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publicado em 27.02.2015
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Palavras-chave: Tributário. Princípio. Não confisco. Multa. Aplicabilidade. Sumário: Introdução. 1 Princípio do não confisco. 2 Infração tributária e multas. 3 Limite das multas tributárias diante do princípio do não confisco. Conclusão. Referências bibliográficas. Introdução A Constituição da República Federativa do Brasil estabelece princípios para os mais variados ramos do direito, sendo o direito tributário contemplado com regras principiológicas que delimitam o poder-dever de tributar do Estado. A Constituição Federal de 1988 optou por estabelecer inúmeros princípios que regem as mais diversas faces da vida em sociedade. Entre elas, o direito tributário é dos que mais receberam linhas de atuação a partir de princípios estabelecidos no texto da Carta Magna, objetivando, ao que tudo indica, que houvesse maior segurança para o contribuinte. “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: O objetivo da Carta Magna, ao estabelecer o princípio do não confisco, está delineado na doutrina: “I – O princípio da não confiscatoriedade (ou do não confisco), insculpido no art. 150, IV, da CF (pelo qual é vedado ‘utilizar tributo com efeito de confisco’), proíbe usurpar, simulando tributar, o patrimônio do contribuinte. Assim, as leis tributárias não podem compelir os contribuintes a colaborar além da monta com os gastos públicos. Entremeia-se com os princípios da igualdade e da capacidade contributiva e, nessa medida, define, tanto quanto estes, garantia fundamental, que, além de ter eficácia plena e aplicabilidade imediata (cf. art. 5º, § 1º, da CF), pertence ao núcleo imodificável da Carta Magna (cf. art. 60, § 4º, IV, da CF). O conceito de o que seria um tributo com efeito de confisco levou a doutrina e a jurisprudência a inúmeras discussões. Pode-se conceituar o ato de confiscar referido na Carta Magna como sendo o de “tomar para o Fisco, desapossar alguém de seus bens em proveito do Estado” (AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 166). “O conceito de confisco é indeterminado, sujeito a alto grau de subjetividade e varia muito de acordo com as concepções político-filosóficas do intérprete. Isso não impede, contudo, que, em casos de notória ausência de razoabilidade de uma exação, o Poder Judiciário reconheça a existência de efeito confiscatório da tributação. A doutrina e a jurisprudência têm indicado que a melhor forma de interpretação é a que leva em conta os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade: “O princípio da vedação ao efeito confiscatório também poderia ser denominado de princípio da razoabilidade ou proporcionalidade da carga tributária. A ideia subjacente é que o legislador, ao se utilizar do poder de tributar que a Constituição lhe confere, deve fazê-lo de forma razoável e moderada, sem que a tributação tenha por efeito impedir o exercício de atividades lícitas pelo contribuinte, dificultar o suprimento de suas necessidades vitais básicas ou comprometer seu direito a uma existência digna.” (ALEXANDRE, Ricardo. Ob. cit., p. 121-122) Além disso, não se pode esquecer que o princípio do não confisco está diretamente ligado ao princípio constitucional da capacidade contributiva, delineado no § 1º do art. 145 da Constituição Federal: “§ 1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.” “O confisco inicia quando se extrapolam os limites da capacidade contributiva. Entretanto, o sistema jurídico nacional não estabelece o limite mínimo a partir do qual poderiam incidir as exações fiscais e os limites máximos, considerando também as necessidades do Estado para consecução do bem comum. Não há uma fórmula estanque para definir quando o tributo passa a ser confiscatório e, por isso, inconstitucional, pois o princípio do não confisco “não é um preceito matemático; é um critério informador da atividade do legislador e é, além disso, preceito dirigido ao intérprete e ao julgador, que, em vista das características da situação concreta, verificarão se determinado tributo invade ou não o território do confisco” (AMARO, Luciano. Ob. cit., p. 168). “AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE – PROCESSO OBJETIVO DE CONTROLE NORMATIVO ABSTRATO – A NECESSÁRIA EXISTÊNCIA DE CONTROVÉRSIA JUDICIAL COMO PRESSUPOSTO DE ADMISSIBILIDADE DA AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE – AÇÃO CONHECIDA. – [...] AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE – OUTORGA DE MEDIDA CAUTELAR COM EFEITO VINCULANTE – POSSIBILIDADE. – [...]. RESERVA CONSTITUCIONAL DE LEI COMPLEMENTAR – INCIDÊNCIA NOS CASOS TAXATIVAMENTE INDICADOS NA CONSTITUIÇÃO – CONTRIBUIÇÃO DE SEGURIDADE SOCIAL DEVIDA POR SERVIDORES PÚBLICOS FEDERAIS EM ATIVIDADE – INSTITUIÇÃO MEDIANTE LEI ORDINÁRIA – POSSIBILIDADE. – [...]. A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA NÃO ADMITE A INSTITUIÇÃO DA CONTRIBUIÇÃO DE SEGURIDADE SOCIAL SOBRE INATIVOS E PENSIONISTAS DA UNIÃO. – [...] O REGIME CONTRIBUTIVO É, POR ESSÊNCIA, UM REGIME DE CARÁTER EMINENTEMENTE RETRIBUTIVO. A QUESTÃO DO EQUILÍBRIO ATUARIAL (CF, ART. 195, § 5º). CONTRIBUIÇÃO DE SEGURIDADE SOCIAL SOBRE PENSÕES E PROVENTOS: AUSÊNCIA DE CAUSA SUFICIENTE. – [...]. A CONTRIBUIÇÃO DE SEGURIDADE SOCIAL DOS SERVIDORES PÚBLICOS EM ATIVIDADE CONSTITUI MODALIDADE DE TRIBUTO VINCULADO. – [...]. A GARANTIA DA IRREDUTIBILIDADE DA REMUNERAÇÃO NÃO É OPONÍVEL À INSTITUIÇÃO/MAJORAÇÃO DA CONTRIBUIÇÃO DE SEGURIDADE SOCIAL RELATIVAMENTE AOS SERVIDORES EM ATIVIDADE. – A contribuição de seguridade social, como qualquer outro tributo, é passível de majoração, desde que o aumento dessa exação tributária observe padrões de razoabilidade e seja estabelecido em bases moderadas. Não assiste ao contribuinte o direito de opor, ao poder público, pretensão que vise a obstar o aumento dos tributos – a cujo conceito se subsumem as contribuições de seguridade social (RTJ 143/684 – RTJ 149/654) –, desde que respeitadas, pelo Estado, as diretrizes constitucionais que regem, formal e materialmente, o exercício da competência impositiva. Assiste ao contribuinte, quando transgredidas as limitações constitucionais ao poder de tributar, o direito de contestar, judicialmente, a tributação que tenha sentido discriminatório ou que revele caráter confiscatório. A garantia constitucional da irredutibilidade da remuneração devida aos servidores públicos em atividade não se reveste de caráter absoluto. Expõe-se, por isso mesmo, às derrogações instituídas pela própria Constituição da República, que prevê, relativamente ao subsídio e aos vencimentos ‘dos ocupantes de cargos e empregos públicos’ (CF, art. 37, XV), a incidência de tributos, legitimando-se, desse modo, quanto aos servidores públicos ativos, a exigibilidade da contribuição de seguridade social, mesmo porque, em tema de tributação, há que se ter presente o que dispõe o art. 150, II, da Carta Política. Precedentes: RTJ 83/74 – RTJ 109/244 – RTJ 147/921, 925 – ADI 2.010-MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO. CONTRIBUIÇÃO DE SEGURIDADE SOCIAL – SERVIDORES EM ATIVIDADE – ESTRUTURA PROGRESSIVA DAS ALÍQUOTAS: A PROGRESSIVIDADE EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA SUPÕE EXPRESSA AUTORIZAÇÃO CONSTITUCIONAL. RELEVO JURÍDICO DA TESE. – [...]. A TRIBUTAÇÃO CONFISCATÓRIA É VEDADA PELA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. – A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal entende cabível, em sede de controle normativo abstrato, a possibilidade de a Corte examinar se determinado tributo ofende, ou não, o princípio constitucional da não confiscatoriedade, consagrado no art. 150, IV, da Constituição. Precedente: ADI 2.010-MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO. – A proibição constitucional do confisco em matéria tributária nada mais representa senão a interdição, pela Carta Política, de qualquer pretensão governamental que possa conduzir, no campo da fiscalidade, à injusta apropriação estatal, no todo ou em parte, do patrimônio ou dos rendimentos dos contribuintes, comprometendo-lhes, pela insuportabilidade da carga tributária, o exercício do direito a uma existência digna ou a prática de atividade profissional lícita, ou, ainda, a regular satisfação de suas necessidades vitais (educação, saúde e habitação, por exemplo). A identificação do efeito confiscatório deve ser feita em função da totalidade da carga tributária, mediante verificação da capacidade de que dispõe o contribuinte – considerado o montante de sua riqueza (renda e capital) – para suportar e sofrer a incidência de todos os tributos que ele deverá pagar, dentro de determinado período, à mesma pessoa política que os houver instituído (a União Federal, no caso), condicionando-se, ainda, a aferição do grau de insuportabilidade econômico-financeira à observância, pelo legislador, de padrões de razoabilidade destinados a neutralizar excessos de ordem fiscal eventualmente praticados pelo poder público. Resulta configurado o caráter confiscatório de determinado tributo, sempre que o efeito cumulativo – resultante das múltiplas incidências tributárias estabelecidas pela mesma entidade estatal – afetar, substancialmente, de maneira irrazoável, o patrimônio e/ou os rendimentos do contribuinte. – O poder público, especialmente em sede de tributação (as contribuições de seguridade social revestem-se de caráter tributário), não pode agir imoderadamente, pois a atividade estatal acha-se essencialmente condicionada pelo princípio da razoabilidade. A CONTRIBUIÇÃO DE SEGURIDADE SOCIAL POSSUI DESTINAÇÃO CONSTITUCIONAL ESPECÍFICA. [...]” (ADC 8 MC, Relator Ministro Celso de Mello, Tribunal Pleno, julgado em 13.10.1999. DJ 04.04.2003, destaquei) No mesmo sentido o julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, da ADI-QO 2010, também de relatoria do Ministro Celso de Mello: “[...] A identificação do efeito confiscatório deve ser feita em função da totalidade da carga tributária, mediante verificação da capacidade de que dispõe o contribuinte – considerado o montante de sua riqueza (renda e capital) – para suportar e sofrer a incidência de todos os tributos que ele deverá pagar, dentro de determinado período, à mesma pessoa política que os houver instituído (a União Federal, no caso), condicionando-se, ainda, a aferição do grau de insuportabilidade econômico-financeira à observância, pelo legislador, de padrões de razoabilidade destinados a neutralizar excessos de ordem fiscal eventualmente praticados pelo poder público. Resulta configurado o caráter confiscatório de determinado tributo sempre que o efeito cumulativo – resultante das múltiplas incidências tributárias estabelecidas pela mesma entidade estatal - afetar, substancialmente, de maneira irrazoável, o patrimônio e/ou os rendimentos do contribuinte. - O Poder Público, especialmente em sede de tributação (as contribuições de seguridade social revestem-se de caráter tributário), não pode agir imoderadamente, pois a atividade estatal acha-se essencialmente condicionada pelo princípio da razoabilidade. [...].” (ADI 2010 MC, Relator Ministro Celso de Mello, Tribunal Pleno, julgado em 30.09.1999, DJ 12.04.2002) Diante do posicionamento do Supremo Tribunal Federal, repetido em alguns julgados, estabeleceu-se que o princípio do não confisco deve ser analisado a partir da carga tributária como um todo. Afasta-se, assim, a interpretação de que cada tributo deve ser visto isoladamente para definir-se se ele é ou não confiscatório, a ponto de descumprir o preceito constitucional. 2 Infração tributária e multas Como em qualquer área da vida em sociedade, pode o sujeito passivo de uma obrigação vir a não cumprir adequadamente com as regras da ordem jurídica. “No direito tributário, a infração pode acarretar diferentes consequências. Se ela implica falta de pagamento de tributo, o sujeito ativo (credor) geralmente tem, a par do direito de exigir coercitivamente o pagamento do valor devido, o direito de impor uma sanção (que há de ser prevista em lei, por força do princípio da legalidade), geralmente traduzida em um valor monetário proporcional ao montante do tributo que deixou de ser recolhido. Se se trata de mero descumprimento de obrigação formal (‘obrigação acessória’, na linguagem do CTN), a consequência é, em geral, a aplicação de uma sanção ao infrator (também em regra configurada por uma prestação pecuniária). Trata-se das multas ou penalidades pecuniárias, encontradiças não apenas no direito tributário, mas no direito administrativo em geral, e também no direito privado.” (AMARO, Luciano. Ob. cit., p. 458) É preciso que fique claro que multa (gênero) não é tributo. A multa é uma sanção que surge quando ocorre o descumprimento de obrigação tributária. Tributo, por sua vez, jamais pode ser considerado sanção, tal como proíbe o art. 3º do Código Tributário Nacional: “Art. 3º. Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.” Para a doutrina, “multa pode ser assim definida no plano conceitual: prestação pecuniária compulsória, que não constitua tributo, instituída em lei (art. 97, V, CTN) e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada (art. 142, CTN)” (SABBAG, Eduardo. Manual de direito tributário. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 205). “A cominação de sanções administrativas ou penais para os ilícitos tributários tem (ou deve ter) objetivos comuns: em ambos os casos, visa-se a inibir possíveis infratores, intimidando-os (é a chamada prevenção geral); a par disso, castiga-se o infrator, com vista a evitar que ele reincida na infração (prevenção especial); as sanções teriam, ainda, uma função educativa, no sentido de formar uma moral fiscal, que contribuísse para evitar a infração da lei tributária.” (AMARO, Luciano. Ob. cit., p. 465-466) Diferente do tributo, que é a fonte de receita para a manutenção do Estado, a multa tributária não tem como função “abastecer os cofres públicos de dinheiro. Não é de arrecadar. Sua função principal é tutelar o direito do Estado de receber tributos (obrigação principal) e de impor deveres instrumentais (obrigação acessória)” (CASTILHO, Paulo César Baria de. Ob. cit., p. 204). “No campo das sanções administrativas pecuniárias (multas), é preciso não confundir (como faz, frequentemente, o próprio legislador) a proteção ao interesse da arrecadação (bem jurídico tutelado) com o objetivo de arrecadação por meio da multa. Em outras palavras, a sanção deve ser estabelecida para estimular o cumprimento da obrigação tributária; se o devedor tentar fugir ao seu dever, o gravame adicional representado pela multa que lhe é imposta se justifica, desde que graduado segundo a gravidade da infração. Se se tratar de obrigação acessória, a multa igualmente se justifica (pelo perigo que o descumprimento da obrigação acessória provoca para a arrecadação de tributos), mas a multa não pode ser transformada em instrumento de arrecadação; pelo contrário, deve-se graduá-la em função da gravidade da infração, vale dizer, da gravidade do dano ou da ameaça que a infração representa para a arrecadação de tributos.” (Ob. cit., p. 466) As multas tributárias decorrem sempre de previsão legal, devem atender ao princípio da legalidade e observar também a outros princípios e regras jurídicas. Não podem ser ilimitadas, sob pena de desvirtuar-se o seu objetivo de inibir a inadimplência, quer na esfera da obrigação principal (pecuniária), quer na acessória. 3 Limite das multas tributárias diante do princípio do não confisco Ao estudar o princípio constitucional do não confisco, não restam dúvidas da sua aplicação quando se está diante de um tributo, seja qual for. A Constituição Federal expressou claramente e sem margem de dúvidas que os tributos não podem ferir a um limite que caracterize o confisco de bens por parte do Estado, por ocasião do cumprimento do dever-poder de tributar. A interpretação, de qualquer instituto jurídico, não pode se afastar da necessidade de levar em conta as previsões constitucionais e legais que regem a vida em sociedade no Brasil. Mesmo cientes de que a legislação brasileira tem textos incontáveis, não se pode olvidar de que é a somatória de todas as regras jurídicas, que se interligam e interagem, que acaba por disciplinar a postura que é esperada dos cidadãos. “Quanto ao princípio tributário de vedação do confisco, há discussão na doutrina sobre a sua aplicabilidade à multa. Em artigo publicado em coletânea coordenada por Octávio Campos Fischer, Dalton Luiz Dallazem resume as conclusões a que chegaram diversos doutrinadores no 25º Simpósio Nacional de Direito Tributário: Os doutrinadores apontam várias nuances que, segundo defendem, devem ser levadas em conta na análise que se propõe fazer, entre elas os princípios da proporcionalidade e da capacidade contributiva, bem como o do direito de propriedade. “De fato, a multa tributária é prestação pecuniária compulsória incidente em decorrência da prática de um ilícito (descumprimento de obrigação ou não pagamento do tributo na data prevista), diferenciando-se do tributo, que decorre normalmente de fato lícito (à exceção do disposto no art. 118, I, do Código Tributário Nacional). Hugo de Brito Machado é categórico ao defender a inaplicabilidade, expondo longamente sobre as razões que o levam a assim se posicionar: “A vedação do confisco é atinente ao tributo. Não à penalidade pecuniária, vale dizer, à multa. O regime jurídico do tributo não se aplica à multa, porque o tributo e a multa são essencialmente distintos. O ilícito é pressuposto essencial desta, e não daquele. Os que defendem a aplicação do princípio às sanções tributárias partem de vários aspectos. Nos limites deste artigo, é necessário relembrar o fim a que se destinam as multas tributárias em sentido genérico. “Assim, para que a multa conserve as suas funções de punir, reprimir e ressocializar, não pode deixar de observar o parâmetro constitucional do não confisco, aplicável à obrigação principal, visto que sua imposição tem como finalidade última garantir o recolhimento do tributo. A sanção por parte do fisco não pode ser utilizada para inviabilizar uma vida digna e a continuidade do exercício da atividade das empresas. “Como vimos, nem mesmo a sanção, com finalidade diferente da do tributo, buscando reprimir e ensinar a conduta juridicamente correta, pode ser usada para retirar todos os bens do contribuinte ou inviabilizar o exercício de atividade econômica. A capacidade contributiva e o não confisco estabelecem um limite para a carga tributária, entendida esta como todas as obrigações tributárias (principais, acessórias e sancionatórias) que se contextualizam na esfera das exações. Proíbem exageros, e desse modo têm conexão direta com a ideia maior de razoabilidade. Ao fazer incidir uma sanção, por mais grave que seja a conduta infracional, o Fisco não pode ser irrazoável. Isso posto, capacidade contributiva e não confisco não podem ser lidos sem a consideração da proporcionalidade tributária.” (HARET, Florence. Ob. cit., p. 11-12) A aplicação de multa tributária confiscatória acaba por se transmutar em penalidade que inviabiliza a sobrevivência do contribuinte, situação que a Constituição Federal quis evitar. “A interpretação de um texto jurídico deve sempre levar em consideração o sistema no qual ele está inserido. Portanto, se estamos em um Estado Democrático de Direito, estribados em valores como a propriedade, a liberdade e a vida, certo é que nem a tributação, nem a exigência de multa por não ter recolhido o tributo podem ser tão elevadas a ponto de destruir ou retirar parcela considerável do patrimônio do contribuinte. Se é assim, a multa excessiva pode ultrapassar os critérios da proporcionalidade e da razoabilidade e também atingir as raias do confisco.” (CASTILHO, Paulo César Batista. Ob. cit., p. 7) Para Eduardo Sabbag, não há dúvidas de que o princípio do não confisco pode e deve ser aplicado, também, às multas tributárias: “Impende registrar que a doutrina majoritária tem se manifestado favoravelmente à aplicação do postulado tributário às multas exacerbadas. Afirma-se, em resumo, que tanto a multa moratória quanto a multa punitiva podem ser confiscatórias se extrapolarem as lindes do adequado, do proporcional, do razoável e do necessário, colocando-se em xeque as suas precípuas finalidades, com a ofensa ao art. 150, IV, e ao art. 5º, XXII, ambos da Carta Magna. O posicionamento do Supremo Tribunal Federal é no sentido de aplicabilidade do princípio do não confisco às multas tributárias. “De certa feita, o Supremo Tribunal Federal estava julgando uma ação direta de inconstitucionalidade contra dois dispositivos do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição do Rio de Janeiro. O primeiro previa que ‘as multas consequentes do não recolhimento dos impostos e taxas estaduais aos cofres do Estado não poderão ser inferiores a duas vezes o seu valor’; o segundo afirmava que ‘as multas consequentes da sonegação dos impostos ou taxas estaduais não poderão ser inferiores a cinco vezes o seu valor’. Alguns dos julgamentos pelo Supremo Tribunal Federal apresentam as seguintes ementas: “[...] A aplicação da multa moratória tem o objetivo de sancionar o contribuinte que não cumpre suas obrigações tributárias, prestigiando a conduta daqueles que pagam em dia seus tributos aos cofres públicos. Assim, para que a multa moratória cumpra sua função de desencorajar a elisão fiscal, de um lado, não pode ser pífia, mas, de outro, não pode ter um importe que lhe confira característica confiscatória, inviabilizando inclusive o recolhimento de futuros tributos. [...]” (RE 582.461, Relator Ministro Gilmar Mendes, julgamento em 18.05.2011, Plenário, DJE de 18.08.2011, com repercussão geral) “[...] Conforme orientação fixada pelo STF, o princípio da vedação ao efeito de confisco aplica-se às multas. Esta Corte já teve a oportunidade de considerar multas de 20% a 30% do valor do débito como adequadas à luz do princípio da vedação do confisco. Caso em que o tribunal de origem reduziu a multa de 60% para 30%. A mera alusão à mora, pontual e isoladamente considerada, é insuficiente para estabelecer a relação de calibração e ponderação necessárias entre a gravidade da conduta e o peso da punição. É ônus da parte interessada apontar peculiaridades e idiossincrasias do quadro que permitiriam sustentar a proporcionalidade da pena almejada. [...].” (RE 523.471-AgR, Relator Ministro Joaquim Barbosa, julgamento em 06.04.2010, Segunda Turma, DJE de 23.04.2010) “[...] TRIBUTÁRIO. ICMS. MULTA COM CARÁTER CONFISCATÓRIO. NÃO OCORRÊNCIA. Não se pode pretender desarrazoada e abusiva a imposição por lei de multa – que é pena pelo descumprimento da obrigação tributária –, sob o fundamento de que ela, por si mesma, tem caráter confiscatório. [...]” (RE 590.754-AgR, Relator Ministro Eros Grau, julgamento em 30.09.2008, Segunda Turma, DJE de 24.10.2008) “[...] É cabível, em sede de controle normativo abstrato, a possibilidade de o Supremo Tribunal Federal examinar se determinado tributo ofende, ou não, o princípio constitucional da não confiscatoriedade consagrado no art. 150, IV, da CF. Hipótese que versa o exame de diploma legislativo (Lei 8.846/1994, art. 3º e seu parágrafo único) que instituiu multa fiscal de 300% (trezentos por cento). A proibição constitucional do confisco em matéria tributária – ainda que se trate de multa fiscal resultante do inadimplemento, pelo contribuinte, de suas obrigações tributárias – nada mais representa senão a interdição, pela Carta Política, de qualquer pretensão governamental que possa conduzir, no campo da fiscalidade, à injusta apropriação estatal, no todo ou em parte, do patrimônio ou dos rendimentos dos contribuintes, comprometendo-lhes, pela insuportabilidade da carga tributária, o exercício do direito a uma existência digna ou a prática de atividade profissional lícita, ou, ainda, a regular satisfação de suas necessidades vitais básicas. O poder público, especialmente em sede de tributação (mesmo tratando-se da definição do quantum pertinente ao valor das multas fiscais), não pode agir imoderadamente, pois a atividade governamental acha-se essencialmente condicionada pelo princípio da razoabilidade, que se qualifica como verdadeiro parâmetro de aferição da constitucionalidade material dos atos estatais. [...]” (ADI 1.075-MC, Relator Ministro Celso de Mello, julgamento em 17.06.1998, Plenário, DJ de 24.11.2006). “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. §§ 2º E 3º DO ART. 57 DO ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. FIXAÇÃO DE VALORES MÍNIMOS PARA MULTAS PELO NÃO RECOLHIMENTO E PELA SONEGAÇÃO DE TRIBUTOS ESTADUAIS. VIOLAÇÃO AO INCISO IV DO ART. 150 DA CARTA DA REPÚBLICA. A desproporção entre o desrespeito à norma tributária e sua consequência jurídica, a multa, evidencia o caráter confiscatório desta, atentando contra o patrimônio do contribuinte, em contrariedade ao mencionado dispositivo do texto constitucional federal. Ação julgada procedente.” (ADI 551, Relator Ministro Ilmar Galvão, julgamento em 21.10.2002, Plenário, DJde 14.02.2003) Diante de todo o exposto, a tese de que o princípio constitucional do não confisco deve ser aplicado inclusive aos casos de multas tributárias é o que prevalece no Brasil, sendo reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal, guardião da Carta Magna. Conclusão O constituinte originário optou por disciplinar longamente a vida em sociedade, fixando regras e princípios, dedicando parte considerável do texto aos fatos vinculados ao direito tributário. Referências bibliográficas ALEXANDRE, Ricardo. Direito tributário esquematizado. São Paulo: Método, 2013. AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. LEX: Vade Mecum Compacto. São Paulo: Rideel, 2013. BRASIL. Lei 5.172, de 25 de outubro de 1966. Institui o Código Tributário Nacional. LEX: Vade Mecum Compacto. São Paulo: Rideel, 2013. BRASIL. Supremo Tribunal Federal.ADC 8, Relator Ministro Celso de Mello, julgamento em 13 out. 1999, Tribunal Pleno. DJ, 04 abr. 2003. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1= BRASIL. Supremo Tribunal Federal.ADI 2010, Relator Ministro Celso de Mello, julgamento em 30 set. 1999, Tribunal Pleno. DJ, 12 abr. 2002. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1= BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 582.461, Relator Ministro Gilmar Mendes, julgamento em 18 maio 2011, Plenário. DJE, 18 ago. 2011, com repercussão geral. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28RE% BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 523.471-AgR, Relator Ministro Joaquim Barbosa, julgamento em 06 abr. 2010, Segunda Turma. DJE, 23 abr. 2010. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28RE%24% BRASIL. Supremo Tribunal Federal.RE 590.754-AgR, Relator Ministro Eros Grau, julgamento em 30 set. 2008, Segunda Turma. DJE, 24 out. 2008. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28RE%24% BRASIL. Supremo Tribunal Federal.ADI 1.075-MC, Relator Ministro Celso de Mello, julgamento em 17 jun. 1998, Plenário. DJ, 24 nov. 2006. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28ADI% BRASIL. Supremo Tribunal Federal.ADI 551, Relator Ministro Ilmar Galvão, julgamento em 21 out. 2002, Plenário. DJ, 14 fev. 2003. 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Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023:2002/ABNT): |
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