A responsabilidade civil do Estado por atos lícitos

Autor: Fernando Tonding Etges

Juiz Federal Substituto, Pós-Graduado em Direito Processual Civil

publicado em 30.06.2015



Resumo

A Constituição Federal de 1946 teve papel importante na questão envolvendo a responsabilidade civil do Estado, ao adotar a teoria publicista do risco administrativo, que veio a ser repisada naquelas que a sucederam, notadamente no artigo 37, § 6º, da atual. O novo Código Civil compatibilizou-se com a norma constitucional por meio do artigo 43. Assim, atualmente, o dever de indenizar do Estado emerge do nexo causal existente entre um fato administrativo e o dano. Ocorre que, diferentemente das normas cíveis, a responsabilização do Estado pode advir da prática de atos lícitos e legítimos. Isso ocorre quando certo ato, estribado na lei e em prol da coletividade em geral, implica danos a uma parcela específica da sociedade. É a hipótese da distribuição igualitária dos ônus e dos encargos a que estão sujeitos os administrados, muito comum em caso de obra pública que traga dano anormal e especial a um grupo de pessoas. Portanto, conforme doutrina e jurisprudência do STF, diante da teoria do risco, do teor dos enunciados normativos que tratam sobre o tema e da própria configuração do Estado como Democrático de Direito, é inegável que o alcance da responsabilidade estatal supera as regras comuns de responsabilidade civil de um particular.

Palavras-chave: Responsabilidade. Estado. Atos lícitos e ilícitos. Dano. Repartição. Ônus.

Sumário: Introdução. 1 Da responsabilidade civil do Estado – evolução histórica. 2 Dos requisitos da responsabilidade civil do Estado. 2.1 Nexo causal. 2.2 Dano. 2.3 Atos lícitos e ilícitos. Conclusão. Referências bibliográficas.

Introdução

Na esteira das palestras promovidas no Currículo Permanente – Módulo II – Direito Administrativo 2014, curso promovido pela Emagis no âmbito do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, este artigo visa a debater traços da responsabilidade civil do Estado, notadamente no tocante a atos que, embora lícitos e legítimos, impliquem ônus excessivo a uma pessoa ou um grupo de pessoas em benefício da coletividade em geral.

Ainda que as características da responsabilidade estatal venham sendo estudadas e debatidas por muitos anos, havendo vasta doutrina a esclarecer a evolução histórica do tema e as suas principais características, em especial no tocante à necessária comprovação ou não da culpa na configuração da responsabilidade do Estado, a distinguir entre a objetiva e a subjetiva, a análise do assunto em sintonia com a prática de atos lícitos vem ganhando força com o passar dos anos, uma vez que o Poder Judiciário vem sendo instado a equacionar conflitos dessa vertente.

Hipóteses referentes a obras públicas que causam elevado ônus em relação a um comércio, por exemplo, em benefício da sociedade, ou mesmo a questão envolvendo a vacinação de um grupo de pessoas que, embora escorada em motivos de saúde pública, em certos casos leva a danos irreversíveis a específicos cidadãos, estão sendo trazidas ao crivo do Poder Judiciário, de modo que se impõe um estudo acurado sobre o tema a fim de que se ofertem respostas que propiciem integridade e coerência ao sistema jurídico nacional.

Não se olvide, por certo, que o presente trabalho deve atender também às exigências estampadas no Ofício-Circular 2285238 – GPRES/Emagis, especialmente no tocante à extensão, de modo que, ainda que plenamente possível o aprofundamento da matéria, não há falar em seu esgotamento, próprio de alongados debates no seio da doutrina.

O presente trabalho abordará, de início, a evolução histórica do tema envolvendo a responsabilidade do Estado, passando-se então ao exame, ainda que sucinto, dos requisitos envolvendo o dever do Estado de indenizar. Ao fim, ingressar-se-á no tema central do estudo, atinente aos meandros da responsabilidade do Estado ao praticar atos legítimos que causem danos a cidadão ou setor específico em benefício dos demais atores sociais.

Portanto, o presente trabalho busca, inclusive mediante a análise histórica do tema em questão e com escoro no exame da doutrina e da jurisprudência, discutir as bases que fundamentam o dever ou não de indenizar pelo Estado quando atos lícitos de sua autoria causam excessivos danos a um ou a vários particulares em benefício da coletividade. Intentar-se-á examinar a adequação dos entendimentos que circundam o tema às leis e, sobretudo, aos princípios constitucionais que guarnecem o sistema jurídico.

1 Da responsabilidade civil do Estado – preceitos gerais e históricos

A norma matriz do hodierno ordenamento jurídico a tratar sobre a responsabilidade do Estado é aquela estampada no artigo 37, § 6º, da Constituição Federal de 1988, que estatui o seguinte: “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.

Emerge daí a peça-chave de todo o arcabouço jurídico pátrio no que toca à responsabilidade do Estado, denotando que ele, de forma objetiva, ou seja, independentemente da prova da culpa, responde pelos danos que seus agentes causarem a terceiros. Explicita-se também no dispositivo a responsabilidade subjetiva do agente, que, consoante a parte final do texto, somente irá responder pelo dano caso comprovado seu dolo ou culpa na ocorrência do ato.

O cenário hoje presente no ordenamento jurídico no tocante ao tema em tela foi sendo construído com a evolução social e política que ocorreu ao longo dos anos no país, reflexo de paradigmas que foram trazidos da Europa com atraso de décadas.

Na esteira de um Estado absolutista, centrado na figura do rei e na conhecida máxima the king can do no wrong e desfocado de qualquer paradigma democrático, a regra que permeava as legislações nacionais até por volta do século XVIII era a de irresponsabilidade do Estado. Seu fundamento, como consigna Diógenes Gasparini,(1) assentava-se na premissa de que “o Estado não podia causar males ou danos a quem quer que fosse”. Pensar diferente seria igualar o particular e o Estado, em completo descompasso com o regime absolutista então existente, formador da cultura da época. Segundo anota o autor acima citado, essa teoria somente encontrou respaldo no período colonial brasileiro, quando as normas do direito português imperavam no território brasileiro.

Em verdade, a teoria se assentava nas características da soberania do Estado, não tal qual entendida atualmente, mas sim na soberania que o Estado guardava em relação à própria população. Celso Antônio Bandeira de Mello(2) cita a frase de Laferrière para bem exemplificar as características desse ponto nas sociedades antigas: “O próprio da soberania é impor-se a todos sem compensação”.

Posteriormente, a partir do avanço dos ideais liberais que ganharam força com a Revolução Francesa, visando a mitigar o poder estatal frente ao particular, a teoria da irresponsabilidade do Estado foi sendo substituída pelas teorias civilistas, que exigiam a comprovação da culpa.

No Brasil, a Constituição do Império de 1824, ainda que tenha sido maturada a partir de forte influência da Carta Magna francesa de 1814,(3) que apresentava as novidades oriundas da revolução ocorrida no final do século anterior, nada discorria sobre a matéria. Ainda misturando normas liberais com preceitos de cunho absolutista, a primeira Constituição brasileira, ao passo que, no artigo 99, estatuía que “a pessoa do imperador é inviolável, e sagrada: Elle não está sujeito a responsabilidade alguma”, no artigo nº 179, XXIX, imputava responsabilidade aos empregados públicos pelos abusos e omissões praticadas no exercício de suas funções. Não é à toa que Raymundo Faoro, na sua mais conhecida obra,(4) pontuou que “entre o rei e o povo não houve pacto, discutido e concedido, mas a adesão ao líder e chefe, com o carisma sobreposto ao vínculo tradicional, legado pela dinastia de Bragança”.

Com a instauração da República, foi promulgada a concisa Constituição de 1891, que não alterou em nada o tema, à exceção da questão envolvendo a proteção absoluta outrora atribuída ao Poder Moderador, descrevendo novamente a possibilidade de responsabilização dos funcionários públicos por omissões e abusos cometidos (artigo 82). Odete Medauar(5) faz referência ainda à Lei nº 221/1894, que “atribuiu aos juízes e tribunais federais o julgamento das causas relativas à lesão de direitos individuais por decisões das autoridades administrativas da União”.

De qualquer sorte, com o advento do Código Civil de 1916, a teoria civilista ganhou força, já que o artigo 15 previa que:

“Art. 15. As pessoas jurídicas de direito público são civilmente responsáveis por atos de seus representantes que nesta qualidade causem danos a terceiros, procedendo de modo contrário ao direito ou faltando a dever prescrito por lei, salvo o direito regressivo contra os causadores do dano.”

Nesse sentido, a atuação culposa ou dolosa do agente passou a ser elemento caracterizador do dever de indenizar do Estado. Deixa-se de lado a ideia de que o agente é o único responsável por ato por ele cometido, outorgando-se ao Estado essa responsabilidade, sem prejuízo de que se cobre daquele os custos exigidos deste.

A Constituição Federal de 1934, de cunho nacionalista,(6) oriunda de disputas políticas estampadas na Revolução de 1930 e, por consequência, na Revolução Constitucionalista de 1932, além de ter demonstrado avanços no tocante a direitos sociais, alterou, no âmbito constitucional, os paradigmas até então previstos, acoplando-se à regra do Código Civil vigente. Com efeito, o artigo 171 consignou que:

“Art. 171 – Os funcionários públicos são responsáveis solidariamente com a Fazenda nacional, estadual ou municipal, por quaisquer prejuízos decorrentes de negligência, omissão ou abuso no exercício dos seus cargos.
§ 1º – Na ação proposta contra a Fazenda pública, e fundada em lesão praticada por funcionário, este será sempre citado como litisconsorte.
§ 2º – Executada a sentença contra a Fazenda, esta promoverá execução contra o funcionário culpado.”

Já a Carta Magna de 1937, de viés ditatorial, manteve no artigo 158 redação similar àquela ofertada no trecho acima transcrito.

Em verdade, foi a Constituição de 1946, atenta à evolução do tema, que promoveu a ruptura da teoria civilista para a teoria publicista. No seu artigo 194, previu que “as pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis pelos danos que seus funcionários causarem a terceiros”. Esse foi o marco legislativo, repisado posteriormente no artigo 105 da Constituição de 1967, que deixou de atribuir ao direito civil a solução das controvérsias relacionadas ao tema, repassando-a ao direito administrativo. Sobre o assunto, Hely Lopes Meirelles anota o seguinte(7):

“Realmente, não se pode equiparar o Estado, com seu poder e seus privilégios administrativos, ao particular, despido de autoridade e de prerrogativas públicas. Tornaram-se, por isso, inaplicáveis, em sua pureza, os princípios subjetivos da culpa civil para a responsabilização da Administração pelos danos causados aos administrados. Princípios de Direito Público é que devem nortear a fixação dessa responsabilidade.”

Na verdade, não seria razoável exigir do particular que, além de seu dano e da conduta do Poder Público, tivesse que comprovar a culpa do Estado, mister demasiadamente complexo e intrincado, a mitigar ou, quiçá, inviabilizar a responsabilização daquele. Nessa linha, pontuou-se que, pelas vicissitudes narradas, a lógica da responsabilização deveria assentar-se naquele que criou o risco do dano, como se verá a seguir.

O doutrinador esclarece que, diante desse novo paradigma, surgiram as teorias da culpa administrativa, do risco administrativo e do risco integral para justificá-lo. Na primeira, evidenciada como ponto segregador entre as teorias civilistas e as publicistas, fala-se em culpa no serviço. Ou seja, o Estado, responsável por tal ou qual serviço público, deve ser responsabilizado quando este não é prestado, é mal ofertado ou o é de forma tardia. Em qualquer dessas três hipóteses, como assinala Maria Sylvia Zanella di Pietro, “ocorre a culpa (faute) do serviço ou acidente administrativo, incidindo a responsabilidade do Estado independentemente de qualquer apreciação da culpa do funcionário”.(8)

Já a teoria do risco administrativo não se vincula à falha no serviço, sendo “suficiente a prova da lesão e de que esta foi causada pelo Estado”.(9) Como pontua Hely Lopes Meirelles, a teoria “baseia-se no risco que a atividade pública gera para os administrados e na possibilidade de acarretar dano a certos membros da sociedade, impondo-lhes um ônus não suportado pelos demais”.(10) Esta teoria diferencia-se da do risco integral por admitir hipóteses excludentes de responsabilidade. Com efeito, enquanto no risco integral a mera participação do Estado em evento gerador de dano ao particular implica sua responsabilidade – caracterizando-se o Estado na absurda ideia de segurador universal –, a teoria do risco administrativo admite que se pondere e prove a culpa da vítima, o caso fortuito, a força maior, o ato de terceiro, entre outras hipóteses, a fim de se afastar a responsabilidade estatal.

Nessa linha, é a teoria do risco administrativo que, à luz das vicissitudes constitucionais, vigora hoje no panorama jurídico nacional e de maciça gama de países, como se infere do texto constitucional alhures citado e do teor do Código Civil de 2002, que estipula o seguinte: “Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo”.

Destarte, em linhas gerais, são atualmente pressupostos da responsabilidade civil do Estado: (a) a ocorrência do fato administrativo, assim considerado “qualquer conduta, comissiva ou omissiva, legítima ou ilegítima, singular ou coletiva, atribuída ao Poder Público”;(11) (b) o dano, não importando sua natureza, podendo ser moral ou patrimonial; e (c) o nexo causal, ou relação de causalidade, entre o fato administrativo e o dano. Em resumo, ao lesado cabe apenas demonstrar que o prejuízo sofrido se originou da conduta estatal, sem qualquer consideração sobre o dolo ou a culpa.

Impõe-se destacar que o fato administrativo deve ser realizado por pessoas jurídicas de direito público interno, que, conforme o artigo 41 do Código Civil, são a União, os estados, o Distrito Federal e os territórios, os municípios, as autarquias, inclusive as associações públicas, e as demais entidades de caráter público criadas por lei. Além disso, a norma constitucional iguala a elas as prestadoras de serviços públicos. Como assenta Carvalho Filho,(12)

“A intenção da Constituinte foi a de igualar, para fins de sujeição à teoria da responsabilidade objetiva, as pessoas de direito público e aquelas que, embora com personalidade jurídica de direito privado, executassem funções que, em princípio, caberiam ao Estado. Com efeito, se tais serviços são delegados a terceiros pelo próprio Poder Público, não seria justo nem correto que a só delegação tivesse o efeito de alijar a responsabilidade objetiva estatal e dificultar a reparação de prejuízos pelos administrados.”

Assim, atento às peculiaridades da teoria do risco, estabeleceu o legislador que tanto o Estado, por si, como a pessoa jurídica de direito privado, quando se utiliza das vestes do Estado para prestar certo serviço público por meio de delegação, devem responder independentemente da comprovação da culpa. Deve, assim, o intérprete avaliar se se trata ou não de serviço público, a fim de concluir se é ou não possível o enquadramento da questão à luz da teoria publicista. E essa premissa ganha força a partir da referência da norma constitucional ao agente “nessa qualidade”, ou seja, atuando na prestação de um serviço público, não se admitindo, portanto, a responsabilização na hipótese de servidor fora do exercício da função, como no exemplo de policial que se utiliza da arma da corporação fora do expediente.(13) Como estatui Odete Medauar,(14) “a locução nessa qualidade traduz o vínculo que deve existir entre o desempenho de atividades junto à Administração e o evento danoso”. Exemplifica a doutrinadora da seguinte forma:

“Assim, se um agente exerce a função de motorista e provoca um acidente no seu período de férias, sem o veículo oficial, não há cogitar responsabilidade da Administração. Mas se um policial militar, no exercício das atividades de sua função, dirige veículo particular e atropela pedestre, o caso é de responsabilização.”

Estabelecidas essas premissas, impende examinar sucintamente os pressupostos dos itens “b” e “c” e, com mais atenção, aquele do item “a”, objeto deste trabalho, notadamente no que tange aos atos lícitos.

2 Dos requisitos da responsabilidade civil do Estado

2.1 Nexo causal

O nexo causal – ou relação de causalidade – tem importante papel no tema envolvendo responsabilidade do Estado, uma vez que ele é o liame que atrela o fato administrativo ao dano. Como sustenta Sílvio Venosa,(15) “é por meio do exame da relação causal que se conclui quem foi o causador do dano”, sendo, como visto, elemento indispensável no dever de indenizar.

Ocorre que é usualmente intrincada a tarefa de apurar o nexo causal, normalmente quando se está diante de causas múltiplas. Na tentativa de equacionar a questão, há, atualmente, três teorias a amparar o tema. A primeira é a da equivalência das condições, na qual, conforme estatui Carlos Roberto Gonçalves, “toda e qualquer circunstância que haja concorrido para produzir o dano é considerada como causa”.(16) É a conhecida teoria do conditio sine qua non, em que se deve elucubrar, por meio de um processo hipotético de eliminação, se, afastada uma causa, o resultado se mantém. É utilizada no Código Penal e sofre críticas por se considerar que a corrente causal poderia ir ao infinito, o que, naquela seara, é refutado pela necessidade de se avaliar o elemento subjetivo do fato típico.(17)

A segunda teoria, nominada como da causalidade adequada, leva em conta apenas a condição por si só apta a produzir o dano. Diante dos radicalismos visualizados nas duas teorias citadas, criou-se a terceira teoria, intitulada como dos danos diretos e imediatos. Tal teoria é, assim como ventila Carlos Roberto Gonçalves,(18) um “amálgama das anteriores, uma espécie de meio-termo, mais razoável”, na qual se requer a existência de uma relação de causa e efeito direta e imediata.

Essa terceira hipótese é a acolhida no atual Código Civil, conforme artigo 403: “Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual”.

O Superior Tribunal de Justiça – STJ vem também acolhendo a indigitada teoria, conforme precedente que trata exatamente da responsabilidade do Estado:

“PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE A NEGLIGÊNCIA DO ESTADO E O ATO ILÍCITO PRATICADO POR FORAGIDO DE INSTITUIÇÃO PRISIONAL. AUSÊNCIA. 1. A imputação de responsabilidade civil, objetiva ou subjetiva, supõe a presença de dois elementos de fato (a conduta do agente e o resultado danoso)e um elemento lógico-normativo, o nexo causal (que é lógico, porque consiste em um elo referencial, em uma relação de pertencialidade, entre os elementos de fato; e é normativo, porque tem contornos e limites impostos pelo sistema de direito). 2. ‘Ora, em nosso sistema, como resulta do disposto no artigo 1.060 do Código Civil [art. 403 do CC/2002],a teoria adotada quanto ao nexo causal é a teoria do dano direto e imediato, também denominada teoria da interrupção do nexo causal. Não obstante aquele dispositivo da codificação civil diga respeito à impropriamente denominada responsabilidade contratual, aplica-se também à responsabilidade extracontratual, inclusive a objetiva (...). Essa teoria, como bem demonstra Agostinho Alvim (Da inexecução das obrigações. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1980. p. 370. n. 226), só admite o nexo de causalidade quando o dano é efeito necessário de uma causa’ (STF, RE 130.764, 1ª Turma, DJ de 07.08.92, Min. Moreira Alves). 3. No caso, não há como afirmar que a deficiência do serviço do Estado tenha sido a causa direta e imediata do ato ilícito praticado pelo foragido. A violência contra a recorrida, que produziu os danos reclamados, ocorreu mais de dez meses após o foragido ter se evadido do presídio. Ausente o nexo causal, fica afastada a responsabilidade do Estado. Precedentes do STF (RE 130.764, 1ª T., Min. Moreira Alves, DJ de 07.08.92; RE 369.820-6, 2ª T., Min. Carlos Velloso, DJ de 27.02.2004; RE 341.776-2, 2ª T., Min. Gilmar Mendes, DJ de 17.04.2007) e do STJ (REsp 858.511/DF, 1ª T., relator para acórdão Ministro Teori Albino Zavascki, julgado em 19.08.2008). 4. Recurso especial a que se dá provimento.” (REsp 719738/RS, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em 16.09.2008, DJe 22.09.2008)

Portanto, o dever de indenizar do Estado se configura quando o fato administrativo é causa direta e imediata de dano causado ao particular.

2.2 Dano

Dano tem íntima relação com prejuízo. E esse prejuízo, como estipula o artigo 403 do CCB, antes citado, deve ser efetivo, ou seja, real, sendo computável aí também o que se deixou de ganhar. Quando da ocorrência de um dano, avalia-se, assim, a mitigação ocorrida no patrimônio do ofendido, material ou imaterial. De qualquer sorte, o que a pessoa que sofreu o dano busca é, em suma, restaurar o status quo ante, alcançando uma situação de fato idêntica àquela que existia previamente ao ato praticado. Como em muitas situações isso não é possível, busca-se então “uma compensação em forma de pagamento de uma indenização monetária”.(19) Sobre o assunto, acrescenta Sílvio de Salvo Venosa(20):

“Reparar o dano, qualquer que seja sua natureza, significa indenizar, tornar indene o prejuízo. Indene é o que se mostra íntegro, perfeito, incólume. O ideal de justiça é que a reparação de dano seja feita de molde que a situação anterior seja reconstituída: quem derrubou o muro do vizinho deve refazê-lo; (...). Vimos que essa solução é mais adequada em determinadas classes de danos, como, por exemplo, nos danos ecológicos. Não é, porém, o que na prática se mostra possível ou aceitável no direito eminentemente privado, mormente porque há danos que são irreparáveis in natura, como a morte.”

Em síntese, como apregoa Marçal Justen Filho,(21) “o dano material consiste na redução da esfera patrimonial de um sujeito, causando a supressão ou a diminuição do valor econômico de bens ou direitos que integravam ou poderiam integrar sua titularidade”. Na mesma linha, o “dano moral é a lesão imaterial ou psicológica, restritiva dos processos psicológicos de respeito, de dignidade e de autonomia”.

Na questão tratada neste estudo, impende destacar ainda outras duas características do dano, indispensáveis para a configuração da responsabilidade por atos lícitos, como se verá a seguir: a anormalidade e a especialidade. O dano especial “é aquele que onera a situação particular de um ou alguns indivíduos, não sendo, pois, um prejuízo genérico, disseminado pela sociedade”.(22) Já o dano anormal é aquele “que supera os meros agravos patrimoniais pequenos e inerentes às condições de convívio social. A vida em sociedade implica a aceitação de certos riscos de sujeição a moderados gravames econômicos a que todos estão sujeitos”.(23)

Em linhas gerais, portanto, o dano é a redução ocorrida no patrimônio material ou imaterial da vítima, sendo peça-chave na configuração da responsabilidade do Estado.

2.3 Atos lícitos e ilícitos

Apuradas as características gerais do dano e da relação de causalidade entre ele e o fato da administração, impende ingressar no ponto central de estudo do presente trabalho. Como visto, a responsabilidade do Estado pode emergir de ação ou omissão, lícita ou ilícita.

A ilicitude como elemento caracterizador da responsabilidade civil não demanda maiores digressões. Do seio da legislação civil, colhe-se o artigo 927 do Código Civil, que apregoa que “aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”. O ato ilícito está intimamente ligado à violação (artigo 186) ou ao abuso (artigo 187) de um direito. Nas palavras de Washington de Barros Monteiro,(24) “é o ato contrário à ordem jurídica e que viola direito subjetivo”.

Nesse sentido, não há dúvidas de que, cometendo o Estado, por um dos seus agentes, ato contrário à ordem jurídica, nasce o dever de indenizar, caso comprovados os demais requisitos da responsabilidade. A questão intrincada, em verdade, está na avaliação do dever de indenizar quando da prática de atos concordantes com o direito, ou seja, jurídicos, respaldados na lei.

O exame da controvérsia passa, antes de tudo, pela necessária lembrança de que a teoria do risco administrativo ganhou fôlego pelo fato de que a responsabilidade do Estado não se coaduna com as regras de direito civil. São tantas as peculiaridades envolvendo a relação entre Estado e particular, que não caberia mais pinçar do direito privado as balizas para regular o alcance e os parâmetros da responsabilidade do Estado, ainda que dele o direito administrativo se socorra para a resolução de certas questões.

De pronto, portanto, a relação imprescindível entre ato ilícito e dever de indenizar constante no âmbito privado não guarda sintonia com o direito administrativo. Com efeito, Maria Sylvia Zanella Di Pietro ressalta que, diferentemente do direito privado, “em que a responsabilidade exige sempre um ato ilícito (contrário à lei), no direito administrativo ele pode decorrer de atos ou comportamentos que, embora lícitos, causem a pessoas determinadas ônus maior do que o imposto aos demais membros da coletividade”.(25)

Nesse sentido, cumpre destacar ser possível a atribuição de responsabilidade ao Estado mesmo em caso de atuação lícita/legítima do ente público. Tal panorama faz-se presente na hipótese fundamentada por Diógenes Gasparini no “princípio da distribuição igualitária dos ônus e dos encargos a que estão sujeitos os administrados”.(26) Ou seja, mesmo lícito, determinado ato que imponha a certo cidadão ônus extremamente desigual frente aos demais implica responsabilidade do Estado. É a hipótese, por exemplo, de obra promovida pelo Estado que repercuta em danos a determinado cidadão.

Nessa linha, cito o ensinamento de Celso Antônio Bandeira de Mello,(27) um dos juristas que mais defendem o tema:

No caso de comportamentos lícitos, assim como na hipótese de danos ligados a situação criada pelo Poder Público – mesmo que não seja o Estado o próprio autor do ato danoso –, entendemos que o fundamento da responsabilidade estatal é garantir uma equânime repartição dos ônus provenientes de atos ou efeitos lesivos, evitando que alguns suportem prejuízos ocorridos por ocasião ou por causa de atividades desempenhadas no interesse de todos. De conseguinte, seu fundamento é o princípio da igualdade, noção básica do Estado de Direito.

Toda vez que uma medida legítima de interesse público, que vise a abranger a coletividade, traga prejuízos a alguns indivíduos, passa a ser dever do Estado – já que responsável direto pelo ônus ofertado a alguns – arcar com as lesões daí advindas a certos cidadãos. É como se a coletividade, beneficiada com certa medida, respondesse pelos prejuízos daqueles que foram prejudicados.

Sobre o tema, esclarece José dos Santos Carvalho Filho(28):

“Além do risco decorrente das atividades estatais em geral, constituiu também fundamento da responsabilidade objetiva do Estado o princípio da repartição dos encargos. O Estado, ao ser condenado a reparar os prejuízos do lesado, não seria o sujeito pagador direto; os valores indenizatórios seriam resultantes da contribuição feita por cada um dos demais integrantes da sociedade, a qual, em última análise, é a beneficiária dos poderes e das prerrogativas estatais.”

Havendo prejuízo a um direito individual em favor do interesse público legítimo, cabe ao Estado arcar com valor que indenize o prejudicado, repartindo o custo com toda a coletividade. Evita-se, assim, o empobrecimento de alguns em detrimento do enriquecimento de outros por meio de ação estatal específica, desfocada de qualquer critério de capacidade contributiva, por exemplo.

É bem verdade que tal posição deve ser analisada com cuidado e temperamento, já que a imposição de ônus e bônus a certos grupos por medidas estatais é fato corriqueiro e, quiçá, inafastável da ideia de Estado, de modo que a presença de dano anormal e especial, como visto em tópico anterior, é condição indispensável para a responsabilização. Mais que isso, conquanto a tese tenha respaldo de uma maioria esmagadora dos doutrinadores que escrevem sobre o tema, não há falar em unanimidade. Com efeito, Marçal Justen Filho(29) é um dos que alocam no conceito de responsabilidade civil do Estado o requisito da antijuridicidade. Assenta ele o seguinte(30):

“Aliás, mesmo os defensores de concepções objetivistas acabam concordando com a insuficiência da mera relação de causalidade objetiva entre uma ação ou omissão estatal e a consumação do dano. Assim, por exemplo, suponhamos que um agente policial, no exercício de legítima defesa, produza a morte de um delinquente. Houve ação estatal e houve dano, mas não há responsabilidade civil. A legítima defesa é causa excludente de responsabilidade civil, porque a ação praticada pelo agente estatal é jurídica, e os danos eventualmente gerados para o autor da agressão injusta são lícitos.”

E é aí então que emerge o ponto nevrálgico da questão. Ora, é evidente que o Estado não responde, em regra, por atos lícitos. Quando o INSS indefere um benefício previdenciário de forma regular, ou o Estado não nomeia um candidato que não alcançou o número de acerto mínimo em uma prova de concurso, ou o município nega a emissão de uma licença porque não preenchidos os requisitos legais, ou ainda são aplicadas multas por descumprimento de lei, entre tantas outras hipóteses, está-se diante de casos em que o Estado, inevitavelmente, não tem responsabilidade pelos danos daí decorrentes. Isso não se nega. Em verdade, o Estado apenas responde por atos lícitos em hipóteses excepcionais, devidamente evidenciadas, cujos danos apresentam peculiaridades próprias, oriundas da distribuição igualitária dos ônus e encargos a que estão sujeitos os administrados.

Pondere-se também que a análise da respon sabilidade deve-se focar na legitimidade do dano, e não propriamente do ato. Como defende Celso Antônio Bandeira de Mello,(31)

“No caso de comportamentos comissivos, a existência ou inexistência do dever de reparar não se decide pela qualificação da conduta geradora do dano (ilícita ou lícita), mas pela qualificação da lesão sofrida. Isto é, a juridicidade do comportamento danoso não exclui a obrigação de reparar se o dano consiste em extinção ou agravamento de um direito. Donde, ante a atuação lesiva do Estado, o problema da responsabilidade resolve-se no lado passivo da relação, não no lado ativo dela. Importa que o dano seja ilegítimo – se assim nos podemos expressar; não que a conduta causadora o seja.”

O exemplo citado por Marçal Justen Filho acima, enfim, não se configura como ato ilícito, a teor do artigo nº 188, inciso I, do Código Civil, que estabelece que “não constituem atos ilícitos (...) os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido”. O Estado, portanto, ao prover a segurança, acaba por enfrentar situações como a narrada, sendo imperiosa a análise da juridicidade do ato para fins de configuração da responsabilidade civil. Não há, nesse caso, nenhuma distribuição igualitária de encargos, mormente porque se cuida de atuação individualizada do Estado com tal ou qual cidadão.

Ao fim, Marçal Justen Filho ressalva a possibilidade de responsabilidade civil por ato lícito em caso de expressa previsão legislativa. “Adota-se o entendimento de que, ressalvadas hipóteses em que houver solução legislativa explícita diversa, somente é possível responsabilizar o Estado quando a omissão a ele imputada for antijurídica”.(32) Exemplifica com a Lei nº 10.744/03, que dispõe “sobre a assunção, pela União, de responsabilidades civis perante terceiros no caso de atentados terroristas, atos de guerra ou eventos correlatos, contra aeronaves de matrícula brasileira operadas por empresas brasileiras de transporte aéreo público”.Ocorre que não se está aí a segregar os atos lícitos dos ilícitos, notadamente porque sequer nexo causal há entre fato administrativo e dano, a não ser que se elucubrasse uma hipótese de omissão do Estado, o que não é o caso. Está-se apenas atribuindo à União o papel de seguradora universal em caso de ataque terrorista ou ato de guerra contra aviões brasileiros, situação que não se confunde com a ora examinada.

Em síntese, portanto, quando o Estado pratica atos lícitos em busca de um benefício geral para a sociedade e a coletividade e, de forma oblíqua, causa danos a um determinado grupo de pessoas, emerge a possibilidade de responsabilização, exatamente para se evitar que esse grupo arque sozinho com os custos do bem-estar geral.

Esse entendimento, de qualquer forma, encontra respaldo na jurisprudência. A título de exemplo, cite-se julgado do Supremo Tribunal Federal – STF envolvendo a Varig e o congelamento de tarifas, bem como o exame da responsabilidade do Estado por prejuízos a particulares decorrentes de planos econômicos:

RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS. RESPONSABILIDADE DA UNIÃO POR DANOS CAUSADOS A CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO DE TRANSPORTE AÉREO (VARIG S/A). RUPTURA DO EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO DO CONTRATO DECORRENTE DOS EFEITOS DOS PLANOS ‘FUNARO’ E ‘CRUZADO’. DEVER DE INDENIZAR. RESPONSABILIDADE POR ATOS LÍCITOS QUANDO DELES DECORREREM PREJUÍZOS PARA OS PARTICULARES EM CONDIÇÕES DE DESIGUALDADE COM OS DEMAIS. OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE, DO DIREITO ADQUIRIDO E DO ATO JURÍDICO PERFEITO. 1. Recurso extraordinário da União contra acórdão em embargos infringentes. Intervenção do Ministério Público na ação. A legitimidade do Ministério Público para interpor recurso extraordinário, como custos legis (§ 2º do art. 499 do Código de Processo Civil), harmoniza-se com as funções institucionais previstas nos arts. 127 e 129 da Constituição da República. 2. Recurso do Ministério Público não conhecido na parte relativa aos arts. 21, inc. XII, alínea e, 170, parágrafo único, 173 e 174 da Constituição da República. Ausência de prequestionamento. 3. Recurso da União não conhecido quanto à alegada carência de elementos para a comprovação da quebra do equilíbrio econômico-financeiro do contrato. Impossibilidade de reexame do conjunto fático-probatório em recurso extraordinário (Súmula nº 279 do Supremo Tribunal Federal). 4. Responsabilidade da União em indenizar prejuízos sofridos pela concessionária de serviço público, decorrentes de política econômica implementada pelo Governo, comprovados nos termos do acórdão recorrido. Precedentes: RE 183.180, Relator o Ministro Octavio Gallotti, Primeira Turma, DJ 01.08.1997. 5. A estabilidade econômico-financeira do contrato administrativo é expressão jurídica do princípio da segurança jurídica, pelo qual se busca conferir estabilidade àquele ajuste, inerente ao contrato de concessão, no qual se garante à concessionária viabilidade para a execução dos serviços, nos moldes licitados. 6. A manutenção da qualidade na prestação dos serviços concedidos (exploração de transporte aéreo) impõe a adoção de medidas garantidoras do reequilíbrio da equação econômico-financeira do contrato administrativo, seja pela repactuação, seja pelo reajuste, pela revisão ou pela indenização dos prejuízos. 7. Instituição de nova moeda (Cruzado) e implementação, pelo Poder Público, dos planos de combate à inflação denominados ‘Plano Funaro’ ou ‘Plano Cruzado’, que congelaram os preços e as tarifas aéreas nos valores prevalecentes em 27.02.1986 (art. 5º do Decreto nº 91.149, de 15.03.1985). 8. Comprovação nos autos de que os reajustes efetivados, no período do controle de preços, foram insuficientes para cobrir a variação dos custos suportados pela concessionária. 9. Indenização que se impõe: teoria da responsabilidade objetiva do Estado com base no risco administrativo. Dano e nexo de causalidade comprovados, nos termos do acórdão recorrido. 10. O Estado responde juridicamente também pela prática de atos lícitos, quando deles decorrerem prejuízos para os particulares em condições de desigualdade com os demais. Impossibilidade de a concessionária cumprir as exigências contratuais com o público, sem prejuízos extensivos aos seus funcionários, aposentados e pensionistas, cujos direitos não puderam ser honrados. 11. Apesar de toda a sociedade ter sido submetida aos planos econômicos, impuseram-se à concessionária prejuízos especiais, pela sua condição de concessionária de serviço, vinculada às inovações contratuais ditadas pelo poder concedente, sem poder atuar para evitar o colapso econômico-financeiro. Não é juridicamente aceitável sujeitar-se determinado grupo de pessoas – funcionários, aposentados, pensionistas e a própria concessionária – às específicas condições com ônus insuportáveis e desigualados dos demais, decorrentes das políticas adotadas, sem contrapartida indenizatória objetiva, para minimizar os prejuízos sofridos, segundo determina a Constituição. Precedente: RE 422.941, Relator o Ministro Carlos Velloso, Segunda Turma, DJ 24.03.2006. 12. Não conhecimento do recurso extraordinário da União interposto contra o acórdão proferido no julgamento dos embargos infringentes. 13. Conhecimento parcial do recurso extraordinário da União e, na parte conhecida, provimento negado. 14. Conhecimento parcial do recurso extraordinário do Ministério Público Federal e, na parte conhecida, desprovido, mantendo-se a decisão do Superior Tribunal de Justiça, conclusivo quanto à responsabilidade da União pelos prejuízos suportados pela recorrida, decorrentes dos planos econômicos.” (RE 571969, Relator(a): Min. Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, julgado em 12.03.2014, Acórdão Eletrônico, DJe-181, Divulg. 17.09.2014, Public. 18.09.2014)

Na ocasião, acolheu a Suprema Corte Constitucional que, quando atos do Estado impõem a um determinado grupo, empresa ou cidadão um ônus especial, em desacordo com o exigido dos demais atores sociais, há o dever de indenizar. Pontuou a relatora que:

“Não seria, assim, juridicamente razoável impor-se a um grupo de pessoas – funcionários, aposentados, pensionistas e a própria empresa concessionária – ônus superiormente suportado pelas políticas adotadas em relação aos serviços concedidos, deixando-se os danos na conta da possibilidade ou necessidade estatal de adoção de políticas públicas, sem a necessária resposta responsável pelas lesões específicas e comprovadas daí advindas.”

Destacou ela o exemplo da desapropriação como ato lícito hábil a gerar responsabilidade do Estado e, de conseguinte, o dever de indenizar. Ressalte-se apenas que a desapropriação é ato devidamente regulado por lei, com espeque constitucional, não se tratando de hipótese similar à que se examina no presente artigo. Celso Antônio Bandeira de Mello questiona também essa mistura de situações, defendendo que a hipótese de um nivelamento de rua, com os danos daí consequentes, em nada se assemelha a um caso de desapropriação. Diz ele que, na desapropriação,(33) “a norma autorizadora legitima um comportamento cujo alcance não é outro senão sacrificar o direito a ser atingido”. Já na situação de ato legítimo com repercussão em danos anormais e especiais, “a norma autorizadora não tem em vista qualquer sacrifício de direito”. Em verdade, “o direito de alguém é atingido, é transgredido, com sequela de uma atividade legítima que tinha em mira satisfazer outro interesse jurídico”.

Retomando a questão, transcrevo trecho do voto do Ministro Celso de Mello no mesmo julgado antes citado:

“Cabe assinalar, no ponto, por necessário, que, mesmo que se trate de atos lícitos, plenamente lícitos, praticados pelo Poder Público (RTJ 140/636, Rel. Min. CARLOS VELLOSO – RTJ 163/1107-1109, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.), ainda assim ser-lhe-á imputável, com fundamento no postulado da responsabilidade civil objetiva, a obrigação de indenizar, se, em razão da atividade oficial do Estado, embora legítima, resultar prejuízo ou gravame à esfera jurídica dos administrados, notadamente se a lesão sofrida pelo particular derivar da adoção, pelo aparelho estatal, de medidas econômicas, tal como sucedeu na espécie ora em exame.”

Essa posição da Corte é, contudo, antiga. Já no exame de hipótese em concreto à luz da Constituição Federal de 1967, havia o tribunal reconhecido o dever de indenizar mesmo diante de atuação lícita do Estado:

“CONSTITUCIONAL. CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. CF, 1967, art. 107. CF/88, art. 37, par. 6º. I. A responsabilidade civil do Estado, responsabilidade objetiva, com base no risco administrativo, que admite pesquisa em torno da culpa do particular, para o fim de abrandar ou mesmo excluir a responsabilidade estatal, ocorre, em síntese, diante dos seguintes requisitos: a) do dano; b) da ação administrativa; e c) desde que haja nexo causal entre o dano e a ação administrativa. A consideração no sentido da licitude da ação administrativa é irrelevante, pois o que interessa é isto: sofrendo o particular um prejuízo, em razão da atuação estatal, regular ou irregular, no interesse da coletividade, é devida a indenização, que se assenta no princípio da igualdade dos ônus e dos encargos sociais. II. Ação de indenização movida por particular contra o município, em virtude dos prejuízos decorrentes da construção de viaduto. Procedência da ação. III. R.E. conhecido e provido.” (RE 113587, Relator(a): Min. Carlos Velloso, Segunda Turma, julgado em 18.02.1992, DJ 03.04.1992, PP-04292, Ement. VOL-01656-02, PP-00382, RTJ VOL-00140-02, PP-00636)

No precedente, o STF examinou pedido indenizatório de particular contra o Município de São Paulo, em que aquele alegava que a construção de um viaduto provocara poluição sonora, visual e ambiental, assim como forte desvalorização do imóvel de sua titularidade. Após as instâncias inferiores terem rejeitado o pedido exatamente pela ausência de ato ilícito por parte do Estado, a Colenda Corte Constitucional acolheu a irresignação recursal, escorando-se na obra de 1961 de Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de Direito Civil, que estatui que,

“(...) se o funcionamento do serviço público, independentemente da verificação de sua qualidade, teve como consequência causar dano ao indivíduo, a forma democrática de distribuir por todos a respectiva consequência conduz à imposição à pessoa jurídica do dever de reparar o prejuízo.”

Assinale-se que o STJ também vem dando guarida a esse entendimento, conforme é possível colher do AGREsp nº 198.909/SP, Relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, em caso envolvendo a cobrança de indenização por particular contra a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo – Sabesp por obra por esta realizada.

O dever de indenizar, em hipóteses como a narrada, emerge, portanto, de alguns pontos principais. O primeiro diz respeito, como visto alhures, à própria teoria do risco. Com efeito, o progresso da teoria adveio exatamente de exigir daquele que promove o risco o dever de indenizar, independentemente da comprovação da culpa. Ao se segregar a responsabilidade civil do Estado dos ditames que regem a responsabilidade em geral de um particular, atentou-se para o próprio tamanho do Estado e o grau de influência que ele tem na vida das pessoas, de modo que a análise do risco passou a figurar como elemento caracterizador do dever de indenizar.

O segundo tem relação com a norma matriz da responsabilidade do Estado. Isso porque, ainda que não se tenha um estatuto jurídico regulando especificamente a responsabilidade civil estatal, a regra estampada no artigo 37, § 6º, da Constituição Federal não dá margem para a distinção entre atos lícitos e ilícitos, limitando-se a versar sobre os danos causados a terceiros. Conquanto, por óbvio, a partir disso não se possa coligir que o Estado – já demasiadamente inchado – deva ser responsabilizado pelos atos lícitos em geral que pratica, algo absurdo e sem lastro em nenhum ordenamento jurídico do mundo, notadamente porque não pode o intérprete se desgarrar da tradição histórica, assim como da teoria geral envolvendo responsabilidade civil, o dispositivo constitucional citado abre a possibilidade de se admitir a tese ora ventilada.

O terceiro ponto guarda relação com as próprias características da formação do Estado. Com efeito, o Estado Democrático de Direito, estampado no artigo 1º da Carta Magna, apresenta como objetivo fundamental, no que interessa ao presente trabalho, a construção de uma sociedade justa e solidária. Por solidária, entenda-se a repartição equânime dos custos, na medida das condições de cada integrante. De conseguinte, não se pode admitir que o peso do Estado recaia mais pesadamente sobre os ombros de alguns em detrimento de outros.(34) Não é possível, por exemplo, que uma coletividade usufrua dos benefícios da reforma de um sistema de esgoto, em prejuízo de um particular que ficou inviabilizado de produzir durante a realização das obras para tanto.

A responsabilidade civil por ato lícito, ao se assentar no ideal de justiça social, resplandece as próprias características do conceito originário de pacto social, que norteou a doutrina de Rousseau. Ainda que permeado por vestes modernas, a aceitação da teoria revela traços marcantes da teoria do filósofo francês citado, consignados no seguinte problema que o contrato social busca equacionar(35): “encontrar uma forma de associação que defenda e proteja a pessoa e os bens de cada associação de qualquer força comum, e pela qual cada um, unindo-se a todos, não obedeça, portanto, senão a si mesmo, ficando assim tão livre como dantes”.

O quarto ponto tem pertinência com a evolução da redação dos dispositivos das leis cíveis. Enquanto no primeiro Código Civil o artigo 15, como visto anteriormente, fazia menção especial à atuação de “modo contrário ao direito” ou por falta “a dever prescrito por lei”, o novel diploma, no artigo 43, com mais de meia década de atraso, levando em conta o texto da Constituição Federal de 1946, faz referência a atos e danos, afastando a necessidade de comprovação de ato ofensivo à lei. Em síntese, as exigências de conduta contrária ao direito e inobservância do dever legal deixaram de fazer parte do Código Civil quando se fala em responsabilidade civil do Estado.

Por derradeiro – quinto ponto –, há o princípio da isonomia, tão defendido por Celso Antônio Bandeira de Mello no exame da questão ora debatida(36):

“Com efeito, o Estado pode, eventualmente, vir a lesar bem juridicamente protegido para satisfazer um interesse público, mediante conduta comissiva legítima e que sequer é perigosa. É evidente que em tal caso não haveria cogitar de culpa, dolo, culpa do serviço ou qualquer traço relacionado com a figura da responsabilidade subjetiva (que supõe sempre ilicitude). Contudo, a toda evidência, o princípio da isonomia estaria a exigir reparação em prol de quem foi lesado a fim de que se satisfizesse o interesse da coletividade. Quem aufere os cômodos deve suportar os correlatos ônus. Se a sociedade, encarnada juridicamente no Estado, colhe os proveitos, há de arcar com os gravames econômicos que infligiu a alguns para o benefício de todos.”

Em resumo, portanto, a partir da regra constitucional explicitada no artigo 37, § 6º, que não exige antijuridicidade do ato a respaldar o dever de indenizar do Estado, a doutrina e a jurisprudência vêm caminhando lado a lado no sentido de admitir que o Estado indenize o particular que, em decorrência de ato administrativo lícito, sofreu excessivo ônus – anormal e especial – em prol de benefícios trazidos ao restante da coletividade.

Conclusão

Diante dos argumentos tecidos ao longo do trabalho, escorados em abalizada doutrina e jurisprudência, pode-se concluir que:

– O Estado, segundo a teoria publicista do risco, construída à luz das circunstâncias inerentes à atividade estatal, responde de forma objetiva, ou seja, independentemente da prova da culpa, pelos danos que seus agentes causarem a terceiros; já os agentes do Estado somente respondem no caso de comprovação de culpa ou dolo, a teor do artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal.

– A responsabilidade estatal advém da ocorrência de fato administrativo que, de forma direta e imediata, causa dano a um particular.

– Na maioria dos casos, a responsabilidade civil do Estado emerge da ilicitude do ato praticado. O desatendimento das prescrições legais – antijuridicidade –, com a prática de ato contrário ao direito, é o fator primordial de responsabilização do Estado, na forma da legislação cível.

– Todavia, há hipóteses em que, mesmo se tratando de ato legítimo praticado pelo Estado, há o dever de indenizar. Isso ocorre a partir do ideal de distribuição igualitária dos ônus e dos encargos a que estão sujeitos os administrados. Determinado ato que imponha a certo cidadão ônus extremamente desigual frente aos demais implica responsabilidade de indenizar pelo Estado. Em síntese, havendo prejuízo a um direito individual em favor do interesse público legítimo, cabe ao Estado arcar com valor que indenize o prejudicado, repartindo o custo com toda a coletividade.

– Não há, portanto, falar em responsabilização por qualquer ato lícito, mas sim por aqueles que se adequam ao cenário antes indicado, e desde que o prejudicado demonstre a ocorrência de dano especial e anormal. Especial, no sentido de que se trate de uma situação que onere uma parcela do grupo social, já que não há responsabilidade estatal quando a medida alcança a todos. Já anormal no sentido de que, como a hipótese demanda temperamento, mormente diante de ser ínsita à existência de Estado a presença de medidas que tragam ônus e benefícios à sociedade em geral, é imprescindível a demonstração de grave situação, que repercuta em danos que transcendam o que cotidianamente se enfrenta.

– Deve-se ponderar não se a ação é ilegítima, mas sim se o dano o é. Impõe-se avaliar se o dano é juridicamente reparável.

– A responsabilização civil do Estado por atos legítimos que imponham excessivo ônus a um grupo em benefício da coletividade vem sendo acolhida pelos tribunais superiores. Tanto o STF, em casos envolvendo congelamento de tarifas e obras públicas, como o STJ vêm admitindo que há dever de indenizar mesmo não se estando diante de hipótese de antijuridicidade.

– Ao fim, pode-se acenar para as seguintes balizas da teoria da responsabilização civil estatal por atos lícitos: a teoria do risco impõe àquele que o promove o dever de indenizar; a regra central do tema, inserida no artigo 37, § 6º, da CF/88, não distingue os atos lícitos dos ilícitos; o Estado Democrático de Direito, cujo objetivo é uma sociedade justa e solidária, pressupõe a equânime repartição dos custos; a evolução da legislação cível demonstra o afastamento da antijuridicidade dos elementos que compõem o dever de indenizar do Estado; e, ao fim, tal entendimento prestigia o princípio da isonomia.

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Notas

1. Direito Administrativo. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 1111.

2. Curso de Direito Administrativo. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 969.

3. TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 1110.

4. Os donos do poder. 5. ed. São Paulo: Globo, 2012. p. 417.

5. Direito Administrativo moderno. 14. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 380.

6. VILLA, Marco Antônio. A história das constituições brasileiras. São Paulo: Leya, 2011. p. 50.

7. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. 30. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 630.

8. DI PIETRO. Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 20. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 599.

9. GASPARINI, Diógenes. Op. cit., p. 1114.

10. Op. cit., p. 631.

11. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 25. ed. São Paulo: Atlas; Saraiva, 2012. p. 554.

12. Op. cit., p. 550.

13. “CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. LESÃO CORPORAL. DISPARO DE ARMA DE FOGO PERTENCENTE À CORPORAÇÃO. POLICIAL MILITAR EM PERÍODO DE FOLGA. Caso em que o policial autor do disparo não se encontrava na qualidade de agente público. Nessa contextura, não há falar de responsabilidade civil do Estado. Recurso extraordinário conhecido e provido.” (RE 363423, Relator(a): Min. Carlos Britto, Primeira Turma, julgado em 16.11.2004, DJe-047, Divulg. 13.03.2008, Public. 14.03.2008, Ement. VOL-02311-03, PP-00467)

14. Op. cit., p. 383.

15. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: responsabilidade civil. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 54.

16. Direito Civil brasileiro. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. v. 04. p. 356.

17. MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de Direito Penal. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2002. v. 01. p. 112.

18. Op. cit., p. 357.

19. GONÇALVES, Carlos Roberto. Op. cit., p. 363.

20. Op. cit., p. 304.

21. Curso de Direito Administrativo. 6. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2010. p. 1200-1201.

22. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Op. cit., p. 991.

23. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Op. cit., p. 991.

24. Curso de Direito Civil: parte geral. São Paulo: Saraiva, 1967. p. 287.

25. Op. cit., p. 595.

26. Op. cit., p. 1109.

27. Op. cit., p. 975.

28. Op. cit., p. 547.

29. Op. cit., p. 1194.

30. Op. cit., p. 1204.

31. Op. cit., p. 989-990.

32. Op. cit., p. 1206

33. Op. cit., p. 964.

34. Assente-se que a análise parte do tema ora em debate, já que é inegável que, em outras esferas, como a tributária, a capacidade contributiva tem papel fundamental na repartição dos ônus sociais.

35. ROUSSEAU, Jean-Jacques. Contrato social. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2011. p. 30.

36. Op. cit., p. 979.



Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023:2002/ABNT):
. . Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n., jun. 2015. Disponível em:
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REVISTA DE DOUTRINA DA 4ª REGIÃO
PUBLICAÇÃO DA ESCOLA DA MAGISTRATURA DO TRF DA 4ª REGIÃO - EMAGIS