O programa normativo e a limitação à criação de regra processual: a ilegalidade da suspensão dos processos em tramitação nas instâncias ordinárias que versem sobre matéria apreciada em recurso especial submetido ao regime dos recursos repetitivos

Autor: Paulo Sérgio Ribeiro

Juiz Federal Substituto, Mestrando PUC/SP

publicado em 27.02.2015



Resumo

O presente estudo tem como objetivo analisar a possibilidade de o Superior Tribunal de Justiça produzir norma processual disciplinando, com fundamento na preservação da segurança jurídica e do princípio da isonomia, a suspensão dos processos em fase recursal, ponderando sobre a legalidade/inconstitucionalidade das decisões adotadas.

A presente análise perpassa pela discussão sobre importantes temas de Teoria Geral do Direito, como a diferença entre lei e norma, a função criativa e os limites da interpretação, o efeito vinculante da lei, o efeito vinculante dos precedentes e a legitimidade democrática da criação de regras processuais por meio de decisão judicial.

Sumário: Introdução. 1 Lei e norma: uma diferença necessária. 1.1 Programa normativo e âmbito normativo. 1.2 A função construtiva da interpretação: limites à criação da norma. 2 A decisão judicial como “concretização” do programa normativo e a segurança jurídica: a vinculação do juiz à lei. 2.1 Hipóteses em que o juiz pode deixar de aplicar uma lei. 2.2 A jurisprudência como fonte do direito: a obrigatoriedade do precedente jurisprudencial. 3 A sistemática do recurso repetitivo. 3.1 A suspensão dos processos sobre matérias discutidas em recursos submetidos ao regime dos recursos repetitivos. 3.2 Análise sobre a (i)legalidade e a (in)constitucionalidade das decisões do Superior Tribunal de Justiça que determinam o sobrestamento dos processos em tramitação na instância ordinária. Conclusão. Referências bibliográficas.

Palavras-chave: Decisão judicial. Teoria estruturante (Friedrich Müller). Vinculação à lei. Recurso repetitivo. Suspensão processual.

Introdução

O Superior Tribunal de Justiça, em diversas oportunidades (REsp nº 1.060.210-SC, REsp nº 1.419.697-RS, REsp nº 1.251.331-RS, REsp nº 1.381.683-PE e REsp nº 1.418.593-MS), com fundamento no regime dos recursos repetitivos (artigo 543-C do Código de Processo Civil), vem determinando o sobrestamento dos processos em tramitação em todos os órgão do Poder Judiciário, com base na preservação da segurança jurídica e na garantia da isonomia na prestação jurisdicional.

A suspensão da tramitação dos processos na instância ordinária é inovação introduzida pelas decisões adotadas pelo Superior Tribunal de Justiça estendendo a interpretação do dispositivo normativo do artigo 543-C do Código de Processo Civil, uma vez que a sistemática de julgamento de recursos repetitivos fixou o sobrestamento em fase recursal, no momento de admissão do recurso especial.

É certo que o presente não tem a pretensão de esgotar a matéria, pelo contrário, visa instigar a reflexão sobre importantes temas presentes na práxis diuturna dos operadores do direito.

1 Lei e norma: uma diferença necessária

Os termos lei e norma são utilizados em muitas manifestações como sinônimos, no entanto estes não se confundem. A diferenciação entre lei e norma é premissa necessária para a construção da teoria do direito, não há como analisar de forma científica o direito sem a precisa delimitação do conceito de norma jurídica.

A norma jurídica não pode ser confundida com o texto, enunciado introduzido pela lei: norma é o sentido atribuído a um dispositivo, já a lei é o texto a ser interpretado para a construção da norma (NERY JUNIOR, 2013, p. 28). A lei introduz o dispositivo que confere a sustentação à construção da norma jurídica, ou seja, a partir da interpretação do dispositivo introduzido pela lei é que se constrói a norma jurídica. A distinção é simples e deveras importante.

A delimitação dos conceitos de lei e norma, com a sua precisa diferenciação, foi introduzida por Hans Kelsen na sua Teoria Pura do Direito. Para o referido autor, norma jurídica é um esquema de interpretação que confere o sentido objetivo dos atos humanos, ou seja, é o resultado de uma interpretação (ABBOUD, 2013, p. 296). Entretanto, para o pensamento kelseniano, fundado na filosofia da consciência, a norma é extraída da lei. Desse modo, pode ser vislumbrada in abstrato, pois está contida na lei.

Autores contemporâneos, como Robert Alexy, têm adotado a ideia de norma jurídica de forma semelhante ao conceito construído por Kelsen. Alexy promove a alteração na estrutura kelseniana de norma substituindo a interpretação pela argumentação racional fundada no discurso prático, entretanto, a essência permanece hígida, pois ambos estabelecem conceito semântico de norma, verificável in abstrato, de modo que a norma é fruto da interpretação e formada a priori ao conteúdo fático (ABBOUD, 2013, p. 298). Alexy, apesar de estabelecer classificação da norma entre princípios e regras, mantém-se filiado ao pensamento kantiano, ligado à filosofia da consciência, estabelecendo a classificação na subjetividade abstrato-transcedental e o esquema sujeito-objeto.(1)

A norma, em Alexy, não obstante sua tentativa de superação da concepção kelseniana, permanece como fruto do texto normativo (enunciado) introduzido no ordenamento. Essa característica reflete o baldrame filosófico da teoria, filosofia da consciência, pois as normas existem na essência dos textos normativos, e o acesso a elas é efetivado pela interpretação (Kelsen) ou pela argumentação (Alexy). Dessarte, para o positivismo, a norma está contida na lei, sendo acessível pelos mecanismos da interpretação ou da argumentação, podendo ser verificada in abstrato.

Em uma viragem copernicana, adotando como baldrame a filosofia da linguagem, a norma, para o pós-positivismo, deixa de ser buscada na lei e passa a ser construída pelo intérprete. Assim, o “paradigma pós-positivista, necessariamente, deverá possuir novo conceito de norma, ou seja, a norma não possuirá mais existência semântica e abstrata, a norma passará a ser concreta e produto da própria linguagem” (ABBOUD, 2013, p. 311).

Para a superação do positivismo, é necessária a introdução de novo conceito de norma, que, fundado na concepção pós-positivista,(2) tem como principal característica a construção da norma por meio da linguagem: o intérprete tem acesso à lei (texto normativo – enunciado) e, a partir desta, com fundamento na linguagem, constrói a norma jurídica, que somente é verificável no caso concreto, seja real, seja ficto.

O professor Paulo de Barros Carvalho,(3) com a maestria que lhe é peculiar, estabelece que o texto é a instância material, suporte físico, concebido por signos lançados sobre o papel, representado pelo ato de enunciação (CARVALHO, 2012, p. 41); a partir deste é que se realiza a construção da significação. Por sua vez, norma jurídica não se confunde com enunciado prescritivo: para o autor, as normas jurídicas são “significações construídas a partir dos textos positivados e estruturados consoante a forma lógica dos juízos condicionais, compostos pela associação de duas ou mais proposições prescritivas” (CARVALHO, 2012, p. 46).

Não há norma jurídica sem interpretação, porquanto ela é o resultado do processo interpretativo. Por meio desse processo, o intérprete acessa o conteúdo do(s) texto(s) normativo(s) e constrói o significado, estabelecendo, ao final, a norma jurídica. Ressalte-se que o significado não é extraído do texto, mas construído. Portanto, a interpretação não pode ser definida como um processo de descoberta.

Para a delimitação do conceito de norma jurídica, com fundamento no paradigma pós-positivista, é essencial analisar a contribuição teórica de Friedrich Müller.

Müller estabelece a separação entre o teor literal (MÜLLER, 2013, p. 194), texto normativo, e a norma jurídica,(4) baldrame para a formulação de sua teoria estruturante da norma. Desse modo, para a construção da norma jurídica, parte-se do programa da norma, representado pelo teor literal do enunciado, analisa-se o campo de aplicação da norma (âmbito normativo) e, por fim, verificam-se os elementos fáticos relacionados e estabelecidos pelo programa da norma, fixando o resultado desse processo como a norma jurídica.

É importante ressaltar que, na concretização do direito, operação de criação da norma, há inter-relação entre o texto normativo (lei) e a realidade regulável pela norma a ser criada, inexistindo, pois, operação de imputação de norma pré-existente sobre uma realidade fática, operada por meio de um juízo de subsunção. Nas precisas palavras de Müller, “elementos ‘normativos’ e ‘empíricos’ do nexo de aplicação e fundamentação do direito, que decide o caso no processo da aplicação prática do direito, provam ser multiplamente interdependentes e, com isso, produtores de um efeito normativo de nível hierárquico igual” (MÜLLER, 2010, p. 58). Prossegue o autor reconhecendo que não há separação entre direito e realidade no processo de construção da norma.(5)

A teoria de Müller é deveras complexa e por demais sedutora àqueles que buscam a superação de um direito formal positivo. Trata-se de uma teoria “impura”, aos olhos da “teoria pura do direito”,(6) pois há nela a inserção de questões fáticas interdependes na criação da norma, ou seja, não há direito (norma jurídica) sem a situação fática (real ou ficta).(7) A grande virtude da teoria, considerando-se a inter-relação entre “direito” e “realidade”, é que “a estrutura material do direito não é concebida por Müller unicamente em bases estáticas, mas segundo um modelo dinâmico de concretização” (BONAVIDES, 2013, p. 201), conforme pontuado por Paulo Bonavides ao comentar a Teoria Estrutural do Direito.

A norma é o resultado do trabalho de construção do direito a partir do texto. A concretização inicia-se com o texto da lei (dado bruto) e perpassa pela verificação dos fatos envolvidos para a solução do caso para, ao final, após a ponderação destes, construir a norma jurídica para o caso concreto (CHRISTENSEN, 2013, p. 222). Dessarte, a norma não é estabelecida por simples trabalho interpretativo de extração de sentido, mas pela construção de sentido a partir do disciplinado no texto da lei e nos fatos relacionados. Extrair o sentido da norma a partir da lei, como se ela estivesse “encravada” no texto, considerando o processo interpretativo como mecanismo de extração, conforme destacado na metáfora do jurista como mineiro (CHRISTENSEN, 2013, p. 221), não se sustenta na concepção pós-positivista.(8)

Tendo em vista a relevância para a construção da Teoria Estrutural do Direito, é necessário aprofundar a análise sobre a definição de programa normativo e âmbito normativo, institutos fundamentais delineados por Müller em sua teoria estruturante, bem como analisar a modificação no conceito de interpretação à luz da teoria cunhada por Müller.

1.1 Programa normativo e âmbito normativo

Na construção da norma jurídica, segundo a teoria estruturante de Müller, são elementos de concretização do direito, elementos estruturantes, o programa normativo e o âmbito normativo.

Na metáfora apresentada por Müller (2010, p. 54), o teor literal (texto da lei) é a ponta do iceberg, no entanto, define importante elemento para a concretização da norma, qual seja, o programa normativo.

O programa normativo é estabelecido pelo texto da lei, representado pelo conjunto de elementos linguísticos que delimitam o espectro necessário para a formação da norma, pois a norma jurídica a ser construída deve seguir o fixado no programa da norma, o qual estabelece o projeto da norma.

O programa normativo define os baldrames e os limites da construção da norma jurídica, marcos essenciais para a concretização do direito, já que, na atividade jurídica desenvolvida em um Estado Democrático de Direito, é essencial o respeito às balizas introduzidas pelo texto da lei. Friedrich Müller, como muita precisão, destaca que o texto da norma “dirige e limita as possibilidades legítimas e legais da concretização materialmente determinada do direito no âmbito do seu quadro” (MÜLLER, 2010, p. 57).

O âmbito normativo, ou, como prefere Müller, a área da norma, é a estrutura básica dos dados fáticos que o programa normativo escolheu como parcela da realidade a ser regulada, ou a “realidade” que criou, ficção jurídica, para regular determinada situação. Como estabelece Müller, “o âmbito da norma (ou domínio da norma) é o recorte da realidade social na sua estrutura básica, que o programa da norma ‘escolheu’ para si ou em parte criou para si como seu âmbito de regulamentação (como amplamente no caso de prescrições referentes à forma e questões similares)” (MÜLLER, 2010, p. 58).

Os elementos definidores da norma (programa e âmbito normativo) formam uma “simbiose” essencial para a construção do direito, ressaltando a diferenciação, destacada no pensamento pós-positivista, entre texto normativo e norma, pontuando que esta somente é verificada quando da solução de um caso real ou ficto.

1.2 A função construtiva da interpretação: limites à criação da norma

Para o paradigma positivista, em que a norma jurídica é verificada in abstrato, a interpretação é mecanismo por meio do qual se busca descobrir a “vontade da lei”, que se encontra no texto normativo.

A interpretação como mecanismo de revelação tem como baldrame a filosofia da consciência, em que as coisas têm uma essência intrínseca que deve ser buscada por meio do processo adequado. Entretanto, esse conceito de interpretação não se sustenta no paradigma da filosofia da linguagem, na qual a realidade não existe como essência, tudo é construído pela linguagem (STRECK, 2013, p. 225-228). Advirta-se: para esse paradigma filosófico, a linguagem é meio necessário para a construção de uma realidade; por sua vez, para o paradigma fundamentado na filosofia da consciência, a linguagem é um mecanismo de representação da realidade existente a priori.

A interpretação, com fundamento no paradigma pós-positivista sedimentado na filosofia da linguagem, é atividade promovida pelo jurista visando à concretização do direito, percurso que se inicia pela análise do programa normativo e do âmbito normativo, perpassa pela realidade social e pelos momentos históricos (ABBOUD, 2013, p. 315), finalizando na construção da norma jurídica (ABBOUD, 2013, p. 316).

Portanto, “a norma jurídica não está pronta nem ‘substancialmente’ concluída. Ela é um núcleo materialmente circunscritível de ordem normativa, diferenciável com os recursos da metódica racional” (MÜLLER, 2010, p. 62), que, por meio da interpretação, exercida pela atividade jurisdicional, é materializada, pois “o ‘núcleo’ é concretizado no caso individual na norma de decisão e com isso quase sempre também tornado nítido, diferenciado, materialmente enriquecido e desenvolvido dentro dos limites do que é admissível no Estado de Direito (determinados sobretudo pela função limitadora do texto da norma)” (MÜLLER, 2010, p. 62).

É necessário pontuar que a atividade do intérprete não é plenamente livre, há balizas traçadas para a validade da norma construída (STRECK, 2013, p. 334). A norma construída deve ser efetivada atendendo, em primeiro lugar, ao programa normativo estabelecido e ao âmbito normativo,(9) incorrendo em ilegalidade a construção de norma jurídica que esteja totalmente distante do programa normativo introduzido por meio do texto legal.

A observância do programa normativo é essencial no momento da construção da norma jurídica. Como destaca Olivier Jouajan (2013, p. 225), ao escrever sobre o método jurídico no paradigma pós-positivista, “as normas e as normas-decisões que as individualizam devem poder ser metodologicamente imputadas aos textos de normas estabelecidos pelo legislador legitimado”.

A norma jurídica é construída a cada análise das circunstâncias fáticas, definidas no âmbito normativo, relacionado ao programa normativo, resultando na construção de uma norma de decisão para o caso que poderá ser diversa da verificada em casos anteriores e não será igual à construída para casos futuros, porquanto a realidade fática e a historicidade (momento histórico da análise) influenciaram e influenciarão na construção da norma de decisão.(10)

Portanto, a concretização do direito, não obstante ser atividade jurisdicional criativa, deve ser orientada e limitada pela balizas definidas no programa normativo, sob pena do reconhecimento da ilegalidade da norma construída.

2 A decisão judicial como “concretização” do programa normativo e a segurança jurídica: a vinculação do juiz à lei

A partir da distinção entre lei (texto normativo) e norma, bem como do reconhecimento da interpretação como mecanismo de construção do direito, concepções constituídas com fundamento no paradigma pós-positivista, é necessário repensar e recriar institutos processuais tradicionais, visando a adaptá-los à nova realidade pós-positivista.

Se a interpretação, como verificado no item anterior,(11) é mecanismo de criação do direito, não é possível vislumbrar a decisão judicial (sentença) como procedimento silogístico de aplicação do direito pelo qual a premissa maior é a lei e a premissa menor é o caso a ser solucionado, competindo ao juiz a vinculação direta dos fatos à norma pré-concebida.(12) Adotar a sentença como ato de silogismo, decorrente de operação mecanicista que procede à aplicação da lei ao caso concreto por meio de processo lógico formal, evidencia equívoco fundamental em equiparar texto da norma (lei) e norma, nos moldes do reconhecido no paradigma positivista (ABBOUD, 2013, p. 316).

A sentença, no paradigma pós-positivista, em que inexiste norma in abstrato, é o mecanismo de concretização pelo qual se constrói, estruturalmente, a norma jurídica aplicável ao caso concreto. Inexiste, pois, norma a priori. Portanto, a criação e a aplicação do direito são contemporâneas, aplicar o direito é criá-lo,(13) atribuindo-o sentido a partir de um caso concreto (real ou fictício).(14)

O texto normativo é a base fundamental para a construção da norma de decisão, fixa os elementos essenciais e traça os limites para a construção do direito. Portanto, é inadmissível ao juiz deixar de verificar o texto normativo, sem que haja uma fundamentação idônea que afaste a constitucionalidade da lei ou reconheça a existência de antinomia. Nesse sentido, é precisa a ponderação do professor Nelson Nery Junior (2013b, p. 529) ao pontificar que “ao Judiciário não é lícito deixar de aplicar a lei, salvo se ela for inconstitucional. Por consequência, o texto inconstitucional configura limite intransponível para qualquer decisão judicial, mormente as proferidas pelo Supremo Tribunal Federal”.

A norma de decisão deve ser construída atendendo aos ditames traçados no programa normativo (lei) e aos baldrames estabelecidos na Constituição, de modo que a norma seja compatível com o definido na Constituição.(15) O juiz, ao solucionar os casos a ele submetidos, construindo a norma de decisão, está vinculado à lei. É inadmissível deixar de considerá-la, fundamentando a decisão com espeque em convicções pessoais, morais ou econômicas, a pretexto de implementação do senso de justiça particular.(16)

Em um Estado Democrático de Direito, é inapropriado o juiz decidir de forma livre, sem qualquer vinculação ao estabelecido no texto normativo introduzido pelo Poder Legislativo (SILVA, 2001, p. 125), autoridade constitucionalmente competente para a inovação do ordenamento, de forma que a norma construída não tenha vinculação com o programa normativo e/ou com o âmbito normativo. Desse modo, norma que tergiversa os baldrames mínimos estabelecidos (programa normativo e âmbito normativo) padecerá de ilegalidade e/ou de inconstitucionalidade.

2.1 Hipóteses em que o juiz pode deixar de aplicar uma lei

O afastamento da lei na construção da norma não pode ser velado, sem a devida fundamentação de ordem constitucional ou legal, sob pena de ilegalidade da decisão, porquanto, como demonstrado, a lei vincula a atividade de construção da norma de decisão.

O afastamento de uma lei (texto normativo) não pode ser efetivado de forma arbitrária pelo magistrado,(17) depende de fundamentação adequada que justifique a não aplicação do preceito normativo (texto da lei), em razão de contrariedade legal (antinomia) ou incompatibilidade com a Constituição.

O professor Lenio Luiz Streck (2013, p. 347-348), em sua obra Jurisdição constitucional e decisão jurídica, visando compor uma teoria da decisão judicial cujo eixo central é afastar o solipsismo do julgador, estabelece as possibilidades em que o magistrado poderá deixar de aplicar a lei para o caso a ser analisado.

O professor Lenio estabelece seis hipóteses em que o juiz pode deixar de aplicar a lei, ressaltando que, fora destas, a decisão que deixa de aplicar a lei é arbitrária, pois extrapola os limites traçados pelo Estado Democrático de Direito (STRECK, 2013, p. 348).

A primeira hipótese em que o magistrado poderá deixar de aplicar a lei ocorre quando ela for inconstitucional. Nessa circunstância, o juiz promoverá o controle difuso de constitucionalidade e deixará de aplicar a lei para aquele caso, ou, caso tenha havido o julgamento da inconstitucionalidade por via de controle concentrado (ADin), o juiz poderá deixar de aplicar a lei, pois o texto normativo foi retirado do ordenamento jurídico.(18)

A segunda hipótese é verificada quando for necessária a aplicação dos critérios de resolução de antinomias (Ex.: lex posterioris derogat lex anterioris).

Terceira hipótese. Inaplicabilidade da lei quando realizada a interpretação conforme a Constituição, oportunidade em que se adiciona um sentido ao preceito da lei de forma a viabilizar a compatibilidade com a Constituição, permanecendo intacto o texto, entretanto, a norma construída tem o seu sentido limitado ao estabelecido. Portanto, fixado o sentido da lei na construção da norma, as demais hipóteses construídas a partir do texto não são válidas, pois incompatíveis com a Constituição.

Quarta hipótese. Quando realizado o julgamento de constitucionalidade aplicando a nulidade parcial sem redução do texto. Nessa hipótese, o texto permanece hígido, no entanto, a sua incidência é reduzida. Há redução do âmbito de aplicação em razão da inconstitucionalidade da hipótese excluída.

Quinta hipótese. Quando no julgamento de ação no controle de constitucionalidade for declarada a inconstitucionalidade com redução de texto, oportunidade em que será excluída palavra cuja eliminação assegura a constitucionalidade do preceito normativo.

Sexta hipótese. A lei pode deixar de ser aplicada quando, no caso a ser decidido, deva prevalecer um princípio, portanto, é por meio “da aplicação principiológica que será possível a não aplicação da regra a determinado caso (a aplicação principiológica sempre ocorrerá, já que não há regra sem princípio e o princípio só existe a partir de uma regra – pensemos, por exemplo, na regra do furto, que é ‘suspensa’ em casos de ‘insignificância’)” (STRECK, 2013, p. 348).

2.2 A jurisprudência como fonte do direito: a obrigatoriedade do precedente jurisprudencial

Segundo o paradigma pós-positivista, a atividade decisória é eminentemente criativa, entretanto, a formação da norma de decisão é decorrente de um processo de construção que se inicia a partir do programa normativo, passando pelo âmbito normativo, pelas circunstâncias fáticas relacionadas, finalizando no estabelecimento da norma aplicável ao caso em apreciação.

A análise que se busca efetivar no presente tópico é ponderar se é possível a construção de norma jurídica, no sistema jurídico brasileiro, a partir da jurisprudência, ou seja, se é possível utilizar a jurisprudência para a definição do programa e do âmbito normativo.

A questão a ser ponderada exige análise sobre a diferença entre o sistema da common law e o da civil law.

O sistema da common law é fundamentado no direito jurisprudencial, as decisões dos tribunais superiores vinculam os juízes de primeira instância, de modo que o precedente (decisão paradigma) tem força vinculante. Dessa forma, ocorrendo situação jurídica semelhante, o juiz deve aplicar o precedente, norma concreta que o vincula para decisões futuras. A lei, entretanto, tem aplicação subsidiária (ABBOUD, 2013, p. 220-222).

O sistema da civil law, com tradição sedimentada no direito romano, no direito canônico e no direito alemão medieval, tem a lei como fonte privilegiada, cujo preceito introduzido deve sustentar a decisão do juiz (ABBOUD, 2013, p. 222-223).

No sistema da civil law, a aplicação da lei, texto normativo introduzido no ordenamento, vincula a atividade do juiz no momento da construção da norma individual e concreta, salvo as hipóteses previstas para o afastamento da lei.(19) Já para o sistema da common law, inexiste vinculação à lei, entretanto, os precedentes, decisões que resolveram situações jurídicas semelhantes, vinculam o magistrado (FERRAZ JUNIOR, 2012, p. 209); assim, existindo decisão sobre questão similar,o magistrado está vinculado a aplicar a ratio decidendi na solução do novo caso a ser decidido,(20) salvo se efetivado o distinguishing ou o overruling (ABBOUD, 2013, p. 269).

O nosso sistema jurídico tem origem na civil law. Assim, não há, salvo expressa disposição legal (decisão em controle de constitucionalidade concentrado e súmula vinculante), obrigatoriedade de o juiz decidir o caso, construir a norma de decisão, seguindo as decisões dos pares e a decisão adotada pelos tribunais superiores. Conforme pontifica Tércio Sampaio Ferraz Júnior (2012, p. 210-211), diversamente do estabelecido para o sistema da common law, os juízes do sistema da civil law não estão vinculados: a) às decisões dos tribunais superiores; b) às decisões dos demais juízes de mesma hierarquia; c) a suas próprias decisões proferidas, podendo alterar a orientação em julgamentos futuros.

Tércio Sampaio Ferraz Júnior (2012, p. 211), ponderando a não vinculação do magistrado aos precedentes, ressalta que “a doutrina costuma negar à jurisprudência o caráter de fonte, ao contrário do que sucede com a teoria do precedente no mundo anglo-saxônico”.(21)

Portanto, o juiz pode decidir “livremente”(22) a causa submetida a apreciação, construindo norma jurídica concreta diversa da decisão adotada pelo Superior Tribunal de Justiça.

Como no sistema da civil law não há vinculação do magistrado às decisões proferidas pelos tribunais superiores ou a decisão pretérita adotada, é inadmissível reconhecer que a jurisprudência pode determinar e delimitar o programa normativo e o âmbito normativo para a criação de uma norma individual e concreta construída para a solução do caso.

3 A sistemática do recurso repetitivo

A sistemática do julgamento dos recursos repetitivos introduzida no ordenamento pela Lei 11.672/2008, veículo normativo que inseriu no Código de Processo Civil o artigo 543-C, tem por escopo fundamental reduzir a quantidade de recursos que chegam ao Superior Tribunal de Justiça (BUENO, 2013, p. 269), visando à racionalização da prestação jurisdicional e à economia processual.(23)

Segundo a sistemática do julgamento dos recursos repetitivos, havendo multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito, o presidente do tribunal de origem selecionará um ou mais recursos que identifiquem a controvérsia, remetendo-os para apreciação pelo Superior Tribunal de Justiça. Os demais recursos de matéria idêntica permanecerão sobrestados no tribunal de origem, aguardando o julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça.(24)

A seleção dos recursos é disciplinada pelo § 1º da Resolução 8/2008 do STJ, ressaltando que os selecionados devem conter a maior diversidade de fundamentos no acórdão e de argumentos no recurso.(25)

Com o julgamento do recurso pelo Superior Tribunal Justiça, os tribunais de origem deverão realizar a apreciação dos recursos sobrestados, negando seguimento quando o acórdão coincidir com a orientação firmada no tribunal superior; no caso de o acórdão contrariar a orientação firmada, o tribunal deverá reapreciar a questão, podendo ou não efetivar a retratação, e, mantida a decisão, será efetivado o exame da admissibilidade do recurso especial e determinada sua remessa ao Superior Tribunal de Justiça (THEODORO JUNIOR, 2011, p. 682).

A tramitação do recurso submetido ao regime dos recursos repetitivos perante o Superior Tribunal de Justiça está disciplinada nos demais parágrafos do artigo 543-C do Código de Processo Civil,(26) tramitação que não gera maiores discussões e cuja abordagem pormenorizada não é essencial para o escopo do presente trabalho.

Por fim, é importante ponderar se a sistemática introduzida, não obstante seu objetivo pragmático e o inegável cunho racionalizante, é compatível com as garantias processuais constitucionais.

O recurso especial, segundo sua configuração constitucional,(27) visa à manutenção da autoridade e da unidade da lei federal, tendo em vista a multiplicidade de tribunais incumbidos da aplicação do direito positivo. A sistemática do recurso repetitivo é forma de otimização do trabalho no Superior Tribunal de Justiça, introduzida por via infralegal, inexistindo alteração nas hipóteses de admissibilidade do recurso, questão que somente poderia ser efetivada via emenda constitucional (THEODORO JUNIOR, 2011, p. 681). Com efeito, a constitucionalidade material desse sistema de julgamento dos recursos especiais, não obstante a forma de julgamento peculiar, é verificada quando assegurado aos interessados o acesso ao Superior Tribunal de Justiça após realizada a retratação pelo tribunal de origem.(28)

3.1 A suspensão dos processos sobre matérias discutidas em recursos submetidos ao regime dos recursos repetitivos

O § 1º do artigo 543-C do Código de Processo Civil estabelece que os recursos especiais que versem sobre matérias semelhantes às relacionadas no recurso paradigma permaneçam sobrestados na origem até o julgamento definitivo deste pelo Superior Tribunal de Justiça.

Apesar de o comando normativo estabelecer a suspensão dos recursos especiais, o Superior Tribunal de Justiça, em diversos precedentes,(29) vem determinando, com fundamento nos princípios da isonomia(30) e da segurança jurídica, o sobrestamento de todos os processos,(31) independentemente da fase de tramitação, até o julgamento do recurso afetado ao regime dos recursos repetitivos.

A fundamentação das decisões sobrestando os processos tem sustentado que o escopo da sistemática dos recursos repetitivos não deve ficar limitado à desobstrução do tribunais superiores, mas abranger a garantia de prestação jurisdicional uniforme.(32) Apesar da racionalização da prestação jurisdicional destacada pelos ministros na fundamentação das decisões, é necessário ponderar se a sistemática introduzida, determinando o sobrestamento de todos os processos em tramitação, está em conformidade com os baldrames legais e constitucionais aplicáveis.

3.2 Análise sobre a (i)legalidade e a (in)constitucionalidade das decisões do Superior Tribunal de Justiça que determinam o sobrestamento dos processos em tramitação na instância ordinária

Com a devida vênia ao entendimento dos ministros do Superior Tribunal de Justiça, o sobrestamento dos processos cuja matéria está afetada ao julgamento de recurso repetitivo é medida ilegal, bem como fere direitos fundamentais processuais assegurados aos litigantes.

Na construção da norma concreta, como destacado, o juiz deve respeitar o programa normativo e o âmbito normativo fixado pela lei (texto normativo). Assim, decisão (norma individual e concreta) que não atenda às balizas fixadas no texto normativo padece de ilegalidade.

No caso do recurso repetitivo, o programa normativo delimitado pelo artigo 543-C do Código de Processo Civil estabelece que a suspensão abrange os recursos especiais que versem sobre matérias semelhantes à tratada no recurso paradigma remetido ao Superior Tribunal Justiça. O programa normativo do sistema dos recursos repetitivos estabelece a suspensão dos recursos especiais em tramitação nos tribunais de origem, inexistindo previsão de suspensão dos processos em tramitação no primeiro grau de jurisdição ou em grau de recurso ordinário.

É importante destacar que o termo recurso, introduzido no texto do artigo 543-C do Código de Processo Civil, tem delimitação semântica própria (THEODORO JUNIOR, 2011, p. 571), que não pode ser alterada, por via interpretativa, de modo a abarcar o conceito de processo.

A suspensão em relação aos recursos especiais em tramitação na origem (tribunais de segunda instância) é decorrente do escopo do instituto, racionalização do julgamento dos recursos especiais. Entretanto, é imprescindível destacar que inexiste efeito vinculante da decisão do Superior Tribunal de Justiça, porquanto os juízes e os desembargadores não estão obrigados a seguir a decisão adotada no julgamento do recurso submetido ao regime dos recursos repetitivos.(33)

É importante ressaltar que o próprio tribunal de origem, com a decisão do repetitivo, fará “rejulgamento” dos recursos sobrestados em que o acórdão contrariar o entendimento fixado pelo Superior Tribunal de Justiça, podendo ou não manter a decisão (acórdão). Caso mantenha a decisão conforme proferida, examinará os pressupostos de admissibilidade do especial e, presentes, remeterá o recurso para julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça, que promoverá o julgamento liminar do recurso pelo sistema do artigo 557, § 1º-A, do Código de Processo Civil, uma vez que o acórdão recorrido contraria decisão dominante firmada pelo Superior Tribunal de Justiça (THEODORO JUNIOR, 2011, p. 682). É importante destacar que, não obstante o julgamento expedido (julgamento liminar), o recurso especial será decidido pelo Superior Tribunal de Justiça, órgão constitucionalmente competente para o julgamento dos recursos especiais.

Portanto, se o juiz não está vinculado à decisão proferida no julgamento do recurso especial submetido ao regime dos recursos repetitivos, não há razão para suspender a tramitação do processo nas instâncias ordinárias, pois, ainda que julgado o repetitivo, o juiz poderá decidir de forma diversa, considerando a não vinculação aos precedentes, conforme já exposto.

Há, no mínimo, contrassenso na sistemática proposta pelos ministros do Superior Tribunal de Justiça, pois, sob o pretexto da racionalização do julgamento e da economia processual, o processo ficará suspenso, não obstante a decisão proferida pelo tribunal superior não vincule o julgamento em primeiro grau.

O juiz, no momento de formular a decisão, construção da norma individual e concreta, seja material, seja processual, não pode deixar de aplicar a lei sem que apresente fundamentação idônea demonstrando a inconstitucionalidade do dispositivo ou a ocorrência de antinomia. Razões de política judiciária (economia processual)(34) ou fundamentações vagas com espeque em princípios constitucionais como a isonomia ou a segurança jurídica(35) não podem sustentar a formulação de uma nova hipótese de suspensão do processo além das previstas em lei, porquanto em um Estado Democrático de Direito as decisões dos juízes (ministros) não podem ser fundamentadas em convicções pessoais ou econômicas, negando aplicabilidade ao estabelecido no arcabouço normativo-constitucional (NERY JUNIOR, 2013b, p. 533).

Ademais, as decisões sobrestando os processos em tramitação não subsistem a uma interpretação constitucional, pois ferem garantias processuais fundamentais asseguradas a todos os jurisdicionados.

O sobrestamento dos processos em tramitação sob pretexto de racionalização da prestação jurisdicional fere o devido processo legal.

O princípio do “devido processo legal” assegura à parte o jus actionis, e assim, como bem destaca Nelson Nery Júnior (2013a, p. 100), “verifica-se que a cláusula procedural due process of law nada mais é do que a possibilidade efetiva de a parte ter acesso à justiça, deduzindo pretensão e defendendo-se do modo mais amplo possível”.

Humberto Theodor Júnior (2011, p. 680, 29) apresenta preciso conceito de devido processo, ressaltando que “é o meio concreto de praticar o processo judicial delineado pela Constituição para assegurar o pleno acesso à Justiça e a realização das garantias fundamentais traduzidas nos princípios da legalidade, da liberdade e da igualdade”, destacando, ainda, que “dentro da ordem jurídica, sim, pode-se cogitar de hermenêutica e aplicação da lei otimizada pelo influxo dos valores e dos princípios da Constituição. Tudo, porém, dentro dos limites da legalidade”.

É importante ressaltar que o direito de ação não se limita ao direito de afirmar perante o Estado-juiz uma pretensão, requerimento de tutela jurisdicional. Hodiernamente, tem sentido amplo, visando assegurar a tutela adequada (NERY, 2006, p. 131) e necessária para garantir o direito material perseguido, de modo que seu escopo é o provimento jurisdicional final (sentença), incluindo os mecanismos processuais necessários à efetivação do direito material (MARINONI, 2010, p. 220).

O direito de ação é direito fundamental processual, um dos mais importantes, pois é imprescindível para a concretização dos demais direitos fundamentais materiais, uma vez que a concretização dos direitos dar-se-á pela construção da norma individual fruto da decisão do juiz ao julgar o caso concreto (MARINONI, 2010, p. 209).

O sobrestamento açodado do processo, inviabilizando a sua tramitação na fase do juízo de conhecimento, fere a garantia de acesso ao Judiciário, haja vista que a limitação imposta à atuação das partes processuais inviabiliza a efetiva prestação jurisdicional em tempo e modo adequados.

O acesso à justiça, representado constitucionalmente pelo princípio da inafastabilidade da jurisdição, resta maculado pela decisão sobrestando a tramitação do processo na instância ordinária, pois todo aquele que exerce o direito de ação tem o direito subjetivo à tramitação do processo visando à tutela adequada do direto perseguido. Quando se assegura o acesso ao Judiciário como direito fundamental constitucional, garante-se àquele que se socorre da via processual a faculdade de ter sua lide resolvida em tempo razoável e por meio de provimento jurisdicional adequado ao direito material.

Portanto, salvo disposições legais fixando a paralisação momentânea (Ex.: artigo 265 do Código de Processo Civil) e necessária para o adequado provimento jurisdicional, a obstrução da tramitação processual viola as garantias do devido processo legal e do acesso à justiça (inafastabilidade da jurisdição).

Por fim, ad argumentandum tantum, a simples introdução da sistemática da suspensão da tramitação dos processos nas instâncias ordinárias por veículo normativo apropriado (alteração do Código de Processo Civil) não seria compatível com a Constituição, porquanto as decisões adotadas pelo Superior Tribunal de Justiça em regime de recurso repetitivo não vinculam as decisões das instâncias inferiores. Somente com a alteração do eixo do sistema processual pátrio, com a introdução da eficácia vinculante das decisões do Superior Tribunal de Justiça, poder-se-ia cogitar da suspensão dos processos em tramitação nas instâncias ordinárias em razão do julgamento de recurso repetitivo.

Conclusão

A atividade dos magistrados, não obstante sua parcela criativa, não pode descurar do programa normativo traçado pelo texto legal introduzido democraticamente pela autoridade constitucionalmente competente. É necessário destacar que não se está pontificando, com a limitação da atividade criativa do juiz, a similitude entre lei e norma, questão superada no paradigma pós-positivista, cuja premissa filosófica é sustentada na filosofia da linguagem.

Na construção da norma processual relativa ao sobrestamento dos processos cuja matéria está sendo decidida em recurso submetido ao regime dos recursos repetitivos, os ministros do Superior Tribunal de Justiça, com a devida vênia, extrapolaram o programa normativo definido no artigo 543-C do Código de Processo Civil, incorrendo em decisões ilegais, porquanto “fundamentadas” em premissas solipsistas e em critérios econômicos (economia processual).

Portanto, como a regra processual para o sobrestamento dos recursos submetidos ao regime dos recursos repetitivos estabelece o represamento na fase de admissibilidade do recurso especial (artigo 543-C do Código de Processo Civil), a construção de regra casuística, disciplinando o sobrestamento dos processos em tramitação nas instâncias ordinárias, fere a garantia do devido processo legal, impondo obstáculo deveras prejudicial ao direito de pleno acesso à justiça.

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Notas

1. “A opção, portanto, é paradigmática: Alexy, na qualidade de kantiano, situado no paradigma da subjetividade ou, simplesmente, filosofia da consciência.” (ABBOUD, 2013, p. 299)

2. “’Pós-positivista’ significa também: depois de Kelsen. Hans Kelsen marcou cientificamente o ponto mais alto do Positivismo. Mas ele permaneceu ainda prisioneiro dos erros do Positivismo: primeiramente, não ver as fronteiras, os limites da língua jurídica – ele queria mesmo reduzir o Direito ao raciocínio lógico, traduzi-lo para uma lógica abstrata, uma lógica formal. E, em segundo lugar, excluir a realidade e querer considerar a jurisprudência como ‘pura’. Com isso, retira-se do Direito o seu próprio conteúdo. Mas em toda nossa atividade trata-se, sim, dos conteúdos materiais.” (MÜLLER, 2010, p. 107)

3. É importante ressaltar que o professor Paulo de Barros Carvalho trabalha com o estudo da teoria da linguagem como ato comunicacional, utilizando a ideia de enunciado, que, para fins do nosso trabalho, equivale ao texto normativo, ou seja, o suporte físico a ser interpretado para a construção da norma jurídica. Ademais, é necessário pontuar que a construção da norma jurídica pode ter como sustentação mais de um texto normativo (enunciado prescritivo).

4. “Ela pressupõe a concepção (...) da norma como um modelo ordenador materialmente caracterizado e estruturado.” (MÜLLER, 2010, p. 35-36)

5. “No âmbito do processo efetivo da concretização prática do direito, ‘direito’ e ‘realidade’ não são grandezas que subsistem por si. A ordem e o que por ela foi ordenado são momentos da concretização da norma, em princípio eficazes no mesmo grau hierárquico, podendo ser distinguidos apenas em termos relativos.” (MÜLLER, 2010, p. 59)

6. “Onde Kelsen acreditou ter de encerrar o seu trabalho, este apenas começa para uma teoria decididamente ‘impura’ aos olhos da teoria pura do direito.” (CHRISTENSEN, 2013, p. 203)

7. “Com efeito, não existem conceitos sem coisas. Nem no direito, nem fora dele. Tenho propalado essa frase para demonstrar que não existem respostas antes de perguntas e que qualquer conceito que façamos sobre algo não tem o condão de abarcar, de antemão, todas as hipóteses de aplicação. Assim, a lei é um texto, ao qual atribuiremos um sentido, que somente se dará na sua concretude. Existem milhares de modos de cometer um furto. Mas a lei fala apenas em ‘subtrair coisa alheia móvel’. A lei somente se concretizará no momento em que alguém, efetivamente, furtar.” (STRECK, 2013, p. 220)

8. No paradigma pós-positivista, fundado na filosofia da linguagem, há a superação do conceito semântico de norma, ou seja, inexiste norma prévia à verificação do caso concreto, portanto interpretação é premissa essencial para a norma, é o mecanismo necessário à construção, tendo em vista que norma é o sentido atribuído ao texto normativo (enunciado).

9. O programa da norma fixa as balizas para a construção da norma. Como destaca Friedrich Müller, o programa da norma “indica espaços de ação metodologicamente domináveis, dentro dos quais o trabalho jurídico se deve legitimar e com base nos quais ele pode ser controlado e criticado”, ressaltando, ainda, que “o ponto de referência legitimante das decisões jurídicas, a norma jurídica, não é idêntico com a sua expressão verbal, quer dizer, com o texto da norma, que formula juntamente com os recursos interpretativos auxiliares o programa da norma” (CHRISTENSEN, 2013, p. 196).

10. “A concretização jurídica não é ‘reelaboração’ de valorações legislativas; não é ‘reelaboração de configurações espirituais objetivamente fornecidas como orientações prévias’. A norma jurídica deve regulamentar uma quintessência indeterminada de casos jurídicos práticos, nem concluída nem suscetível de ser concluída na direção do futuro. Tais casos jurídicos não podem nem devem ser pré-solucionados qualitativa e quantitativamente pelo legislador. A sua regulamentação com base na norma jurídica (e, entre outros fatores, com ajuda do seu teor literal) consiste em partes essenciais de algo diferente da ‘reelaboração’.” (MÜLLER, 2010, p. 66)

11. Item 2.2.

12. “Vê-se, desde agora, que não é correta a proposição segundo a qual, dos enunciados prescritivos do direito positivo, extraímos o conteúdo, o sentido e o alcance dos comandos jurídicos. Impossível seria retirar conteúdos de significações de entidades meramente físicas. De tais enunciados partimos, isto sim, para a construção das significações, dos sentidos, no processo conhecido como interpretação.” (CARVALHO, 2012, p. 41)

13. “O intérprete não interpreta por partes, como que a repetir as fases da hermenêutica clássica: primeiro compreende, depois interpreta, para finalmente aplicar. Pelo contrário. No plano da leitura hermenêutica que proponho para a elaboração de uma (nova) crítica do direito, calcada na ontologia (compreensão da totalidade) da compreensão, esses três momentos ocorrem em um só: a applicatio, que se dá no movimento da circularidade da autocompreensão no interior da espiral hermenêutica.” (STRECK, 2013, p. 230)

14. “A sentença judicial perante o paradigma pós-positivista não pode mais ser vislumbrada como ato meramente silogístico. Pelo contrário, ela é o modelo fundamental na qual se fundem a compreensão da norma e sua relevância aplicativa. Assim, a norma é fruto do conhecimento vivo proveniente da atividade interpretativa criadora do jurista. Diante da hermenêutica filosófica, a interpretação e a ciência jurídica são algo mais que a utilização de um método seguro e pré-definido, do mesmo modo que a aplicação do direito é sempre algo mais que a simples subsunção de um enunciado legislativo ao caso concreto.” (ABBOUD, 2013, p. 317)

15. “A autonomia deve ser entendida como ordem de validade representada pela força normativa de um direito produzido democraticamente e que institucionaliza (ess)as outras dimensões com ele intercambiáveis (...) apontando para a Constituição como fio condutor dessa intermediação cuja interpretação deve ser controlada hermeneuticamente, evitando-se que o sentido a ser atribuído ao seu texto e ao conjunto normativo infraconstitucional vá além ou fique aquém desse fundamento normativo.” (STRECK, 2013, p. 333)

16. “Em um Estado Democrático de Direito, não há lugar para o Judiciário fundamentar suas decisões em suas convicções pessoais, morais, religiosas etc. É nessa perspectiva que a CF, 5º, II, estabelece o princípio da legalidade, evidenciando a importância de a legalidade (CF + legislação) constituir o fundamento de legitimidade para motivarem-se as decisões. Em outras palavras, no Estado Democrático de Direito, o Judiciário não pode decidir da forma que quiser. A aplicação da lei não é uma opção do juiz. O senso de justiça de cada magistrado não constitui fundamento legítimo para motivação da decisão. No Estado Democrático de Direito, o Judiciário tem o dever de demonstrar os fundamentos jurídicos que o fizeram decidir dessa ou daquela maneira. Desse modo, ainda que o juiz considere injustas as figuras, por exemplo, da revelia, da usucapião, da prescrição, apenas para ficarmos nesse exemplo, deverá aplicá-las quando for o caso, porque contempladas na legislação vigente, que, por sua vez, vincula sua atividade decisória. Enfim, o juiz não pode se desapegar do arcabouço normativo-constitucional que vincula sua atividade para decidir com base em convicções e em seu senso de justiça. O juiz e todos os tribunais, principalmente o STF, têm o dever de prestar contas à sociedade, demonstrando os fundamentos jurídicos da motivação de sua decisão.” (NERY JUNIOR, 2013b, p. 533).

17. Destacando que “uma decisão judicial que desconsidera uma lei sem fundamentar os motivos, a partir de uma alegação genérica que coloca a Constituição como um artifício retórico para sua não aplicação, será tão arbitrária (...) [quanto] aquela que interpretar o texto legislativo sem qualquer filtragem hermenêutico-constitucional” (STRECK, 2013, p. 346).

18. É importante ressaltar que o reconhecimento da inconstitucionalidade de lei em controle difuso realizado pelo Supremo Tribunal Federal não retira a aplicabilidade (forma vinculante) da lei para os demais casos, porquanto sua eficácia é limitada ao caso decidido. Assim, a lei permanece aplicável às demais situações em julgamento, salvo se editada resolução do Senado Federal, suspendendo a eficácia do preceito, nos termos do artigo 52, inciso X, da Constituição Federal.

19. Item 3.1.

20. “Seus traços fundamentais são os seguintes: primeiro, os tribunais inferiores estão obrigados a repeitar as decisões dos superiores, os quais se obrigam por sua próprias decisões; segundo, toda decisão relevante de qualquer tribunal é um argumento forte para que seja levada em consideração pelos juízes; terceiro, o que vincula no precedente é sua ratio decidendi, isto é, o princípio geral de direito que tem de colocar como premissa para fundamentar a decisão, podendo o juiz que a invoca interpretá-la conforme sua própria razão; quarto, um precedente (sua ratio decidendi) nunca perde sua vigência, ainda que os anos o tenham tornado inaplicável às circunstâncias modernas: ele permanece válido, e pode ser invocado desde que se demonstre sua utilidade para o caso.” (FERRAZ JUNIOR, 2012, p. 210)

21. Apesar de o professor Tércio negar a jurisprudência como fonte do direito, destaca o inegável papel da jurisprudência no sistema jurídico nacional, como fonte interpretativa da lei, com “a formação de interpretações uniformes e constantes que, se não inovam a lei, dão-lhe um sentido geral de orientação; é a chamada jurisprudência pacífica dos tribunais, que não obriga, mas de fato acaba por prevalecer” (FERRAZ JUNIOR, 2012, p. 2011).

22. O termo livremente não quer significar que o juiz esteja livre para decidir a questão do modo como bem entender (decisão solipsista), porquanto o magistrado tem a obrigatoriedade de construir a norma de decisão a partir do estabelecido nas leis e na Constituição. Portanto, o magistrado, no sistema da civil law, é vinculado a aplicar as leis na construção da norma, não podendo deixar de aplicá-las sem fundamentação legal (regras de antinomia) ou constitucional (inconstitucionalidade da lei) pertinente ao caso.

23. “O fim da reforma promovida pela Lei nº 11.672/2008 é de economia processual. Busca-se evitar a enorme sucessão de decisões de questões iguais, com grande perda de energia e gastos, em um tribunal notoriamente assoberbado por uma sempre crescente pletora de recursos.” (THEODORO JUNIOR, 2011, p. 680)

24. “Art. 543-C. Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito, o recurso especial será processado nos termos deste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.672, de 2008)
§ 1º Caberá ao presidente do tribunal de origem admitir um ou mais recursos representativos da controvérsia, os quais serão encaminhados ao Superior Tribunal de Justiça, ficando suspensos os demais recursos especiais até o pronunciamento definitivo do Superior Tribunal de Justiça. (Incluído pela Lei nº 11.672, de 2008)”

25. “§ 1º Serão selecionados pelo menos um processo de cada relator e, dentre esses, os que contiverem maior diversidade de fundamentos no acórdão e de argumentos no recurso especial.” (http://bdjur.stj.jus.br/xmlui/bitstream/handle/2011/17559/
Res_8_2008_PRE.pdf?sequence=4
)

26. “§ 2º Não adotada a providência descrita no § 1º deste artigo, o relator no Superior Tribunal de Justiça, ao identificar que sobre a controvérsia já existe jurisprudência dominante ou que a matéria já está afeta ao colegiado, poderá determinar a suspensão, nos tribunais de segunda instância, dos recursos nos quais a controvérsia esteja estabelecida. (Incluído pela Lei nº 11.672, de 2008)
§ 3º O relator poderá solicitar informações, a serem prestadas no prazo de quinze dias, aos tribunais federais ou estaduais a respeito da controvérsia. (Incluído pela Lei nº 11.672, de 2008)
§ 4º O relator, conforme dispuser o regimento interno do Superior Tribunal de Justiça e considerando a relevância da matéria, poderá admitir manifestação de pessoas, órgãos ou entidades com interesse na controvérsia. (Incluído pela Lei nº 11.672, de 2008)
§ 5º Recebidas as informações e, se for o caso, após cumprido o disposto no § 4º deste artigo, terá vista o Ministério Público pelo prazo de quinze dias. (Incluído pela Lei nº 11.672, de 2008)
§ 6º Transcorrido o prazo para o Ministério Público e remetida cópia do relatório aos demais ministros, o processo será incluído em pauta na seção ou na Corte Especial, devendo ser julgado com preferência sobre os demais feitos, ressalvados os que envolvam réu preso e os pedidos de habeas corpus. (Incluído pela Lei nº 11.672, de 2008)
§ 7º Publicado o acórdão do Superior Tribunal de Justiça, os recursos especiais sobrestados na origem: (Incluído pela Lei nº 11.672, de 2008)
I – terão seguimento denegado na hipótese de o acórdão recorrido coincidir com a orientação do Superior Tribunal de Justiça; ou (Incluído pela Lei nº 11.672, de 2008)
II – serão novamente examinados pelo tribunal de origem na hipótese de o acórdão recorrido divergir da orientação do Superior Tribunal de Justiça. (Incluído pela Lei nº 11.672, de 2008)
§ 8º Na hipótese prevista no inciso II do § 7º deste artigo, mantida a decisão divergente pelo tribunal de origem, far-se-á o exame de admissibilidade do recurso especial. (Incluído pela Lei nº 11.672, de 2008)
§ 9º O Superior Tribunal de Justiça e os tribunais de segunda instância regulamentarão, no âmbito de suas competências, os procedimentos relativos ao processamento e julgamento do recurso especial nos casos previstos neste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.672, de 2008)”

27.“Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:
(...)
III – julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida:
a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência;
b) julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal;
c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal.”

28. “Trata-se de racionalizar a atividade do STJ, na esteira do que também se procurou fazer com o STF, precisamente em casos que já vinham recebendo decisões homogêneas, meramente reiterativas. E a institucionalização desse procedimento inclusive possibilita seu controle de modo mais eficiente. (...) O fundamental é que se observem os limites postos na lei: cabe apenas o sobrestamento dos recursos que versem sobre idêntica questão de direito – e apenas a eles será aplicável aquilo que for decidido no julgamento do recurso amostra. Tudo o que ultrapassar essa fronteira será indevido – e passível de impugnação recursal, como apontado acima.” (TALAMINI, 2008)

29. REsp nº 1.060.210-SC, REsp nº 1.419.697-RS, REsp nº 1.251.331-RS, REsp nº 1.381.683-PE e REsp nº 1.418.593-MS.

30. REsp nº 1.060.210-SC, Rel. Ministro Luiz Fux, decisão em 29.11.2010.

31. “Sob esse enfoque, ressoa inequívoca a necessidade de que todas as ações judiciais, individuais e coletivas, sobre o tema sejam suspensas até o final julgamento deste processo pela Primeira Seção, como representativo da controvérsia, pelo rito do art. 543-C do CPC. Ante o exposto, defiro o pedido da requerente, para estender a suspensão de tramitação das correlatas ações a todas as instâncias da Justiça comum, estadual e federal, inclusive Juizados Especiais Cíveis e as respectivas Turmas ou Colégios Recursais.” (REsp 1.381.683-PE, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, decisão em 25.02.2014)

32. “(...) ressoa inequívoca a necessidade de se obstar a prática de ato judiciais potencialmente lesivos às partes e a prolação de decisões, nas instâncias ordinárias, dissonantes da posição a ser firmada por esta Corte Superior por ocasião do julgamento do recurso paradigmático, de modo a assegurar a eficácia integral desse provimento jurisdicional.” (REsp 1.060.210-SC, Rel. Ministro Luiz Fux, decisão em 29.11.2010)

33. O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do AgRg na Rcl 16.532/RS, ressaltou que “a consolidação de tese pelo STJ no julgamento de recurso repetitivo não tem o condão de, ipso facto, estender a todos os processos em trâmite no país a eficácia da decisão por meio da qual foi julgado o recurso representativo” (AgRg na Rcl 16.532-RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Segunda Seção, julgado em 28.05.2014, DJe 02.06.2014).

34. “Deve-se considerar, ainda, que prevenir decisões conflitantes favorece a economia processual e impede a desnecessária e dispendiosa movimentação presente e futura do aparelho judiciário brasileiro, atitudes que são do interesse de toda a população. A isso se soma que, se a estimativa do número de feitos não parece exagerada, a considerar o grande volume de precedentes sobre a matéria julgados por esta Corte, os valores envolvidos devem se aproximar da realidade, com o que é possível vislumbrar a característica multitudinária do tema, com clara feição de macrolide. É providência lógica, então, que todas as ações de conhecimento em que haja discussão, em conjunto ou individualmente, sobre a legitimidade da cobrança das tarifas administrativas para a concessão e cobrança do crédito, sob quaisquer denominações, bem como sobre a possibilidade de financiamento do IOF, sejam paralisadas até o final julgamento deste processo pela Segunda Seção, como representativo da controvérsia, pelo rito do art. 543-C do CPC. Em face do exposto, defiro o pedido da requerente, para estender a suspensão de tramitação das correlatas ações de cognição a todas as instâncias da Justiça comum, estadual e federal, inclusive Juizados Especiais Cíveis e as respectivas Turmas ou Colégios Recursais.”

35. REsp 1.060.210-SC e REsp 1.381.683-PE.



Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023:2002/ABNT):
. . Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n., fev. 2015. Disponível em:
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Acesso em: .


REVISTA DE DOUTRINA DA 4ª REGIÃO
PUBLICAÇÃO DA ESCOLA DA MAGISTRATURA DO TRF DA 4ª REGIÃO - EMAGIS