|
||
publicado em 30.04.2015
|
||
Não se desconhece a possibilidade de fixação de regime prisional mais severo que aquele determinado pelo quantum da pena, inclusive por força do disposto no § 3º do art. 33 do Código Penal, segundo o qual “A determinação do regime inicial de cumprimento da pena far-se-á com observância dos critérios previstos no art. 59 deste Código”. Em casos tais, todavia, na sentença, o juiz deverá fundamentar convenientemente a escolha/fixação do regime mais severo. Não é por razão diversa que foi editada a Súmula 719 do Supremo Tribunal Federal, que tem o seguinte teor: “A imposição do regime de cumprimento mais severo do que a pena aplicada permitir exige motivação idônea”.(1) Dispunha o § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/90 que o réu condenado por crime hediondo ou assemelhado deveria iniciar o cumprimento da pena privativa de liberdade no regime fechado. Impunha, portanto, regime inicial ex lege, sem outros questionamentos em linhas de individualização, de modo a tolher a atividade individualizatória conferida ao Poder Judiciário e malferir garantia fundamental do acusado, assegurada no art. 5º, XLVI, da Constituição Federal. Por força de equivocada interpretação lastreada no § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/90, em condenações proferidas, invariavelmente juízes e tribunais se descuidaram do dever de individualizar de maneira adequada a escolha do regime prisional de cumprimento da pena inicialmente fixado. De modo a incidir em lamentável equívoco por falta de interpretação sistêmica e leitura constitucional das regras vigentes, admitindo eficácia ao dispositivo citado, foram proferidas condenações nas quais a fundamentação única para fixação do regime inicial fora lastreada no já mencionado art. 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90. Ocorre que, em 26 de junho de 2012, no julgamento do Habeas Corpus nº 111.840/ES, de que foi relator o Ministro Dias Toffoli, o Plenário do Supremo Tribunal Federal julgou inconstitucional o § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/90, por malferir o princípio da individualização da pena, que também se aplica à individualização do regime prisional. Conforme anotamos em nossos livros Lei de Execução Penal anotada (5. ed. São Paulo: Saraiva, 2014) e Tóxicos (10. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 131-2): “Embora com alguma tardança, no julgamento do HC 111.840/ES, de que foi relator o Min. Dias Toffoli, o Plenário do Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/90, que determinava o cumprimento de pena dos crimes hediondos, de tortura, de tráfico ilícito de entorpecentes e de terrorismo no regime inicial fechado. Registre-se, a propósito, que o § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/90 teve sua execução suspensa pelo Senado Federal, por força da Resolução nº 5, de 16.02.2012. Disso decorre que, nas execuções criminais em andamento, se a condenação versar sobre crime hediondo ou assemelhado, faz-se imprescindível verificar se o regime inicial fora fixado tão somente com base no dispositivo em testilha e, sendo o caso, proceder-se ao ajuste do regime em sede de execução, e isso por força do disposto no art. 33, § 2º, do Código Penal; na Súmula 719 do STF; e no art. 66, I, da LEP, segundo o qual compete ao juiz da execução “aplicar aos casos julgados lei posterior que de qualquer modo favorecer o condenado”. Veja-se, a propósito, o teor da Súmula 611 do STF: “Transitada em julgado a sentença condenatória, compete ao juízo das execuções a aplicação de lei mais benigna”. A esse respeito: “Tratando-se de lei penal nova e mais benéfica, é de ser aplicada, ope constitutionis, aos casos pretéritos. A aplicação da Lex mitior compete ao juiz da execução, nos termos da legislação e da Súmula 611 do STF.” (STF, 1ª T., rel. Min. Celso de Mello, DJU de 12.06.1992, p. 9028) “A competência para a análise da aplicabilidade da lei penal benigna é do juízo da execução penal, nos termos do artigo 66, inciso I, da Lei de Execução Penal, razão pela qual é inviável a deliberação da matéria diretamente pelo Superior Tribunal de Justiça, sob pena de supressão de graus de jurisdição. Súmula nº 611/STF.” (STJ, AgRg no HC 250.812/SP, 5ª T., rel. Min. Jorge Mussi, j. 25.02.2014, DJe de 10.03.2014) É incabível afastar a incidência da citada Súmula 611 do STF ao argumento de que não se trata de lei nova, mas de decisão do Supremo Tribunal Federal. Note-se que a decisão foi proferida pelo Plenário da Suprema Corte, e por ela se declarou a inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/90, cuja eficácia foi retirada pelo Senado Federal por intermédio da Resolução 5, de 16.02.2012, do que decorre ser correto afirmar que ocorreu “mudança na legislação”, de forma benigna para o executado, tanto que, a partir de 26 de junho de 2012, não se faz possível aplicar o fulminado dispositivo. Bem por isso o entendimento do Colendo Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que: “Fixado o regime inicial fechado com base no § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/1990, posteriormente declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (HC 111.840/ES, julgado em 27.06.2012), cabe ao juízo da execução, tendo em vista o trânsito em julgado da condenação, reavaliar os elementos concretos dos autos, à luz do art. 33, §§ 2º e 3º, do Código Penal, para verificar qual o regime inicial adequado para o paciente. Precedentes: AgRg no HC nº 257.178/SP, Relatora Ministra Assusete Magalhães, 6ª Turma, DJe 23.09.2013; HC nº 226.064/DF, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJe 24.04.2013.” (STJ, HC 307.902/SP, 6ª T., rel. Min. Ericson Maranho, j. 16.12.2014, DJe de 03.02.2014; STJ, HC 288.376/SP, 6ª T., rel. Min. Marilza Maynard, j. 18.08.2014, DJe de 25.08.2014) A manutenção do condenado em regime fixado exclusivamente com fundamento em regra inconstitucional materializa indesculpável constrangimento ilegal. Não é ocioso destacar que o art. 66, I, da LEP se refere à aplicação da norma “posterior que de qualquer modo favorecer o condenado”, e a Súmula 611 do STF trata da necessária incidência da regra posterior “mais benigna”. É fora de dúvida, portanto, que, na hipótese tratada, a adequação do regime inicial na fase execucional só poderá se verificar de forma benéfica ao executado, jamais in pejus.
|
||
Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023:2002/ABNT): |
||
|