Considerações sobre o tratamento tributário equalitário

Autor: Tiago do Carmo Martins

Juiz Federal

publicado em 30.04.2015

 

Sumário: Introdução. 1 Princípio da igualdade. 2 Igualdade em matéria tributária. 3 Um panorama da igualdade tributária na jurisprudência nacional. Conclusão. Referências bibliográficas.

Introdução

A igualdade é perseguida pela humanidade desde que se identifica alguma organização social. É valor inerente ao ser humano e, afora considerações mais profundas atreladas ao jusnaturalismo, sempre é identificada nos diplomas que positivam os fundamentos bases de organização social.

O campo da tributação não é estranho a esse fenômeno. A igualdade é com frequência invocada para pleitear semelhante tratamento tributário dispensado pela lei a certo segmento econômico ou grupo de indivíduos; ou para invocar a invalidade de algum regime de exação tido por excessivo em relação a outro contexto usado como parâmetro de comparação.

O presente estudo, sem qualquer pretensão exaustiva, propõe-se a examinar o conceito jurídico de igualdade e seus corolários em sede tributária previstos na Constituição Federal de 1988 e a traçar um breve panorama jurisprudencial construído sobre esse arcabouço normativo, para, ao final, buscar um balanço do tratamento do tema pelo Direito nacional.

1 Princípio da igualdade

Em doutrina, tem sido comum o tratamento deste princípio sem uma prévia definição de seu significado.

É possível que isso se deva a uma opção consciente, não apenas doutrinária, mas de técnica legislativa, tendente a permitir que o conceito esteja aberto às adaptações que as transformações culturais, econômicas e comportamentais impõem a determinada sociedade. Nesse sentido é o magistério de Mariana Barbosa Cirne(1):

“(...) os princípios fundamentais (classicamente pensados como liberdade e igualdade) foram formulados de moda a não terem nenhuma consistência semântica: são vazios de conteúdo. Logo, podem ser vistos das mais diversas formas. Mas isso não é uma crítica aos direitos fundamentais, e sim um meio de viabilizar sua função.”

Na mesma esteira a preleção de Giancarlo Corsi(2):

“O princípio da igualdade, para tomarmos o exemplo mais evidente, é universalmente aceito apenas porque, de fato, não especifica os critérios de sua aplicação; dizendo de outro modo, porque não oferece nenhum elemento para seu reconhecimento. O reconhecimento da igualdade é deixado para o aparato organizacional e apenas por meio do procedimento podem ser construídos argumentos para que se decida se as diferenças encontradas são compatíveis com o princípio da igualdade.”

Em linha com esse pensamento, e tratando da particularidade nacional, sustenta Luiz Armando Badin(3) que “a falta de definição sobre o que devemos entender por igualdade material talvez reflita mais a ausência desse consenso na sociedade brasileira do que uma incoerência na argumentação jurídica”.

Contudo, essa indefinição é maior no que toca à dimensão material da igualdade, porquanto, no que se refere à igualdade compreendida em seu aspecto formal, é amplamente aceito o conceito de igualdade perante a lei, garantidora de tratamento isonômico a todos. Ou, dito de outra forma, inibidora de qualquer discriminação.

Uma tal formulação é, inclusive, recorrente nas Constituições ocidentais, consoante espelha o art. 13, nº 1, da Constituição portuguesa, ao enunciar que:

“Nº 1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.
Nº 2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.”

A mesma lógica é encontrada na Constituição brasileira de 1988, cujo art. 5º assevera que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. No ponto, adverte o Ministro Ricardo Lewandowski(4):

“Com essa expressão o legislador constituinte originário acolheu a ideia – que vem da tradição liberal, especialmente da Declaração do Homem e do Cidadão francesa de 1789 – de que ao Estado não é dado fazer qualquer distinção entre aqueles que se encontram sob seu abrigo.”

Essa, então, a expressão mínima que se pode extrair da ideia de igualdade, obtida de sua faceta formal, a qual garante o mesmo tratamento de todos perante determinada norma, do que se infere também a vedação a discriminações.

Eis o magistério de José Faria da Costa,(5) ao asseverar que, “neste quadro, em um quadro de igualdade formal, não há lugar a qualquer tipo de discriminação positiva, nem obviamente qualquer tipo de discriminação negativa”.

Todavia, como acima adiantado, referido princípio revela também uma acepção material, e é nessa seara que a indefinição conceitual é maior, propositadamente, como já asseverado.

Ainda que seja assim, para os efeitos visados neste trabalho, é mister buscar alguma precisão para o aspecto material da igualdade, a partir do que será possível tratar com maior precisão de suas repercussões no campo de tributação.

Com efeito, a percepção da igualdade em sentido material demanda uma operação de desigualização, tendente ao tratamento diferenciado àqueles que se encontrem em situação diversa. Tal a formulação encontrada em Rui Barbosa(6): “A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam”.

A esse respeito, pertinentes as elucidações trazidas no voto proferido pelo Ministro Ricardo Lewandoswki na já citada ADPF nº 186, verbis(7):

“(...) buscou [o Constituinte de 1988] emprestar a máxima concreção a esse importante postulado, de maneira a assegurar a igualdade material ou substancial a todos os brasileiros e estrangeiros que vivem no país, levando em consideração – é claro – a diferença que os distingue por razões naturais, culturais, sociais, econômicas ou até mesmo acidentais, além de atentar, de modo especial, para a desequiparação ocorrente no mundo dos fatos entre os distintos grupos sociais.”

A igualdade, vista em seu prisma material, ora impõe a equalização, ora poderá requerer a diferença de tratamento, sempre com vistas ao resultado final de isonomia entre indivíduos, na exata conformação das exigências da democracia. Na espécie, assevera Boaventura de Sousa Santos(8):

“(...) temos o direito a ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito a ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades.”

No entanto, é de se registrar que a ideia de igualdade material, ela própria, não exprime uma concepção uniforme. Ao contrário, admite percepções distintas, as quais, dependendo da vertente adotada, poderão ensejar níveis de intervenção estatal diversificados para atender ao postulado da igualdade.

Síntese bem lançada de tais concepções é encontrada em trabalho de Luiz Armando Badin,(9) em que, analisando a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal produzida acerca do princípio da igualdade, especialmente o julgamento proferido na ADPF 186, cataloga a igualdade material como: a) igualdade material como igualdade de pontos de partida ou possibilidades; b) igualdade material como igualdade de bens e oportunidades; c) igualdade material como inclusão de grupos historicamente marginalizados (justiça distributiva).

Sob o primeiro prisma, da igualdade material como igualdade de pontos de partida ou possibilidades, igualdade material significa a necessidade de que, no ponto de partida – por exemplo, a seleção para ingresso no ensino superior –, todos estejam em igualdade de condições (ostentem as mesmas possibilidades).

Assim, partindo da realidade nacional, na qual o autor identifica uma disparidade na educação básica e média entre brancos e negros, a igualdade material demandaria “igualar as possibilidades iniciais de grupos que partem de linhas de largada diferentes para disputar uma mesma corrida: o ingresso no Ensino Superior”.(10) Tal seria obtido, na hipótese aventada, mediante a adoção de ações afirmativas.

Sob a vertente da igualdade material como igualdade de bens e oportunidades, para além da igualdade no ponto de partida, pressupõe-se a realocação de bens e oportunidades ao longo do percurso, de forma “dinâmica, para não permitir o surgimento de desigualdades ao longo do caminho”.(11)

Assim, enquanto a primeira concepção não vê problemas no surgimento de desigualdades futuras, desde que inexistam a princípio, no ponto de partida, a segunda pressupõe que a intervenção estatal se dê sempre que algum desequilíbrio ocorra, sendo a tarefa equalizadora marcada pelo dinamismo.

Por fim, no que tange à vertente nominada igualdade material como inclusão de grupos historicamente marginalizados, preleciona o autor(12):

“(...) preocupa-se com a inclusão social de grupos excluídos ou marginalizados. E incluir, como se sabe, não significa necessariamente igualar.
De acordo com essa concepção, uma sociedade materialmente justa até poderia conviver com oportunidades discrepantes para cada um de seus membros e com desigualdades de bens, mas não admitiria a exclusão de pessoas abaixo da linha de pobreza, por carência de condições existenciais mais elementares à subsistência. Ideia de inclusão pressuporia um mínimo de direitos (...), mas que não implica necessariamente a equalização de oportunidades ou a garantia da realocação igualitária de bens e oportunidades.”

Dessarte, com base nas considerações acima lançadas, e para fechar este tópico, pode-se conceituar(13) igualdade como o valor que impõe tratamento equânime a todos os indivíduos que compartilhem de uma mesma sociedade, garantido em primeiro plano (formal) tratamento uniforme perante a lei e o Estado, o que se manifesta na vedação de qualquer discriminação ou privilégio; e, em um segundo plano (material), que admite, e até recomenda, certas diferenciações de tratamento, desde que, partindo-se de uma situação de desequilíbrio fático, em que um indivíduo ou grupo de indivíduos se ache em desvantagem em relação a outro indivíduo ou grupo, um tal tratamento distinto tenha por finalidade colocar ambos em igualdade de condições.

2 Igualdade em matéria tributária

No plano normativo pátrio, partindo-se da Magna Carta de 1988, encontra-se esculpido o princípio geral da igualdade no art. 5º, em que se proclama a igualdade de todos, brasileiros ou estrangeiros no território nacional, perante a lei.

Seu corolário em matéria tributária é o enunciado constante do art. 150, II, que obsta seja instituído “tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos”.

Nesse prisma, representa a “garantia de tratamento uniforme, pela entidade tributante, de quantos se encontrem em condições iguais”.(14)

Ainda, o regramento em prol da isonomia tributária é complementado pela norma do art. 145, § 1º, que positiva o princípio da capacidade contributiva,(15) segundo o qual “os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte”.

Sobre esse tema, lembra Macei(16) que “o princípio da capacidade contributiva é endereçado ao legislador, para que, ao edificar o critério material da hipótese de incidência, procure um comportamento humano (um ser, fazer ou ter) que seja passível de exteriorizar riqueza”.

Aduz que referido princípio traz consigo a ideia de desigualização, pois, em primeiro momento, permite ao legislador identificar no universo de cidadãos aqueles que tenham riqueza passível de tributação, para fazer frente às necessidade do Estado. Após, “localizados todos os que têm riqueza, devem ser tratados igualmente na medida em que tiverem a mesma riqueza. Tendo riquezas diferentes, poderão ser tratados diferentemente”.(17)

De outro norte, tem-se o princípio da uniformidade (art. 151, I), o qual proíbe a União de “instituir tributo que não seja uniforme em todo o território nacional ou que implique distinção ou preferência em relação a Estado, ao Distrito Federal ou a Município”.

Desse conjunto principiológio pode-se extrair o conceito de justiça fiscal, em que, além dos já citados, vetores outros, como a

“generalidade, em que todos são iguais perante a lei, logo todos devem pagar os impostos nela previstos (...) somam-se para completar o ideal de justiça tributária, ainda que a ideia de justiça do imposto, usualmente disseminada, confunda-se com a adequação deste ao princípio da capacidade contributiva.”(18)

Em suma, o tratamento tributário isonômico parte do princípio de que todos os cidadãos se sujeitam à tributação, em iguais condições, não sendo vedada, contudo, a instituição de tratamento distinto para contribuintes que tenham situação econômica distinta.

3 Um panorama da igualdade tributária na jurisprudência nacional

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é sólida em não admitir distinções em face da qualidade de servidor público do sujeito passivo da relação tributária, o que está em consonância com o art. 150, II, da Constituição Federal. No ponto, já fora negado a membros do Ministério Público isenção(19) de emolumentos cartorários. Veja-se:

“A lei complementar estadual que isenta os membros do Ministério Público do pagamento de custas judiciais, notariais, cartorárias e quaisquer taxas ou emolumentos fere o disposto no art. 150, II, da Constituição do Brasil. O texto constitucional consagra o princípio da igualdade de tratamento aos contribuintes. Precedentes. Ação direta julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade do art. 271 da Lei Orgânica e Estatuto do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte – LC 141/1996.” (ADI 3.260, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 29.03.2007, Plenário, DJ de 29.06.2007)

Na mesma linha:

“Isenção de IPTU, em razão da qualidade de servidor estadual do agravante, postulada em desrespeito da proibição contida no art. 150, II, da CF de 1988.” (AI 157.871-AgR, Rel. Min. Octavio Gallotti, julgamento em 15.09.1995, Primeira Turma, DJ de 09.02.1996)

Por outro lado, fora afastado como critério razoável de discrímen a vinculação a um ou outro ente federado:

“Emenda constitucional (EC 41/2003, art. 4º, parágrafo único, I e II). Servidor público. Vencimentos. Proventos de aposentadoria e pensões. Sujeição à incidência de contribuição previdenciária. Bases de cálculo diferenciadas. Arbitrariedade. Tratamento discriminatório entre servidores e pensionistas da União, de um lado, e servidores e pensionistas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, de outro. Ofensa ao princípio constitucional da isonomia tributária, que é particularização do princípio fundamental da igualdade.” (ADI 3.105, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 18.08.2004, Plenário, DJ de 18.02.2005)

É de se frisar que a instituição de tributo que leve em conta o exercício de determinada profissão é tida por legítima, quando a tributação guarde relação de correspondência com a atividade desempenhada. Nesse sentido:

“Ação direta de inconstitucionalidade. Art. 3º da Lei 7.940, de 20.12.1989, que considerou os auditores independentes como contribuintes da taxa de fiscalização dos mercados de títulos e valores mobiliários. Ausência de violação ao princípio da isonomia, haja vista o diploma legal em tela ter estabelecido valores específicos para cada faixa de contribuintes, sendo estes fixados segundo a capacidade contributiva de cada profissional. Taxa que corresponde ao poder de polícia exercido pela Comissão de Valores Mobiliários, nos termos da Lei 5.172, de 1966 – Código Tributário Nacional. Ação direta de inconstitucionalidade que se julga improcedente.” (ADI 453, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 30.08.2006, Plenário, DJ de 16.03.2007)

De outro norte, é válido, como critério de diferenciação, sopesar a necessidade de maior proteção e incentivo estatal para certas atividades econômicas, independentemente do fato de os contribuintes ostentarem capacidade contributiva semelhante, pois pertencentes a faixa de faturamento aproximada. Veja-se:

“Não há ofensa ao princípio da isonomia tributária se a lei, por motivos extrafiscais, imprime tratamento desigual a microempresas e empresas de pequeno porte de capacidade contributiva distinta, afastando do regime do simples aquelas cujos sócios têm condição de disputar o mercado de trabalho sem assistência do Estado.” (ADI 1.643, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 05.12.2002, Plenário, DJ de 14.03.2003. No mesmo sentido: RE 627.543, Rel. Min. Dias Toffoli, julgamento em 30.10.2013, Plenário, Informativo 726, com repercussão geral; RE 559.222-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 17.08.2010, Segunda Turma, DJE de 03.09.2010)

Na mesma esteira, admite o Superior Tribunal de Justiça distinções amparadas no caráter extrafiscal da tributação, conquanto os contribuintes ostentem semelhante capacidade contributiva. Afasta, desse modo, interpretação que escorra diretamente de uma igualdade formal, perante a lei, admitindo, outrossim, a verificação de eventual interesse extrafiscal como legitimador do discrímen:

“PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. EXCLUSÃO DO BENEFÍCIO FISCAL DE CRÉDITO PRESUMIDO DE ICMS. ESTABELECIMENTO FRIGORÍFICO EXPORTADOR. OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA.
1. Na origem, a empresa impetrante objetivava afastar a aplicação do disposto no § 1º do art. 13-A do Decreto nº 12.056/2006, e suas prorrogações, que restringiu o direito ao benefício fiscal de crédito presumido de ICMS, por parte do estabelecimento frigorífico exportador.
2. O mandamus foi impetrado em caráter preventivo contra decreto de efeitos concretos, que faz restrição expressa à condição de frigorífero exportador, existindo situação individual e específica a ser tutelada, razão pela qual se rejeita a alegada preliminar de decadência e impetração contra a lei em tese.
3. O acórdão impugnado afastou a violação do princípio da igualdade tributária, por entender que a questão em análise deve levar em conta o princípio da capacidade contributiva, uma vez que é necessário diferenciar os que possuem riquezas diferentes e, consequentemente, os que possuem diferentes capacidades de contribuir, ou seja, tratar de forma igual apenas os que tiverem igualdade de condição.
4. O princípio da capacidade contributiva está disciplinado no art. 145 da CF/1998, segundo o qual ‘os tributos serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte’.
5. O princípio da igualdade defendido pela recorrente deve ser relativizado pelo princípio da capacidade contributiva, de modo que seja atribuído a cada sujeito passivo tratamento adequado à sua condição, para minimizar desigualdades naturais.
6. A ordem pleiteada não pode ser concedida, pois, caso a postura extrafiscal do Estado não fosse permitida, a recorrente teria o direito ao benefício fiscal em questão e passaria a uma situação de maior vantagem em relação às demais pequenas empresas do setor de carnes.
7. É plenamente razoável e proporcional a restrição imposta pelo § 1º do art. 13-A do Decreto Estadual nº 12.056, de 2006, do Estado do Mato Grosso do Sul, que exclui os grandes frigoríferos exportadores do regime diferenciado do crédito presumido, até porque já possuem isenção de ICMS nas exportações devido à previsão constitucional.
8. A extensão dos benefícios fiscais, por via jurisdicional, encontra limitação absoluta no dogma da separação de poderes.
Recurso ordinário improvido.” (RMS 37.652/MS, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 26.06.2012, DJe 29.06.2012)

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por sua vez, admite distinção de tratamento tributário entre pessoas físicas e jurídicas, amparada na própria natureza distinta de tais entidades. Nessa linha, confira-se:

EMENTA: TRIBUTÁRIO. ADESÃO AO BENEFÍCIO DA MEDIDA PROVISÓRIA Nº 303/2006. PESSOA FÍSICA, IMPOSSIBILIDADE. RESPEITO AOS PRINCÍPIOS DE IGUALDADE, ISONOMIA, CAPACIDADE CONTRIBUTIVA E GENERALIDADE AO IMPOSTO DE RENDA. 1. A opção pelo parcelamento extraordinário – PAEX é benefício fiscal conferido exclusivamente às pessoas jurídicas, com prazos e condições especiais de parcelamentos de débitos. 2. Não há falar em ofensa aos princípios da igualdade, da isonomia, da capacidade contributiva ou da generalidade ao imposto de renda, pois a distinção feita pelo legislador mostra-se razoável, na medida em que leva em conta diferenças existentes entre contribuinte pessoa jurídica e contribuinte pessoa física. 3. É incabível a aplicação da alegada equidade, uma vez que o parcelamento extraordinário trata de forma diversa contribuintes que se encontram em situações tributárias diferentes.” (TRF4, AC 2006.72.04.003875-8, Primeira Turma, Relator Joel Ilan Paciornik, D.E. 16.03.2010)

Na decisão em comento, o caráter extrafiscal também fora chamado a legitimar a diferenciação, tendo o relator asseverado que, “em relação ao contribuinte pessoa jurídica, por exemplo, a distinção da forma tributária justifica-se, entre outros motivos, como forma de aquecer a economia, possibilitar um maior estímulo às indústrias, bem como incentivar a regularização de pendências tributárias”.

Em oposição, a mesma Corte regional refutou a instituição de tratamento diferenciado a contribuintes sujeitos ao imposto de renda de pessoa física, amparado tão somente no fato da percepção acumulada de parcelas remuneratórias atrasadas, reconhecidas judicialmente. Assim espelha o seguinte julgado:

EMENTA: TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. INCIDÊNCIA. VERBAS DECORRENTES DE CONDENAÇÃO JUDICIAL EM AÇÃO TRABALHISTA. APLICAÇÃO DO REGIME DE COMPETÊNCIA. 1. Para efeito de incidência de imposto de renda sobre verbas remuneratórias pagas em atraso, via condenação judicial em demanda trabalhista, deve ser considerada a remuneração devida em cada mês-competência e aplicada a alíquota correspondente, conforme tabela progressiva vigente, em observância ao princípio da capacidade contributiva e ao postulado da igualdade. Procedimento que encontra justificativa, ainda, no parágrafo único do art. 3º da Lei 9.250/95. 2. O artigo 12 da Lei 7.713/88 não trata da forma de incidência do imposto de renda sobre rendimentos decorrentes de condenação judicial, mas do momento em que a exação deve ocorrer, estabelecendo o responsável pela retenção do tributo na fonte.” (TRF4, AC 2007.71.00.041912-5, Primeira Turma, Relator Roger Raupp Rios, D.E. 29.07.2008)

Conclusão

Do até aqui explanado, resulta claro que é obrigação do legislador instituir tratamento tributário equânime a contribuintes que se acham em igualdade de condições. Tal é decorrência imperativa do postulado da igualdade, em seu sentido formal.

De outro norte, atividade legislativa deve se preocupar em identificar as situações que demandem tratamento desigual, sempre com vistas a aquinhoar desigualmente os desiguais e, assim agindo, satisfazer ao postulado da igualdade em sentido material.

Um tal agir, contudo, não é suficiente. É preciso sempre rememorar que a atividade legiferante se faz em tese e não é apta a abarcar, adredemente, a multiplicidade e a complexidade de relações que se desenvolvem no seio da sociedade.

Por tal razão, é mister que a atividade interpretativa dos juízes e dos tribunais, com um olho na norma e o outro na realidade, possa dosar a distribuição do critério da igualdade na seara tributária, seja vedando regimes que instituem discriminação arbitrária entre contribuintes que se acham em mesma condição, seja validando as distinções operadas à luz das diferenças existentes no plano dos fatos.

O exame aqui procedido permite afirmar que a jurisprudência nacional tem tido a necessária acuidade para examinar tais diferenças e distribuir a justiça de acordo com as peculiaridades dos casos concretos levados a julgamento.

Encontra-se, todavia, um obstáculo, materializado no entendimento que se cristalizou no Enunciado de Súmula 339 do Supremo Tribunal Federal.(20)

Na atual quadra evolutiva de nosso sistema jurídico, é tarefa difícil sustentar a expansão, pela jurisprudência, de um tratamento tributário privilegiado a grupo não atendido pelo legislador. É admissível, apenas, a exclusão do ordenamento jurídico da norma declarada como portadora de invalidade decorrente de ofensa à isonomia, do que pode resultar eventual injustiça com o seguimento originalmente contemplado pela lei.

No entanto, quando não se nega que tal segmento faça jus a um tratamento diferenciado, mas apenas se opõe que outro também o faria, mostra-se necessário refletir e rediscutir acerca da vedação de atuação do Poder Judiciário como “legislador positivo”, já que aqui há, potencialmente, espaço para promoção mais eficaz da igualdade tributária em sentido material.

Referências bibliográficas

BADIN, Luiz Armando. O princípio da igualdade na jurisprudência recente do Supremo Tribunal Federal. Revista do Advogado, São Paulo, n. 117, out. 2012.

BARBOSA, Rui. Oração aos moços: edição popular anotada por Adriano da Gama Kury. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1997.

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional. Coimbra: Almedina, 1996.

CIRNE, Mariana Barbosa. Qual pode ser o papel do direito fundamental à igualdade em uma política de cotas raciais? Revista Direitos Fundamentais e Justiça, Porto Alegre, n. 18, jan./mar. 2012.

CORSI, Giancarlo. Sociologia da Constituição. Traduzido por Juliana Neuenschwander. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, n. 39, jan./jun. 2001.

COSTA, José Faria da. O princípio da igualdade, o Direito Penal e a Constituição. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo, v. 100, jan./fev. 2013.

GOMES, Joaquim B. Barbosa. Ação afirmativa e princípio constitucional da igualdade. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.

LEWANDOWSKI, Ricardo. Voto proferido na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 186.

MACEI, Demetrius Nichele. O princípio da igualdade tributária e as sociedades cooperativas. Revista Tributária e de Finanças Públicas, São Paulo, v. 100, set./out. 2011.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. São Paulo: Malheiros, 2007.

SANTOS, Boaventura de Sousa. Reconhecer para libertar: os caminhos do cosmopolitanismo multicultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

Notas

1. CIRNE, Mariana Barbosa. Qual pode ser o papel do direito fundamental à igualdade em uma política de cotas raciais? Revista Direitos Fundamentais e Justiça. Porto Alegre, n. 18, jan./mar. 2012. p. 191.

2. CORSI, Giancarlo. Sociologia da Constituição. Traduzido por Juliana Neuenschwander. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, n. 39, jan./jun. 2001. p. 7.

3. BADIN, Luiz Armando. O princípio da igualdade na jurisprudência recente do Supremo Tribunal Federal. Revista do Advogado, São Paulo, n. 117, out. 2012. p. 140.

4. LEWANDOWSKI, Ricardo. Voto proferido na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 186. p. 4.

5. COSTA, José Faria da. O princípio da igualdade, o Direito Penal e a Constituição. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 100, jan./fev. 2013. p. 239.

6. BARBOSA, Rui. Oração aos moços: edição popular anotada por Adriano da Gama Kury. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1997. p. 26.

7. Ob. cit., p. 4.

8. SANTOS, Boaventura de Sousa Santos. Reconhecer para libertar: os caminhos do cosmopolitanismo multicultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. p. 56.

9. Ob. cit., p. 135-143.

10. Ob. cit., p. 138.

11. Ob. cit., p. 138.

12. Ob. cit., p. 138-139.

13. O conceito ora proposto visa apenas orientar a metodologia do presente trabalho, sem, contudo, ter a pretensão de encerrar a discussão sobre o tema, especialmente porque, como lembra Mariana Barbosa Cirne, “(...) a discussão sobre o conteúdo fluido da igualdade (o que já aconteceu na criação da ideia de constituição surgida na França e nos Estados Unidos) garante a abertura para um debate atual e futuro sobre a densificação desses direitos. (...) E aqui entra o papel do princípio da igualdade. Na construção de um papel inclusivo na sociedade, que pode sempre ser problematizado e repensado. Em uma conceituação de igualdade que tem se moldado, ‘através dos tempos, às novas realidades sociais’. Ocorre aqui uma ‘agregação de significados no decorrer da história, fazendo do princípio da igualdade o preceito complexo que ora se apresenta’ (ob. cit., p. 197-198).

14.MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 39.

15. O seguinte julgado do Supremo Tribunal Federal espelha a natureza complementar que o princípio da capacidade contributiva exerce em função do princípio da igualdade tributária: “Dou destaque a um princípio constitucional limitador da tributação, o princípio da igualdade tributária, que está inscrito no art. 150, II, da Constituição. Esse princípio se realiza, lembra Geraldo Ataliba, no tocante aos impostos, mediante a observância da capacidade contributiva (CF, art. 145, § 1º); quanto às contribuições, por meio da ‘proporcionalidade entre o efeito da ação estatal (o seu reflexo no patrimônio dos particulares) e o seu custo’, ou, em outras palavras, por meio da proporcionalidade entre o custo da obra pública e a valorização que esta trouxe para o imóvel do particular; e, referentemente às taxas, ‘pelo específico princípio da retribuição ou remuneração. Cada um consome uma certa quantidade de serviço público e remunera o custo daquela quantidade’ (Geraldo Ataliba, Sistema Trib. na Constituição de 1988, Rev. de Dir. Trib., 51/140)” (ADI 447, Rel. Min. Octavio Gallotti, voto do Min. Carlos Velloso, julgamento em 05.06.1991, Plenário, DJ de 05.03.1993)

16. MACEI, Demetrius Nichele. O princípio da igualdade tributária e as sociedades cooperativas. Revista Tributária e de Finanças Públicas, São Paulo, v. 100, set./out. 2011. p. 54.

17. Ob. cit., p. 55.

18. Ob. cit., p. 55.

19. Além da vedação constante do art. 150, II, outro norte para a aferição da validade de isenções é extraído do magistério de Hugo de Brito Machado: “Em se tratando de imposto cujo fato gerador não seja necessariamente um indicador de capacidade contributiva do contribuinte, a lei que concede isenção certamente não será inconstitucional, visto que não fere o princípio em estudo. Em se tratando, porém, de imposto sobre o patrimônio ou a renda, aí nos parece que a isenção lesa o dispositivo constitucional que alberga o princípio em referência” (ob. cit., p. 41).

20. Súmula nº 339: “Não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores públicos sob fundamento de isonomia”.



Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023:2002/ABNT):
. . Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n., abr. 2015 . Disponível em:
<>
Acesso em: .


REVISTA DE DOUTRINA DA 4ª REGIÃO
PUBLICAÇÃO DA ESCOLA DA MAGISTRATURA DO TRF DA 4ª REGIÃO - EMAGIS