A intervenção do Poder Judiciário no Poder Executivo na efetivação do direito fundamental à saúde e o princípio da separação de poderes

Autor: Daniel Pires Christofoli

Advogado, Especialista em Direito Público pelo IDC e pela Esmafe, Mestre em Direito, Professor de Direito Administrativo dos cursos Retorno Jurídico e Complexo EAD, Consultor Jurídico do Igam

Autor: Guilherme Pinho Machado

Juiz Federal, Mestre em Direito Público pela UFF, Professor de Direito Administrativo da Esmafe

 publicado em 27.02.2015



Resumo

Entre aqueles direitos fundamentais positivados na Carta Magna de 1988, o direito fundamental à saúde revela-se como verdadeiro dever prestacional do Estado aos seus cidadãos. Dessa forma, a omissão do poder público caracteriza verdadeiro ato ilícito, razão essa que entrega ao Poder Judiciário a posição de garantidor dos direitos fundamentais do cidadão. Nesse sentido, o presente estudo pretende perquirir a existência de violação ao princípio da separação dos poderes, igualmente consagrado pelo texto constitucional. Perante a urgente necessidade da população em haver do Estado a devida tutela da saúde, a judicialização do conflito tornou-se a realidade dos tribunais. Nesse viés, pretendemos averiguar, com este artigo, os limites do ativismo judicial na implementação do direito fundamental à saúde, de forma a evitar a intervenção de um poder sobre o outro. Nessa senda, conceitos rígidos do direito administrativo, como mérito administrativo, espaço de escolha e discricionariedade, passarão, no presente trabalho, por uma análise moderna, em consonância ao processo de constitucionalização dos demais ramos do direito. Por fim, indagar-se-á se a intervenção judicial resta referendada pelos demais princípios fundamentais previstos na Constituição Federal ou implica violação ao princípio da separação dos poderes e inobservância à clássica teoria da tripartição.

Palavras-chave: Direito à saúde. Direito fundamental. Judicialização. Ativismo judicial. Intervenção. Mérito administrativo. Princípio da separação de poderes.

Abstract

Among those fundamental rights positivized in the 1988 Constitution, the fundamental right to health is revealed as a true prestacional duty of the State to its citizens. Hence, the omission of the Government characterizes true tort, thus delivering to the Judiciary the position of guarantor of fundamental rights of the citizens. Accordingly, this study intends to assert the existence of violation of the principle of separation of powers, also enshrined in the Constitution. Before the urgent needs of the population in the state to have adequate health protection, the judicialization of the conflict became reality in Courts. With this in mind, we intend to ascertain, with this article, the limits of judicial activism in the implementation of the fundamental right to health, to avoid the intervention of one power over the other. In this vein, rigid concepts of administrative law, such as administrative merit, area of ​​choice and discretion, will, in the present work, undergo a modern analysis, in line with the process of constitutionalization of the other branches of law. Finally, we will ask if judicial intervention is endorsed by the other fundamental principles laid down in the Constitution, or if it implies violation of the principle of separation of powers and disregard to the classical theory of tripartition.

Keywords: Right to health. Fundamental right. Judicialization. Judicial activism. Intervention. Administrative merit. Principle of separation of powers.

Introdução

O presente trabalho possui por escopo a análise da existência da violação do princípio da separação de poderes, ante a necessidade da intervenção do Poder Judiciário perante o Poder Executivo como forma de concretizar os efeitos jurídicos da garantia fundamental à saúde no caso concreto.

Diante do pulsante e cotidiano conflito entre Poder Judiciário e Poder Executivo, provocado pela necessidade de efetivação da norma fundamental perante a Administração Pública e pelas necessidades da coletividade, procuramos perquirir a existência de flagrante invasão de searas administrativas, no que tange às políticas públicas de saúde.

A partir das perspectivas ora expostas, teceremos considerações acerca do princípio da separação de poderes, positivado no art. 2º da Constituição Federal, bem como no art. 10 da Constituição Estadual. Tal preceito afirma a independência dos poderes, no que diz respeito às suas funções típicas e atípicas. Diante disso, verificaremos a existência de violação ao princípio em tela quando da necessidade de intervenção do Poder Judiciário a fim de garantir o direito fundamental à saúde a todos os cidadãos.

Por fim, iremos explicitar os limites do ativismo judicial, consubstanciados na teoria da reserva do possível, bem como no princípio da proporcionalidade, para, ao final, concluirmos pela existência ou não de sobreposição de um poder perante o outro.

1 O direito fundamental à saúde

1.1 O direito à saúde na Constituição de 1988

A consagração do direito à saúde como valor fundamental previsto no corpo da Carta Magna de 1988 segue a bonança trazida pelo movimento de constitucionalização dos Estados, iniciado no final do século XVIII,(1) cuja principal colaboração concretiza-se no foco dos textos constitucionais como ponto de partida para a leitura do ordenamento jurídico.

Passando do primado de “mera carta de intenções”,(2) a Constituição erigiu-se a norma primária, realizando a hierarquia perante as demais normas. Partindo dos ideais iluministas, a igualdade social personificou-se em verdadeiro dever a ser alcançado pelo Estado perante seus súditos. Diante do dever em tela, verdadeiras ramificações, pertinentes ao direito, formaram-se em direção ao indivíduo. A igualdade social passou a ser concretizada em políticas públicas, oriundas de princípios institutivos e normas programáticas, de obediência irretratável no que concerne aos governantes.

Assim sendo, tem-se a Constituição como ordem fundamental e programa de ação que identifica uma ordem político-social e o seu processo de realização, sendo o direito à saúde uma das áreas de sua atuação. Acerca de tal enfoque, aduz Gilmar Ferreira Mendes(3)

“Nessa perspectiva, a Constituição não é um simples instrumento de proteção das relações existentes, mas a norma fundamental em que se projeta e se realiza uma sociedade em dever e transformação, uma lei superior em que se indicam as mudanças e se definem os processos de conformação do sistema político, das relações sociais e da própria ordem jurídica.”

Da lição do autor, tem-se a Constituição como a lei básica do Estado, diante de uma perspectiva jurídica, bem como o instrumento ordenador e conformador da vida social, diante da basilar igualdade fundamental.

Nesse sentido, o direito à saúde surge, na Constituição Federal de 1988, insculpido no caput do art. 6º,(4) como direito social, a ser realizado na forma estabelecida pela Carta Magna. Da mesma forma, a Constituição Federal, em seu art. 23, II,(5) eleva a dever dos entes políticos o zelo para com a saúde e a assistência pública. A distribuição da competência administrativa pelo legislador constituinte grava, ainda, no art. 30, VII,(6) da Constituição, como de competência dos municípios, prestar, inclusive com a cooperação da União e dos estados, serviços de atendimento à saúde da população.

Igualmente, é importante enfatizar a possibilidade de intervenção da União no estado, bem como a possibilidade de intervenção deste nos municípios, em razão da inobservância dos limites de receita a serem aplicados na área da saúde, consoante se denota da leitura dos arts. 34, VII, e,(7) bem como 35, III.(8)

Por fim, o direito à saúde, dada a sua importância, encontra-se insculpido em título próprio da Constituição Federal. O art. 196(9) da Carta Magna de 1988 termina por elevar o direito em tela a direito de todos os cidadãos, novamente sobre a premissa de ser verdadeiro dever do Estado os ditames da política, bem como os mecanismos prestacionais.

No que tange à norma insculpida no art. 196 da Constituição Federal, são importantes os dizeres de José Afonso da Silva(10):

“A norma do art. 196 é perfeita, porque estabelece explicitamente uma relação jurídica constitucional em que, de um lado, acham-se o direito que ela confere, pela cláusula ‘a saúde é direito de todos’, assim como os sujeitos desse direito, expressos pelo signo ‘todos’, que é signo de universalização, mas com destinação precisa aos brasileiros e aos estrangeiros residentes – aliás, a norma reforça esse sentido ao prever o acesso universal e igualitário às ações e aos serviços de saúde –, e, de outro lado, a obrigação correspondente, na cláusula ‘a saúde é dever do Estado’, compreendendo aqui a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios, que podem cumprir o dever diretamente ou por via de entidade da administração indireta. O dever se cumpre pelas prestações de saúde, que, por sua vez, se concretizam mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução dos riscos de doença e de outros agravos – políticas essas que, por seu turno, se efetivam pela execução de ações e serviços de saúde, não apenas visando à cura de doenças.”

Das palavras do autor, pode-se depreender o direito à saúde a partir de duas vertentes: a primeira, de natureza negativa, que se apresenta na possibilidade de o cidadão exigir do Estado, ou mesmo de terceiros, que se abstenham de qualquer ação ou omissão nociva à saúde; a segunda, de natureza positiva, que consiste no direito às medidas de prestações por parte do Estado objetivando a prevenção de doenças, bem como o seu tratamento.

Nesse ponto, no que concordamos com os dizeres de José Afonso da Silva,(11) o direito fundamental à saúde perante a norma positivada reside no direito à medicina preventiva, não se limitando à oferta e à demanda da medicina curativa.

Assim sendo, o direito fundamental à saúde apresenta-se, perante a Constituição Federal de 1988, não como uma norma meramente programática, mas como norma constitucional a ser aplicável pelo legislador,(12) sob pena de omissão inconstitucional.(13)

A Constituição Federal de 1988 tratou de erigir o direito à saúde como condição de direito fundamental, partindo do pressuposto de que o direito igual à vida comum a todos os seres humanos significa, ademais, que também nos casos de doença os cidadãos possuem direito a tratamento condigno, custeado e desenvolvido pelo Estado. Trata-se de norma constitucional à qual o legislador – União, estado ou município – possui o dever de dar máxima eficácia. Nesse viés, as palavras de Claudinei J. Göttems(14):

“Tendo o Poder Constituinte traçado os parâmetros para a efetividade da inclusão social, fixado como paradigma maior a dignidade da pessoa humana, é incumbência do poder estatal, representado pelo Executivo, pelo Legislativo e pelo Judiciário, a adoção de políticas públicas que assegurem a efetividade normativa da Constituição.”

O autor, dentro da posição exarada por José Afonso da Silva, firma como direito do cidadão exigir do Estado a prestação da saúde, sob a forma de política pública adequada, no que prossegue(15):

“Não pode, a toda evidência, porém, a sociedade permanecer à espera de vontade política para a criação de leis e a adoção de práticas que executem os comandos constitucionais. Diante da omissão legislativa ou executiva para a adoção de políticas, emerge, extraordinariamente, ao Judiciário a função de assegurar, por meio da justiciabilidade de políticas públicas, a implementação de políticas públicas que concretizem os ditames constitucionais. A jurisdição constitucional, então, traduz-se em mecanismo de relevância ímpar para garantir a tutela dos direitos fundamentais quando o Estado, por meio do Poder Executivo ou Legislativo, deixar de observar a imposição normativa constitucional, não implementando os mecanismos que efetivem aludidos direitos na forma pretendida constitucionalmente.”

A função garantidora do Estado, no que concerne ao direito fundamental à saúde, assume primordial importância, perante os ditames que emanam da Constituição Federal, senão vejamos.

1.2 O Estado garantidor da saúde

Em conexão ao argumento aqui já dissertado por nós, tem-se que o direito à saúde possui laço precípuo com o direito fundamental à vida, sendo aquele verdadeiro sistema menor, dentro deste, em uma concepção de um sistema maior de direitos e valores.

A partir da determinação constitucional insculpida no aludido art. 196, o direito à saúde encontra face prestacional pelo Estado sob a perspectiva de condicionantes jurídico-axiológicas.(16) Trata-se de verdadeiro direito primário por excelência,(17) a partir do qual derivam a plenitude dos demais direitos fundamentais.

Nesse sentido, são importantes as palavras de Ingo Wolfgang Sarlet em estudo realizado em conjunto com Carlos Alberto Molinaro(18):

“Trata-se de um direito que, para além dessa característica de condição de possibilidade do exercício pleno dos demais direitos, traz em seu bojo, pela sua estrutura normativa e possibilidade eficacial, a noção de transcendentalidade, no sentido de que a mera proteção nacional, isolada, sem a devida cooperação inter-regional e internacional, não se torna suficiente para sua efetiva concretização. O direito à saúde assume, pelo menos, três dimensões quanto às ações e às prestações que compõem seu conteúdo, isto é, a curativa, a preventiva e a promocional. Essas dimensões têm o condão de abranger tanto o aspecto ‘negativo’ do direito à saúde, consubstanciado na noção de respeito e proteção, quanto o lado promocional e positivo relacionado à ideia de qualidade de vida.”

Do estudo acima explicitado, resta a noção de que o direito à saúde não resta limitado, tão somente, aos serviços de saúde. Seu conceito abrange todos aqueles fatores que podem afetar a saúde do homem, comportando tanto as condições contextuais que colocam em risco a saúde do indivíduo quanto a necessidade de cuidados médicos. Sobre essas duas dimensões, dialogam os autores, paira o dever prestacional do Estado.

Resta, então, a necessidade de se reconhecer abertamente a titularidade da prestação do direito à saúde, cujo conflito reconhece-se no espaço de delimitação do disposto no art. 196 da Constituição Federal. Nessa senda, é importante referir a audiência pública sobre direito à saúde realizada em abril de 2009, convocada pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal à época, Ministro Gilmar Mendes.

Na audiência pública em questão, o Supremo Tribunal Federal pronunciou-se acerca da questão atinente à responsabilidade solidária das entidades políticas, compreendidas pela União, pelos estados, pelos municípios e pelo Distrito Federal. Nesse viés, as palavras do então Presidente da Corte Constitucional brasileira(19):

“Muitos dos pedidos de suspensão de tutela antecipada, suspensão de segurança e suspensão de liminar fundamentam a ocorrência de lesão à ordem pública na desconsideração, pela decisão judicial, dessa divisão de responsabilidades estabelecidas pela legislação do SUS, alegando que a ação deveria ter sido proposta contra outro ente da Federação.
Não temos dúvida de que o Estado brasileiro é responsável pela prestação dos serviços de saúde. Importa aqui reforçar o entendimento de que cabe à União, aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios agirem em conjunto no cumprimento do mandamento constitucional.
A Constituição incorpora o princípio da lealdade à Federação por parte da União, dos estados e dos municípios no cumprimento de suas tarefas comuns.”

Não é outro, ademais, o posicionamento de Ingo Wolfgang Sarlet e Carlos Alberto Molinaro,(20) defendido em trabalho em conjunto:

“Pode-se dizer também que o próprio art. 196 da CF estabeleceria uma obrigação para o Estado em sua acepção genérica, abrangendo todos os entes federados. A repartição de responsabilidades não seria oponível aos cidadãos e às pessoas, a distribuição de atribuições seria meramente administrativa, não podendo limitar o acesso ao direito fundamental à saúde, ou, expressando de outra forma, o indivíduo não deveria ficar preso e impossibilitado ‘em um cipoal de normas legais e infralegais’ que definem a competência; além do mais, a repartição de competências nem sempre seria muito clara.”

Na ocasião do diálogo público com especialistas da área da saúde, o Supremo Tribunal Federal tratou de ressaltar que o direito à saúde verte para verdadeiro direito público subjetivo a políticas públicas que promovam, protejam e recuperem a saúde(21) por parte do cidadão.

Ademais, tem-se o posicionamento cristalino do Supremo Tribunal Federal, em fala que se tornou de observância quiçá pétrea pela jurisprudência dos tribunais ad quo, no sentido de que as ações e os serviços de saúde possuem envergadura e relevância públicas, tal que integram verdadeira rede regionalizada e hierarquizada, observado o critério de subsidiariedade, constituindo verdadeiro sistema único.

Sobre a caracterização do sistema único em foco, são importantes as palavras de José Afonso da Silva(22):

“O sistema único de saúde, integrado de uma rede regionalizada e hierarquizada de ações e serviços de saúde, constitui o meio pelo qual o poder público cumpre seu dever na relação jurídica de saúde que tem no polo ativo qualquer pessoa e a comunidade, já que o direito à promoção e à proteção da saúde é também um direito coletivo. O sistema único de saúde implica ações e serviços federais, estaduais, distritais (DF) e municipais, regendo-se pelos princípios da descentralização, com direção única em cada esfera de governo, do atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, e da participação da comunidade, que confirma o seu caráter de direito social e pessoal, de um lado, e de direito social e coletivo, de outro.”

Nessa senda, tem-se que as ações e os serviços de saúde, consagrados, conforme dissemos, como de relevância pública, ficam sujeitos à regulamentação, à fiscalização e ao controle do poder público, conforme a lei, sendo deste o dever de executá-los, diretamente ou sob a forma de delegação a terceiros.

Contudo, por diversas ocasiões o poder público apresenta verdadeiras inadequações no trato do seu dever prestacional no que tange às ações e aos serviços de saúde. Tais inadequações apresentam-se, por vezes, como verdadeira omissão do dever previsto no art. 196 da Carta Magna de 1988. Essa omissão passa a ser objeto do item subsequente do presente trabalho.

1.3 Da omissão do Estado ao dever prestacional

A Constituição Federal protege vários direitos dos cidadãos por meio de verdadeiras ações governamentais, sendo objeto deste trabalho o direito à saúde. Cabe ao Estado, por dever constitucional positivado no já referido art. 196 da Constituição, garantir o direito à saúde a todos os cidadãos em prestações positivas e negativas.

Dessa forma, os administradores públicos, ao elaborarem as leis orçamentárias, deverão eleger as prioridades a serem atendidas por meio das políticas públicas, destacando-se, dentre elas, por sua relevância, o direito fundamental à saúde.

Diante da importância de se conceituar o que são políticas públicas para o fim de nos posicionarmos, adiante, sobre a omissão do Estado para com elas, valemo-nos das palavras de Carolina de Freitas Paladino,(23) que assim aduz:

“(...) resumem-se as políticas públicas na implementação, pelo Estado, de planos de governo, mediante programas, e também de ações voltadas aos interesses dos cidadãos visando atender setores específicos da sociedade.
Assim sendo, o administrador ficará responsável pela implementação das políticas públicas, as quais, por sua vez, serão realizadas mediante serviços públicos, dentre outros. Não por outra razão, é possível sustentar que existe uma necessidade de atuação do Estado em diversas atividades, uma vez que os cidadãos não são capazes de prover todos os recursos que garantam habitação, emprego, política salarial, transporte, saúde, previdência, educação. Por isso, existe uma expectativa do cidadão frente ao Estado, o que nem sempre corresponde à realidade.”

É importante referir, a partir do conceito trazido à baila, que as escolhas no âmbito das políticas públicas não representam, por simetria, necessariamente, discricionariedade administrativa(24) em seu conceito puro, visto que tais se encontram delimitadas pela incidência de normas jurídico-constitucionais. Contudo, a problemática reside na prestação das políticas públicas ora posicionadas perante a realidade e, principalmente, a necessidade dos cidadãos, bem como na omissão do Estado perante o dever ora personificado.

Fato é que a omissão do ente estatal em prestar saúde a todos os cidadãos termina por eclodir na judicialização da matéria, retirando seu substrato político administrativo e migrando para área do direito, a partir da necessidade da afirmação da constitucionalização do dever prestacional. Nesse sentido, Luiz Roberto Barroso lembra que constitucionalizar é tirar uma matéria da política e trazê-la para dentro do Direito.(25)

Perante a omissão do Estado ante seu dever prestacional, o Poder Judiciário vê-se obrigado, por provocação das partes regozijantes, a apreciar as demandas oriundas da área da saúde e, nessa senda, deferir a efetiva prestação. Novamente, são importantes as palavras de Luiz Roberto Barroso,(26) no que tange à judicialização estanque:

“E, portanto, existem prestações que o Judiciário não pode negar-se a apreciar – e é muito bom que seja assim. Porém, a judicialização tem uma óbvia faceta negativa. É que, na medida em que uma matéria precise ser resolvida mediante uma demanda judicial, é sinal de que ela não pôde ser atendida administrativamente; é sinal de que ela não pôde ser atendida pelo modo natural de atendimento das demandas, que é por via de soluções legislativas, soluções administrativas e soluções negociadas. A faceta positiva é que, quando alguém tem um direito fundamental e esse direito não foi observado, é muito bom poder ir ao Poder Judiciário e merecer esta tutela.”

As palavras do ilustre jurista abrem a necessidade da discussão acerca da judicialização como matiz da legitimidade democrática do Poder Judiciário, permitindo, ainda, a discussão acerca da existência de violação ao princípio da separação dos poderes no processo interventivo que se alinha, premissas essas que trabalharemos nos itens que seguem.

2 A judicialização do direito à saúde

2.1 Da intervenção do Poder Judiciário no Poder Executivo ante a omissão do dever prestacional

Ideia – ou ideal, diga-se – consagrado no art. 2º(27) da Constituição Federal, bem como em previsão simétrica no art. 10(28) da Constituição Estadual do Rio Grande do Sul, o princípio da separação de poderes contrapõe a possibilidade de que uma intervenção do Poder Judiciário possa ocorrer no âmago decisório do Poder Executivo.

Justamente, tal postulado encontra-se consolidado na clássica obra de Montesquieu, Do espírito das leis, que postou os alicerces do que viria a se tornar a teoria da separação dos poderes. Trata-se da evolução do pensamento de que os poderes não poderiam concentrar-se nas mãos de um único indivíduo. Segundo Montesquieu(29):

“Não haverá também liberdade se o poder de julgar não estiver separado do poder legislativo e do poder executivo. Se estivesse ligado ao poder legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário, pois o juiz seria legislador. Se estivesse ligado ao poder executivo, o juiz poderia ter a força de um opressor.”

A teoria clássica da separação de poderes ora em tela, idealizada por Montesquieu, encontrou sua evolução, a partir do século XVII, com o pensamento de John Locke. A modernização da teoria proposta por Locke encontrou seu auge na doutrina da constituição mista, perfectibilizada no pensamento dos checks and balances, ou freios e contrapesos. Acerca da evolução ora comentada, as palavras de Ramon Fagundes Botelho(30):

“Baseado na realidade inglesa do tempo, Locke formulou a primeira construção sistemática de uma teoria da separação de poderes, dividindo-os em Legislativo, Executivo e Federativo. Ao primeiro competiria elaborar as leis que disciplinariam o uso da força na comunidade civil; ao segundo, aplicar as leis aos membros da comunidade; e ao terceiro, o desempenho da função de relacionamento com outros Estados. Não aparece, na obra do autor, o Poder Judiciário como corpo independente dos demais.”

Com o advento da Constituição Federal brasileira de 1988, ocorreu a positivação de uma estrutura institucional de poderes. A estrutura esboçada prevê a independência dos poderes no que concerne ao exercício de suas funções típicas. Contudo, a Carta Magna de 1988 também esboçou atribuições ou funções atípicas a cada um dos poderes, de forma a garantir o controle recíproco quanto ao indício de violação às normas contidas em seu núcleo rígido.

O conjunto de atribuições atípicas ordenadas pela Constituição Federal terminou por possibilitar a estruturação da expressão checks and balances, já referida por nós como sistema de freios e contrapesos. Nesse viés, tem-se que o poder constituinte originário brasileiro optou pela adoção da teoria da tripartição de poderes proposta por Montesquieu, contudo, de forma abrandada, na medida em que permite a intervenção de um poder sobre o outro sob a forma de controle dos atos.

Acerca do abrandamento da teoria de Montesquieu e da possibilidade da realização do controle dos atos de um poder pelo outro, são importantes os dizeres de Dalmo de Abreu Dallari(31):

“O sistema de separação de poderes, consagrado nas Constituições de quase todo o mundo, foi associado à ideia de Estado Democrático e deu origem a uma engenhosa construção doutrinária, conhecida como sistema de freios e contrapesos. Segundo essa teoria, os atos que o Estado pratica podem ser de duas espécies: ou são atos gerais, ou são atos especiais. Os atos gerais, que só podem ser praticados pelo poder legislativo, constituem-se na emissão de regras gerais e abstratas, não se sabendo, no momento de serem emitidas, a quem elas irão atingir. Dessa forma, o poder legislativo, que só pratica atos gerais, não atua concretamente na vida social, não tendo meios para cometer abusos de poder nem para beneficiar ou prejudicar uma pessoa ou um grupo em particular. Só depois de emitida a norma geral é que se abre a possibilidade de atuação do poder executivo, por meio de atos especiais. O executivo dispõe de meios concretos para agir, mas está igualmente impossibilitado de atuar discricionariamente, porque todos os seus atos estão limitados pelos atos gerais praticados pelo poder legislativo. E se houver exorbitância de qualquer dos poderes, surge a ação fiscalizadora do poder judiciário, obrigando cada um a permanecer nos limites de sua respectiva esfera de competência.”

Das palavras do ilustre autor, tem-se que os atos ditos especiais do Poder Executivo, decorrentes dos atos gerais abstratos expedidos pelo Poder Legislativo, não poderão exorbitar do seu limite legal. Diante da inobservância de tal imperativo, seja pela ação, seja pela omissão estatal, resta consagrada na Constituição Federal a possibilidade da ação fiscalizadora – por nós tratada, no presente trabalho, como forma de intervenção – do Poder Judiciário.

Com o viés ora proposto, no qual nos filiamos, aproximamo-nos da noção realçada por J. J. Gomes Canotilho,(32) no que diz respeito ao princípio da separação de poderes. Salienta o autor acerca do princípio em tela:

“A constitucionalística mais recente salienta que o princípio da separação de poderes transporta duas dimensões complementares: (1) a separação como divisão, controle e limite do poder (dimensão negativa); (2) a separação como constitucionalização, ordenação e organização do poder do Estado tendente a decisões funcionalmente eficazes e materialmente justas (dimensão positiva).”

Conforme lição de Canotilho, o sentido referido no item 1 diz respeito à ideia de divisão de poderes, que, por sua vez, traduz forma e meio de limite do respectivo poder (divisão de poderes e seu correlato balanço), atuando como verdadeira garantia individual do cidadão. Já no que tange ao item 2 aludido por Canotilho, tem-se o princípio da separação de poderes, na qualidade de princípio positivo ordenando as funções do Estado, como esquema racional de competências, deveres e responsabilidades.

É importante frisar o final da lição de Canotilho,(33) que afirma que, na perspectiva ora apresentada, separação ou divisão de poderes significa responsabilidade pelo exercício de um poder.

Dessa forma, é possível vislumbrar que a omissão do Estado, perante seu dever prestacional, no que tange à área da saúde, termina por implicar verdadeira inobservância de sua competência e de seu dever, possibilitando a intervenção do Poder Judiciário na esfera administrativa.

A atuação ora aventada sagra-se na ideia de que a primazia – e a eficácia – efetiva das normas constitucionais é fato jurídico que deve postar-se além de mera expectativa de repartições de funções e competências entre o Poder Legislativo e o Executivo. Trata-se de garantir aos direitos individuais a eficácia plena de sua realização.

Nesse sentido, são importantes as palavras iniciais de Ramon Fagundes Botelho,(34) no que concerne à necessidade do ativismo judicial diante da omissão da atuação estatal:

“Tudo isso demonstra que, se a função judicial de controle dos atos legislativos é acometida aos juízes, que observam sua disciplina intelectual e moral, então a ‘revisão judicial não será ameaça à separação de poderes e ao império da lei, mas sua garantia’.”

Trata-se, consoante as palavras acima declaradas, de aventar a possibilidade de o juiz assumir o papel de garantidor da unidade da eficácia do sistema jurídico e das garantias fundamentais sociais, como forma de concretização da norma. Tais fatores serão melhor depurados no item seguinte da nossa pesquisa.

2.2 Da judicialização do conflito

Estabelecida a necessidade de intervenção judicial a fim de possibilitar a aplicação prática e direta dos preceitos fundamentais oriundos da Constituição, sempre no sentido de resguardar ou preservar o mínimo existencial, esse como parâmetro da dignidade da pessoa humana, a discussão a respeito da judicialização do conflito ocasionado pela omissão estatal é cercada de pontos polêmicos e controversos.

Primeiramente, é importante referir que os direitos sociais são justiciáveis, ou seja, assim como os outros direitos fundamentais, poderão ser objeto de ação perante o Poder Judiciário no sentido de tornar a sua execução plenamente viável perante a Administração Pública que se omite.

Feita tal colocação, importa identificar como um dos pontos de ampla polêmica a forma como poderá ocorrer o controle judicial das políticas públicas e, dentre elas, a atinente à área da saúde. Nesse sentido, novamente as palavras de Ramon Fagundes Botelho(35):

“Grande parte da doutrina, favorável à justiciabilidade dos direitos sociais, tece seus argumentos até o momento da aplicação prática da decisão do juiz e, após, remete o problema à ponderação no caso concreto, em conjugação com o auxílio de outras ciências empíricas ou não.”

O cerne da polêmica reside em saber até onde pode o Poder Judiciário agir para implementar as políticas públicas sem que, com isso, esteja invadindo a esfera dos demais poderes. Desse entrave decorre outro, qual seja, descobrir uma solução intermediária que atenda aos parâmetros da proporcionalidade e da razoabilidade.

É importante, de pronto, estabelecer que não resta incluso nas funções típicas e atípicas do Poder Judiciário implementar políticas públicas, visto que tal domínio é, de forma típica, do Poder Executivo e, de forma atípica – e, por que não, colateral –, do Poder Legislativo.

Todavia, é igualmente importante estabelecer como premissa típica do Poder Judiciário o controle de validade da norma e dos atos administrativos que a acompanham. Tal não implica afirmar, por simetria, poder de controle sobre as políticas governamentais, frisa-se.

O juízo de validade das políticas públicas governamentais, ressalta-se, não se confunde com o juízo de validade das normas jurídicas e dos seus atos, pois uma lei editada, cujo objeto é a execução de uma política pública, poderá ser declarada inconstitucional, sem que a política o seja.

Por outro lado, uma determinada política pública governamental poderá ser julgada incompatível com as diretrizes traçadas pela Constituição para a atuação do Estado, sem que a norma que a regulamenta, bem como os atos administrativos dela oriundos, sejam declarados inconstitucionais.

Ainda, importante aspecto a ser considerado, no que tange à judicialização do conflito emergente, diz respeito aos reflexos da decisão judicial na conjuntura socioeconômica do país. Veja-se que a determinação judicial implica a execução imediata de uma política pública na área da saúde (v.g., concessão de remédios, disponibilização de leito, realização de cirurgia pelo Sistema Único de Saúde – SUS), prescindindo-se da ampla discussão que reveste tal ato.

Tal intervenção implica, ademais, consequências no conjunto conceituado pela doutrina administrativista como mérito administrativo, este referendado, também, como espaço de conveniência e oportunidade. Acerca da intervenção do Poder Judiciário no espaço de mérito administrativo, pertinente ao Poder Executivo, tal perspectiva será melhor depurada no capítulo 3 do presente trabalho.

Ainda, cumpre salientar, perante a repercussão dos efeitos da intervenção do Poder Judiciário que implica execução de determinada política pública pelo Poder Executivo, que uma possível solução aos óbices comumente alegados por este para a não execução seria a fixação de prazo razoável para adequação da lei orçamentária, ato esse proposto perante o Poder Legislativo. Nesse ponto, um projeto de lei orçamentária, partindo do Executivo, visando à previsão de recursos destinados a suprir a ausência da política pública na área da saúde, passíveis estes de remanejo, perante a ordem judicial, poderia evitar o despreparo da Administração em atender as demandas nesse importante segmento da coletividade.

Perceba-se que o Poder Judiciário resta investido do poder-dever de aplicar imediatamente as normas definidoras de direitos e garantias fundamentais, assegurando sua plena eficácia. Nesse sentido, a falta de concretização de determinada política pública na área da saúde, seja por inexistência de norma autorizadora, seja pela omissão do Poder Executivo, não poderá constituir-se em barreira aos juízes e aos tribunais.

Veja-se que o art. 5º, § 1º,(36) da Constituição Federal impõe ao Judiciário a obrigação de assegurar a plena eficácia dos direitos prestacionais emergentes, autorizando esse poder, inclusive, a remover eventuais lacunas consequentes da falta de concretização. Todavia, é importante que se observem limites. Acerca do exposto, as palavras de Ingo Wolfgang Sarlet(37):

“Que o Judiciário possa (e deva) viabilizar a fruição dos direitos fundamentais mediante o preenchimento das lacunas existentes pode ser aceito em diversas hipóteses e até mesmo como regra geral, o que não significa a inexistência de limites a essa atividade, que não podem ser desconsiderados. Ainda que se pudesse argumentar que a remoção de lacunas pelos órgãos judiciários em todos os casos concretos é, ao menos em tese, sempre possível, inexistindo qualquer afronta ao princípio da separação de poderes, há certas barreiras que impedem se possa acolher de forma absoluta a solução proposta.”

No que diz respeito às “barreiras” à concretização dos direitos sociais prestacionais aduzidas pelo autor, têm-se os limites da teoria da reserva do possível, bem como a falta de qualificação e mesmo de legitimação de competência dos tribunais para a implementação de determinadas políticas públicas, e, ainda, os limites impostos pela discricionariedade administrativa, oriunda da autonomia do Poder Executivo.

Tais barreiras acima relacionadas serão mais bem estruturadas no capítulo 3 do presente trabalho. Todavia, faz-se necessária a análise do ativismo judicial em si, perante o princípio insculpido no art. 2º da Carta Magna de 1988, o que passamos, agora, a desenvolver.

2.3 O ativismo judicial e o princípio da separação de poderes

Precipuamente, convém frisar que os direitos prestacionais pressupõem que seja criada ou posta à disposição a prestação que caracteriza o seu objeto, o que, na área da saúde, poderá implicar desde a disponibilização de leitos até a concessão de medicamentos à população, por meio do Sistema Único de Saúde – SUS.

Aproveitando a introdução ora exposta, entendemos que o cerne deste trabalho reside, justamente, em detectar se o ativismo judicial na área das políticas públicas provoca a violação ao princípio da separação de poderes, o que implica violação a princípio basilar previsto na Carta Magna de 1988. Assim, tem-se que a definição do objeto dos direitos prestacionais poderá contribuir para a resposta conclusiva do problema ora enfrentado. Entretanto, definir o objeto dos direitos sociais prestacionais é problemática abrangente e dificultosa enfrentada por doutrina altamente balizada.

Sobre a problemática em tela, as palavras de Ingo Wolfgang Sarlet(38):

“Ressalta-se, neste contexto, que o objeto dos direitos sociais a prestações (em última análise, o conteúdo da prestação) dificilmente poderá ser estabelecido e definido de forma geral e abstrata, necessitando de análise calcada nas circunstâncias específicas de cada direito fundamental que se enquadre no grupo ora em exame.”

Veja-se que o autor refere a necessidade de que os direitos sociais prestacionais tenham seu objeto delimitado e concretizado caso a caso, conforme apreciação do Poder Judiciário, haja vista a multiplicidade de opções que se identifica no grupo ora relacionado.

Nesse viés, é importante salientar que o ativismo judicial na área da política pública de saúde – objeto ora debatido – deverá ater-se aos limites do objeto posto à apreciação e, ainda, à razoabilidade e à proporcionalidade exigidas pela demanda. Sobre o tema versado, são importantes os dizeres de Ada Pelegrini Grinover, citando Joaquim J. Gomes Canotilho(39):

“O campo de aplicação mais importante do princípio da proporcionalidade é o da restrição de direitos, liberdades e garantias por atos dos poderes públicos. No entanto, o domínio lógico de aplicação do princípio da proporcionalidade estende-se aos conflitos de bens jurídicos de qualquer espécie. Assim, por exemplo, pode fazer-se apelo ao princípio no campo da relação entre a pena e a culpa no direito criminal. Também é admissível o recurso ao princípio no âmbito dos direitos a prestações. É, por exemplo, o que se passa quando se trata de saber se uma subvenção é apropriada e se os fins visados por meio de sua atribuição não poderiam ser alcançados por meio de subvenções mais reduzidas.”

Trata-se, segundo a lição exposta pela autora e endossada pelo ilustre constitucionalista luso, de limitar o ativismo judicial, ainda que oriundo de demanda social prestacional. Dessa forma, o Poder Judiciário encontra-se atrelado à observância do estritamente proporcional e do devidamente razoável, no que diz respeito à implementação de políticas públicas, visto que se encontra diante de sólido conflito de bens, pois tem, de um lado, a Administração Pública, representante da coletividade, e, de outro, o indivíduo, requerente da prestação social.

Queremos, com a presente explanação, tentar caracterizar o que a doutrina classifica como “excesso”, e que, para o presente trabalho, implica violação ao princípio da separação de poderes, pois constitui verdadeira invasão desarrazoada na esfera administrativa do Poder Executivo. Novamente, para tanto, nos valemos das palavras de Ada Pelegrini Grinover(40):

“Tome-se o exemplo da saúde: uma política pública razoável (e, portanto, adequada) deve propiciar o atendimento do maior número de pessoas com o mesmo volume de recursos. Merecem críticas, portanto – por não atender ao requisito da razoabilidade –, alguns julgados, em demandas individuais, que concedem ao autor tratamentos caríssimos no exterior, ou a aquisição de remédios experimentais que sequer foram liberados no Brasil. Não se trata, nesses casos, de corrigir uma política pública de saúde que esteja equivocada. E não se pode onerar o erário público, sem observância da reserva do possível.”

O exemplo acima exposto pela autora é essencial para que se estabeleça a exata distinção entre situação ensejadora de firme atuação judicial e situação em que existe extrapolação do limite razoável, inclusive com dano ao erário público. Veja-se, a título de exemplo, que a concessão em demanda judicial de direito a remédio experimental que sequer foi testado ou liberado no Brasil pela Anvisa não significa justiciabilidade dos direitos prestacionais, mas sim violação ao princípio basilar da indisponibilidade do interesse público. Acerca do princípio em tela, as palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello(41):

“A indisponibilidade dos interesses públicos significa que, sendo interesses qualificados como próprios da coletividade – internos ao setor público –, não se encontram à livre disposição de quem quer que seja, por inapropriáveis. O próprio órgão administrativo que os representa não tem disponibilidade sobre eles, no sentido de que incumbe a ele apenas curá-los.”

Da lição trazida pelo autor administrativista, tem-se que o princípio da indisponibilidade do interesse público é verdadeiro dever do administrador, devendo este dar cumprimento à exata finalidade do ato. Se existe tal dever para o administrador público, inclusive como princípio, entendemos que não poderá o Poder Judiciário intervir, de forma desarrazoada e desproporcional, no momento da implementação de determinada política pública.

A atuação abusiva por parte do Poder Judiciário poderá implicar o enfraquecimento do patrimônio público, bem de todos, bem como prejudicar o planejamento orçamentário como um todo, importando má distribuição de riqueza pública.

Em uma posição curiosa, que termina por complementar a ideia ora aventada, vejam-se os dizeres de Ingo Wolfgang Sarlet, citando José E. Faria(42):

“Assim sendo, é de acolher-se a preciosa lição de José E. Faria, para quem ‘os direitos sociais não configuram um direito de igualdade, baseado em regras de julgamento que implicam um tratamento uniforme; são, isto sim, um direito das preferências e das desigualdades, ou seja, um direito discriminatório com propósitos compensatórios’.”

O viés ora exposto refere os direitos sociais prestacionais como direito compensatório. Ocorre que, se assumida tal perspectiva, teremos ainda mais em vista a responsabilidade do Poder Judiciário na implementação de determinada política pública na área da saúde. Veja-se que, se a intenção, no parâmetro exposto, é compensar, e não igualar, o limite da indisponibilidade do interesse público, em nossa perspectiva, torna-se ainda mais rígido, na medida em que parcela da população irá usufruir de prestação social que a outra será negada.

Assim, os princípios antes capitulados por Ada Pelegrini Grinover adquirem ainda mais relevância, na medida em que limitam a atuação do Poder Judiciário, perante uma atuação que, na posição antes referida, é compensatória.

Cumpre, contudo, referir que o que se quer é afirmar o viés de igualdade, por meio da compensação, quando no trato de direitos sociais prestacionais. E, sendo assim, a essa posição nos filiamos, entendendo que o ativismo judicial deverá ser limitado, visto que a atuação desgarrada poderá implicar violação ao texto constitucional.

Haja vista a importância dos limites ora debatidos, passamos, definitivamente, à sua explanação, e, ao final, desencadeados os atos, restamos perante a conclusão do presente trabalho.

3 Dos limites à justiciabilidade dos direitos sociais: o ativismo intervencionista judicial perante o princípio da separação de poderes

3.1 A autonomia administrativa: conveniência e oportunidade nas políticas públicas de saúde

Partindo da perspectiva de que os direitos fundamentais sociais prestacionais estão configurados nas normas definidoras constitucionais, que, por si, geram direitos subjetivos, o dever da Administração perante a sua implementação resta perfectibilizado em duas vertentes, a saber: a) a criação de condições para a sua materialização, por meio de normas legislativas e decretos executivos; b) o fornecimento direto dos bens materiais objeto dos direitos sociais prestacionais.

Sendo assim, a Administração Pública deverá realizar os direitos sociais prestacionais pela criação de instituições cuja competência será, por definição legal, a entrega à população de bens materiais nas áreas da saúde, da assistência e da educação.

Nesse viés, os programas de ação do Poder Executivo são o verdadeiro instrumento de que se vale a Administração Pública para concretizar os direitos fundamentais insculpidos na Carta Magna de 1988, neste trabalho, com foco na área da saúde. Acerca dos programas de ação, as palavras de Maria do Socorro Azevedo de Queiroz(43):

“Os programas de ação executivos são vistos como os melhores meios, porque os direitos fundamentais sociais prestacionais têm como núcleo a redução das desigualdades sociais e a concepção de vida digna para todos, devendo atender ao maior número de pessoas em situação de necessidade de atenção estatal e social.”

Diante do dever de materialização do dever fundamental à saúde, a Administração Pública encontra-se perante verdadeiro estreitamento do seu espaço discricionário, ou núcleo básico de escolha, no que concerne à sua atuação. Na visão de Maria do Socorro Azevedo de Queiroz(44):

“A Administração Pública não possui um espaço de livre atuação quanto à escolha de opções oportunas e convenientes, imune ao controle judicial, não podendo agir ou deixar de agir na realização desses direitos sob o amparo de um poder discricionário, ante a falta de definição do conteúdo pelas normas que expressam tais direitos.”

Ainda sob a perspectiva da autora acima relacionada, a ação discricionária deve estar pautada na busca da melhor realização dos direitos fundamentais prestacionais, o que implica afirmar que uma atuação que não observe tal dever terá como reflexo o desvio de finalidade e, consequentemente, a contaminação por vício de constitucionalidade.

No que diz respeito ao ato administrativo discricionário, é importante a lição de Juarez Freitas(45):

“O ato administrativo discricionário é aquele em que há margem de liberdade para a escolha de consequências (válidas prima facie), segundo espaço decisório conferido pela lei e nos limites do sistema. Portanto, somente será legítimo o ato discricionário se guardar vinculação à lei (atribuidora da liberdade de escolha) e vinculação ao sistema (conformadora da liberdade).”

Da lição do autor, fica que não mais o ordenamento jurídico admite a prática de atos administrativos exclusivamente políticos, visto que o administrador público encontra-se vinculado aos motivos que a Constituição Federal oferta. Esta, por tratar o direito à saúde como verdadeiro dever prestacional da Administração Pública, não poderá ter a sua implementação vinculada apenas à vontade política dos agentes públicos.

Tal não importa negar, como já dito anteriormente, o clássico conceito de ato administrativo discricionário, na concepção do espaço que a Administração encontra na lei para definir o objeto e o motivo do ato administrativo, conforme a sua conveniência e a sua oportunidade. Todavia, tem-se que a liberdade administrativa deverá observar o cumprimento rigoroso do dever constitucional emergente no que diz respeito à efetiva prestação dos direitos fundamentais.

Sendo assim, tem-se que, no que diz respeito ao espaço discricionário, os elementos ou requisitos que o formam (motivo e objeto) restam limitados pela finalidade do ato, qual seja, o interesse público. Veja-se que, se os elementos motivo e objeto restam limitados pela finalidade do ato (interesse público), tais elementos encontram-se vinculados à norma (legalidade estrita), bem como à realização do interesse público previsto na norma (critério de legitimidade).

O dever de atuar conforme a Constituição Federal, no que tange ao dever prestacional de saúde, termina por restringir o poder de agir de forma discricionária sem observância dos limites traçados. Assim, a discricionariedade que ora se aventa será avaliada e controlada diante das situações concretas em que a Administração terá que escolher de forma oportuna e conveniente.

Diante do exposto, tem-se a conclusão de que nenhum mérito administrativo é insindicável, ou seja, livre de apreciação judicial. Veja-se que o mérito administrativo consiste em satisfazer o interesse público, como finalidade única e inexcusável. Se essa escolha, operada pela Administração, mantiver-se dentro dos preâmbulos de proporcionalidade e razoabilidade e, principalmente, respeitosa ao princípio da dignidade da pessoa humana, seu mérito não sofrerá flagelo pela sindicabilidade.

Fica, então, a noção de que o mérito administrativo, ou seu espaço de discricionariedade, está sempre circunscrito aos limites da legalidade, sendo que, nesse aspecto, restará qualificado pela insindicabilidade. Sobre o tema em fomento, novamente as palavras de Maria do Socorro Azevedo de Queiroz, em citação a Marcos Maselli Gouvêa(46):

“Dentro destes limites, por definição, o mérito é insindicável. A extravasão do exercício regular da discrionariedade, porém, desfigura o mérito, tornando o ato susceptível de controle judicial.”

Da lição conjugada dos autores, fica que o mérito – chamado por ambos de legítimo – consequente da ação discricionária não é sindicável, pois somente aquela decisão que exorbita da ordem jurídica posta explicitamente (legalidade) ou implicitamente (legitimidade) será passível de controle pelo Poder Judiciário.

Para fins de esclarecimento, não estamos aqui a admitir que o mérito administrativo possa sofrer intervenção, no que concerne à implementação de políticas públicas na área da saúde, pelo Poder Judiciário, mas, sim, que o controle de verificação ocorre perante os limites do mérito e da sua adequação com os mandamentos fundamentais.

Assim, se a ideia de discricionariedade está intimamente ligada ao interesse público, tal prisma decorre do momento de constitucionalização dos direitos, estando a atuação da Administração Pública pautada pelo cumprimento dos mandamentos constitucionais. Dessa afirmação fica que a discricionariedade é um exercício vinculado ao atendimento dos direitos fundamentais.

Diante dessa perspectiva, qual seja, a da vinculação da Administração Pública às prioridades fundamentais, tem-se a limitação do espaço de atuação no que diz respeito à efetivação das políticas públicas de saúde, que não poderão ser negadas ao cidadão, tampouco a sua não realização motivada por escusas.

Tendo por perspectiva a noção de que a discricionariedade é verdadeira autorização da norma para que a Administração promova sua integração ao plano fático, conforme critérios de conveniência e oportunidade, entende-se que, na hipótese de omissões administrativas, o Poder Judiciário poderá intervir.

A possibilidade de intervenção do Poder Judiciário solidifica-se na máxima de que não há discricionariedade para promoção da omissão pelo poder público. Nesse sentido, tem-se que a não ação discricionária resulta em verdadeira omissão inconstitucional, pois o que emana da Carta Magna de 1988 é verdadeiro dever de atuação pelo poder público quanto à implementação das políticas públicas de saúde.

A fim de vislumbrar a existência de ilegalidade na omissão administrativa perante a liberdade que emana do juízo de oportunidade e conveniência e, posteriormente, a necessidade de intervenção pelo Poder Judiciário, é importante a análise feita nos próximos itens do presente estudo.

3.2 Teoria da reserva do possível como limitador fático ao ativismo judicial

Partindo da perspectiva de que a discricionariedade, ou espaço de escolha da Administração, é um instrumento pelo qual a Administração Pública alcança o primado máximo da boa administração, no que tange à materialização dos direitos fundamentais prestacionais, aventa-se a problemática de se, diante da falta de recursos orçamentários financeiros, poderá o poder público deixar de agir, e se tal ato omissivo possibilitará a intervenção do Poder Judiciário na esfera administrativa.

O cerne da questão está em saber se, mesmo diante da escassez de recursos financeiros, o administrador público terá mantido intacto seu espaço de discricionariedade. Ou seja, diante do conflito entre direito fundamental prestacional à saúde e teoria da reserva do possível, poderá o administrador usufruir de liberdade para decidir qual a urgência a ser atendida, sacrificando a menor para salvar a maior?

A fim de responder as questões perquiridas no interlúdio deste item que segue, importa repisar o conceito de mérito administrativo e o espaço de discricionariedade que poderá ser sindicável. Primeiramente, tem-se que o conceito de mérito administrativo não significa espaço inviolável, mas sim espaço que poderá ser passível de controle quando estivermos perante razões que exorbitem, como o excesso arbitrário ou a omissão anitjurídica, bem assinaladas por Juarez Freitas.(47)

A discricionariedade administrativa, por sua vez, caracteriza-se da seguinte forma, nas palavras do autor antes referido(48):

“Pode-se, então, entender a discricionariedade administrativa legítima como a competência administrativa (não mera faculdade) de avaliar e de escolher, no plano concreto, as melhores soluções, mediante justificativas válidas, coerentes e consistentes de conveniência ou oportunidade (com razões juridicamente aceitáveis), respeitados os requisitos formais e substanciais para a efetividade do direito fundamental à boa administração pública.”

Nos dizeres de Freitas, resta consagrada a ideia de que a escolha administrativa não é mera faculdade, mas competência administrativa decorrente de dever prestacional, no que concerne ao direito à saúde positivado no art. 196 da Constituição Federal. Sendo assim, como dever constitucional, a omissão do agente administrativo configura verdadeira omissão antijurídica, na medida em que contraria mandamento vivo e pulsante que advém da Constituição Federal.

Ademais, resta conveniente frisarmos, do conceito de discricionariedade para Freitas, que as escolhas da Administração deverão ter justificativas válidas, coerentes e consistentes, o que constitui mais um argumento contra a omissão da Administração perante seu dever prestacional, haja vista implicar antijuridicidade.

Dessa forma, entendemos tênue a linha que separa a omissão antijurídica da justificativa para não prestação pela Administração do direito fundamental à saúde. Nesse sentido, as palavras de Maria do Socorro Azevedo de Queiroz(49):

“Ademais, como já nos posicionamos, a falta de recursos financeiros não é uma impossibilidade para a existência do direito, senão que impossibilidade de cumprimento do direito pelo agente obrigado. Quando o agente público, diante da falta financeira, opta pela realização de um direito em detrimento de outro, deve ponderar a importância da realização de um diante da negação do outro.”

A autora anota que, diante do processo acima descrito, a discricionariedade é o instrumento para se atingir a boa administração, perspectiva essa que implica verificar, diante das possibilidades realmente limitadas apresentadas pelo fato, se a decisão da Administração provoca o sacrifício do bem menor, em proveito de outro bem maior.

A perspectiva anotada remete, novamente, à análise da vinculação do poder público ao mandamento explicitado no art. 196 da Constituição Federal. O dispositivo em questão impõe a ele o dever de realizar o direito fundamental à saúde, implicando a ilicitude do comportamento omissivo. Em contrapartida, a teoria da reserva do possível surge, para a Administração Pública, não como forma de desoneração, mas sim como argumento de que, dentro do razoável e das possibilidades orçamentárias e financeiras, o dever prestacional à saúde está sendo cumprido.

Por um conceito da teoria ora explicitada, são importantes as palavras de Marco Aurélio Nogueira e Ari Timóteo dos Reis Júnior(50):

“Em suma, a reserva do possível se caracteriza pelo seguinte: ao judiciário não é dado, em lides que são postas à sua apreciação, impor ao Estado o cumprimento de prestações positivas que exijam o manejo de recursos públicos, uma vez que tais recursos são limitados, e, portanto, incapazes de atender a todos. Assim, incumbe ao legislador a conformação do modo de condições em que serão aplicados tais recursos, regulamentando as normas constitucionais que preveem os direitos às prestações materiais no sentido das políticas públicas que fixa para o melhor atendimento possível da sociedade como um todo.”

As palavras dos autores assumem relevância e apresentam uma visão da reserva do possível como limitação à intervenção do Poder Judiciário, visto que a este não é dado interferir na gestão financeira do poder público. Enquanto confundido com a figura de Estado, é ele, o poder público, quem detém o poder de decisão – discricionariedade – para aplicação dos recursos públicos.

Tal concepção advém do dever do Estado de distribuir os recursos atinentes à área da saúde, devendo prestar guarida à coletividade, observada a prioridade daquela parcela da população que carece de urgência e necessidade.

Ocorre que, em que pese a argumentação da Administração, por meio da reserva do possível, de que o direito fundamental à saúde não está sendo inobservado, a demanda judicial originada a partir da discussão proposta terminou por sobrecarregar o Poder Judiciário, além de possibilitar questionamentos acerca da existência de interferência de um poder sobre o outro.

Inafastável é o fato de que resta ao Poder Judiciário o encargo de apontar, ao final dos processos, acerca da realização do direito fundamental à saúde. A sobrecarga em tela firma a ideia de que o Poder Judiciário pode – e deve – intervir perante a omissão do Poder Executivo, no que concerne aos direitos fundamentais sociais prestacionais.

Todavia, é importante ressaltar que o exercício do Poder Judiciário diante da necessidade de implementação do direito fundamental à saúde é manifestação de controle, e em hipótese alguma de substituição. Nesse sentido, cabe ao Poder Judiciário a incumbência de examinar o exercício discricionário do Poder Executivo, no que tange à efetivação das políticas públicas de saúde. Acerca do argumento ora exposto, são importantes as palavras de Andréas J. Krell(51):

“As questões ligadas ao cumprimento das tarefas sociais, como a formulação das respectivas políticas, não estão, no Estado Social de Direito, relegadas somente ao Governo e à Administração, mas têm o seu fundamento nas próprias normas constitucionais sobre direitos sociais; a sua não observação pelo Poder Executivo pode e deve ser controlada pelo Poder Judiciário.”

Das palavras do autor, fica a noção de que o princípio da separação dos poderes não pode implicar murada intransponível a fim de proteger as omissões da Administração Pública. Dessa forma, firma-se que o emprego, pelo poder público, da teoria da reserva do possível não se demonstra em argumento sólido para fim de afastar a responsabilidade por omissão perante a obrigação constitucional prestacional.

Acerca do tema em fomento, é importante a posição de Gandini, Barioni e Evangelista de Souza(52):

“Portanto, o argumento da reserva do possível somente deve ser acolhido se o poder público demonstrar suficientemente que a decisão causará mais danos que vantagens à efetivação de direitos fundamentais, o que, em última análise, implica uma ponderação, com base na proporcionalidade em sentido estrito, dos interesses em jogo.”

Do apanhado ora explanado, fica que a reserva do possível como limitação à intervenção do Poder Judiciário não deve prevalecer frente à força do dever prestacional constitucional que emana da Constituição Federal, visto que o legislador constituinte erigiu em seu texto quais os direitos de fundamental importância para o Estado Democrático de Direito. Sendo assim, a negação de prestação do direito à saúde à população configura-se como omissão de viés inconstitucional, haja vista a flagrante ofensa ao texto da Carta Magna de 1988.

3.3 O princípio da separação dos poderes como limite ao ativismo judicial

Por fim, cumpre ao presente trabalho versar acerca do princípio da separação de poderes como limite ao ativismo judicial. A razão ora questionada visa perquirir se o princípio em tela é limitador da atuação do Poder Judiciário perante a omissão do Poder Executivo em garantir saúde a todos, ou se, diante desta, fica o Poder Judiciário obrigado a prestar a devida tutela àqueles que agonizam pela prestação sanitária. Ademais, cumpre verificarmos se há ou não a violação desse importante princípio no momento da atuação do Poder Judiciário nas políticas públicas de saúde.

Precipuamente, tem-se a figura do Poder Judiciário como órgão componente do Estado. Dada a sua competência, não poderá o Poder Judiciário negar o seu dever constitucional de apreciar e julgar as causas postas ao seu juízo, sob pena de lesão ao art. 5º, XXXV,(53) da Constituição Federal. Nesse viés, as palavras de Germano Schwartz(54):

“Dentro desse contexto é que o Poder Judiciário, nas questões sanitárias, deve ter como premissa de atuação a dignidade da pessoa humana e a saúde como bens maiores da população, pois são princípios fundamentais de nossa nação, estabelecidos pelo art. 1º, III, CF/88, com vários desdobramentos/desenvolvimentos no texto constitucional. Essa exegese já vem sendo aplicada por tribunais brasileiros cônscios de sua responsabilidade transformadora/implementadora da realidade e da justiça social, entendendo o princípio da dignidade humana como o fio condutor do texto constitucional.”

O autor em comento firma a exegese moderna dos tribunais, no sentido de que a dignidade da pessoa humana, como princípio fundamental, deve ser interpretada em conjunto com o dever prestacional da saúde como bem fundamental da população. Sendo assim, o Poder Judiciário deverá prestar a devida tutela na área da saúde quando da omissão estatal, sem que isso implique violação ao princípio da separação de poderes. Ocorre que a atuação deverá ser prestacional, sim, mas não invasiva, senão vejamos.

O princípio da separação de poderes apregoa, por si, a proteção, a harmonia e a independência dos poderes como figuras de gestão, componentes de uma mesma ramificação destinada à realização das funções estatais. Tal princípio resta estampado na Carta Magna de 1988, em seu art. 2º, possuindo status de cláusula pétrea, sendo imune a emendas, reformas ou revisões tendentes a aboli-lo.

Acerca do princípio em comento, as palavras de Gilmar Ferreira Mendes(55):

“Inicialmente formulado em sentido forte – até porque assim o exigiam as circunstâncias históricas –, o princípio da separação dos poderes, nos dias atuais, para ser compreendido de modo constitucionalmente adequado, exige temperamentos e ajustes à luz das diferentes realidades constitucionais, em um círculo hermenêutico em que a teoria da constituição e a experiência constitucional mutuamente se completam, se esclarecem e se fecundam.”

A lição do ilustre doutrinador possui notória relevância, no que tange à caracterização do princípio em tela. Contudo, o princípio da separação de poderes sofre, hodiernamente, verdadeira flexibilização, na medida em que o ativismo judicial e a judicialização dos conflitos tornam-se a realidade tangível de nosso Estado. Tal realidade ganha respaldo na doutrina de Gilmar Ferreira Mendes,(56) que notoriamente assim concluiu:

“Nesse contexto de ‘modernização’, esse velho dogma de sabedoria política teve de flexibilizar-se diante da necessidade imperiosa de ceder espaço para a legislação emanada do Poder Executivo, como as nossas medidas provisórias – que são editadas com força de lei –, bem assim para a legislação judicial, fruto da inevitável criatividade de juízes e tribunais, sobretudo das cortes constitucionais, nas quais é frequente a criação de normas de caráter geral, como as chamadas sentenças aditivas proferidas por esses supertribunais em sede de controle de constitucionalidade.”

Sendo assim, pode-se afirmar que o Poder Judiciário possui verdadeiro dever de operar perante a omissão do poder público na entrega da efetiva prestação do dever de saúde, como forma de evitar a ausência de tal serviço à população. Todavia, não se pode corroborar com a posição de que o Poder Judiciário poderá assumir a figura de legislador supremo e sem limites.

No presente caso, o maior óbice a que o Poder Judiciário se torne o legislador, em substituição ao Poder Legislativo e mesmo ao Executivo, segue no postulado da proporcionalidade. Acerca do princípio em questão, são importantes as palavras de Humberto Ávila(57):

“O postulado da proporcionalidade exige que o Poder Legislativo e o Poder Executivo escolham, para a realização de seus fins, meios adequados, necessários e proporcionais. Um meio é adequado se promove o fim. Um meio é necessário se, dentre todos aqueles meios igualmente adequados para promover o fim, for o menos restritivo relativamente aos direitos fundamentais. E um meio é proporcional, em sentido estrito, se as vantagens que promove superam as desvantagens que provoca. A aplicação da proporcionalidade exige a relação de causalidade entre meio e fim, de tal sorte que, adotando-se o meio, promove-se o fim.”

Isto é, perante os casos submetidos a apreciação em que existam conflitos entre direitos fundamentais, consubstanciados, por sua vez, em conflitos entre princípios, o julgador terá que limitar o raio de abrangência de um direito sobre o outro, atentando para o bem maior e o bem menor.

A aferição, no caso concreto, diante do choque de princípios, ou mesmo do limite de atuação dos poderes, reside no posicionamento de importantes questionamentos.

O primeiro desses questionamentos diz respeito a perquirir se existe adequação da medida adotada ou da ação promovida. Isso se encontra perfectibilizado na clássica pergunta: o meio promove o fim?

Por segundo, é oportuno verificar, no que diz respeito ao postulado da proporcionalidade como limitador do ativismo judicial, se, dentre os meios disponíveis e igualmente adequados para promover o fim, estar-se-á a entregar a prestação não cumprida na área da saúde, ou estar-se-ão sacrificando bens de igual importância (v.g., a entrega de leito a um cidadão em situação estável, em detrimento de outro em situação de urgência).

Por fim, cumpre observar se as vantagens trazidas pela promoção do fim – no caso, a atuação – correspondem às desvantagens provocadas pela adoção do meio. Ou seja, se de fato a política pública de saúde é omissa e exige intervenção. Ou, ao contrário, se não está o Poder Judiciário a conceder preferência a um, em relação à coletividade, ao pronunciar determinada tutela judicial.

Em que pese a lição de Humberto Ávila acima exposta não o explicitar, entendemos que ela se aplica ao Poder Judiciário. Assim, resta que a proporcionalidade tanto serve como meio de aferição da validade do direito fundamental à saúde que se está a sacrificar quanto como critério de limitação da atuação do ativismo judicial.

Ocorre que, se o Poder Judiciário ultrapassar seu limite de atuação no que diz respeito à criação de leis ou mesmo de políticas públicas de saúde, ferindo o espaço de mérito do Poder Executivo, estará ele atuando em contrariedade à norma constitucional e violando os princípios da proporcionalidade e, principalmente, no que tange ao presente trabalho, da separação de poderes.

Conclusão

Com o presente trabalho, procuramos questionar a existência de violação ao princípio da separação de poderes, ante a necessidade da intervenção do Poder Judiciário perante o Poder Executivo, como forma de concretizar os efeitos jurídicos da garantia fundamental à saúde no caso concreto.

Assim, partimos da consagração do direito fundamental à saúde, insculpido na Constituição Federal, para então caracterizarmos um conceito de omissão estatal perante o dever prestacional. A partir disso, procuramos interpretar o princípio da separação de poderes, igualmente positivado na Constituição Federal, identificando os limites de atuação do Poder Judiciário perante a crescente judicialização dos conflitos na área da saúde.

De igual forma, identificamos o mérito administrativo como espaço de escolha da Administração Pública, sendo, regra geral, insindicável. Porém, atentamos para o fato de que a discricionariedade administrativa não poderá ser óbice à plena execução dos direitos fundamentais, especialmente no que diz respeito à área da saúde.

Dessa forma, entendemos que existirá intervenção de um poder no outro quando o primeiro interferir no juízo de conveniência e oportunidade do segundo, seja sob a justificativa de concretizar os efeitos de uma garantia constitucional, perante a negativa em fazê-lo, seja para suprir uma omissão.

Contudo, a existência da violação ao princípio da separação de poderes na intervenção do Poder Judiciário no Poder Executivo é questão mais sofisticada e detalhada, especialmente no que concerne à área da saúde, haja vista a necessidade de assegurar o direito fundamental em tela. Neste espaço, entendemos imperar o sacrifício de um primado maior, perante um primado menor. Ou seja, concluímos que a rigidez de um princípio constitucional não poderá ser tanta que impossibilite a concretização de outro.

Assim, entendemos por ressaltar a importância da concretização do direito fundamental à saúde pelo Poder Executivo, em sua figura de Administração Pública, bem como o papel intervencionista do Poder Judiciário em casos de negativa e omissão por parte daquele.

Somos da opinião de que, sob a égide de sua atuação independente, cabe ao Poder Executivo, dentro do seu espaço de conveniência e oportunidade, traçar o desenvolvimento da política pública que melhor implemente o direito fundamental à saúde. Nessa esteira, confirmamos que o espaço de mérito administrativo é abrigo inviolável à intervenção do Poder Judiciário, visto que albergado pelo princípio da separação dos poderes.

Todavia, podemos concluir, sem pretender exaurir a questão, que a omissão do Poder Executivo em perfectibilizar o direito fundamental à saúde, por meio da devida política pública, abre flanco à atuação intervencionista do Poder Judiciário, sob a forma de ativismo judicial. Contudo, limitamo-nos a afirmar que a atuação do Poder Judiciário não poderá ser invasiva, sob pena de violação ao princípio da separação dos poderes.

Sendo assim, o Poder Judiciário terá pleno espaço de atuação no controle do ato administrativo, bem como diante da omissão do poder público na prestação do direito fundamental à saúde. Os limitadores por nós ora estudados encontram-se personificados na teoria da reserva do possível, desde que não alegada como forma de justificar a omissão ilícita, bem como no princípio da proporcionalidade.

Assim, entendemos por concluir que, diante da necessidade de maior ativismo do Poder Judiciário, perante a moderna noção de justiça social, e como consequência da omissão do Poder Executivo, inexiste violação ao princípio da separação dos poderes na atuação daquele.

Diante dos fatos, entendemos que o Poder Judiciário vê-se obrigado a agir, dentro dos limites estabelecidos pela lei maior, a fim de dar aplicabilidade imediata às normas definidoras dos direitos e das garantias fundamentais, dentre essas, o direito à saúde, sem que tal implique, por si, violação ao princípio da separação dos poderes.

Referências

ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2009.

BOTELHO, Ramon Fagundes. A judicialização do direito à saúde: a tensão entre o “mínimo existencial” e a “reserva do possível” na busca pela preservação da dignidade da pessoa humana. Curitiba: Juruá, 2011.

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2009.

DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 1991.

FREITAS, Juarez. O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2009.

GANDINI, João Agnaldo Donizeti; BARIONE, Samantha Ferreira; SOUZA, André Evangelista de. A judicialização do direito à saúde: a obtenção de atendimento médico, medicamentos e insumos terapêuticos por via judicial – critérios e experiências. Revista IOB de Direito Administrativo, São Paulo, abr. 2008.

GÖTTEMS, Claudinei J. Neoconstitucionalismo e políticas públicas: os desafios do Poder Judiciário para a concretização das normas constitucionais. Revista Brasileira de Direito Público, Belo Horizonte, a. 8, n. 28, jan./mar. 2010.

GRINOVER, Ada Pelegrini. Controle de políticas públicas pelo Poder Judiciário. Revista dos Tribunais Online, out. 2008.

KRELL, Andréas J. Realização dos direitos fundamentais sociais mediante controle judicial da prestação dos serviços públicos básicos: uma visão comparativa. Revista Informação Legislativa, Brasília, v. 144, 1999.

MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2002.

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

MONTESQUIEU. Do espírito das leis. São Paulo: Martin Claret, 2003.

NOGUEIRA, Marco Aurélio; REIS JÚNIOR, Ari Timóteo dos. A teoria da reserva do possível e o reconhecimento pelo Estado das prestações positivas. Revista do Curso de Direito da Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, v. 35, jan./dez. 2007.

PALADINO, Carolina Freitas. Políticas públicas: considerações gerais e possibilidade de controle judicial. Revista de Direito Administrativo e Constitucional – AeC, Belo Horizonte, a. 8, n. 32, abr./jun. 2008.

QUEIROZ, Maria do Socorro Azevedo. Judicialização dos direitos sociais prestacionais. Curitiba: Juruá, 2011.

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011.

______; MOLINARO, Carlos Alberto. Democracia – separação de poderes – eficácia e efetividade do direito à saúde no Judiciário brasileiro – Observatório do Direito à Saúde. Belo Horizonte: Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, 2010/2011.

SCHWARTZ, Germano. Direito à saúde: efetivação em uma perspectiva sistêmica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.

SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, 2005.

Notas

1. GÖTTEMS, Claudinei J. Neoconstitucionalismo e políticas públicas: os desafios do Poder Judiciário para a concretização das normas constitucionais. Revista Brasileira de Direito Público, Belo Horizonte, a. 8, n. 28, jan./mar. 2010. p. 1.

2. Op. cit.

3. MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 8.

4.“Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 64, de 2010)

5.“Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
(...)
II – cuidar da saúde e da assistência pública, da proteção e da garantia das pessoas portadoras de deficiência;”

6.“Art. 30. Compete aos Municípios:
(...)
VII – prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;”

7.“Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para:
(...)
VII – assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais:
(...)
e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e no desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000)

8.“Art. 35. O Estado não intervirá em seus Municípios, nem a União nos Municípios localizados em Território Federal, exceto quando:
(...)
III – não tiver sido aplicado o mínimo exigido da receita municipal na manutenção e no desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000)

9.“Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”

10. SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 768.

11. Op. cit.

12. Sobre o tema, aduz Gilmar Ferreira Mendes: “(...) não autoaplicáveis, ao contrário, são as disposições constitucionais incompletas ou insuficientes, para cuja execução se faz indispensável a mediação do legislador, editando normas infraconstitucionais regulamentadoras”. MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 50.

13. SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 768.

14. GÖTTEMS, Claudinei J. Neoconstitucionalismo e políticas públicas: os desafios do Poder Judiciário para a concretização das normas constitucionais. Revista Brasileira de Direito Público, Belo Horizonte, a. 8, n. 28, jan./mar. 2010. p. 2.

15. Op. cit.

16. SARLET, Ingo Wolfgang; MOLINARO, Carlos Alberto. Democracia – separação de poderes – eficácia e efetividade do direito à saúde no Judiciário brasileiro – Observatório do Direito à Saúde. Belo Horizonte: Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, 2010/2011. p. 29.

17. Op. cit.

18. Op. cit., p. 30.

19. Audiência Pública nº 4, de 28 abr. 2009. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/
processoAudienciaPublicaSaude/anexo/Abertura.pdf
>. Acesso em: 30 mar. 2012.

20. SARLET, Ingo Wolfgang; MOLINARO, Carlos Alberto. Democracia – separação de poderes – eficácia e efetividade do direito à saúde no Judiciário brasileiro – Observatório do Direito à Saúde. Belo Horizonte: Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, 2010/2011. p. 50-51.

21. SARLET, Ingo Wolfgang; MOLINARO, Carlos Alberto. Democracia – separação de poderes – eficácia e efetividade do direito à saúde no Judiciário brasileiro – Observatório do Direito à Saúde. Belo Horizonte: Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, 2010/2011. p. 32.

22. SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 811.

23. PALADINO, Carolina Freitas. Políticas públicas: considerações gerais e possibilidade de controle judicial. Revista de Direito Administrativo e Constitucional – AeC, Belo Horizonte, a. 8, n. 32, abr./jun. 2008. p. 2.

24. Acerca do poder discricionário ínsito ao administrador público, leciona Odete Medauar: “A discricionariedade significa uma condição de liberdade, mas não liberdade ilimitada; trata-se de liberdade onerosa, sujeita a vínculo de natureza peculiar. É uma liberdade-vínculo. Só vai exercer-se com base na atribuição legal, explícita ou implícita, desse poder específico a determinados órgãos ou autoridades. Por outro lado, o poder discricionário sujeita-se não só às normas específicas para cada situação, mas a uma rede de princípios que asseguram a congruência da decisão ao fim de interesse geral e impedem seu uso abusivo”. MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 128.

25. Audiência Pública nº 4, de 28 abr. 2009. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/
processoAudienciaPublicaSaude/anexo/Abertura.pdf
>. Acesso em: 30 mar. 2012.

26. Op. cit.

27.“Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.”

28. “Art. 10 – São Poderes do Município, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, exercido pela Câmara Municipal, e o Executivo, exercido pelo Prefeito.”

29. MONTESQUIEU. Do espírito das leis. São Paulo: Martin Claret, 2003. p. 181.

30. BOTELHO, Ramon Fagundes. A judicialização do direito à saúde: a tensão entre o “mínimo existencial” e a “reserva do possível” na busca pela preservação da dignidade da pessoa humana. Curitiba: Juruá, 2011. p. 122.

31. DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 184-185.

32. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2009. p. 250.

33. Op. cit., p. 250.

34. BOTELHO, Ramon Fagundes. A judicialização do direito à saúde: a tensão entre o “mínimo existencial” e a “reserva do possível” na busca pela preservação da dignidade da pessoa humana. Curitiba: Juruá, 2011. p. 130.

35. Op. cit., p. 145.

36.“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
§ 1º – As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.”

37. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011. p. 269.

38. Op. cit., p. 283.

39. GRINOVER, Ada Pelegrini. Controle de políticas públicas pelo Poder Judiciário. Revista dos Tribunais Online, out. 2008. p. 6.

40. Op. cit., p. 8.

41. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 64.

42. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011. p. 282-283.

43. QUEIROZ, Maria do Socorro Azevedo. Judicialização dos direitos sociais prestacionais. Curitiba: Juruá, 2011. p. 132.

44. Op. cit., p. 133.

45. FREITAS, Juarez. O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 361.

46. QUEIROZ, Maria do Socorro Azevedo. Judicialização dos direitos sociais prestacionais. Curitiba: Juruá, 2011. p. 136.

47. FREITAS, Juarez. O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 370.

48. Op. cit., p. 370.

49. QUEIROZ, Maria do Socorro Azevedo. Judicialização dos direitos sociais prestacionais. Curitiba: Juruá, 2011. p. 145.

50. NOGUEIRA, Marco Aurélio; JÚNIOR, Ari Timóteo dos Reis. A teoria da reserva do possível e o reconhecimento pelo Estado das prestações positivas. Revista do Curso de Direito da Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, v. 35, jan./dez. 2007. p. 320.

51. KRELL, Andréas J. Realização dos direitos fundamentais sociais mediante controle judicial da prestação dos serviços públicos básicos: uma visão comparativa. Revista Informação Legislativa, Brasília, v. 144, 1999. p. 253.

52. GANDINI, João Agnaldo Donizeti; BARIONE, Samantha Ferreira; SOUZA, André Evangelista de. A judicialização do direito à saúde: a obtenção de atendimento médico, medicamentos e insumos terapêuticos por via judicial – critérios e experiências. Revista IOB de Direito Administrativo, São Paulo, abr. 2008. p. 21.

53. “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;”

54. SCHWARTZ, Germano. Direito à saúde: efetivação em uma perspectiva sistêmica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 169-170.

55. MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 156.

56. Op. cit., 2008, p. 156.

57. ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 159.




Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023: 2002/ABNT):
. . Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n., fev. 2015. Disponível em:
<>
Acesso em: .


REVISTA DE DOUTRINA DA 4ª REGIÃO
PUBLICAÇÃO DA ESCOLA DA MAGISTRATURA DO TRF DA 4ª REGIÃO - EMAGIS