Comentário: Direito Administrativo da Regulação e Análise Econômica do Direito

Autor: Erico Sanches Ferreira dos Santos

Juiz Federal Substituto

publicado em 30.06.2015


               
Tema central da política e da economia atuais, de cunho notadamente interdisciplinar, é o da regulação. Neste trabalho, serão trazidas duas das mais destacadas palestras do currículo permanente de Direito Administrativo, que tratam, em abordagens distintas e exemplares, do tema em questão.

A primeira palestra é a do insigne jurista Juarez Freitas, que cuidou, com base em texto de origem norte-americana, dos motivos que sustentam a premência e a centralidade do papel regulador do Estado, em especial com o objetivo de coibir as falhas de mercado.

A segunda palestra, a seu turno, trata da relação entre o Direito Administrativo e a análise econômica do Direito. Proferida pelo ilustre professor da Faculdade de Direito de Lisboa Dr. Fernando Araújo, a exposição trouxe à tona o problema das falhas de intervenção.

Do cenário obtido com essas palestras, veremos o quão complexo e intrincado é o tema da regulação.

Obviamente, os palestrantes não puderam trazer todos os argumentos e contornos ligados à questão, necessariamente simplificando certos temas, estritamente para cumprimento dos propósitos do Currículo Permanente, dentre eles, sem dúvida, o de provocar a reflexão.

Do que se resume na sequência, serão ao final tecidas algumas considerações, em uma tentativa de correlacionar os temas e suscitar, quem sabe, novos pontos para reflexão, em especial no que se refere ao tema liberdade econômica e intervencionismo.

1 Juarez Freitas – Direito Administrativo da Regulação

Na definição utilizada pelo eminente professor Juarez Freitas, regulação é a intervenção administrativa não prestacional, ou seja, indireta, que condiciona atividades econômicas relevantes, inclusive serviços essenciais, tendo em vista a promoção do desenvolvimento sustentável.  Trata-se de uma nova versão, contemporânea, sofisticada, do conhecido conceito de poder de polícia administrativa.

O roteiro da exposição é baseado no livro Administrative Law and regulatory police,  de Stephen Bryer, juiz da Suprema Corte americana,  Richard B. Stewart (NYU), Cass R. Sunstein (Harvard) e Adrian Vermeule (Harvard), autores norte-americanos.

Na referida obra, são trazidos fundamentos econômicos, consensuais e não consensuais, bem como fundamentos não econômicos para a necessidade de intervenção regulatória do Estado no mercado. Serão revistos, analisados e confrontados com a realidade brasileira. Além disso, ao fim, o professor propõe a análise do princípio da deferência e sua aplicação no controle judicial.

1.1 Fundamentos econômicos consensuais – as falhas do mercado

A primeira fundamentação dos autores mencionados para a regulação de Estado é a da existência de falhas no mercado, devendo ser abandonada a crença na resiliência infalível do mercado, o que redundou na crise de 2008. O mercado deixado a si mesmo se destrói. Critica-se o fundamentalismo de mercado. Essa é a premissa fundamental. O governo tem que ser capaz de disciplinar, regular e, usando um termo forte, civilizar o mercado.

No Direito brasileiro, a nossa Constituição Federal, por meio do art. 174, clama justamente pela atividade regulatória por parte do Estado. Confira-se:

“Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.
§ 1º – A lei estabelecerá as diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado, o qual incorporará e compatibilizará os planos nacionais e regionais de desenvolvimento.”
As falhas de mercado, justificativa central para atuação do Estado, podem ser condensadas em:

1.1.1. Externalidades negativas

Toda atividade econômica produz efeitos colaterais, possui custos diretos e indiretos, que são as externalidades negativas, v.g., a poluição.  Nesse sentido, duas das grandes tarefas regulatórias contemporâneas são as de:

a) internalizar as externalidades negativas;
b) saber precificar e estimar custos indiretos (custos sociais, econômicos negativos e ambientais).

1.1.2 Ação coletiva

Cada agente pensa em maximizar sua utilidade individual. E, quando todos fazem isso, por exemplo, com um bem público, a água, o resultado é a tragédia dos comuns (bens públicos). É o tema mais importante do Direito Administrativo no século XXI.

1.1.3 Informação assimétrica

Outra razão para regulação é combater esse problema gravíssimo, que consiste no fato de alguém que obtém mais informações que outros manipule e prejudique terceiros, v.g., insider trading. O consumidor é desinformado, é vulnerável. Ele detém informação assimétrica. A manipulação é muito fácil. Assim, o Estado tem que fornecer informação didática e de qualidade.

Os dois principais problemas regulatórios relacionados à informação assimétrica são problemas clássicos:

1) risco moral: quando alguém, tendo uma informação de que possui garantia contra determinado risco, passa a agir temerariamente,  aumentando a probabilidade do evento associado a esse risco, v.g., os bancos que se sentem grandes demais para quebrar (“too big too fail”) e, em consequência, seus executivos passam a fazer investimentos e empréstimos temerários, colocando em risco o sistema das poupanças individuais;

2) seleção adversa: quando alguém, por não ter informações adequadas, seleciona a pior opção.

1.1.4. Exercício abusivo de posição dominante (problema do poder dominante)

Há colidência com o art. 170 da Constituição Federal, em afronta à livre competição. Há cartéis, oligopólios no mercado que o distorcem completamente. Aí, torna-se imprescindível a atuação do Estado.
O conceito de posição dominante é previsto no nosso ordenamento.  Confira-se o art. 36, § 2º, da Lei do Cade:

“Art. 36.  Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados: 
I – limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa; 
II – dominar mercado relevante de bens ou serviços; 
III – aumentar arbitrariamente os lucros; e 
IV – exercer de forma abusiva posição dominante. 
§ 1o  A conquista de mercado resultante de processo natural fundado na maior eficiência de agente econômico em relação a seus competidores não caracteriza o ilícito previsto no inciso II do caput deste artigo. 
§ 2o  Presume-se posição dominante sempre que uma empresa ou grupo de empresas for capaz de alterar unilateral ou coordenadamente as condições de mercado ou quando controlar 20% (vinte por cento) ou mais do mercado relevante, podendo esse percentual ser alterado pelo Cade para setores específicos da economia.”

É Importante destacar, na linha do que afirma Jean Tirolle, autor francês que em  2014 recebeu o Prêmio de Ciências Econômicas, por seus estudos relacionados à  análise do poder e à regulação de mercado, que há circunstâncias em que o monopólio é natural e saudável, especialmente quando há reversão em benefício do usuário final (v.g., eletricidade, saneamento).

Esses são os quatro principais pontos para justificar a regulação dos mercados. No Brasil, seria possível falar em um quinto ponto, que são os chamados elevados custos de transação, como é o custo da burocracia no país.

Esses são os fundamentos expostos no livro, fundamentos clássicos para combater as falhas de mercado.

1.2. Fundamentos econômicos não consensuais

Existem outros fundamentos não tão pacíficos citados pelos autores:

1.2.1 Controle de lucros inesperados

Por exemplo, situação de bolha. Recentemente, vimos a bolha Nasdaq, a bolha imobiliária, e sempre houve a crença de que o Estado não poderia atuar para prevenir tais situações, mas, segundo os autores, sim. A regulação dos Bancos Centrais tem que ser extremamente cuidadosa, por exemplo, para evitar alavancagem, cuidar da qualidade do crédito, etc..

1.2.2. Preços predatórios (dumping)

Previsto na nossa legislação.

1.2.3 Teoria da Agência

Problema do agente principal – desalinhamento de interesses entre os agentes e o público. É um dos problemas mais sérios do direito de regulação.

1.3. Fundamentos não econômicos

O livro-base para a palestra aborda, ainda, justificativas não econômicas para regular, consideradas as mais nobres:

1.3.1 Políticas regulatórias de redistribuição

Vivemos em sociedades iníquas e perversas. O art. 3º da CF tem que ser praticado. Há de se reconhecer que essa justificativa realmente não é econômica. Amarthya Sen, economista indiano, nesse sentido, no livro Ideias sobre a Justiça, defende uma noção de bem-estar que vai além do mero bem-estar material, compreendendo qualidade de vida, do ar, da água, sustentabilidade. É o Direito Administrativo do século XXI. 

1.3.2 Problema das castas

 Há oligarquias que não se justificam. A regulação tem que promover discriminações positivas, que igualam, dosificadas, proporcionais, mas que igualam, e repudiar as discriminações negativas.

1.3.3 Regulação como planejamento estratégico

O professor propõe a reformulação do conceito de políticas públicas como programas de governo. O Estado é um dos atores, mas o Judiciário e a sociedade também são. Ele propõe a denominação políticas constitucionalizadas, sugestão proposta no livro Direito fundamental à administração. Exemplo positivo é o plano decenal de educação lançado em 2014 (Lei 13.005/14).

1.3.4 Regulação por paternalismo

É preciso proteger o cidadão contra a sua própria irracionalidade. Há diversas acepções, como paternalismo libertário, paternalismo coercivo, paternalismo populista e paternalismo emancipacionista. O professor defende esse último, no sentido da necessidade de orientação acerca do que é errado, permitindo que os outros assumam a condução dos seus destinos.

1.4 Princípio da deferência

Na construção do Estado Democrático, é importante trazer à tona o princípio da deferência. O conceito parte da unicidade do Estado. Assim, se o Estado-Administração se manifesta, há presunção de legitimidade. Na prática, hoje, contudo, há uma presunção de ilegitimidade.

Ocorre que respeito não é algo que se outorga, mas sim que se conquista. A autoridade pública administrativa precisa conquistar o respeito da população, inclusive do Poder Judiciário. Há uma danosa sobreposição das atividades estatais no Brasil. Há um certo império do medo que tem que ser superado.

Os bons agentes públicos devem ser preservados. O agente público deve ser respeitável e respeitado nos seus atos. Esse é o princípio da deferência.

Nos EUA, o princípio foi estabelecido com uma fórmula da Suprema Corte, em 1984, o Chevron Test (Chevron U.S.A., Inc. v. Natural ResourcesDefenseCouncil, Inc.467 U.S. 837), que não é boa para o Brasil. Segundo o Chevron Test, no primeiro filtro, quando a lei for clara, deve ser cumprida. Mas a lei nunca é clara.

O 2º aspecto do Chevron Test é o seguinte: só quando o agente regulador não adotar uma ação minimamente aceitável é que haverá a intervenção do Judiciário. Para o professor, no Brasil essa concepção não se aplica, mesmo porque o Judiciário americano tem suas peculiaridades. Para Juarez Freitas, no Brasil os agentes públicos têm que passar pelo processo de conhecimento e reconhecimento, citando Gadamer, de conquista do respeito, evitando-se a sobrecarga do Poder Judiciário, que não poderá ser uma grande agência reguladora. O Judiciário só deve regular o demérito. A nossa cultura do direito de agência é extremamente precária e discricionária, e isso deve mudar.

Exemplo 1. Art. 175 da CF. O transporte público deve ser objeto de licitação. Vem lei de 2014 e diz que pode haver autorização.

Exemplo 2. Há decreto de 1998 que disciplina as licitações pela Petrobras. Esse decreto criou uma modalidade licitatória chamada contratação integrada. Esse decreto não foi considerado inconstitucional até agora, está no Supremo para julgamento.

Em conclusão, o professor salienta que, no Brasil, vivemos sob o império da precariedade. Devemos mudar essa situação e passar ao império da segurança jurídica, das justificações explícitas, claras, congruentes, e não com paráfrases das decisões administrativas. Isso se dá das seguintes formas:

1) Expansão qualitativa das políticas públicas, inclusive por parte do Poder Judiciário;

2) Vivificar o direito fundamental à boa administração pública, com a coibição das falhas de mercado e afastamento total da ideia de fundamentalismo de mercado.

2 Fernando Araújo – Direito Administrativo na perspectiva da análise econômica do Direito (AED)

A AED tem dedicado pouca atenção ao Direito Administrativo, pois está muito presa a uma realidade norte-americana, que tende a enquadrar os problemas suscitados em uma perspectiva maior.

A aula do ilustre professor da Faculdade de Direito de Lisboa consiste em uma abordagem do que seria um curso de Direito Administrativo sob a ótica da análise econômica do Direito.

A 1ª abordagem tem a ver com a gênese da moderna ciência econômica, cuja data de nascimento é 1776, com a publicação do livro A Riqueza das Nações, de Adam Smith. Até essa data, a ciência econômica poderia ser considerada um conselho aos governantes e, a partir dessa obra, ganhou uma nova vocação, o apelo à emancipação do cidadão.

A obra A Riqueza das Nações veio mostrar que era possível ao cidadão comum levar uma vida auto-organizada e até autoequilibrada, sem necessidade de subordinação a um soberano, sem necessidade de mais servidões. Essa é a visão republicana, a coisa pública como nossa, não somos súditos de ninguém. Podemos viver nossa vida com plena liberdade, e isso não gera o caos, e sim a harmonia, por meio da famosa mão invisível. A nova ciência econômica, para usar uma linguagem atual, nasceu muito libertária.

Essa nova concepção requereu uma justificação do Estado para suas condutas, com inevitável recuo no seu âmbito de inserção na vida do cidadão. A ausência de Estado não era uma opção, pois assim ocorreu no Estado feudal europeu, e, sempre que isso ocorre (ex.: Iraque, Líbano), as consequências são catastróficas.

A ideia era que o Estado recuasse e se encaixasse em uma esfera de genuína justificação, daí aparecendo naturalmente a justificação da existência do Direito Administrativo.

O professor trata das externalidades positivas, como justificação para atuação do Estado.  Como exemplo, temos o caso das vacinas. São boas para a pessoa e para a sociedade. Pode ocorrer de a pessoa, no entanto, não querer se vacinar, por considerar que assume todos os custos, mas não todos os benefícios. Ela pode decidir não se vacinar. Trata-se de uma situação de falha de mercado. Nas falhas de mercado, admite-se a atuação do Estado. Assim, o Estado determina que a vacinação é obrigatória. O Estado pode até dizer que se trata de um serviço gratuito, embora saibamos que não é. Nessa medida, os impostos são necessários, pois as pessoas normalmente não contribuem voluntariamente para essas externalidades positivas.

Adam Smith nunca deixou de considerar a fundamentalidade do papel do Estado na sociedade, em especial o papel de produção de bens públicos. Um exemplo ilustrativo é a iluminação pública, espontaneamente não a produzimos ou a subproduzimos. Há uma passagem interessante de Adam Smith que é a seguinte: quem tem que contar com a benevolência alheia são os cães, os humanos não podem, estes contam com o interesse alheio, muitas vezes contrários a nós mesmos.

2.1 Falhas de intervenção

O professor trata das falhas de intervenção: o Estado é chamado para tentar compor aquilo que espontaneamente não somos capazes de produzir. O constitucionalismo e a emancipação dos cidadãos são ideias iluministas puras. Para promoção dessa emancipação individual, algumas cautelas têm que ser tomadas. Quem conseguiu estabelecer primeiramente, em termos mais precisos, ganhando o prêmio Nobel por conta disso, foi Ronald Coase, que estabeleceu a seguinte tese: as funções de coordenação do Estado só poderiam ser admitidas caso se demonstrasse, e só se demonstrasse, que os esforços de coordenação privados fossem desproporcionalmente caros para os privados.

Adam Smith, no século XVIII, dizia que não havia nada mais estúpido que os monarcas europeus, que se achavam oniscientes e pensavam que conheciam os assuntos privados de seus súditos mais do que eles, achando que podiam dar ordens que melhorasem ou maximizassem a condição de seus súditos. Esse problema foi reconhecido pela moderna teoria econômica sob o nome de problema da assimetria informativa.

O problema da assimetria informativa é melhor resolvido com o convívio humano, ou seja, o mercado, local de encontro pontual sem compromisso. O mercado incorpora toda a informação relevante, agregando informações que não existem na relação súdito-Estado. Assim, o Estado tem uma limitação cognitiva de que os mercados não padecem. Contudo, os mercados também podem ser inquinados de assimetria informativa, e justamente por essa razão eles também falham. Mas a ideia é falar das limitações a um pretenso paternalismo. A demonstração mais clara dessas falhas de intervenção são os mercados negros, paralelos, clandestinos. Os piores disparates econômicos que se têm feito na história são os mecanismos de interferência de preços. De vez em quando os Estados cometem essa veleidade.

Adam Smith afirmou que nem os maiores tiranos eram capazes de impedir as pessoas de sobreviverem por meio do mercado. Um exemplo é a União Soviética. As falhas de intervenção apontadas nos encaminham para a conclusão de que, do ponto de vista econômico, há um grande receio de que as justificações para a intervenção do Estado na economia venham a redundar em maus resultados.

No entanto, há necessidade de intervenção do Estado. E exemplo mais claro é o seguinte: o problema dos monopólios naturais, situações em que a concorrência não funciona. O monopólio natural pode espontaneamente segmentar os preços, maximizando os seus lucros, o que é muito difícil, ou, então, haverá intervenção do Estado. O problema é que a intervenção do Estado é complicada no monopólio natural, e daí surge, para o professor, o grande problema no tema regulação, que, na maioria das vezes, é uma simples manifestação de um paternalismo saudosista (“estatismo envergonhado”).

No momento em que se percebeu que o Estado poderia nacionalizar o monopólio natural sem ter o objetivo de maximização do lucro, isso abriu “as portas do inferno”. Essa é a disciplina de economia de transição (voltada para as economias do leste europeu pós-queda do muro de Berlim), da qual apareceu o termo soft budget constraint, ou seja, limitação branda em termos orçamentais. Em outras palavras, quando não se quer maximizar o lucro, temos a bandalheira.

Traçado esse quadro, há de se reconhecer que não podemos viver sem o Estado, mas o Estado pode ser ruim muitas vezes. A intervenção do Estado gera rendas que o próprio mercado não gera. O Estado, na sua intervenção, consolida posições que podem gerar um ganho que não se obteria por meio da concorrência. Por isso, hoje as empresas tentam ganhar no mercado e no Estado. Por exemplo, se a empresa tem que gastar milhões para uma campanha de marketing, mas, por outro lado, sabe que pode gastar muito menos para subornar o legislador para criar uma norma que impede o produto da concorrência, talvez opte por esta segunda conduta.

A ciência econômica olhou para isso e tomou uma postura cínica: teoria da public choice – conjunto abundante que gravita em torno dessas escolhas. As modernas democracias são aparelhos de gestão de interesses privados. Tudo se resume a uma questão de representatividade de interesses privados que se digladiam. Hoje se chama economia política constitucional. Essa representação do interesse privado como interesse público é praticamente o Teorema de Coase aplicado de forma inversa.

Os pequenos grupos têm um menor custo de transação e por isso conseguem com mais facilidade suas demandas. De outro lado, aqueles que têm o dever de zelar pelo interesse da maioria estão expostos a elevadíssimos custos de coordenação. O Estado não é diferente de uma S/A. Há um grupo que aproveita a dispersão e a ignorância irracional da população (acionistas) para satisfazer seus interesses e as de sua clientela. Não é uma censura ao Estado. Não há outra forma de funcionamento da democracia. As democracias estão vacinadas com os supostos homens virtuosos, que, hoje em dia, só têm a roupagem de terroristas.

Há qualquer coisa que milita contra a otimização da economia constitucional. O nome disso é o problema da agência ou dos custos de agência.  As pessoas não estão munidas das mesmas informações. Os contratos são feitos entre desiguais. No Direito Administrativo, estamos sempre a pedir que o Estado aja de acordo com o interesse do representado. Essa assimetria tende a aumentar, pois o particular passa para o Estado a incumbência de resolver esses problemas, o que deve, contudo, se basear em uma relação de confiança. Essa relação de agência gera para o agente uma oportunidade de se desviar dos propósitos da agência, ou de forma não arquitetada, ou em casos de insindicabilidade.

A expressão Economia Política Constitucional decorre de uma tendência de ver essas questões de um modo pragmático, sem ligar para o rótulo das disciplinas envolvidas. O Direito Constitucional ganhou grande expressão, as Constituições passam a ser espécies de “bandeiras”. E o Direito Administrativo passa a ser uma retaguarda do Direito Constitucional, uma constituição não escrita, ou seja, o lado institucional que sobrevive às veleidades ideológicas que varrem as Constituições.

3  Considerações

Pode-se dizer que as duas palestras são complementares, não só pela riqueza, mas pelos diferentes focos de abordagem, muito embora tenham chegado a um denominador comum: o problema das agências.

O professor Juarez Freitas quis estabelecer de forma bem clara a necessidade de superação de uma certa idolatria ao fundamentalismo de mercado, clamando pela necessidade de atuação do Estado, notadamente de forma a coibir as falhas de mercado.

O professor Fernando Araújo, a seu turno, ao defender a necessidade da atividade regulatória do Estado, apontou para um outro aspecto dessa atuação, as falhas de intervenção.

Ambos os professores citaram Adam Smith, seja A Teoria dos Sentimentos Morais (Juarez Freitas) seja A riqueza das nações (Fernando Araújo), obras de referência para compreensão do papel do Estado.

Voltando ao problema das agências, de fato é um dilema, como o próprio professor Juarez Freitas mencionou, que desafiará aprofundamento e novos estudos para a próxima década.

Nesse contexto, vale citar um conceito em ciências sociais denominado unintended consequences, consistente, em forma sintética, na existência de efeitos não intencionais relacionados aos atos que praticamos. Há correlação com o conceito de custos indiretos, mas nele não se esgota. O Estado, ao atuar, não dispõe de todas as informações e nunca poderá controlar todas as consequências de suas ações. A intervenção do Estado é sempre perigosa nesse sentido.

No Brasil, esse efeito é muito claro. Da atuação das agências, vide telefonia, petróleo, energia, transporte, enfim, praticamente todos os setores, o que se vê é a atuação do Estado, seja de forma não arquitetada, seja por insindicabilidade, no sentido de prejudicar a livre competição, dificultando a entrada de novos players, favorecendo aqueles que já se encontram sob o beneplácito estatal, muitas vezes com largo trânsito nas camadas de poder (Legislativo e Executivo).

Ao fim, há de se destacar que o Judiciário, como bem pontuado pelo ilustre Juarez Freitas, detém importante papel, devendo atuar de molde a não permitir o crescimento e a consolidação dessas situações de precariedade na Administração Pública.

Sobre o debate acerca do papel do Estado, especialmente no Brasil, que tem vivenciado um intenso intervencionismo estatal e exeperimentado, nos últimos anos, justamente em função desse intervencionismo, uma estagnação econômica e uma piora nos níveis de desenvolvimento social, destoando do ritmo dos países emergentes, a defesa de maior intervenção, no entender deste magistrado, deve ser realizada com muita cautela. Qualidade da Administração, sim, é uma busca prioritária. Há bons quadros na Administração, mas, em especial nas esferas de comando, a estrutura estatal, em todos os seus ramos, encontra-se extremamente ideologizada.

Um dado simples, obtido junto ao site www.liberdadeeconomica.com.br, revelador do que essa condição pode trazer a um país, é o índice de liberdade econômica. Os três primeiros países do ranking são Hong Kong, Cingapura e Nova Zelândia. Coincidentemente são países com alto nível de desenvolvimento humano.

Sem falar nos casos já conhecidos de Hong Kong e Cingapura, é interessante notar que a Nova Zelândia, a partir dos anos 80, passou por um processo de liberalização econômica, o que redundou em um crescimento maciço e no atingimento dos altos níveis de desenvolvimento que hoje despertam tanta admiração.

O país da América Latina com melhor índice de liberdade econômica é o Chile, que ocupa a 10º posição. Mais uma vez, coincidentemente, é o país com melhor IDH da região, ocupando a 40ª posição no ranking mundial.

O Brasil ocupa o 103º posto no ranking de liberdade econômica, num total de 153 países, enquanto no ranking do IDH ocupa a 85ª posição.

Os Estados Unidos da América ocupam o 13º posto no índice de liberdade econômica e o 3º posto no IDH.


Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023:2002/ABNT):
. . Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n., jun. 2015. Disponível em:
<>
Acesso em: .


REVISTA DE DOUTRINA DA 4ª REGIÃO
PUBLICAÇÃO DA ESCOLA DA MAGISTRATURA DO TRF DA 4ª REGIÃO - EMAGIS