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publicado em 27.02.2015
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Delineia os aspectos da jurisdição entre países fronteiriços e propõe a criação de Estados Constitucionais Cooperativos. Sumário: Introdução. 1 Análise de cenário. 2 Cenários prospectivos. Estado Constitucional Cooperativo. Conclusão. Referências das fontes citadas. Introdução A jurisdição de fronteiras possui extrema relevância aos Estados, pois se conecta, em última análise, à própria soberania. Nesse contexto, torna-se indispensável analisar o papel do Estado no trato da questão, bem como investigar qual é a postura do Brasil em relação ao tema e, principalmente, qual é o papel do Judiciário nacional. Inicia-se apresentando o panorama do cenário atual, prosseguindo-se com propostas para a construção de um cenário prospectivo em busca da construção de um Estado Constitucional Cooperativo. 1 Análise de cenário De plano, é necessário reconhecer que o Poder Judiciário nacional tem atuado de forma tímida no que concerne à jurisdição de fronteiras. Trata-se de uma omissão histórica, já que apenas o Supremo Tribunal Federal – STF, durante muito tempo, possuía competência para análise de pedidos apresentados por Estados estrangeiros. A matéria sofreu alteração com o advento da Emenda Constitucional 45/2004, que transferiu a competência do STF para o Superior Tribunal de Justiça – STJ em relação à homologação de sentenças estrangeiras e à concessão de exequatur às cartas rogatórias (artigo 105, I, i, da Constituição). Não houve, contudo, o avanço necessário quanto ao tema. No âmbito da cooperação jurídica internacional, tem-se observado um protagonismo muito acentuado do Poder Executivo, principalmente do Ministério das Relações Exteriores, do Ministério da Justiça e também do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI), como órgão integrante da Secretaria Nacional de Justiça. O Judiciário, de outro lado, tem-se mostrado tímido no enfrentamento do tema, com decisões extremamente conservadoras, especialmente por parte da Corte Suprema e de tribunais superiores. Assim, o presente trabalho pretende apresentar algumas propostas para a melhoria e o aprimoramento da cooperação jurídica internacional. 2 Análise prospectiva. Estado Constitucional Cooperativo Em primeiro lugar, é preciso deixar claro que se torna indispensável um papel mais ativo do Poder Judiciário nacional sobre a cooperação jurídica internacional, assumindo atribuições que são exploradas – indevidamente, em alguns casos – por órgãos do Poder Executivo. Nesse sentido, é preciso haver um avanço no posicionamento dos tribunais. O STF, por exemplo, deve reconhecer validade na prática direta de atos processuais por juízes de fronteira. O Brasil, com sua imensa extensão territorial, possui inúmeros processos judiciais que envolvem litigantes, testemunhas, etc. residentes em países vizinhos. Assim, é muito mais simples e legítimo que os juízes próximos, ainda que de países diferentes, possam dialogar e definir a forma e o procedimento na prática dos atos de cooperação, independentemente de atuação do STF ou do STJ. Ou seja, a jurisprudência precisa avançar para autorizar o chamado auxílio direto, a fim de permitir que os juízos fronteiriços possam dialogar e encontrar a solução mais adequada e célere para o processo judicial. Tal mudança ensejaria uma alteração muito útil à jurisdição e superaria o entendimento dos tribunais superiores (inaugurado na Idade Média!). O auxílio direto ou as comunicações diretas, além disso, evitariam, em muitos casos, a atuação diplomática promovida sem o controle do Judiciário. A autoridade diplomática, nesse ponto, sequer possui conhecimento e noção da prática jurídica. Em segundo lugar, torna-se razoável a criação de autoridades judiciárias centrais ou juízes de ligação, para exercer uma função de protagonismo, permitindo reduzir os espaços lacunosos geralmente encontrados. Exemplo da iniciativa são os juízes de ligação de sequestro internacional, conforme definido na Conferência de Haia. O próprio Conselho Nacional de Justiça já votou resolução criando o juiz de ligação. Tal ato normativo ainda depende de assinatura do seu presidente, e precisa ser apresentada a justificativa da sua criação. Em terceiro lugar, é preciso avançar em algumas posições adotadas pelo Supremo Tribunal Federal. Um exemplo é a necessidade de comprovação da dupla incriminação para o deferimento do pedido de extradição. Com efeito, não se concede a extradição quando o fato que motivar o pedido não for considerado crime no Brasil ou no Estado requerente, nos termos do art. 77, II, da Lei 6.815/80. Tal diploma normativo é do século passado e precisa, portanto, de uma revisão, a fim de se ajustar aos novos tempos. Igualmente, o STF também precisa reavaliar seus posicionamentos, mediante realização de adequada filtragem constitucional. Em quarto lugar, sugere-se a criação de redes de cooperação, em que o Judiciário seja o protagonista e orientador dos órgãos da administração. Ou seja, cabe àquele poder estatal coordenar e apresentar sugestões tendentes a otimizar os processos judiciais na perspectiva das relações internacionais. É imperioso, assim, que a cúpula do Poder Judiciário (STF ou CNJ) promova redes de cooperação, chamando o Ministério das Relações Exteriores, o Ministério da Justiça e o Ministério Público para debater a jurisdição internacional. Sobre o tema, merece menção a teoria dos diálogos institucionais ou teoria dos diálogos constitucionais, debatida há muito tempo no direito americano, que tem conquistado espaço em outros cenários jurídicos. Significa a necessidade de fomento à atuação dialógica entre os poderes, reduzindo a atuação autocrática e isolada. A interpretação constitucional comparada a um diálogo é obra de Barack Obama e Robert Fisher, que pode ser traduzida da seguinte forma: “Embora seja muito útil saber como não se deve ler a Constituição, no final das contas, juízes, legisladores e aqueles que ocupam cargos do Poder Executivo, encarregados de interpretar a Constituição, precisam ser capazes de lê-la. Ler a Constituição não requer uma teoria de interpretação que englobe a Constituição inteira. Dessa forma, poderíamos cair na hiper-integração. Ao mesmo tempo em que nos esforçamos para evitar os monstros marinhos da Scila da hiper-integração, temos que fugir dos monstros do Caridbes da des-integração. Embora seja impossível oferecer uma teoria da interpretação constitucional totalmente consistente, podemos ao menos ensaiar algumas abordagens aceitáveis para tal empreendimento. O objetivo que nos colocamos parece demasiadamente hesitante e tentativo, e isso se deve ao fato de as questões dirigidas para a interpretação constitucional serem ao mesmo tempo extremamente básicas e difíceis. Na maior parte das vezes, não temos respostas, e aquelas que conseguimos dar quase nunca são precisas. Não é possível alcançar a definição da última palavra da essência da Constituição; quando isso se torna possível, a Constituição acaba de perder sua relevância perante uma sociedade em constante mudança. Com menos ambição e talvez com o pé mais fincado na realidade, pretendemos contribuir com um diálogo útil para a leitura da Constituição, uma ‘conversa constitucional’.”(2) Em quinto lugar, recomenda-se a utilização de modelos de atuação já implantados na União Europeia. A cooperação jurídica europeia configura exemplo de sucesso e pode ser transplantada para o sistema de outros países, observadas as respectivas peculiaridades. O exequatur, v.g., tem sido progressivamente eliminado nos países integrantes da União Europeia. Outra prática salutar é a adoção de mandado de prisão ou detenção regional, permitindo o seu cumprimento direto em país vizinho. Neste ponto, é importante mencionar a teoria do Estado Constitucional Cooperativo, criada por Peter Haberle. Os Estados, com efeito, não existem para si próprios, mas para se relacionar entre si. Assim, não é possível uma atuação estatal isolada: torna-se indispensável a cooperação. Dessa forma, o Estado Constitucional do século XXI é o Estado Constitucional Cooperativo.(3) Segundo Gilmar Mendes, “O Estado constitucional, compreendido atualmente como Estado constitucional cooperativo, é um projeto universal, apesar da diversidade tipológica entre os países e das diferenças entre suas culturas nacionais. Diante dessa realidade, segundo Häberle, os modestos meios do constitucionalismo devem ser empregados a fim de levar a cabo o necessário para que a América Latina, com sua riqueza multiétnica e multicultural, se reafirme na era da globalização.”(4) A construção do Estado Constitucional Cooperativo é, portanto, a forma mais adequada de fomentar a cooperação jurídica de fronteiras. Conclusão A Constituição consagra que a República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações (art. 4º, parágrafo único). Tal disposição constitucional ainda exige concretização. As considerações acima apresentadas demonstram que o Estado brasileiro ainda precisa avançar na adoção de práticas eficazes e eficientes de cooperação jurídica internacional. Nesse contexto, como propõe Peter Häberle, torna-se necessária a construção de Estados Constitucionais Cooperativos com o fim de aproximar as relações estatais em prol do constitucionalismo global. Referências das fontes citadas HÄBERLE, Peter. El estado constitucional. Traduzido por Hector Fix-Fierro. México: Universidad Nacional Autônoma de México, 2003. MENDES, Gilmar Ferreira. Homenagem à doutrina de Peter Häberle e sua influência no Brasil. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/repositorio/cms/portalStfInternacional/portalStfAgenda_ TRIBE, Laurence; DORF, Michel. Hermenêutica constitucional. Traduzido por Amarílis de Souza Birchal. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. p. 35-36. Notas
1. Este artigo foi produzido em razão da participação do autor no curso Cooperação Jurídica de Fronteiras: Desafios e Perspectivas no Âmbito do Direito Penal, promovido pela Escola da Magistratura do TRF da 4ª Região, nos dias 23 e 24 de setembro de 2014. 2. TRIBE, Laurence; DORF, Michel. Hermenêutica constitucional. Traduzido por Amarílis de Souza Birchal. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. p. 35-36.
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Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023:2002/ABNT): |
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