionar os ditos títulos executivos judiciais, o dispositivo em comento substituiu o comando contido no artigo 584, inciso I, qual seja, “sentença condenatória proferida no processo civil”, por “sentença proferida no processo civil que reconheça a existência de obrigação de fazer, não fazer, entregar coisa ou pagar quantia”. Passou-se então a questionar se toda sentença, tenha ela eficácia preponderantemente condenatória ou não, é dotada de força executiva. Tal tema já era motivo de embate entre doutrinadores e jurisprudência, pois, para os mais conservadores ou clássicos, somente uma sentença que impõe uma obrigação pode servir de objeto de uma execução forçada, sendo que a manifestação judicial que apenas declara a obrigação é desprovida do poder imperativo, cabendo ao autor da ação optar pelo provimento judicial que lhe melhor aprouver. Tal pensamento é rebatido com lastro na economia processual e na coisa julgada, pois, ao se reconhecer uma prestação, não se poderia submeter o detentor desse direito a uma nova demanda cognitiva, cujo resultado já é conhecido e imutável, apenas para lhe propiciar a força executória. Pela leitura do dispositivo, poder-se-ia interpretar que qualquer sentença, desde que reconheça uma obrigação, seria capaz de dar azo à execução forçada, inclusive as declaratórias negativas, como é o caso das sentenças de improcedência, o que gera relevante interesse, diante de julgados do Superior Tribunal de Justiça – STJ. A divergência passa pela análise da classificação das sentenças, segundo a sua eficácia, assim como pela própria constitucionalidade do aludido artigo 475-N e, sobretudo, pela análise da jurisprudência acerca do tema. Nessa senda, estruturo o trabalho da seguinte forma: em um primeiro momento, uma análise acerca do embate doutrinário sobre a exequibilidade das sentenças declaratórias e sobre a inovação legislativa advinda com a Lei nº 11.232/2005, passando, depois, à análise específica das sentenças de improcedência. Por fim, últimas considerações. 1 A classificação das sentenças segundo seu conteúdo eficacialDiversas são as classificações que podem ser atribuídas às sentenças. Entretanto, a que importa ao tema deste estudo refere-se ao conteúdo eficacial dessas decisões judiciais. Para a doutrina clássica, três espécies de sentenças são contempladas em nosso ordenamento: condenatória, declaratória e constitutiva. A primeira, de eficácia condenatória, impõe à parte vencida em uma demanda judicial o cumprimento de uma obrigação, seja ela de fazer, seja de não fazer, de pagar quantia ou de entregar coisa. A declaratória visa a dar certeza acerca de algum direito, de uma relação jurídica, não necessariamente de uma obrigação. É o exemplo clássico das sentenças que reconhecem o domínio de uma pessoa sobre um determinado bem, decorrente da usucapião. Outro exemplo de declaração, porém agora de cunho negativo, são as sentenças de improcedência, pois declaram ao autor da ação a inexistência do direito pleiteado. A constitutiva ou desconstitutiva consiste na criação, na modificação ou mesmo na extinção de uma relação jurídica. A teoria trinária é criticada por decorrer de um Estado liberal e afastar a intervenção direta do Estado-juiz ante as relações patrimoniais, o que enseja, se assim considerado, a inexistência de tutela perante bens jurídicos não patrimoniais, especialmente aqueles direitos dos particulares frente ao poder público. Nesse sentido é a doutrina de Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart.(1) Assim advém a chamada teoria quinária, defendida por Pontes de Miranda, que, além das três já mencionadas, acrescenta as sentenças mandamentais e as executivas lato sensu. As primeiras consistem em decisões em que o julgador ordena o cumprimento de algo, a realização de uma conduta ou mesmo uma omissão. É o exemplo do mandado de segurança, sentença que afasta a necessidade de um processo de execução próprio. Já as executivas lato sensu consistem em decisões cujo cumprimento está embutido no próprio processo de conhecimento. É o caso das ações possessórias. Não obstante a teoria quinária, as chamadas sentenças mandamentais e executivas lato sensu seriam, para parte da doutrina, como defende Cândido Dinamarco,(2) espécies de condenação, umavez que ambas reconhecem e impõem ao réu o cumprimento de uma obrigação. Entretanto, a condenatória exige, para sua satisfação, um procedimento próprio, hoje instituído no artigo 475-L do CPC, enquanto as demais são dotadas de instrumentos atribuídos ao juiz para que este efetive a tutela concedida, conforme artigos 461, 461-A e 466-A, todos do CPC. Independentemente de qual teoria a ser adotada, é imperioso reconhecer que toda sentença enseja não somente uma eficácia. Por exemplo, o juiz, ao condenar o réu ao pagamento de uma indenização por ato ilícito, está também declarando que o demandado cometeu uma conduta lesiva ao autor da ação, razão pela qual foi condenado. O que se deve identificar para classificar a sentença é qual o conteúdo eficacial preponderante. No caso acima dado como exemplo, resta evidente que prepondera a eficácia condenatória. Feitas essas considerações acerca da classificação das sentenças segundo a tutela buscada, resta saber qual delas dá ensejo à chamada execução forçada. 2 A exequibilidade das sentenças O revogado artigo 584, inciso I, do CPC assim disciplinava: “Art. 584. São títulos executivos judiciais: Logo, a leitura desse dispositivo respondia o questionamento. Apenas a sentença com conteúdo condenatório é passível de execução forçada. O fundamento para essa disposição decorria do fato de que apenas a condenação impõe ao vencido na ação judicial o cumprimento de uma obrigação, o que falta às sentenças declaratórias e constitutivas, que, respectivamente, apenas reconhecem algo ou criam, modificam ou extinguem algo. Estas só poderiam dar azo ao processo executivo no tocante às suas rubricas condenatórias, tais como os encargos sucumbenciais. Entretanto, o que se passou a questionar é se uma sentença que reconhece uma obrigação, portanto, declara-a, não teria, também, força executiva. Exemplo: o credor “A” ajuíza uma ação de natureza declaratória contra o devedor “B”, a fim de que o Juízo reconheça entre eles uma relação negocial envolvendo um crédito. Ao julgar-se procedente o pedido, caberia uma nova ação, agora de natureza condenatória, para que o credor “A” finalmente venha a satisfazer o seu direito creditório, ou poderia ele desde logo ingressar com o pedido de cumprimento de sentença? Ao tratar do tema da possibilidade de execução de sentenças preponderantemente declaratórias, lecionou Teori Zavascki(3): “Ora, se tal sentença traz definição de certeza não apenas a respeito da existência da relação jurídica, mas também da exigibilidade da prestação devida, não há como negar-lhe, categoricamente, eficácia executiva. Conforme assinalado anteriormente, ao legislador ordinário não é dado negar executividade a norma jurídica concreta, certificada por sentença, se nela estiverem presentes todos os elementos identificadores da obrigação (sujeitos, prestação, liquidez, exigibilidade), pois isso representaria atentado ao direito constitucional à tutela executiva, que é inerente e complemento necessário do direito de ação.” 3 A Lei nº 11.232/2005 Afora esse argumento, os autores renovam a tese de que a atribuição de força executiva às sentenças declaratórias fere o princípio do dispositivo a reger o devido processo legal. Para a corrente oposta, a inconstitucionalidade somente poderia ser declarada se realmente a alteração promovida pelo Senado Federal fosse substancial, e não meramente redacional. Na verdade, ao modificar o texto encaminhado pela Câmara dos Deputados, os Senadores apenas aprimoraram a redação, a fim de evitar uma discussão já ultrapassada pela jurisprudência, uma vez que já se reconhecia a possibilidade de uma sentença preponderantemente declaratória deter força de execução. Para Fredie Didier Jr., a execução das sentenças meramente declaratórias vem ao encontro do princípio da efetividade jurisdicional, sendo que, partindo dessa premissa, já se vinha admitindo o cumprimento do ato judicial declaratório mesmo quando a redação legislativa abarcava apenas o termo sentença condenatória. Logo, não houve, por parte do Senado, uma alteração normativa que impusesse a aplicação do art. 65, parágrafo único, da Constituição, mas sim o reconhecimento daquilo que já se vinha aplicando com a mesma redação aprovada pela Câmara dos Deputados. Ensina o autor(8): “a)A mudança do texto legal ocorreu durante a tramitação do projeto de lei no Senado. O projeto não voltou à Câmara dos Deputados, para a aprovação da emenda. Discute-se, então, se o inciso I do art. 475-N é formalmente inconstitucional. A questão passa pelo seguinte: o novo texto proposto pelo Senado inovou em termos normativos ou trata-se de apenas um aprimoramento da redação anterior? Outrossim, o fato de se atribuir exequibilidade às sentenças declaratórias, diferentemente do argumentado por parte da doutrina, não atenta contra a pretensão do autor. Por evidente, cabe a ele, o demandante, optar por qual tutela quer ver assegurada na sentença, se declaratória ou condenatória. Entretanto, ao eleger a primeira, estaria ele fadado ao ajuizamento de uma nova ação cognitiva para poder satisfazer o direito já reconhecido? Nas palavras de Fredie Didier Jr., isso viria de encontro à efetividade jurisdicional, pois retomar-se-ia aquilo que já foi discutido, analisado e julgado, além de amparado pela imutabilidade atribuída pela coisa julgada. Assim como cabe ao autor da ação delimitar seu pedido, se declaratório ou condenatório, cabe a ele, caso a sentença seja meramente declaratória, reconhecendo a obrigação do réu, executá-la ou não. Mais uma vez é a lição de Fredie Didier Jr.(9): “Não se nega a possibilidade de o demandante apenas querer a mera certificação, mesmo em situação em que seria possível o pleito condenatório. A questão é outra. Uma vez obtida essa certificação, poderá o vencedor, agora, em outro momento, pedir a execução da prestação? Ou teria de entrar com outra ação de conhecimento, em que o magistrado ficaria vinculado ao efeito positivo da coisa julgada, e a sua cognição ficaria limitada, inevitavelmente, às matérias constantes do art. 475-L do CPC (limitação horizontal da defesa na execução de sentença)? Que ação seria essa segunda, em que se parte da coisa julgada, para efetivar o quanto ali decidido, e cuja cognição é limitada? Parece-nos que se trata de uma ação executiva.” Não obstante os argumentos tecidos e todo o embate técnico, a jurisprudência do STJ vem sedimentando-se no sentido de admitir a força executiva nas sentenças de natureza declaratória. “TRIBUTÁRIO – PROCESSO CIVIL – AGRAVO INTERNO EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – SUFICIÊNCIA DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL – OFENSA AO ART. 535 DO CPC – INEXISTÊNCIA – EFICÁCIA EXECUTIVA DE SENTENÇA DECLARATÓRIA – RESP 1114404/MG E RESP 1261888/RS – ART. 543-C DO CPC. 4 A força executiva das sentenças de improcedência As sentenças de improcedência são decisões declaratórias negativas, que reconhecem a inexistência do direito pleiteado pela parte-autora. Na verdade, quando instalada a relação processual, têm-se duas pretensões, a do autor, que busca o reconhecimento de um direito; e a do réu, que, ao contestar, visa à declaração negativa do postulado pela parte adversa. Logo, o juiz, ao julgar improcedente o pedido do demandante, nada mais faz do que acolher a pretensão do réu. E, ao fazê-lo, conhecendo e resolvendo o mérito da lide, produz a coisa julgada, tornando imutável a decisão. Em uma ação cujo pedido do autor seja o reconhecimento de uma relação jurídica, a improcedência consistirá apenas na declaração de inexistência do liame jurídico entre as partes, não havendo nada a executar que não eventuais encargos sucumbenciais. No entanto, diferente é o tratamento quando o pedido formulado pelo autor é de inexistência de uma relação obrigacional. Por exemplo, quando o requerente postula em juízo a declaração de que nada deve a um suposto credor, ora réu. A improcedência desse pedido será no sentido positivo, ou seja, declarará o juiz que o credor, então demandado, tem o direito a exigir do devedor, autor da ação, a quantia impugnada na demanda. Houve, nessa situação, o reconhecimento de uma obrigação por meio do Poder Judiciário. Logo, essa sentença, ainda que de improcedência, configuraria o título executivo judicial previsto no art. 475-N, inciso I, do CPC? Parte da doutrina, especialmente aquela que combate a eficácia executiva das sentenças declaratórias, por evidente, não reconhece a possibilidade de execução forçada nas sentenças de improcedência. Necessariamente deve haver uma imposição, que se consubstancia na condenação. A sentença de improcedência apenas nega o pedido do autor. E, se essa negativa consistir no reconhecimento de um direito de crédito ao réu, caberá a ele mover a ação própria, então ocupando o polo ativo da relação processual, já que é o autor quem delimita a lide. Vide a lição de Humberto Theodoro Júnior(11): “De fato, toda sentença de improcedência contém uma certa declaração em sentido contrário ao pretendido pelo autor. Mas o objeto do processo sobre o qual se emite a sentença e que vem a se revestir da autoridade de coisa julgada é o pedido do autor, e não necessariamente aquilo que contra ele opôs o réu. Assim é que o art. 469 exclui da coisa julgada os motivos da acolhida ou da rejeição do pedido. Dessa maneira, o que se acerta entre as partes, com força de lei, é a existência ou não do direito que o autor pretendeu exercer em juízo contra o réu. Para esses autores, o réu somente teria o direito de manejar a demanda executória se tivesse se utilizado do instituto da reconvenção, sendo ela acolhida pelo Juízo; ou detendo a ação uma natureza dúplice, como, por exemplo, a ação de consignação de pagamento (art. 899, § 2º, do CPC)(12) ou ação de prestação de contas (art. 918 do CPC).(13) Nesse sentido é mais uma vez a lição de Humberto Theodoro Júnior(14): “Para que a sentença tenha efeito bifronte, gerando título executivo indistintamente para qualquer dos contendores, é necessário que a ação manejada seja dúplice ou que tenha o réu lançado mão da reconvenção.” Entretanto, o próprio autor citado admite que, quando o objeto da ação declaratória for o reconhecimento da inexistência de uma obrigação, sendo improcedente o pedido, haverá a configuração do título executivo em prol do réu, uma vez que declarado o direito à exigência da prestação impugnada pelo demandante. “No caso, porém, de ação declaratória cujo objeto seja o reconhecimento da inexistência de determinada relação obrigacional, a sentença de improcedência poderá configurar título executivo em favor do réu. É que em tal julgado se terá reconhecido, justamente, a existência, entre as partes, da obrigação negada pelo autor; e essa afirmação assumirá a autoridade de coisa julgada, tornando-se lei entre demandante e demandado (CPC, arts. 467 e 468). Nesse sentido decidiu o STJ, com eficácia vinculativa do art. 543-C, § 7º, do CPC.”(15) Na verdade, não se tem como negar que a sentença de improcedência, nos casos em que se visa à declaração de inexistência de uma relação obrigacional, detém efeitos dúplices, pois, ao afirmar que o autor deve ao réu, possibilita a este exigir essa prestação que foi impugnada pelo demandante. Ensina Daniel Amorim Assumpção Neves(16): “É ação bastante comum a movida por consumidor com pedido de declaração de inexistência de dívida. Sendo julgada improcedente, haverá uma declaração de existência da dívida discutida. Pergunta-se: poderá o réu executar essa sentença para cobrar a dívida declarada? De fato, havendo uma sentença transitada em julgado, negando o pedido do autor, que consistia na declaração de inexistência de uma obrigação, não se tem razão para submeter o réu a um novo processo de conhecimento a fim de obter um provimento judicial de uma obrigação que o próprio Judiciário já firmou, estando, inclusive, impedido de tomar uma decisão diversa daquela constante na primeira ação. Para essa corrente, impor ao demandado vencedor na ação novo processo de conhecimento para discutir aquilo que já foi apreciado e acobertado pela imutabilidade da coisa julgada seria ferir a economia processual e a efetividade jurisdicional. Da mesma forma, não se tem como exigir do réu, para que obtenha o direito à execução, que apresente pedido contraposto ou reconvenção. Isso porque a sentença de improcedência, nessas circunstâncias, em que nega o pedido de inexistência de relação obrigacional, tem efeitos dúplices, pois, como já deveras ressaltado, outro não será o seu resultado que o reconhecimento de que a prestação impugnada é devida e de que o demandado, portanto, tem direito a exigi-la, perfectibilizando os requisitos do título executivo: liquidez, certeza e exigibilidade. Ademais, em uma relação processual em que há, de um lado, um autor postulando a inexistência de uma obrigação e, de outro, um réu pleiteando justamente o contrário, não se tem a necessidade de uma reconvenção, pois a improcedência, por si só, já é o reconhecimento do direito do réu. A reconvenção, como bem diz o art. 315 do CPC,(17) é uma ação que pode ser movida pelo réu de um processo contra o autor desse mesmo processo, tendo como requisito a conexão entre as duas ações, a fim de possibilitar o julgamento em uma mesma sentença. Logo, na reconvenção, existem duas ações: a principal, movida pelo autor; e uma conexa, intentada nos mesmos autos pelo réu no prazo de resposta. Dessa forma, verifica-se ser situação totalmente distinta da sentença de improcedência que rejeita o pedido de declaração de inexistência de obrigação, pois, nesse último caso, a ação é uma só, sendo que a derrota do autor, por consequência lógica, gerará ao réu o direito de exigir a prestação, caso já vencida. O tema é bem esclarecido no voto emanado pelo Ministro Teori Albino Zavascki no seguinte julgado (STJ/REsp 1.300.213/RS, data do julgamento em 12.04.2012): “Na verdade, em demandas como a que deu origem ao presente recurso – em que se buscou provimento judicial que certificasse a inexistência de uma relação jurídica obrigacional –, a procedência e a improcedência do pedido representam o verso e o reverso inseparáveis da mesma moeda: o julgamento de mérito importará necessariamente um juízo de certeza sobre a existência ou sobre a inexistência da obrigação, sendo que, em qualquer dos casos, a sentença terá eficácia preceitual para as partes, como verdadeira norma individualizada (‘lei entre as partes’), e, transitando em julgado, será imutável e indiscutível, salvo por rescisória, se for o caso. Quando improcedente, conferirá, portanto, tutela jurisdicional em favor do demandado, independentemente de reconvenção. Aliás, em alguns casos, a norma processual deixa expresso esse potencial efeito dúplice, sendo exemplos inequívocos as sentenças de mérito em ações possessórias (CPC, art. 920), em ações de consignação em pagamento (CPC, art. 899, § 2º) e em ações de prestação de contas (CPC, art. 918). A reconvenção, como é sabido, somente se presta para decidir outra causa, fundada em relação jurídica de direito material distinta, que, embora conexa com a da ação principal (CPC, art. 315), com ela não se confunde. Conforme assinalou Pontes de Miranda, ‘a pretensão, ou a ação, que é objeto da reconvenção, tem de ser diferente da que é exercida na ação contra o réu’ (MIRANDA, Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1974. Tomo v. p. 161). E conclui, mais adiante, em exemplo que retrata, mutatis mutandis, o que aqui está em causa: ‘se, contra ação declaratória positiva, o réu, defendendo-se, pede a declaração negativa, não há reconvenção’ (op. cit., p. 162). Não é outra a lição de Barbosa Moreira, que, ao tratar do interesse processual em reconvir, assevera: ‘Esse requisito falta sempre que a matéria possa ser alegada, com idêntico efeito prático, em contestação. Por exemplo: não se pode reconvir para pedir simplesmente a declaração de inexistência do mesmo direito postulado na ação originária’ (MOREIRA, José Carlos Barbosa. O novo processo civil brasileiro. 27. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 45). Em circunstâncias como essa, a falta de interesse jurídico em reconvir está, pois, justamente nisso: a sentença de mérito julga a causa inteiramente e, sendo de improcedência, confere ao demandado a tutela jurídica de que necessita, com o mesmo efeito prático da reconvenção.” A jurisprudência vem admitindo a força executória das sentenças de improcedência em prol do réu quando negam o pedido de declaração de inexistência de obrigação. São exemplo as ações movidas por devedores de instituições financeiras, quando visam à declaração de inexigibilidade de certas cláusulas contratuais; bem como ações movidas por consumidores contra concessionárias de energia elétrica: “PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. ENERGIA ELÉTRICA. SENTENÇA QUE CONDENA A CONCESSIONÁRIA EM OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER (IMPEDIMENTO DE CORTE NO FORNECIMENTO) E DECLARA LEGAL A COBRANÇA IMPUGNADA EM JUÍZO, SALVO QUANTO AO CUSTO ADMINISTRATIVO DE 30% REFERENTE A CÁLCULO DE RECUPERAÇÃO. APLICAÇÃO DO ART. 475-N, INC. I, DO CPC PELA CONCESSIONÁRIA EM RELAÇÃO À PARTE DO QUE FOI IMPUGNADO PELO CONSUMIDOR NA FASE DE CONHECIMENTO. POSSIBILIDADE NO CASO CONCRETO. “PROCESSUAL CIVIL. EXECUTIVIDADE DE SENTENÇA. IMPROCEDÊNCIA DE AÇÃO DECLARATÓRIA NEGATIVA. RECONHECIMENTO, EM FAVOR DO DEMANDADO, DA EXISTÊNCIA DE OBRIGAÇÃO DE PAGAR. INCIDÊNCIA DO ART. 475-N, I, DO CPC. MATÉRIA DECIDIDA PELA 1ª SEÇÃO, SOB O REGIME DO ART. 543-C DO CPC. ESPECIAL EFICÁCIA VINCULATIVA (CPC, ART. 543-C, § 7º). Considerações finais Diante do que foi exposto, é correto afirmar que, em uma análise tradicional, só poderíamos admitir a execução de um julgado que impusesse ao vencido em uma ação judicial uma obrigação, ou seja, só seria possível a promoção de um processo executivo quando emanada uma sentença condenatória. Inclusive, essa era a redação legal contida no art. 584, inciso I, do CPC, baseada no preceito clássico do princípio do dispositivo, no qual compete ao autor do processo delimitar a discussão da lide, buscando a tutela jurisdicional que entende mais adequada para a satisfação do direito visado. Entretanto, em que pesem as respeitáveis e abalizadas posições nesse sentido, passou-se a questionar se esse procedimento não limitaria os títulos executivos ao admitir apenas as sentenças condenatórias, vindo a gerar uma formalidade excessiva quando a obrigação decorresse de um reconhecimento de uma sentença declaratória, impondo ao vencedor o ajuizamento de um novo processo, também de conhecimento, para, somente então, obter o título e executá-lo. Certamente isso fere a economia processual e, sobretudo, a efetividade da atividade jurisdicional. Ao que parece, após análise do embate doutrinário, mais uma vez respeitando as opiniões em sentido oposto, não há como afastar a força executória das sentenças declaratórias quando estas vêm a reconhecer ao vencido uma obrigação, possibilitando à parte vencedora executar essa obrigação, desde que preenchidos os pressupostos para a perfectibilização do título, quais sejam, certeza, liquidez e exigibilidade. Isso porque não há sentido em submeter aquele que obteve uma decisão declaratória favorável, reconhecendo o direito a exigir uma obrigação de seu devedor, a uma nova ação de conhecimento para somente substituir o comando judicial de “declarar” por “condenar”. Como bem ressaltado ao longo deste estudo, ao se reconhecer uma obrigação por meio de uma sentença declaratória, transitando em julgado esse provimento judicial, mesmo que a parte vencedora venha a ajuizar nova ação, agora visando a uma tutela condenatória, o juiz fica impedido de alterar o resultado do processo em face da coisa julgada que reveste o primeiro julgamento. Logo, mostra-se inútil, quando já se tem o reconhecimento da obrigação, o intento de novo processo apenas para obter a tutela condenatória. Ademais, não há ofensa ao princípio do dispositivo, pois, se cabe ao autor, ao ajuizar a ação, optar por qual tutela vai postular em juízo, cabe a ele, em obtendo sucesso ao final do processo, optar pelo cumprimento do julgado, executando-o ou não. Em face disso, evoluiu a jurisprudência para o fim de admitir não somente a sentença condenatória como título executivo, mas também a sentença declaratória, desde que reconheça ao vencido a exigibilidade da obrigação. Tal posicionamento restou consagrado, inicialmente, na jurisprudência, evoluindo, posteriormente, para a legislação, com o advento da Lei nº 11.232/2005. Com a nova redação do art. 475-N, inciso I, do CPC, instituída pela nova lei, não há dúvidas de que outras sentenças que não somente a condenatória podem ensejar a execução. Ainda que haja autores defendendo a inconstitucionalidade formal da novel legislação, entende-se que não há razão no argumento, pois se trata de consagrar entendimento jurisprudencial já sedimentado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, não havendo alteração substancial por parte do Senado Federal a modificar o texto legislativo aprovado pela Câmara dos Deputados. Se a lei tivesse sido promulgada com a redação originária, em nada se alteraria, pois os tribunais já afastavam a exclusividade das sentenças condenatórias como título executivo em nome da efetividade da jurisdição. Da mesma forma, as sentenças de improcedência, ao negar o pedido do autor de declaração de inexistência de uma relação obrigacional, possuem força executória justamente porque reconhecem uma obrigação, qual seja, a de que o demandante derrotado deve ao réu vencedor, fazendo incidir, dessa forma, o art. 475-N, inciso I, do CPC. Essa sentença de improcedência também produz coisa julgada, fazendo entre as partes lei, razão pela qual também seria inútil o ajuizamento de um novo processo, agora intentado pelo réu do primeiro, apenas para a obtenção do comando condenatório. Já há um provimento judicial reconhecendo esse direito. Frente a isso, impera concluir que a força executiva das sentenças declaratórias, quando reconhecem uma obrigação, vem a assegurar a efetividade da jurisdição, evitando o ajuizamento de ações inúteis, atendendo à economia processual e gerando celeridade na solução dos conflitos, fim maior almejado cada vez mais pelo jurisdicionado, consagrado, hoje, como direito fundamental do cidadão por meio do art. 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal de 1988. Referências bibliográficas ASSIS, Araken de. Manual da execução. 15. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. 1520 p. 1. In Manual do processo de conhecimento: a tutela jurisdicional através do processo de conhecimento. 2. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. 3. In Sentenças declaratórias, sentenças condenatórias e eficácia executiva dos julgados. Revista de processo, v. 28, n. 109, p. 45-46, jan./mar. 2003. 7. In Manual da execução: pressupostos necessários para toda e qualquer execução. 15. ed. Revista dos Tribunais, 2013. p. 173-4. 8. In A sentença meramente declaratória como título executivo: aspecto importante da última reforma processual civil brasileira. Disponível em: <http://www.frediedidier.com.br/artigos/a-sentenca-meramente-declaratoria-como-titulo-executivo-a-aspecto-importante-da-ultima-reforma-processual-civil-brasileira/>. 9. In A sentença meramente declaratória como título executivo: aspecto importante da última reforma processual civil brasileira. Disponível em: <http://www.frediedidier.com.br/artigos/a-sentenca-meramente-declaratoria-como-titulo-executivo-a-aspecto-importante-da-ultima-reforma-processual-civil-brasileira/>. 10. STJ – AgRg no AREsp 109377/MG. Relatora Ministra Eliana Calmon. 2ª Turma. Data do julgamento: 15.10.2013. 12. “Art. 899. Quando na contestação o réu alegar que o depósito não é integral, é lícito ao autor completá-lo, dentro em 10 (dez) dias, salvo se corresponder a prestação, cujo inadimplemento acarrete a rescisão do contrato. (...) § 2o A sentença que concluir pela insuficiência do depósito determinará, sempre que possível, o montante devido, e, neste caso, valerá como título executivo, facultado ao credor promover-lhe a execução nos mesmos autos.” 17. “Art. 315. O réu pode reconvir ao autor no mesmo processo, toda vez que a reconvenção seja conexa com a ação principal ou com o fundamento da defesa.”
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Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023:2002/ABNT): |
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