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publicado em 30.06.2015
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Este breve estudo buscará, em um primeiro momento, identificar critérios normativos para a razoável duração de processos judiciais nos quais seja postulado o reenvio de crianças subtraídas ilicitamente de seus países de residência habitual, com fundamento na Convenção de Haia de 1980, incorporada ao direito interno pelo Decreto nº 3.413/2000. Em um segundo momento, a partir da análise do tempo de tramitação de três precedentes do Tribunal Regional Federal da 4ª Região em que se determinou o retorno da criança ao país de origem, verificar-se-á se tais critérios normativos foram atendidos. Finalmente, após a análise dos fatores que determinam maior duração do processo, buscar-se-á sugerir medidas que contribuam para o cumprimento da obrigação assumida pelo Brasil, ao ratificar os termos da Convenção de Haia de 1980, no que tange à celeridade dos processos judiciais que versam sobre a matéria. 1 Critérios normativos para a duração de processos judiciais envolvendo a aplicação da Convenção de Haia de 1980 Como esclarece em seu artigo 1º, a Convenção de Haia de 1980 tem por objetivo precípuo assegurar o retorno imediato de crianças ilicitamente transferidas para qualquer de seus Estados signatários ou que em qualquer destes sejam retidas indevidamente. Já ao enunciar seu escopo, a Convenção estabelece que o retorno deve ser “imediato”, do que já se retira, desde logo, que a celeridade é baliza fundamental que norteia o sistema normativo construído a partir da Convenção. O artigo 12, em sua parte inicial, corrobora essa conclusão: “Artigo 12 – Quando uma criança tiver sido ilicitamente transferida ou retida nos termos do Artigo 3 e tenha decorrido um período de menos de 1 ano entre a data da transferência ou da retenção indevidas e a data do início do processo perante a autoridade judicial ou administrativa do Estado Contratante onde a criança se encontrar, a autoridade respectiva deverá ordenar o retorno imediato da criança.” Mas o que pode ser considerado “imediato” em situação fática que se apresenta, no mais das vezes, pontuada por interesses conflitantes entre os genitores, caracterizados pelas problemáticas próprias das disputas familiares, repletos de carga emocional e acentuada, ainda, por vezes, por diferenças culturais entre os países envolvidos, em um cenário de potencial irreversibilidade da eventual ordem judicial de retorno? Para responder a essa questão, há que se considerar que a aplicabilidade da Convenção restringe-se aos casos em que a criança tenha sido removida de forma ilícita. A remoção é tida por ilícita, nos termos do artigo 3º da Convenção, nos casos em que o direito de guarda tenha sido atribuído previamente por decisão judicial, por ato administrativo ou por acordo, em consonância com a lei do país de residência habitual da criança, a ambos os genitores, de forma compartilhada, ou ao genitor “deixado para trás” (“left behind”). Para compreender adequadamente o significado do “retorno imediato”, é preciso ter em mente que a Convenção “é um diploma que estabelece um pacto de cooperação jurídica entre seus Estados Contratantes, na medida em que regulamenta como pode se dar o retorno ao status quo ante da ilegalidade perpetrada (...). Vale o registro de que não se trata de uma Convenção de direito de família ou de normas de direito material, mas sim de uma Convenção de cooperação internacional.” (TIBURCIO; CALMON, 2014, p. 12, destaque nosso) Nesse sentido também se tem manifestado a jurisprudência: “(...) a Convenção da Haia sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças, na lição da melhor doutrina, configura uma convenção que organizou um sistema de cooperação processual visando a uma finalidade específica, em que as autoridades de duas jurisdições mantêm uma coordenação de caráter permanente, por meio de suas autoridades centrais, que são solicitadas a colaborarem sempre que venha a ocorrer um deslocamento ou uma manutenção transfronteiriça ilegais de uma criança.” (Excerto do voto proferido pelo Des. Federal Carlos Thompson Flores no julgamento do Agravo de Instrumento nº 5032454-08.2014.404.0000/PR, j. 28.01.2015) Exatamente por se tratar de convenção que visa estreitar a cooperação jurídica entre os Estados contratantes, discussões acerca do próprio direito de guarda, do pátrio poder e de questões congêneres não são admitidas na ação de repatriação da criança, na medida em que é pressuposto que o direito de guarda titularizado pelo genitor left behind já se encontre definido e assegurado no país de origem, de acordo com o direito ali aplicável. A fim de assegurar o “retorno imediato” da criança subtraída ilicitamente, a Convenção, em seu artigo 2º, estabelece para os Estados contratantes o dever de tomar “todas as medidas apropriadas que visem assegurar, nos respectivos territórios, a concretização” de seus objetivos, devendo recorrer, inclusive, a “procedimentos de urgência”. Não se exige que o Estado contratante adote legislação específica para essa finalidade, mas que se utilize dos procedimentos de maior urgência disponíveis em seu ordenamento jurídico interno para assegurar o cumprimento dos objetivos da Convenção.(1) A disposição do artigo 2º é ainda complementada pelo artigo 11, que obriga as “autoridades judiciais ou administrativas dos Estados Contratantes” a adotar “medidas de urgência com vistas ao retorno da criança”. Enquanto a disposição do artigo 2º é destinada aos Estados contratantes, o artigo 11 se dirige às autoridades do Estado requerido a fim de que dispensem tratamento prioritário a esse tipo de demanda.(2) O referido dispositivo estabelece, ainda, que, se a respectiva autoridade judicial ou administrativa não tiver tomado uma decisão no prazo de 06 semanas a contar da data em que o pedido lhe foi apresentado, o requerente ou a autoridade central do Estado requerido poderão solicitar uma declaração sobre as razões da demora. Como esclarece o Desembargador Federal Jorge Maurique, em estudo sobre o tema, “(...) esse prazo de seis semanas não é aleatório, mas sim um prazo fixado, pensado nos interesses da criança que foi subtraída indevidamente do seu local de residência habitual, isto é, está privada do convívio de seu círculo familiar e social, muitas vezes afastada da escola, porquanto, quando há deslocamento ou retenção ilegal, a criança passa a uma situação de clandestinidade e precariedade. Portanto, o prazo fixado de seis semanas tem por finalidade a redução ao máximo das nefastas consequências do deslocamento ilegal, visando à devolução da criança ao seu centro de convivência no prazo mais célere possível. Seis semanas na vida de qualquer pessoa pode ser, ou não, um prazo curto ou longo, mas na vida de qualquer criança – desenvolvendo suas potencialidades físicas e mentais, privada da convivência com seus amigos, parentes, muitas vezes com dificuldades de comunicação devido a idiomas diferentes – é, de fato, um prazo considerável. Mesmo assim, deve ser dito que raramente se consegue concluir, no Brasil, um processo que envolva restituição de crianças nesse prazo.” (MAURIQUE, 2009) A celeridade é apontada como da essência da Convenção pelos Guias de Boas Práticas(3) e “princípio-chave” para sua aplicação (TIBURCIO e outros, 2014, p. 14). Cabe citar, ainda, entre outros, o Regulamento (CE) nº 1347/2000 relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e de regulação do poder paternal em relação a filhos comuns do casal – o denominado “Regulamento Bruxelas II”, aplicável no âmbito da Comunidade Europeia. Esse documento, em seu artigo 11, parágrafo 3º, determina que a Corte à qual seja dirigido o pedido aja de forma célere quanto ao seu processamento, valendo-se dos instrumentos mais ágeis disponíveis na legislação nacional (TIBURCIO e outros, 2014, p. 18). A exigência de celeridade, princípio geral, aplicável a todos os processos judiciais como corolário do princípio da razoável duração do processo, adquire contornos mais dramáticos nas ações em que se busca a repatriação de crianças subtraídas ilicitamente com fundamento na Convenção de Haia. Isso se explica porque a infância e a adolescência são fases de rápidas transformações físicas e psíquicas, próprias do intenso desenvolvimento da personalidade que ocorre no início da vida do indivíduo. Desde aprender a dar os primeiros passos, alimentar-se com suas próprias mãos, balbuciar as primeiras palavras, os primeiros dias na escola, os grupos de amigos da adolescência... Acontecimentos dotados de grande significação sucedem-se em intervalos de tempo muito breves. Costumamos dizer que, no mundo globalizado, dominado pela rapidez dos meios de comunicação, temos a sensação de que o tempo passa com grande velocidade. Em se tratando de crianças e adolescentes, não é mera sensação: a passagem do tempo é, de fato, muito mais veloz, dada a rapidez das transformações vivenciadas durante o processo de crescimento/desenvolvimento. Ademais, a solução célere dessas demandas ainda visa evitar a consolidação de situações fáticas de ilicitude. Na subtração ilegal de crianças, a demora na solução da demanda que visa à sua repatriação favorece o autor da conduta ilícita, na medida em que a permanência no país de destino e a consequente adaptação da criança ao novo ambiente podem dificultar sobremaneira o retorno ao status quo ante e, em situações-limite, dar margem à hipótese excepcional descrita no artigo 12 da Convenção, nos casos em que a criança já se encontre integrada ao novo meio. Não são raros, ainda, os casos em que a criança subtraída cai em situação de clandestinidade e vê-se privada do acesso aos serviços públicos de educação, saúde e assistência social, devido ao receio do genitor abdutor de que ela seja identificada pelos agentes estatais, podendo tal fato desencadear as medidas tendentes à repatriação, ou de que tenha que responder criminalmente por seus atos. 2 O direito processual civil brasileiro e a exigência de celeridade da Convenção de Haia No direito processual civil brasileiro vigente, a jurisprudência das cortes regionais federais e do Superior Tribunal de Justiça tem admitido o uso da ação cautelar de busca e apreensão (artigos 830 a 843 do CPC/73).(4) Nessa ação, o pedido a ser deduzido é a repatriação da criança, o que lhe empresta caráter satisfativo, dispensando a propositura de ação principal. Várias decisões judiciais também admitem o manejo da antecipação da tutela do artigo 273, I, do CPC/73, que permite ao juiz um adiantamento do provimento de mérito a ser alcançado com a procedência da ação, o que pode ser concedido tanto na fase inicial do processo quanto na própria sentença de procedência ou na fase recursal. Tanto a ação cautelar de busca e apreensão quanto a tutela antecipada possibilitam a concretização da exigência de celeridade imposta no texto da Convenção, notadamente diante do princípio da fungibilidade das medidas de urgência (art. 273, § 7º, do CPC/73). A celeridade exigida pela Convenção de Haia também é contemplada nas formas de tutela processual previstas no novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015). Nesse novel texto legal, há que se ressaltar, inicialmente, a previsão expressa do auxílio direto como técnica de cooperação jurídica internacional (artigos 28 a 34), competindo ao juízo federal do lugar em que deva ser executada a medida apreciar o pedido. Tal previsão evitará uma série de discussões acerca da viabilidade do auxílio direto, na medida em que sua previsão resta, agora, definitivamente positivada em norma cogente. A norma tem pertinência nos casos em que o auxílio é postulado pela União Federal, na qualidade de legitimada ordinária, com vistas ao cumprimento das obrigações assumidas pelo Brasil na ordem internacional. Quanto à técnica processual adequada para os casos que envolvam a subtração ilícita de crianças, o novo Código de Processo Civil positivou a tutela de remoção do ilícito em seu artigo 536, abaixo transcrito, para melhor clareza: “Art. 536. No cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer ou de não fazer, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento, para a efetivação da tutela específica ou a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente, determinar as medidas necessárias à satisfação do exequente. Trata-se de técnica processual desenvolvida com a finalidade de fazer cessar a situação de ilicitude criada por um ato contrário ao direito, tal como ocorre nos casos de exposição à venda de produtos proibidos ou despejo de material poluente em local vedado pela legislação ambiental. Esse, precisamente, é o contexto fático que envolve a subtração ilícita de crianças e sua permanência fora do local de sua residência habitual. Como refere Luiz Guilherme Marinoni, na tutela de remoção do ilícito, não há preocupação estrita com o dano e com a culpa. Em suas palavras, “para a concessão da tutela de remoção do ilícito são necessários dois requisitos: (i) ação contrária ao direito; e (ii) efeitos ilícitos, derivados da ação praticada, que estejam em ato no momento da propositura da ação judicial” (MARINONI, 2015, p. 310). Essa, exatamente, é a situação fática que se apresenta nos casos de remoção ilícita de crianças. A subtração é ilícita toda vez que contrariar ato, decisão judicial ou acordo existente e validamente aperfeiçoado no país de origem, de acordo com as normas de seu direito interno. Os efeitos ilícitos perduram enquanto a repatriação não ocorre, uma vez que a jurisdição do país de origem permanecerá sendo desrespeitada enquanto seu comando não for cumprido. Quanto à possibilidade de antecipação dos efeitos da tutela de remoção do ilícito, assim leciona Luiz Guilherme Marinoni, em obra sobre o novo Código de Processo Civil: “A tutela de remoção do ilícito é geneticamente dependente da técnica antecipatória, na medida em que o perigo de dano se relaciona com a ideia embutida na necessidade de se remover os efeitos da ação ilícita. Ora, o objetivo da remoção dos efeitos do ilícito é o de exatamente extirpar a situação que, segundo a norma de proteção, tem grande probabilidade de produzir danos. Sendo assim, uma vez praticada a conduta ilícita da qual decorrem efeitos que se prolongam no tempo, torna-se urgente removê-los, sendo quase que natural a necessidade de se antecipar a tutela de remoção.” (MARINONI, 2015, p. 326) Dessa forma, quer sob a égide do Código de Processo Civil de 1973, quer sob a égide do novo Código de Processo Civil de 2015, o retorno imediato, desde que configurados os pressupostos da Convenção, pode ser determinado em sede de antecipação dos efeitos da tutela, em mais de um momento processual: no início da ação, inaudita altera pars, em sentença ou mesmo em sede de antecipação da tutela recursal. Não há que se condicionar a execução da ordem de retorno ao trânsito em julgado da decisão, sob pena de se esvaziar de significado a determinação de retorno imediato, vetor interpretativo nuclear do sistema de cooperação jurídica internacional concebido pela Convenção de Haia de 1980. Não se ignora que a matéria é polêmica, havendo respeitáveis posicionamentos em sentido contrário (BASSO, 2013, p. 206; ARAÚJO, 2011, p. 562). Todavia, como sustentam Carmen Tiburcio e outros, “Essa interpretação, que admite a não aplicação dessas medidas por incompatíveis com a ordem judicial do Estado, cria ‘alternativa’ a viabilizar a adesão daqueles países que não admitam ordens liminares em tais matérias, determinando o retorno apenas após o contraditório (caso da maior parte da América do Sul), o que ‘representa inegável redução da rapidez e da eficácia dos pedidos de restituição’.” (TIBURCIO, 2014, p. 53) Além da possibilidade de antecipação da tutela de remoção do ilícito, no curso da ação é possível, ainda, a adoção de medidas de caráter nitidamente acautelatório, a fim de evitar nova remoção ilícita da criança pelo genitor que se encontra no Brasil, como a retenção do passaporte de ambos e a comunicação às autoridades incumbidas do controle das fronteiras. 3 Estudo de casos: o tempo médio de tramitação de alguns precedentes com ordem judicial de retorno Fixados, brevemente, os critérios normativos acerca da exigência de celeridade que deve permear as ações fundadas no texto da Convenção, passa-se a analisar alguns precedentes do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, nos quais o retorno imediato da criança foi determinado. A amostra foi colhida a partir do balanço da jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, realizado pelo Juiz Federal Roger Raupp Rios, no âmbito de comissão da Escola da Magistratura da 4ª Região constituída para o fim de empreender estudos sobre o tema. 3.1 Apelação/Reexame Necessário nº 5004562-86.2013.404.7105/RS, Rel. Juiz Federal Nicolau Konkel Junior, j. 18.03.2015 Fatos: Menor, filho de mãe brasileira e pai espanhol, nascido em 01 de maio de 2001, com residência habitual na Espanha. O casal separou-se judicialmente, havendo decisão da Justiça espanhola determinando a guarda compartilhada. Nesse contexto, a mãe obteve autorização do pai para trazer o menor em férias para o Brasil, sob o compromisso de retornar à Espanha até 30 de agosto de 2008, e não retornou, fixando sua residência no Brasil, sem a autorização do genitor espanhol. A retenção tornou-se ilícita, nos termos da Convenção, em 01 de setembro de 2008, quando o menor contava com a idade de 07 anos e 04 meses. A autoridade central espanhola formulou seu pedido junto à autoridade central brasileira em novembro de 2008. Síntese da tramitação do processo: A ação foi proposta pela União Federal, na forma de auxílio direto, e foi distribuída em 24 de julho de 2009. A ação postulou o retorno imediato da criança e, cautelarmente, a retenção dos documentos da mãe e do menor. Verifica-se que, no caso, não decorreu período superior a 12 meses entre a remoção ilícita e a distribuição da ação, o que determinaria, a princípio, a aplicabilidade do artigo 12 em sua parte inicial, com a exigência de retorno imediato. Recebida a petição inicial, o processo teve seu primeiro despacho em 27 de julho de 2009, no qual se determinou a manifestação do Ministério Público Federal. Em 13 de agosto de 2009, o Ministério Público Federal opinou pelo indeferimento do retorno imediato e, em 17 de agosto de 2009, o juízo indeferiu o pedido de retorno imediato, bem como a retenção dos documentos da mãe e do menor formulados na inicial. Em 28 de agosto de 2009, a ré foi citada. Em 11 de novembro de 2009, foi realizada audiência de conciliação, na qual, diante da ausência do pai do menor, foi marcado o prazo de 20 dias para juntada de laudo psicológico do menor, pela mãe, bem como de outros documentos existentes na ação de guarda do menor promovida pela mãe na Justiça Estadual de Santo Ângelo. Determinou-se, ainda, que a União providenciasse resposta junto ao Estado espanhol acerca do interesse de que o pai do menor comparecesse em juízo para uma nova audiência. Em 18 de junho de 2010, foi realizada a primeira audiência de instrução e julgamento, com a oitiva de testemunhas, a tomada do depoimento pessoal da mãe do menor e a determinação de juntada de documentos. A União acenou com a possibilidade de concordância do pai com a permanência do menor no Brasil. Em 03 de agosto de 2011, foi realizada a segunda audiência de instrução, na qual foi colhido o depoimento do menor e determinada a expedição de carta rogatória para oitiva do pai do menor. Em 04 de março de 2013, realizou-se a terceira audiência de instrução, na qual foi feita nova oitiva do menor. Na mesma data, ou seja, passados quase cinco anos da data em que a remoção tornou-se ilícita, quando o menor já contava com 11 anos e 10 meses, foi proferida sentença de improcedência do pedido, com fundamento na exceção do artigo 13 da Convenção: “A autoridade judicial ou administrativa pode também recusar-se a ordenar o retorno da criança se verificar que esta se opõe a ele e que a criança atingiu já idade e grau de maturidade tais que seja apropriado levar em consideração as suas opiniões sobre o assunto.” Em 09 de abril de 2013, a União Federal interpôs recurso de apelação, com pedido de antecipação dos efeitos da tutela recursal, a qual foi recebida no duplo efeito em 26 de julho de 2013. O processo foi distribuído no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, para análise dos recursos, em 06 de outubro de 2014. Em 18 de março de 2015, a apelação foi julgada e a sentença, reformada, sem antecipação da tutela recursal. Em 15 de maio de 2015, embargos de declaração foram acolhidos parcialmente para efeito de prequestionamento. Até a data da publicação deste trabalho, não consta notícia de cumprimento da decisão de repatriação do menor. Em 01 de maio de 2017, o menor completará 16 anos, data em que a Convenção deixará de ter aplicação. Passa-se à tabulação dos principais marcos temporais da tramitação deste processo:
A partir dos marcos temporais acima listados, passa-se ao cálculo dos tempos de tramitação:
Há que se salientar que o presente estudo não tem por escopo a análise crítica do conteúdo das decisões judiciais que determinaram o trâmite judicial, tampouco das decisões que analisaram o mérito da pretensão, mas, tão somente, realizar o cotejo entre o tempo de tramitação e os critérios normativos de celeridade definidos pela Convenção de Haia. Com esse escopo definido, verifica-se, inicialmente, que não se optou pela repatriação imediata, uma vez que não foi determinada a tutela antecipada. Em que pese a preferência pela entrega voluntária e a busca de uma solução amigável sejam igualmente vetores interpretativos da Convenção (artigo 7º, c), a conciliação, no presente caso, restou prejudicada pela ausência do pai do menor. Nesse aspecto, caso verificada a impossibilidade de comparecimento do genitor que se encontra no exterior e a inviabilidade técnica de audiência por videoconferência ou meio tecnológico similar, seria aconselhável a intimação de representante do pai do menor (advogado contratado ou nomeado pelo juízo), acompanhado de representante do Consulado do país requerente. Foram realizadas, ainda, além de estudo social e laudo psicológico, três audiências de instrução, uma para oitiva das testemunhas da mãe e mais duas para a oitiva do menor. Ainda que o Tribunal Regional Federal, em diversos precedentes, tenha determinado que a decisão acerca das exceções de retorno exige dilação probatória, esta, segundo a orientação jurisprudencial dominante, deve ser célere (Agravo de Instrumento nº 5015885-29.2014.404.0000/RS, Rel. Desa. Federal Vivian Caminha, j. 28.10.2014). Outro ponto a ser destacado, quanto ao alargamento do tempo de tramitação do processo, é a determinação de oitiva do pai do menor, domiciliado no exterior, por carta rogatória, tendo o processo sido suspenso para aguardar sua expedição e seu cumprimento. Caso tal medida se apresente como exigência obrigatória, diante das peculiaridades do caso concreto, o ideal seria sua substituição por audiência por videoconferência, com o engajamento das autoridades centrais para facilitar a realização do ato processual. Cabe registrar, finalmente, que, no presente caso, em razão de sucessivas alterações de titularidade da vara (remoções), vários magistrados sucederam-se ao longo da instrução processual. 3.2 Apelação/Reexame Necessário nº 5001005-84.2010.404.7206/SC, Rel. orig. Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria, Rel. p/acórdão Des. Federal Thompson Flores, j. 07.12.2011 Fatos: Menor, filho de mãe brasileira e pai espanhol, nascido em 21 de dezembro de 2004. O casal separou-se judicialmente na Espanha (Barcelona), havendo acordo homologado judicialmente no sentido de que a guarda incumbia à mãe e o pátrio poder seria exercido pelos pais, conjuntamente. O acordo estabelecia que qualquer decisão relativa à mudança de domicílio do menor deveria ser previamente comunicada, a fim de preservar as relações do progenitor com o menor. A remoção tornou-se ilícita em junho de 2007. A autoridade central da Espanha formulou o pedido de repatriação da criança à autoridade central brasileira em 13 de maio de 2008. Síntese da tramitação processual: A ação foi distribuída pela União Federal, mediante auxílio direto, em 12 de fevereiro de 2009. A petição inicial foi recebida e o pedido cautelar foi parcialmente deferido, determinando-se a retenção de documentos da mãe e do menor, em 16 de fevereiro de 2009. Foram realizados laudo pericial social, em 21 de novembro de 2009, e avaliação psicológica da criança, em 25 de novembro de 2009. Após instrução, em 14 de maio de 2010, foi proferida sentença de improcedência, fundada no melhor interesse do menor, especialmente diante da impossibilidade de acompanhamento da mãe ao país de origem, devido à negativa de visto para sua permanência na Espanha. A União Federal interpôs recurso de apelação em 29 de junho de 2010, o qual foi recebido no duplo efeito em 05 de julho de 2010. O processo foi distribuído no Tribunal Regional Federal da 4ª Região em 28 de março de 2011, e a apelação foi decidida em 07 de dezembro de 2011, determinando o retorno da criança. Dessa decisão foi interposto recurso especial em 25 de janeiro de 2012. Em 14 de março de 2013, sobreveio notícia de decisão da Justiça espanhola em favor da mãe, acarretando a perda superveniente do interesse processual. Passa-se à tabulação dos principais marcos temporais da tramitação deste processo:
A partir dos marcos temporais acima listados, passa-se ao cálculo dos tempos de tramitação:
No presente caso, em que pese a tramitação relativamente célere do processo em primeiro grau, há que se registrar que o processo foi distribuído e movimentado antes da implantação do processo eletrônico da 4ª Região (eProc v2). Todas as intimações direcionadas para a União Federal foram realizadas por meio de carta precatória, o que representou fator de retardamento, já superado em função dos avanços tecnológicos. O relativo atraso na distribuição do processo junto ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região, de outro lado, deveu-se ao processo de digitalização das peças processuais, para possibilitar seu trâmite em meio eletrônico na Corte Regional, fator que já se encontra solucionado atualmente. O intervalo de maior duração verificado na tramitação do presente processo relacionou-se às diligências entre as autoridades centrais – brasileira e espanhola – com a finalidade de se constatar a efetiva perda de objeto da ação, a real existência de decisão da Justiça espanhola e seu conteúdo. 3.3 Agravo de Instrumento nº 5032454-08.2014.404.0000/PR, Rel. Des. Federal Carlos Thompson Flores, j. 28.01.2015 Fatos: Menor nascido em 23.09.2009, filho de mãe argentina e pai brasileiro. O casal permaneceu casado por 11 meses, quando os cônjuges ingressaram com ação de separação consensual, posteriormente convertida em divórcio por mútuo consentimento. A Justiça argentina homologou acordo relacionado à guarda e à visitação, no qual restou fixada a guarda pela mãe e a residência do menor, junto à genitora, na cidade de Puerto Iguazu, com possibilidade de visitação pelo genitor. Síntese da tramitação processual: Trata-se, neste caso, de medida cautelar de busca e apreensão proposta pela mãe da criança, sob a afirmação de que, em 31 de outubro de 2014, o genitor teria transferido a criança ilicitamente para a cidade de Camboriú. A medida foi proposta pela genitora, em 15.12.2014. A decisão que deferiu o pedido liminar, determinando a busca e apreensão da criança e a entrega à mãe, foi proferida um dia depois, ou seja, no dia 16.12.2014. Diligências para cumprimento da ordem judicial foram realizadas no próprio dia 16.12.2014, sem sucesso, em razão de divergências de endereço. Em 17.12.2014, o genitor apresentou-se nos autos, por intermédio de advogada constituída, dando-se por citado. O recurso de agravo de instrumento em face da decisão que concedeu a busca e apreensão foi distribuído no Tribunal Regional Federal da 4ª Região em 17.12.2014. No dia seguinte à distribuição, o pedido de atribuição de efeito suspensivo ao agravo foi indeferido pelo desembargador federal relator. O mérito do recurso foi julgado em 28.01.2015, com a manutenção integral da ordem de busca e apreensão proferida em primeiro grau. Passa-se à tabulação dos principais marcos temporais da tramitação deste processo:
A partir dos marcos temporais acima listados, passa-se ao cálculo dos tempos de tramitação:
Sobre o precedente acima, modelo de agilidade na tramitação, cabe inicialmente registrar que não houve alegação consistente de nenhuma exceção de retorno, o que contribuiu sensivelmente para tal resultado. Outros fatores que também podem ser elencados são: 1) o domínio da matéria demonstrado nas decisões proferidas ao longo do procedimento e o ágil cumprimento, por parte das unidades judiciárias envolvidas, dos atos processuais determinados; 2) a tramitação integralmente em meio eletrônico, por intermédio do sistema de processo eletrônico da 4ª Região (eProc2), o que permitiu uma ágil troca de informações entre o juízo de origem, o juízo encarregado do cumprimento do mandado de busca e a Corte Regional; 3) a utilização do sistema SMweb, que permitiu a distribuição do mandado de busca e apreensão do menor expedido em um estado da Federação para cumprimento em outro estado da Federação, independentemente da expedição de carta precatória. Conclusões e sugestões A partir do exame dos precedentes acima analisados, apesar do pequeno universo amostral, é possível concluir-se que houve sensível ganho de agilidade nos processos envolvendo a análise dos casos de remoção ilícita de crianças, à luz da Convenção de Haia, na 4ª Região da Justiça Federal. Veja-se que, de um primeiro caso analisado, cuja distribuição ocorreu no ano de 2009 e no qual o tempo entre a distribuição e o julgamento do mérito do recurso no Tribunal Regional Federal da 4ª Região foi de 05 anos, 07 meses e 28 dias, passou-se, no último precedente analisado, a um tempo de tramitação entre a distribuição em 1º grau e o efetivo cumprimento da ordem de restituição da criança correspondente a 07 dias – prazo muito menor que as 06 semanas de que trata o artigo 11 da Convenção. Tal aperfeiçoamento é resultado de ações de gestão, tais como o desenvolvimento do sistema de processo eletrônico, do cumprimento de mandados sem a necessidade de expedição de precatórias (SMweb), dos sistemas de audiências por videoconferência e, ainda, de ações contínuas de capacitação de magistrados sobre aspectos da Convenção de Haia/1980. Deve ainda ser mencionada a edição da Resolução nº 103, de 15 de agosto de 2014, que especializou os juízos das primeiras varas de cada subseção judiciária para processar e julgar as ações civis que tenham por fundamento a Convenção Interamericana sobre a Restituição Internacional de Menores, aprovada pelo Decreto 1.212, de 03.08.1994, e a Convenção sobre Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças, promulgada pelo Decreto nº 3.413, de 14.04.2000, e cujo objeto esteja relacionado a pretensão ou medida concernente ao sequestro internacional de crianças. A medida é salutar, uma vez que possibilita o exame da questão por um número mais restrito de magistrados e unidades jurisdicionais, facilitando a adoção de ações de gestão, o desenvolvimento de uma expertise no trato da matéria pelos servidores e magistrados daquelas unidades e a possibilidade da implementação de programas de capacitação contínua acerca do tema. Todavia, a busca da celeridade é meta permanente. O compromisso com a celeridade que emerge da ratificação pelo Brasil aos termos da Convenção, no entanto, não determina apenas a adoção das técnicas processuais da tutela de urgência, mas, igualmente, o trato prioritário dessas demandas. Nesse sentido, sugere-se que tais processos recebam uma marca distintiva para tramitação prioritária, além da criação de campo próprio no cadastro do processo no sistema eProc2, no espaço das informações adicionais, para marcação da data em que o menor completará 16 anos – data em que a Convenção deixa de ser aplicável – para melhor controle processual, tal como ocorre em relação à prescrição nas ações penais. Outra medida que poderia contribuir para a agilidade no exame dos casos envolvendo a aplicação da Convenção seria o monitoramento periódico desses processos por parte da Corregedoria Regional da 4ª Região, mediante geração de relatórios e pedidos de informações aos juízos, à semelhança do que realiza a autoridade central norte-americana, uma das medidas contidas nos Guias de Boas Práticas da Conferência de Haia,(5) apontada no texto abaixo reproduzido: “A autoridade central norte-americana também monitora os prazos de tramitação desses feitos. Assim, por ocasião do envio do material informativo, ‘lembra’ às autoridades judiciais sobre os casos pendentes e a necessidade de processá-los de modo rápido. Ainda, requerer relatórios atualizados do andamento uma vez superado o prazo de seis semanas.” (TIBURCIO, 2014, p. 24) Encontra-se em estudo, no âmbito do Conselho Nacional de Justiça, um anteprojeto de lei sobre os aspectos processuais dos casos envolvendo a aplicação da Convenção de Haia de 1980, o que pode representar grande avanço em termos de celeridade processual.(6) Ainda, no âmbito da Escola da Magistratura da 4ª Região, estuda-se a possibilidade da edição de um guia de boas práticas, destinado aos juízes que atuam nas varas especializadas. Com a adoção dessas medidas e outras, na busca contínua de aperfeiçoamento da jurisdição prestada no âmbito da 4ª Região, espera-se que os ganhos de celeridade possam resultar em práticas ainda mais eficazes, com o objetivo de concretizar os ideais da cooperação jurídica internacional e, quem sabe, cumprir com toda a segurança e cautela o prazo de seis semanas de que trata a Convenção de Haia, em seu artigo 11, em todos os processos que aqui tramitam, nos casos em que os pressupostos para o reenvio encontrem-se presentes. Referências bibliográficas ARAÚJO, Nádia. Direito Internacional Privado: teoria e prática brasileira. 5. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2011. BASSO, Maristela. Curso de Direito Internacional Privado. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2013. MARINONI, Luiz Guilherme. Novo curso de processo civil: tutela dos direitos mediante procedimento comum. v. II. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. (Livro eletrônico). MARTINS, Natália Camba. Subtração internacional de crianças. As exceções à obrigação de retorno previstas na Convenção da Haia de 1908 sobre os aspectos civis do sequestro internacional de crianças. Interpretação judicial da adaptação da criança. Curitiba: CRV, 2013. MAURIQUE, Jorge. Anotações sobre a Convenção da Haia. Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n. 28, mar. 2009. RIOS, Roger Raupp. A jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região e a Convenção de Haia/1980 – Decreto nº 3.413/2000: panorama jurisprudencial. Passim. TIBURCIO, Carmen; CALMON, Guilherme (org.). Sequestro internacional de crianças: comentários à Convenção da Haia de 1980. São Paulo: Atlas, 2014. Sítios eletrônicos consultados: <http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/79239-anteprojeto-sobre-sequestro-internacional-de-criancas-deve-sair-em-maio>. Acesso em: 18 jun. 2015. <http://hcch.net/upload/abdguide2_e.pdf> <http://www.hcch.net/upload/abdguide_e.pdf>. <http://hcch.net/guidecontact_e.pdf>. <http://www.hcch.net/upload/expl28.pdf>. Notas
1. Relatório de Elisa Pérez-Vera, sobre os trabalhos preparatórios da Convenção, disponível no site <http://www.hcch.net/upload/expl28.pdf> – item 63. 2. “A importância do fator tempo que permeia todo o texto da Convenção aparece novamente neste artigo. Se o artigo 2 da Convenção impõe aos Estados contratantes a obrigação de se utilizar de procedimentos de urgência, a primeira alínea desse artigo reproduz a obrigação com vistas às autoridades do Estado para onde a criança foi levada e que devem decidir sobre seu reenvio. Essa obrigação apresenta duplo aspecto: de um lado, a utilização dos mais rápidos procedimentos conhecidos por seu sistema jurídico; de outra parte, o tratamento prioritário, de todas as formas possíveis, a essas demandas.” Relatório de Elisa Pérez-Veira, disponível em <http://www.hcch.net/upload/expl28.pdf - item 104>. Tradução livre a partir do texto em francês. 3. Guide to good practice under the Hague Convention of 25 october 1980 on the Civil Aspects of International Child Abdution. Part II – Implementing measures, 2003. Disponível em: <http://www.hcch.net/upload/abdguide2.pdf>. 4. CC 132.100/BA, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Segunda Seção, julgado em 25.02.2015, DJe 14.04.2015; REsp 1458218/RJ, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. p/ Acórdão Ministra Marga Tessler (convocada do TRF 4ª Região), Primeira Turma, julgado em 25.11.2014, DJe 11.12.2014. 5. Os guias de boas práticas sobre implementação de medidas, das autoridades centrais e de contato transnacional encontram-se disponíveis em <http://hcch.net/upload/abdguide2_e.pdf>; <http://www.hcch.net/upload/abdguide_e.pdf> e <http://hcch.net/guidecontact_e.pdf>. 6. Confira-se em <http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/79239-anteprojeto-sobre-sequestro-internacional-de-criancas-deve-sair-em-maio>. Acesso em: 18 jun. 2015.
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Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023:2002/ABNT): |
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