O presente artigo pretende abordar a necessidade de afastamento da aplicação do art. 5º da Lei nº 11.960/09 para todos os débitos a serem pagos pela Fazenda Pública. Parte-se da premissa de que o dispositivo, que estabeleceu que, “Nas condenações impostas à Fazenda Pública, [...], haverá a incidência uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança”, é amplamente inconstitucional. É o que foi reconhecido no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.357, realizado na Sessão Plenária de 13 de março de 2013, com acórdão publicado no Diário de Justiça Eletrônico em 26 de setembro de 2014.
Em tal demanda, sedimentou-se a inconstitucionalidade do art. 5º da Lei nº 11.960/09, porquanto o texto do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, alterado pelo dispositivo ora questionado, foi praticamente reproduzido pelo § 12 do art. 100 da CRFB, incluído pela Emenda Constitucional nº 62/2009. O STF consagrou que o art. 100, § 12, da CRFB, o art. 97, § 16, do ADCT e, consequentemente, o art. 5º da Lei nº 11.960/09 são contrários ao princípio da igualdade (art. 5º, caput, da CRFB) e violam o direito de propriedade (art. 5º, XXII, da CRFB). Veja-se: ao determinarem que todo e qualquer montante a ser pago judicialmente pela Fazenda Pública seja atualizado pelos modestos índices da caderneta de poupança, deixam de compensar a corrosão da moeda causada pela inflação, artificializando o conceito de atualização monetária e dando ensejo a injustificada desigualdade. Cabe lembrar que, em hipóteses outras, em que o cenário é invertido e o Fisco é credor do particular no que tange a uma dívida tributária, o tributo não recolhido pelo contribuinte aos cofres públicos continua a ser atualizado mediante aplicação da taxa referencial do Selic (Sistema de Liquidação e Custódia – Lei nº 9.250/95), com índices mais altos que aqueles da poupança.
Salienta-se: o Ministro Carlos Ayres Britto, então relator das ADIs 4.357 e 4.425, entendeu por julgar parcialmente procedentes as ações, reconhecendo a inconstitucionalidade material da correção monetária pelos índices da caderneta de poupança. Após o voto do relator, o Ministro Luiz Fux pediu vista. Retomado o julgamento, na Sessão Plenária do dia 13 de março de 2013, por maioria de votos (oito a três), preponderou o posicionamento de Ayres Britto, no sentido de que o índice da poupança é insuficiente para recompor as perdas inflacionárias (ata de julgamento publicada em 19 de março de 2013 e acórdão da ADI 4.357 publicado em 26 de setembro de 2014). Vejamos a ementa do julgado:
“Ementa: DIREITO CONSTITUCIONAL. REGIME DE EXECUÇÃO DA FAZENDA PÚBLICA MEDIANTE PRECATÓRIO. EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 62/2009. [...] IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DA UTILIZAÇÃO DO ÍNDICE DE REMUNERAÇÃO DA CADERNETA DE POUPANÇA COMO CRITÉRIO DE CORREÇÃO MONETÁRIA. VIOLAÇÃO AO DIREITO FUNDAMENTAL DE PROPRIEDADE (CF, ART. 5º, XXII). INADEQUAÇÃO MANIFESTA ENTRE MEIOS E FINS. INCONSTITUCIONALIDADE DA UTILIZAÇÃO DO RENDIMENTO DA CADERNETA DE POUPANÇA COMO ÍNDICE DEFINIDOR DOS JUROS MORATÓRIOS DOS CRÉDITOS INSCRITOS EM PRECATÓRIOS, QUANDO ORIUNDOS DE RELAÇÕES JURÍDICO-TRIBUTÁRIAS. DISCRIMINAÇÃO ARBITRÁRIA E VIOLAÇÃO À ISONOMIA ENTRE DEVEDOR PÚBLICO E DEVEDOR PRIVADO (CF, ART. 5º, CAPUT). [...] PEDIDO JULGADO PROCEDENTE EM PARTE.
[...] 5. O direito fundamental de propriedade (CF, art. 5º, XXII) resta violado nas hipóteses em que a atualização monetária dos débitos fazendários inscritos em precatórios perfaz-se segundo o índice oficial de remuneração da caderneta de poupança, na medida em que esse referencial é manifestamente incapaz de preservar o valor real do crédito de que é titular o cidadão. É que a inflação, fenômeno tipicamente econômico-monetário, mostra-se insuscetível de captação apriorística (ex ante), de modo que o meio escolhido pelo legislador constituinte (remuneração da caderneta de poupança) é inidôneo a promover o fim a que se destina (traduzir a inflação do período).
6. A quantificação dos juros moratórios relativos a débitos fazendários inscritos em precatórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança vulnera o princípio constitucional da isonomia (CF, art. 5º, caput) ao incidir sobre débitos estatais de natureza tributária, pela discriminação em detrimento da parte processual privada, que, salvo expressa determinação em contrário, responde pelos juros da mora tributária à taxa de 1% ao mês em favor do Estado (ex vi do art. 161, § 1º, CTN). Declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução da expressão ‘independentemente de sua natureza’, contida no art. 100, § 12, da CF, incluído pela EC nº 62/09, para determinar que, quanto aos precatórios de natureza tributária, sejam aplicados os mesmos juros de mora incidentes sobre todo e qualquer crédito tributário.
7. O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com redação dada pela Lei nº 11.960/09, ao reproduzir as regras da EC nº 62/09 quanto à atualização monetária e à fixação de juros moratórios de créditos inscritos em precatórios, incorre nos mesmos vícios de juridicidade que inquinam o art. 100, § 12, da CF, razão pela qual se revela inconstitucional por arrastamento, na mesma extensão dos itens 5 e 6 supra.
[...]
9. Pedido de declaração de inconstitucionalidade julgado procedente em parte.” (ADI 4.357, Relator(a): Min. Ayres Britto, Relator(a) p/ Acórdão: Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, julgado em 14.03.2013, Acórdão Eletrônico, DJe-188, Divulg. 25.09.2014, Public. 26.09.2014)
Ressalta-se que, ao julgar a ADI 4.357, o STF declarou a inconstitucionalidade material: (i) do § 12 do art. 100 da CRFB, inserido pela Emenda Constitucional nº 62/2009, referente à “atualização de valores de requisitórios, após a sua expedição, até o efetivo pagamento”; (ii) do art. 5º da Lei nº 11.960/09, concernente à correção monetária dos créditos decorrentes das “condenações impostas à Fazenda Pública”.
Por seu turno, a modulação de efeitos realizada por aquela Corte na sessão de julgamento de 25 de março de 2015 teve tão somente o escopo de limitar o alcance da declaração de inconstitucionalidade quanto à Emenda Constitucional nº 62/09. Em outras palavras: em tal decisão, a Corte tratou de resguardar as requisições de pagamento já expedidas até 25 de março de 2015, cujos créditos houvessem sido corrigidos “pelo índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança”.
Perceba-se: deixou de haver modulação de efeitos acerca da declaração de inconstitucionalidade do art. 5º da Lei nº 11.960, atinente aos créditos em liquidação, ainda não requisitados e pagos. No ponto, é imprescindível observar que as decisões proferidas em sede de controle concentrado de constitucionalidade possuem eficácia ex tunc, sendo medida excepcional a modulação dos efeitos (“Parte-se da premissa de que a declaração de inconstitucionalidade tem efeitos ex tunc, dada a ideia de que a lei declarada inconstitucional é uma lei nula” – SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de direito constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 1001).
Por força disso, havendo a Corte silenciado no aspecto, é imperioso o imediato afastamento, quanto a todos os débitos a serem requisitados e pagos pela Fazenda Pública, do índice de correção monetária estabelecido pelo dispositivo declarado inconstitucional, sob pena de violação do art. 28, parágrafo único, da Lei nº 9.868/1999 (“A declaração [...] de inconstitucionalidade, inclusive [...] a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, tem eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal”).
Reitera-se: não houve modulação acerca da declaração de inconstitucionalidade do art. 5º da Lei nº 11.960/09, mas apenas no tocante à EC nº 62/09. E o objetivo da modulação foi um só: preservar as regras já empregadas, até então, no pagamento dos precatórios, evitando a revisão de situações consolidadas. A questão ora colocada, no entanto, diz respeito a qual índice de atualização deve ser empregado para os débitos ainda não pagos, sendo um contrassenso reconhecer que a disciplina do art. 5º da Lei nº 11.960/09 não se presta para reparar os deletérios efeitos da desvalorização da moeda, conforme feito no julgamento da ADI, mas presumir que tenha havido modulação dos efeitos no aspecto – quando nada, nesse sentido, foi sustentado no julgamento da modulação.
No aspecto, é elucidativa a decisão de modulação de efeitos:
“Decisão: Concluindo o julgamento, o Tribunal, por maioria e nos termos do voto, ora reajustado, do Ministro Luiz Fux (Relator), resolveu a questão de ordem nos seguintes termos:
1) – modular os efeitos para que se dê sobrevida ao regime especial de pagamento de precatórios, instituído pela Emenda Constitucional nº 62/2009, por 5 (cinco) exercícios financeiros a contar de primeiro de janeiro de 2016;
2) – conferir eficácia prospectiva à declaração de inconstitucionalidade dos seguintes aspectos da ADI, fixando como marco inicial a data de conclusão do julgamento da presente questão de ordem (25.03.2015) e mantendo-se válidos os precatórios expedidos ou pagos até esta data, a saber:
2.1.) fica mantida a aplicação do índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança (TR), nos termos da Emenda Constitucional nº 62/2009, até 25.03.2015, data após a qual
(i) os créditos em precatórios deverão ser corrigidos pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E) e
(ii) os precatórios tributários deverão observar os mesmos critérios pelos quais a Fazenda Pública corrige seus créditos tributários; e
2.2.) ficam resguardados os precatórios expedidos, no âmbito da administração pública federal, com base nos arts. 27 das Leis nº 12.919/13 e nº 13.080/15, que fixam o IPCA-E como índice de correção monetária;
[...]” (destacou-se)
Tal excepcional modulação de efeitos, ao constituir regra restritiva de direito – no caso, direito de os credores da Fazenda Pública terem seus créditos corrigidos por índices que recomponham a corrosão da moeda –, há de ser interpretada restritivamente (MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999).
A propósito, veja-se a fundamentação do Min. Luiz Fux no julgamento da Ação Cautelar nº 3.765-DF: para ele, a modulação seria inaplicável à União e às suas entidades, seja porque se encontram em situação financeira absolutamente diversa daquela dos Estados e dos Municípios, seja ante a afirmação e a reiteração, por intermédio da Presidência da República, do seu compromisso de corrigir seus débitos judiciais pelo IPCA-E (e não pela TR), por meio da edição e da promulgação das Leis de Diretrizes Orçamentárias de 2014 e de 2015. É importante atentar para excerto do julgado:
“Diante desse cenário, entendo que não há qualquer fundamento jurídico-constitucional minimamente consistente para chancelar a tese de que a União e suas entidades deverão atualizar seus precatórios e suas RPVs com base na TR, e não com base no IPCA-E, conforme determinam as LDOs de 2014 e de 2015. De modo objetivo, sumarizo meus fundamentos nas seguintes premissas:
1 – A decisão declaratória de inconstitucionalidade apresenta, como regra geral, efeitos ex tunc, sendo, portanto, inequívoco que, na ausência de expressa menção em contrário, a norma declarada inconstitucional é privada de eficácia desde o seu nascedouro e, a fortiori, desde o julgamento pelo Tribunal;
2 – Na espécie, o art. 100, § 12, da CRFB, incluído pela EC nº 62/2009, foi declarado inconstitucional pelo STF na parte em que fixou a TR como índice de correção monetária dos precatórios e das RPVs devidos pela Fazenda Pública;
3 – Inexiste qualquer pronunciamento explícito do Supremo Tribunal Federal que determine a manutenção da eficácia do art. 100, § 12, da CRFB à União e às suas entidades, sendo certo que a decisão monocrática de 11.04.2013, referendada em 24.10.2013, não abrange a União, seja pelos seus fundamentos (vinculados à paralisação do pagamento de precatórios por Estados e Municípios sujeitos ao regime especial criado pela EC nº 62/2009), seja pelos seus termos expressos (que somente aludem aos Tribunais de Justiça, sem mencionar os Tribunais Regionais Federais);
4 – Existe expressa e inequívoca manifestação da União, por intermédio da Presidência da República, quanto ao seu propósito e à viabilidade orçamentária da aplicação do IPCA-E para fins de atualização dos débitos judiciais da Fazenda Pública federal, conforme dispõem as LDOs de 2014 (art. 27) e de 2015 (art. 27). Trata-se de índice de atualização oficial, escolhido pela própria União e chancelado pelo Congresso Nacional. Nesse cenário, aplicar a TR aos requisitórios da União configuraria evidente retrocesso patrocinado pelo Poder Judiciário, uma vez que restabeleceria índice inidôneo a capturar a inflação e em flagrante contrariedade à vontade da União e do Poder Legislativo federal;
5 – Não há fundamento jurídico-material que justifique a aplicação da TR como índice de correção monetária dos precatórios/RPVs devidos pela Fazenda Pública federal, uma vez que a União e suas entidades estão atualmente em dia com suas obrigações. Aplicar um índice de correção já declarado inconstitucional pelo STF terá o único condão de criar um passivo de precatórios e RPVs que hoje não existe na esfera federal. Afinal, a diferença entre o IPCA-E e a TR será, em algum momento futuro, cobrada pelos credores da União e das suas entidades, alimentando o ciclo de litigância judicial e todos os seus desdobramentos perniciosos para a sociedade brasileira e suas instituições;
6 – A sujeição da União ao entendimento esposado na decisão monocrática de 11.04.2013, referendada em 24.10.2013, representa nítida manobra de fraude à lei, uma vez que permitiria à União atualizar seus débitos com índice manifestamente inferior à inflação (e já repudiado pelo STF), apostando que, em eventual modulação de efeitos pela Corte, o período em que vigorou a TR seria validado, o que consubstancia evidente uso especulativo do Poder Judiciário em tudo incompatível com o interesse público primário confiado ao Poder Público.” (AC 3764 MC, Relator(a): Min. Luiz Fux, julgado em 24.03.2015, publicado em Processo Eletrônico, DJe-059, Divulg. 25.03.2015, Public. 26.03.2015 – destacou-se)
Ademais, a Colenda 6ª Turma do Egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região tem sido enfática em rechaçar a aplicação do art. 5º da Lei nº 11.960/09, com base na declaração de inconstitucionalidade havida pelo STF no âmbito da ADI 4.357, deixando claro que a modulação de efeitos não tem o condão de atingir o mencionado dispositivo:
“PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO. JUROS MORATÓRIOS. ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA. INCONSTITUCIONALIDADE PARCIAL DO ART. 1º-F DA LEI 9.494/97, COM A REDAÇÃO DA LEI Nº 11.960/09.
1. Declarada pelo Supremo Tribunal Federal a inconstitucionalidade do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009, os consectários legais comportam a incidência de juros moratórios equivalentes aos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicáveis à caderneta de poupança (STJ, REsp 1.270.439/PR, 1ª Seção, Relator Ministro Castro Meira, 26.06.2013) e correção monetária pelo INPC e demais índices oficiais consagrados pela jurisprudência.
2. Os juros de mora, contados da citação, são fixados à taxa de 1% ao mês até junho/2009, e, após essa data, pelo índice de juros das cadernetas de poupança, com incidência uma única vez, nos termos da Lei 11.960/2009 (sem capitalização).” (TRF4, AC 0024366-42.2014.404.9999, Sexta Turma, Relatora Vânia Hack de Almeida, D.E. 06.04.2015)
Foi irretocável, no ponto, o voto condutor do acórdão:
“Não incide a Lei nº 11.960/2009 para correção monetária dos atrasados (correção equivalente à poupança) porque declarada inconstitucional (ADIs 4.357 e 4.425/STF), com efeitos erga omnes e ex tunc – e mesmo eventual modulação não atingirá processos de conhecimento, como é o caso presente.
Destaco ser evidente que, em razão da inconstitucionalidade declarada pelo STF, os índices de remuneração básica aplicados à caderneta de poupança como índice de correção monetária foram erradicados do ordenamento jurídico, não havendo como deixar de observar a decisão da Suprema Corte no julgamento das ADIs 4.357 e 4.425, com efeito erga omnes e eficácia vinculante, independentemente de eventual modulação de efeitos.
A propósito, o próprio Supremo Tribunal Federal já está aplicando o precedente firmado no julgamento da ADI 4.357, como se percebe do seguinte precedente:
‘RECURSO EXTRAORDINÁRIO – IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DO ÍNDICE OFICIAL DE REMUNERAÇÃO BÁSICA DA CADERNETA DE POUPANÇA COMO CRITÉRIO DE CORREÇÃO MONETÁRIA DOS DÉBITOS FAZENDÁRIOS SUJEITOS AO REGIME DE EXECUÇÃO INSCRITO NO ART. 100 DA CF/88 – DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE PARCIAL DO § 12 DO ART. 100 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA, NA REDAÇÃO DADA PELA EC Nº 62/2009 – DIRETRIZ JURISPRUDENCIAL FIRMADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO.’ (RE 747727 AgR/SC. Relator(a): Min. Celso de Mello. Julgamento: 06.08.2013. Órgão Julgador: Segunda Turma)
Em relação à medida cautelar relativa à reclamação 16.745/DF, importa consignar, ainda, que ela se deu apenas no sentido de assegurar a continuidade dos pagamentos de precatórios na forma como vinham sendo pagos antes da decisão invocada, o que não obsta que eventualmente se prossiga com a execução das diferenças decorrentes da aplicação correta do índice.
Assim, merece parcial provimento o recurso da parte embargada, para adequar a incidência da correção monetária ao entendimento do Supremo Tribunal Federal, devendo ser retificado o cálculo dos valores da execução.” (destacou-se)
No mesmo sentido:
“DECISÃO:
[...]
Dos consectários:
a) Correção monetária: A correção monetária, segundo o entendimento consolidado na 3ª Seção deste TRF4, incidirá a contar do vencimento de cada prestação e será calculada pelos índices oficiais e jurisprudencialmente aceitos, quais sejam:
– ORTN (10/64 a 02/86, Lei nº 4.257/64);
– OTN (03/86 a 01/89, Decreto-Lei nº 2.284/86);
– BTN (02/89 a 02/91, Lei nº 7.777/89);
– INPC (03/91 a 12/92, Lei nº 8.213/91);
– IRSM (01/93 a 02/94, Lei nº 8.542/92);
– URV (03 a 06/94, Lei nº 8.880/94);
– IPC-r (07/94 a 06/95, Lei nº 8.880/94);
– INPC (07/95 a 04/96, MP nº 1.053/95);
– IGP-DI (05/96 a 03/2006, art. 10 da Lei nº 9.711/98, combinado com o art. 20, §§ 5º e 6º, da Lei nº 8.880/94);
– INPC (a partir de 04/2006, conforme o art. 31 da Lei nº 10.741/2003, combinado com a Lei nº 11.430/2006, precedida da MP nº 316, de 11.08.2006, que acrescentou o art. 41-A à Lei nº 8.213/91, e REsp nº 1.103.122/PR).
[...]
c) Aplicabilidade da Lei nº 11.960/09 e desnecessidade da modulação dos efeitos das decisões do STF
Notadamente em relação à aplicabilidade da Lei nº 11.960/09, no que se refere ao cálculo da correção monetária e dos juros de mora, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso especial representativo de controvérsia (REsp 1.270.439/PR, Rel. Ministro Castro Meira, Primeira Seção, unânime, DJ 02.08.2013), consolidou orientação no sentido da aplicação imediata do julgamento das ADIs nº 4.357 e nº 4.425, com efeito erga omnes e eficácia vinculante, independentemente da publicação do acórdão, in verbis:
‘(...) VERBAS REMUNERATÓRIAS. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DEVIDOS PELA FAZENDA PÚBLICA. LEI 11.960/09, QUE ALTEROU O ARTIGO 1º-F DA LEI 9.494/97. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE PARCIAL POR ARRASTAMENTO (ADIN 4.357/DF).
12. O art. 1º-F da Lei 9.494/97, com redação conferida pela Lei 11.960/2009, que trouxe novo regramento para a atualização monetária e os juros devidos pela Fazenda Pública, deve ser aplicado, de imediato, aos processos em andamento, sem, contudo, retroagir a período anterior a sua vigência.
13. ‘Assim, os valores resultantes de condenações proferidas contra a Fazenda Pública após a entrada em vigor da Lei 11.960/09 devem observar os critérios de atualização (correção monetária e juros) nela disciplinados, enquanto vigorarem. Por outro lado, no período anterior, tais acessórios deverão seguir os parâmetros definidos pela legislação então vigente’ (REsp 1.205.946/SP, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Corte Especial, DJe 02.02.12).
14. O Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade parcial, por arrastamento, do art. 5º da Lei 11.960/09, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei 9.494/97, ao examinar a ADIn 4.357/DF, Rel. Min. Ayres Britto.
15. A Suprema Corte declarou inconstitucional a expressão ‘índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança’ contida no § 12 do art. 100 da CF/88. Assim entendeu porque a taxa básica de remuneração da poupança não mede a inflação acumulada do período e, portanto, não pode servir de parâmetro para a correção monetária a ser aplicada aos débitos da Fazenda Pública.
16. Igualmente, reconheceu a inconstitucionalidade da expressão ‘independentemente de sua natureza’ quando os débitos fazendários ostentarem natureza tributária. Isso porque, quando credora a Fazenda de dívida de natureza tributária, incidem os juros pela taxa Selic como compensação pela mora, devendo esse mesmo índice, por força do princípio da equidade, ser aplicado quando for ela devedora nas repetições de indébito tributário.
17. Como o art. 1º-F da Lei 9.494/97, com redação da Lei 11.960/09, praticamente reproduz a norma do § 12 do art. 100 da CF/88, o Supremo declarou a inconstitucionalidade parcial, por arrastamento, desse dispositivo legal.
18. Em virtude da declaração de inconstitucionalidade parcial do art. 5º da Lei 11.960/09: (a) a correção monetária das dívidas fazendárias deve observar índices que reflitam a inflação acumulada do período, a ela não se aplicando os índices de remuneração básica da caderneta de poupança; e (b) os juros moratórios serão equivalentes aos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicáveis à caderneta de poupança, exceto quando a dívida ostentar natureza tributária, para as quais prevalecerão as regras específicas.
19. O Relator da ADIn no Supremo, Min. Ayres Britto, não especificou qual deveria ser o índice de correção monetária adotado. Todavia, há importante referência no voto-vista do Min. Luiz Fux, quando Sua Excelência aponta para o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, que ora se adota.
20. No caso concreto, como a condenação imposta à Fazenda não é de natureza tributária – o crédito reclamado tem origem na incorporação de quintos pelo exercício de função de confiança entre abril de 1998 e setembro de 2001 –, os juros moratórios devem ser calculados com base no índice oficial de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, nos termos da regra do art. 1º-F da Lei 9.494/97, com redação da Lei 11.960/09. Já a correção monetária, por força da declaração de inconstitucionalidade parcial do art. 5º da Lei 11.960/09, deverá ser calculada com base no IPCA, índice que melhor reflete a inflação acumulada do período.
21. Recurso especial provido em parte. Acórdão sujeito à sistemática do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ nº 08/2008.’
A propósito, o próprio Supremo Tribunal Federal já está aplicando o precedente firmado no julgamento da ADI nº 4.357, como se percebe do seguinte precedente:
‘RECURSO EXTRAORDINÁRIO – IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DO ÍNDICE OFICIAL DE REMUNERAÇÃO BÁSICA DA CADERNETA DE POUPANÇA COMO CRITÉRIO DE CORREÇÃO MONETÁRIA DOS DÉBITOS FAZENDÁRIOS SUJEITOS AO REGIME DE EXECUÇÃO INSCRITO NO ART. 100 DA CF/88 – DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE PARCIAL DO § 12 DO ART. 100 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA, NA REDAÇÃO DADA PELA EC Nº 62/2009 – DIRETRIZ JURISPRUDENCIAL FIRMADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
– RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO.’ (RE 747727 AgR/SC. Relator(a): Min. Celso de Mello. Julgamento: 06.08.2013. Órgão Julgador: Segunda Turma)
Ressalto, por fim, que a declaração de inconstitucionalidade tem efeitos erga omnes e ex tunc e eventual modulação não deverá imunizar dessa declaração processos em curso, tampouco título sem trânsito em julgado.
Especialmente em relação às decisões proferidas no âmbito da medida cautelar e da Reclamação n° 16.745 (STF), é de ter presente que ambas determinaram apenas que não se deixasse de dar seguimento ao sistema de pagamento de precatórios por força do que restou decido nas ADIs nº 4.357 e nº 4.425. Nada dispuseram, dessa forma, quanto à eventual necessidade de se aguardar a modulação dos efeitos daqueles julgamentos. [...]
Ante o exposto, estando a decisão a quo em conformidade com a jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, e tendo em vista o disposto pelo artigo 557 do CPC, nego seguimento à remessa oficial.” (TRF4, 5006556-91.2014.404.7113, Quinta Turma, Relator Rogerio Favreto, juntado aos autos em 07.04.2015)
De tais assertivas, depreende-se como impositivo o imediato afastamento do índice de correção monetária previsto pelo art. 5º da Lei nº 11.960/09. Tal raciocínio encontra fundamento: (i) no reconhecimento da inconstitucionalidade material do dispositivo, pelo Pleno do STF, em 19 de fevereiro de 2014, ao julgar a ADI 4.357-DF, em acórdão publicado em 26 de setembro de 2014, com efeitos ex tunc no aspecto; (ii) no fato de a modulação dos efeitos realizada por aquela Corte em 25 de março de 2015 ter sido expressamente restrita ao reconhecimento da inconstitucionalidade do § 12 do art. 100 da CRFB, inserido pela Emenda Constitucional nº 62/09, ou seja, alcançando exclusivamente os precatórios já expedidos, deixando de afetar créditos em liquidação, ainda não requisitados e pagos.
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