Resumo
O presente trabalho tem o singelo objetivo de explorar os princípios relacionados às licitações, tanto os específicos quanto os genéricos do Direito Administrativo, trazendo suas definições teóricas e exemplos práticos e jurisprudenciais de aplicação. São abordados, dentre outros, os princípios seguintes: legalidade; impessoalidade; moralidade; igualdade; probidade administrativa; publicidade; vinculação ao instrumento convocatório; julgamento objetivo; padronização; competitividade; fiscalização da licitação; e adjudicação compulsória.
Palavras-chave: Constituição. Lei. Doutrina. Jurisprudência. Licitações. Princípios.
Sumário: Introdução. Princípios. Conclusão.
Introdução
Quando vamos às compras, para adquirir alimentos em um supermercado, roupa em uma loja ou carro em uma concessionária, sempre realizamos buscas e pesquisas para ter o melhor produto, pelo menor preço, de acordo com nossas necessidades. De forma leiga, estamos fazendo uma espécie de licitação.
Com a Administração Pública não é diferente. Sendo o dinheiro público, atendendo ao interesse de toda a sociedade, exige-se dela a plena observância dos princípios licitatórios previstos na legislação.
Licitação, então, é um procedimento administrativo que objetiva a seleção da melhor proposta entre as apresentadas, seguindo regras objetivas, respeitada a isonomia entre os participantes.
Esse procedimento serve para legitimar um contrato administrativo. Garantida a isonomia(1) entre os participantes, busca-se selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração Pública (art. 3o).
Tal exigência está inserta na Constituição Federal de 1988, nos arts. 19, III; 37, XXI; e 175, in verbis:
“Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...)
III – criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si.(2)
(...)
Art. 37. (...)
XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.
(...)
Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre por meio de licitação, a prestação de serviços públicos."
A mesma Carta atribuiu à União competência para legislar sobre o assunto, no seu art. 22, XXVII, com redação dada pela EC no 19/98, a seguir transcrito:
“Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: (...)
(...)
XXVII – normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1o, III”
Note-se que, nos termos do parágrafo único do art. 22, “lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste artigo”.
A competência da União para legislar privativamente sobre normas gerais de licitação e contratação pela Administração Pública não impede, então, que Estados e Municípios possam legislar sobre o tema, desde que lei complementar os autorize a tratar de questões específicas dessas matérias (CF/88, art. 22, XXVII, e parágrafo único, com redação dada pela EC no 19/98), obedecidas, naturalmente, as normas gerais editadas pela União.
Já decidiu o STF sobre assunto correlato à competência legislativa da União:
“Ação direta de inconstitucionalidade: L. Distrital 3.705, de 21.11.2005, que cria restrições a empresas que discriminarem na contratação de mão de obra: inconstitucionalidade declarada.
1. Ofensa à competência privativa da União para legislar sobre normas gerais de licitação e contratação administrativa, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais de todos os entes da Federação (CF, art. 22, XXVII) (...).”(3)
No exercício dessa competência, a União fez promulgar a Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993, que é a base de todo o estudo de licitações.
Tal Lei Geral das Licitações previu uma série de princípios de observância compulsória por todos, além de outros abordados pela doutrina pátria, que serão tratados a seguir.
Princípios
Os princípios são o início de tudo, proposições anteriores e superiores às normas, que traçam vetores direcionais para os atos do legislador, do administrador e do aplicador da lei ao caso concreto.
Constituem o fundamento, o alicerce, a base de um sistema, condicionando as estruturas subsequentes e garantindo-lhes validade.
Importante notar que os princípios não necessitam estar presentes na legislação, tendo validade e operando efeitos independentemente de positivação. Se presentes na lei, diz-se que são normas principiológicas.
São de observância obrigatória, sendo mais grave transgredi-los que a uma norma, pois a sua violação implica ofensa a todo o sistema de comandos.
Ressalte-se que não existe hierarquia entre os princípios. Cada um tem a sua importância e, como são “mandamentos de otimização”, devem ser aplicados “na maior medida possível”. Na aplicação de princípios, caso a caso, é que se acaba, indiretamente, dando mais valor a um ou a outro, mas isso não significa que exista tal hierarquia. Um princípio que não seja usado em determinado caso pode ser o mais importante em outro. Importa analisar o conjunto deles no caso concreto, aplicando cada um com maior ou menor intensidade, sem aniquilar totalmente um em benefício de outro.
Veja-se uma passagem em julgado do STF(4) sobre a questão, cujo voto, que acompanhou o relator, foi emitido pelo Ministro Celso de Mello:
“(...) entendo que a superação dos antagonismos existentes entre princípios constitucionais há de resultar da utilização, pelo Supremo Tribunal Federal, de critérios que lhe permitam ponderar e avaliar, hic et nunc, em função de determinado contexto e sob uma perspectiva axiológica concreta, qual deva ser o direito a preponderar no caso, considerada a situação de conflito ocorrente, desde que, no entanto, a utilização do método da ponderação de bens e interesses não importe em esvaziamento do conteúdo essencial dos direitos fundamentais, tal como adverte o magistério da doutrina (...).”
O art. 3o da lei lista os princípios que deverão nortear as licitações, não excluindo, obviamente, outros que informem o Direito Administrativo e o Direito Público, correlatos à licitação.
Diz expressamente que a licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia e a selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração.
Para o STF:(5)
“É inconstitucional o preceito segundo o qual, na análise de licitações, serão considerados, para averiguação da proposta mais vantajosa, entre outros itens, os valores relativos aos impostos pagos à Fazenda Pública daquele Estado-membro. Afronta ao princípio da isonomia, igualdade entre todos quantos pretendam acesso às contratações da Administração.
A Constituição do Brasil proíbe a distinção entre brasileiros. A concessão de vantagem ao licitante que suporta maior carga tributária no âmbito estadual é incoerente com o preceito constitucional desse inciso III do art. 19.
A licitação é um procedimento que visa à satisfação do interesse público, pautando-se pelo princípio da isonomia. Está voltada a um duplo objetivo: o de proporcionar à Administração a possibilidade de realizar o negócio mais vantajoso – o melhor negócio – e o de assegurar aos administrados a oportunidade de concorrerem, em igualdade de condições, à contratação pretendida pela Administração. Imposição do interesse público, seu pressuposto é a competição. Procedimento que visa à satisfação do interesse público, pautando-se pelo princípio da isonomia, a função da licitação é a de viabilizar, por meio da mais ampla disputa, envolvendo o maior número possível de agentes econômicos capacitados, a satisfação do interesse público. A competição visada pela licitação, a instrumentar a seleção da proposta mais vantajosa para a Administração, impõe-se que seja desenrolada de modo que reste assegurada a igualdade (isonomia) de todos quantos pretendam acesso às contratações da Administração.
A lei pode, sem violação do princípio da igualdade, distinguir situações, a fim de conferir a uma tratamento diverso do que atribui a outra. Para que possa fazê-lo, contudo, sem que tal violação se manifeste, é necessário que a discriminação guarde compatibilidade com o conteúdo do princípio.
A Constituição do Brasil exclui quaisquer exigências de qualificação técnica e econômica que não sejam indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. A discriminação, no julgamento da concorrência, que exceda essa limitação é inadmissível.”
Aí já se destacam dois itens importantes que compõem a definição de licitação: a necessidade de garantir isonomia entre os licitantes e o objetivo dela, que é a escolha da proposta que melhor atenda às necessidades administrativas. A melhor proposta não necessariamente é a que tem custo menor. A depender do tipo de licitação (art. 45, § 1o), a análise da que melhor atende ao interesse público poderá ter enfoque em aspectos técnicos, em detrimento do critério concernente ao custo.
Outro objetivo a ser buscado pela licitação é a promoção do desenvolvimento nacional sustentável, conforme alteração promovida pela MP nº 495/2010, convertida na Lei no 12.349/2010.
Portanto, três são as finalidades da licitação explicitadas no art. 3o da lei:
I – garantir a observância do princípio constitucional da isonomia;
II – selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração;
III – auxiliar na promoção do desenvolvimento nacional sustentável.
Relaciona, também, os seguintes princípios:
I – legalidade;
II – impessoalidade;
III – moralidade;
IV – igualdade;
V – publicidade;
VI – probidade administrativa;
VII – vinculação ao instrumento convocatório;
VIII – julgamento objetivo.
Os primeiros seis princípios citados dizem respeito a normas voltadas a toda atividade administrativa, não apenas às licitações. Por outro lado, os princípios da vinculação ao instrumento convocatório e do julgamento objetivo estão direcionados especificamente às licitações.
Além desses, outros princípios do Direito Administrativo também informam as licitações, como, entre outros, os princípios da eficiência (CF/88, art. 37, caput, com redação dada pela EC no 19/98), da supremacia do interesse público, da presunção de legitimidade e de veracidade, da autotutela, da motivação, do devido processo legal, da razoabilidade e da proporcionalidade.
A doutrina ainda elenca alguns outros princípios específicos, implícitos, como o da padronização, da competitividade, da fiscalização da licitação e da adjudicação compulsória.
Enfim, como bem aponta o STJ, “hodiernamente, inviabiliza-se a aplicação da legislação infraconstitucional impermeável aos princípios constitucionais”.(6)
A seguir, serão analisados os principais deles.
Princípio da legalidade
Como o próprio nome sugere, esse princípio diz respeito à obediência à lei. O princípio genérico da legalidade, que vale para todos, é encontrado no art. 5o, II, da CF/88, que diz que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.
Vê-se que existe relativa liberdade do povo, que pode fazer tudo, menos o que a lei proíbe.
No que concerne à sua incidência no Direito Administrativo, esse princípio determina que, em qualquer atividade, a Administração Pública está estritamente vinculada à lei. Assim, se não houver previsão legal, nada pode ser feito.
Para que fique bem clara a diferença entre o princípio genérico e o específico do Direito Administrativo, note-se que, naquele, a pessoa pode fazer tudo, exceto o que a lei proíbe. Neste, a Administração Pública só pode fazer o que a lei autoriza, estando engessada na ausência de tal previsão. Seus atos devem estar sempre pautados na legislação.
Sua incidência nas licitações tem esse mesmo sentido. Por exemplo, somente poderá ser afastada a necessidade da competição nos casos legalmente previstos. Ademais, os prazos e procedimentos legais devem ser observados pela comissão licitante.
Princípio da impessoalidade
Qualquer agente público, seja ele eleito, seja concursado, indicado etc., está ocupando seu posto para servir aos interesses do povo. Assim, seus atos obrigatoriamente deverão ter como finalidade o interesse público, e não o próprio ou o de terceiros. Ou seja, deve ser impessoal.
Se o administrador, por exemplo, decide construir ou asfaltar uma determinada rua, deve fazê-lo para beneficiar o conjunto da população, não porque a rua passa em frente a um terreno seu ou de algum correligionário. Nesta situação, teríamos um ato pessoal, praticado com desvio de finalidade. Ressalte-se que o administrador é um mero representante temporário dos interesses do povo, não podendo se desvirtuar desse fim. No particular, confunde-se com o princípio da finalidade, que é uma espécie da impessoalidade, por vezes considerados como sinônimos.
Com efeito, deverá o administrador promover uma licitação para obter maior vantagem para a Administração. Assim, somente caberá dispensa do processo licitatório para melhor atender ao interesse coletivo, nunca para facilitar a contratação de determinada empresa. Em suma, nessa primeira faceta, o princípio da impessoalidade rege-se pelo interesse de todos.
Outra vertente do princípio é a que prevê que os atos não serão imputados a quem os pratica, mas sim à entidade à qual eles estão vinculados. Quem promove a licitação é a Administração Pública, não a comissão ou os servidores. Quem homologa todo o procedimento não é a pessoa da autoridade competente, mas a entidade à qual ele está vinculado. Essa autoridade não passa de um representante temporário do poder público.
Por fim, segundo leciona Celso A. Bandeira de Mello, esse princípio também se relaciona diretamente com o princípio da isonomia. Repita-se: o tratamento deve ser impessoal, igual para todos que se encontram na mesma situação.
Princípio da moralidade e da probidade administrativa
Embora exista divergência, para os fins deste trabalho, consideraremos tais princípios como um só.
Moralidade é a conduta ou o comportamento pautado pelo conjunto de princípios morais como a virtude, o bem, a honestidade, a ética. Por outro lado, probidade é a qualidade do que é probo: integridade, honestidade, retidão.
Os romanos já diziam que “non omne quod licet honestum est” (nem tudo o que é legal é honesto).
Obedecendo ao princípio em tela, deve o administrador, além de seguir o que a lei determina, pautar sua conduta na moral, fazendo o que for melhor e mais útil ao interesse público. Precisa separar, além do bem do mal, legal do ilegal, justo do injusto, conveniente do inconveniente, também o honesto do desonesto. É a moral interna da instituição (diferente da moral comum) que condiciona o exercício de qualquer dos poderes, mesmo o discricionário. Ressalte-se que não é apenas do administrador que se espera comportamento ético. Os licitantes também têm a obrigação de respeito, honestidade e ética no curso do procedimento licitatório, bem assim durante toda a execução do contrato.
Por conter um conceito vago e impreciso, a aplicação prática desses princípios costuma vir acompanhada de outros princípios, que lhe dão um sentido mais concreto, palpável.
Nossa Carta Magna faz menção, em diversas oportunidades, a esse princípio. Uma delas, prevista no seu art. 5o, LXXIII, trata da ação popular contra ato lesivo à moralidade administrativa. Em outra, o constituinte determinou a punição mais rigorosa da imoralidade qualificada pela improbidade (CF/88, art. 37, § 4o). Há ainda o art. 14, § 9o, da CF/88, que objetiva proteger a probidade e a moralidade no exercício de mandato, e o art. 85o, V, também da CF/88, que considera a improbidade administrativa como crime de responsabilidade.
Vejam-se exemplos concretos em julgados do STJ, estendendo, inclusive, à Administração indireta a atenção ao princípio em comento:
“SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. ATIVIDADE-MEIO. LICITAÇÃO. OBRIGATORIEDADE. (...)
3. Malgrado sejam regidas pelo direito privado, as sociedades de economia mista, ainda que explorem atividade econômica, integram a administração pública, estando jungidas aos princípios norteadores da atuação do poder público, notadamente a impessoalidade e a moralidade.”(7)
“ADMINISTRATIVO. AÇÃO POPULAR. PROCEDIMENTO LICITATÓRIO. DESOBEDIÊNCIA AOS DITAMES LEGAIS. (...) DESVIRTUAMENTO DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE ENTRE OS LICITANTES. OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E DA MORALIDADE ADMINISTRATIVAS. LESÃO AO ERÁRIO PÚBLICO CONFIGURADA. NULIDADE.
1. O que deve inspirar o administrador público é a vontade de fazer justiça para os cidadãos sendo eficiente para com a própria administração, e não o de beneficiar-se. O cumprimento do princípio da moralidade, além de se constituir um dever do administrador, apresenta-se como um direito subjetivo de cada administrado. Não satisfaz às aspirações da nação a atuação do Estado de modo compatível apenas com a mera ordem legal, exige-se muito mais: necessário se torna que a administração da coisa pública obedeça a determinados princípios que conduzam à valorização da dignidade humana, ao respeito à cidadania e à construção de uma sociedade justa e solidária.
2. A elevação da dignidade do princípio da moralidade administrativa ao nível constitucional, embora desnecessária, porque no fundo o Estado possui uma só personalidade, que é a moral, consubstancia uma conquista da nação, que, incessantemente, por todos os seus segmentos, estava a exigir uma providência mais eficaz contra a prática de atos administrativos violadores desse princípio.
3. A ação popular protege interesses não só de ordem patrimonial como, também, de ordem moral e cívica. O móvel, pois, da ação popular não é apenas restabelecer a legalidade, mas também punir ou reprimir a imoralidade administrativa. Nesse duplo fim vemos a virtude desse singular meio jurisdicional, de evidente valor educativo (Rafael Bielsa. “A ação popular e o poder discricionário da administração”, RDA 38/40).”(8)
Acrescente-se, ainda, que a Lei no 8.429/92 disciplina as penalidades cabíveis no caso de improbidade administrativa.
Princípio da igualdade
Já que todos são iguais perante a lei por disposição expressa da Constituição (art. 5o), perante a Administração Pública todos também devem receber o mesmo tratamento, impessoal, igualitário, isonômico.
Naturalmente esse princípio não é absoluto. O que está vedada é a existência de privilégios ou favorecimentos desarrazoados de uns em detrimento de outros.
É indubitável que a Lei de Licitações deu importância agigantada à isonomia, colocando-a como uma das finalidades precípuas da licitação (art. 3o: “A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia.(...)”).
Bons exemplos de aplicação do aludido princípio são a exigência de concursos públicos para o ingresso nos quadros de pessoal da Administração, as regras de licitação para aquisição de bens ou serviços,(9) bem como para concessão e permissão para a prestação de serviços públicos(10) (CF/88, arts. 5o, II, 37, XXI, e 175).
O referido princípio também deve ser observado em conjunto com o princípio da razoabilidade, que orienta o seu exercício nos casos concretos. O tratamento igualitário, repita-se, não é absoluto: iguais devem ser tratados de forma igual; desiguais, de forma desigual, na medida de suas dessemelhanças.
Com efeito, podem ser exigidos requisitos razoáveis dos participantes, no sentido de se garantir, por exemplo, a futura e adequada execução do contrato, sem que isso abale a isonomia.
É também nesse rumo que a Lei no 8.666/93 assim estabeleceu:
“Art. 3º (...)
§ 1o É vedado aos agentes públicos:
I – admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos de convocação, cláusulas ou condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o seu caráter competitivo, inclusive nos casos de sociedades cooperativas, e estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou domicílio dos licitantes ou de qualquer outra circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato, ressalvado o disposto nos §§ 5o a 12 deste artigo e no art. 3º(11) da Lei no 8.248, de 23 de outubro de 1991;(12)
II – estabelecer tratamento diferenciado de natureza comercial, legal, trabalhista, previdenciária ou qualquer outra, entre empresas brasileiras e estrangeiras, inclusive no que se refere a moeda, modalidade e local de pagamentos, mesmo quando envolvidos financiamentos de agências internacionais, ressalvado o disposto no parágrafo seguinte e no art. 3o da Lei no 8.248, de 23 de outubro de 1991.”
Fixadas, para todos, as mesmas condições e havendo empate, a Lei de Licitações já fixou os critérios para resolver o impasse:
“Art. 3o (...)
§ 2o Em igualdade de condições, como critério de desempate, será assegurada preferência, sucessivamente, aos bens e serviços:(13)
I – produzidos ou prestados por empresas brasileiras de capital nacional;
II – produzidos no país;
III – produzidos ou prestados por empresas brasileiras;
IV – produzidos ou prestados por empresas que invistam em pesquisa e no desenvolvimento de tecnologia no país.”(14)
Ainda com a mesma intenção de buscar a isonomia reclamada, o legislador optou por dar tratamento diferenciado às pequenas e microempresas, quando licitantes, justamente com a intenção de colocá-las em situação de igualdade com as médias e grandes empresas. Dessarte, por meio da LC no 123/2006, estabeleceu determinados "privilégios" àquelas. Reitere-se: não há violação à igualdade, ao contrário, com tal tratamento diferenciado, dão-se condições para que todas compitam com igualdade de armas.
Por não atender ao aludido princípio, o STF(15) julgou inconstitucional lei distrital que proíbe a participação, em licitação, de empresas que discriminarem, na contratação de empregados, pessoas inscritas em cadastros restritivos de crédito, já que tal característica não tem pertinência com a exigência de garantia do cumprimento do contrato objeto do procedimento licitatório:
“Ação direta de inconstitucionalidade: L. Distrital no 3.705, de 21.11.2005, que cria restrições a empresas que discriminarem na contratação de mão de obra: inconstitucionalidade declarada. (...)
2. Afronta ao art. 37, XXI, da Constituição da República – norma de observância compulsória pelas ordens locais – segundo o qual a disciplina legal das licitações há de assegurar a ‘igualdade de condições de todos os concorrentes’, o que é incompatível com a proibição de licitar em função de um critério – o da discriminação de empregados inscritos em cadastros restritivos de crédito –, que não tem pertinência com a exigência de garantia do cumprimento do contrato objeto do concurso.”
Destaque-se que, se o critério diferenciador é razoável, é legítimo e observa o princípio da isonomia.
É importante ressaltar que, como uma forma de dar concretude ao objetivo de promover o desenvolvimento nacional sustentável por meio dos processos licitatórios, conforme comando oriundo da MP no 495/2010, convertida na Lei no 12.349/2010,(16) previu-se uma ressalva à regra inserta no art. 3o, § 1o, retrotranscrito. Com efeito, passa a ser possível o estabelecimento de uma margem de preferência para produtos manufaturados(17) e para serviços nacionais(18) que atendam a normas técnicas brasileiras (art. 3o, § 5o), desde que a capacidade de produção ou prestação no país não seja inferior à quantidade a ser adquirida ou contratada (art. 3o, § 9o, I), ou não seja inferior ao quantitativo mínimo para preservar a economia de escala (art. 23, § 7o), quando for o caso (art. 3o, § 9o, II). Essa margem de preferência será estabelecida com base em estudos revistos periodicamente, em prazo não superior a 5 (cinco) anos, que levem em consideração (art. 3o, § 6o):
I – geração de emprego e renda;
II – efeito na arrecadação de tributos federais, estaduais e municipais;
III – desenvolvimento e inovação tecnológica realizados no país;
IV – custo adicional dos produtos e serviços; e
V – em suas revisões, análise retrospectiva de resultados.
Para os produtos manufaturados e serviços nacionais resultantes de desenvolvimento e inovação tecnológica realizados no país, poderá ser estabelecida margem de preferência adicional àquela retroprevista (art. 3o, § 7o).
As margens de preferência por produto, serviço, grupo de produtos ou grupo de serviços serão definidas pelo Poder Executivo federal, não podendo a soma delas ultrapassar o montante de 25% (vinte e cinco por cento) sobre o preço dos produtos manufaturados e dos serviços estrangeiros (art. 3o, § 8o).
Idêntica preferência será estendida aos bens e aos serviços originários dos Estados-partes do Mercado Comum do Sul – Mercosul (art. 3o, § 10).
Ainda com vistas à proteção dos interesses públicos, os editais de licitação para a contratação de bens, serviços e obras poderão, mediante prévia justificativa da autoridade competente, exigir que o contratado promova, em favor de órgão ou entidade integrante da administração pública ou daqueles por ela indicados a partir de processo isonômico, medidas de compensação comercial, industrial, tecnológica ou acesso a condições vantajosas de financiamento, cumulativamente ou não, na forma estabelecida pelo Poder Executivo federal (art. 3o, § 11).
A referida lei ressalva, ainda, que, nas contratações destinadas à implantação, à manutenção e ao aperfeiçoamento dos sistemas de tecnologia de informação e comunicação considerados estratégicos(19) em ato do Poder Executivo federal, a licitação poderá ser restrita a bens e serviços com tecnologia desenvolvida no país e produzidos de acordo com o processo produtivo básico de que trata a Lei no 10.176, de 11 de janeiro de 2001 (art. 3o, § 12).
Em atenção ao princípio da publicidade, será divulgada na Internet, a cada exercício financeiro, a relação de empresas favorecidas em decorrência dessas disposições, com indicação do volume de recursos destinados a cada uma delas (art. 3o, § 13).
Pode-se exemplificar com as disposições do Decreto nº 7.810/2012, que fixou em 20% a margem de preferência em licitações realizadas no âmbito da administração pública federal para aquisição de papel-moeda. Assim, se um licitante estrangeiro oferecê-lo por 100, terá preferência o licitante nacional que oferecer o mesmo item por até 120. Em igual sentido, a margem de preferência para aquisição de veículos para vias férreas federais é de 20%, nos termos do Decreto nº 7.812/2012.
Por expressa previsão do art. 2o da Lei no 12.349/2010, tais disposições se aplicam ao pregão.
Como já referido, somente é legítimo o critério diferenciador se for ele razoável. A Lei no 12.349/2010 estabeleceu como requisito de tratamento diferenciado a existência de produtos manufaturados e serviços nacionais que atendam a normas técnicas brasileiras. Relembre-se de que não há mais diferenciação, como outrora, em razão de ser ou não uma empresa brasileira de capital nacional.(20) O critério aqui é outro, é dizer, exige-se que o produto manufaturado ou o serviço seja nacional e atenda às normas técnicas brasileiras.
Princípio da publicidade
É este mais um vetor da Administração Pública e diz respeito à obrigação de dar publicidade, de levar os seus atos, contratos ou instrumentos ao conhecimento de todos. Isso dá transparência e confere a qualquer pessoa a possibilidade de acompanhar, questionar e controlar toda a atividade administrativa, em especial quanto às licitações. Seguindo o previsto no art. 4o da Lei de Licitações, acerca do procedimento nela regulado, é permitido a “qualquer cidadão acompanhar o seu desenvolvimento, desde que não interfira de modo a perturbar ou impedir a realização dos trabalhos”.
Para tanto, é necessário que os motivos que determinam a prática de cada ato ou etapa do procedimento sejam públicos, declarados abertamente, sob pena de se impossibilitar a fiscalização popular.
Veja-se, como exemplo, o comando do art. 16, no sentido de que “será dada publicidade, mensalmente, em órgão de divulgação oficial ou em quadro de avisos de amplo acesso público, à relação de todas as compras feitas pela Administração direta ou indireta, de maneira a clarificar a identificação do bem comprado, seu preço unitário, a quantidade adquirida, o nome do vendedor e o valor total da operação”.
Em determinados casos, o princípio pode ser relativizado, quando o interesse público ou a segurança o justificarem. Atente-se para o que a CF/88 dispõe, no art. 5o, LX: "a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem".
Citem-se, ainda, outras regras constitucionais pertinentes ao tema, também presentes no art. 5o:
“XIV – é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;
(...)
XXXIII – todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.”
Ainda relativamente à Lei de Licitações, há outra regra que confere sigilo em casos especiais, observada no art. 3o, § 3o, que estabelece que “a licitação não será sigilosa, sendo públicos e acessíveis ao público os atos de seu procedimento, salvo quanto ao conteúdo das propostas, até a respectiva abertura”.
A publicidade produz os efeitos previstos somente se feita por meio de órgão oficial, que é o jornal, público ou não, que se destina à publicação de atos estatais. Dessa forma, não basta a mera notícia veiculada na imprensa.
Com a publicação, presume-se o conhecimento dos interessados em relação aos atos praticados e inicia-se o prazo para eventual interposição de recurso, além dos prazos de decadência e prescrição.
Note-se que a publicidade é tão importante no que toca aos contratos administrativos, que a publicação do respectivo extrato no órgão oficial é condição de eficácia do ato (art. 61, parágrafo único), podendo a inobservância ensejar responsabilidade do administrador.
Vinculação ao instrumento convocatório
Por vinculação ao instrumento convocatório entende-se a obrigatoriedade de obediência às regras constantes do edital, tanto dos participantes quanto da Administração (art. 41). Advém do princípio formal (art. 4o, parágrafo único), intrínseco ao Direito Administrativo, que determina que todos os atos e procedimentos devem obedecer a uma forma predeterminada. Não se confunde com formalismo, caracterizado por exigências inúteis, desnecessárias e irrelevantes para a Administração.
Com base no princípio da vinculação ao instrumento convocatório, havendo alteração significativa do edital, gerando, por exemplo, alteração na formulação das propostas, deve haver republicação do documento, com reabertura dos prazos.
O edital faz “lei” entre as partes. Pelo princípio da legalidade, ele mesmo deve obediência ao ordenamento jurídico, podendo ser impugnado por qualquer cidadão, por irregularidade na aplicação da lei (art. 41, § 1o).
Observe-se que o edital é a forma mais comum de convocação, mas outras formas, como a carta-convite, também são possíveis.
Julgamento objetivo
Julgamento objetivo é aquele realizado nos estritos termos do edital, afastando-se a discricionariedade da autoridade responsável pelo processo. No entanto, esse princípio só teria aplicação absoluta nas licitações que envolvem o critério de “menor preço” ou de “maior lance”, pois não haveria qualquer parcela de mérito atribuída ao administrador. Por outro lado, se for de “melhor técnica” ou de “técnica e preço”, sempre haverá uma parte de subjetivismo no julgamento. Estes dois tipos de licitação são usados em serviços predominantemente intelectuais, como confecção de projetos, estudos técnicos etc. Se o objeto da licitação for a contratação de serviços de publicidade prestados necessariamente por intermédio de agências de propaganda, nos termos da Lei no 12.232/2010, art. 5o, é obrigatória a adoção dos tipos “melhor técnica” ou “técnica e preço”.
Os arts. 44 e 45 regram o assunto:
“Art. 44. No julgamento das propostas, a comissão levará em consideração os critérios objetivos definidos no edital ou convite, os quais não devem contrariar as normas e os princípios estabelecidos por esta lei.
§ 1o É vedada a utilização de qualquer elemento, critério ou fator sigiloso, secreto, subjetivo ou reservado que possa, ainda que indiretamente, elidir o princípio da igualdade entre os licitantes.
§ 2o Não se considerará qualquer oferta de vantagem não prevista no edital ou no convite, inclusive financiamentos subsidiados ou a fundo perdido, nem preço ou vantagem baseada nas ofertas dos demais licitantes. (...)
Art. 45. O julgamento das propostas será objetivo, devendo a comissão de licitação ou o responsável pelo convite realizá-lo em conformidade com os tipos de licitação, os critérios previamente estabelecidos no ato convocatório e de acordo com os fatores exclusivamente nele referidos, de maneira a possibilitar sua aferição pelos licitantes e pelos órgãos de controle. (...)”
Padronização
O art. 15, I, da Lei Geral em comento determina que as compras devem, sempre que possível, atender a esse princípio, de forma que se imponha compatibilidade de especificações técnicas e de desempenho, observadas, quando for o caso, as condições de manutenção, assistência técnica e garantia oferecidas. Com isso, pretendem-se economias futuras quando da instalação, da manutenção, da reposição de peças etc.
A busca pela padronização deve sempre se pautar na necessidade e na utilidade para a Administração, e não para selecionar uma determinada marca, em prejuízo de outras.
Havendo necessidade de fixar-se determinado modelo, deve haver adequada motivação.
Competitividade
O objetivo da licitação é gerar uma disputa isonômica entre os concorrentes, sempre com vistas a selecionar a melhor opção, dentre as possíveis, para a Administração.
Assim, é proibido aos agentes públicos admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos de convocação, cláusulas ou condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o seu caráter competitivo e estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou domicílio dos licitantes ou de qualquer outra circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato (art. 3o, § 1o, I).
Para prevenir desvios, o art. 90 da lei tipifica como criminosa a conduta de frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo do procedimento licitatório, com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação.
Fiscalização da licitação
Importante ferramenta colocada à disposição de qualquer cidadão para que se garanta a lisura nas licitações, bem como para proteger os licitantes de eventuais ilegalidades ou abuso de poder no curso do procedimento (arts. 4o; 7o, § 8o; 63; 113, § 1o). Qualquer cidadão, então, pode acompanhar o seu desenvolvimento, desde que não interfira de modo a perturbar ou impedir a realização dos trabalhos.
Ressalte-se que a Constituição, em seu art. 5o, XXXIV, garante o direito de petição e a obtenção de certidões em repartições públicas, mecanismos fundamentais para o exercício do direito de fiscalizar:
“Art. 5o (...)
XXXIV – são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:
a) o direito de petição aos poderes públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder;
b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal.”
Além do direito de petição, variadas ferramentas são disponibilizadas para efetivação da participação popular, como, por exemplo, o mandado de segurança, o habeas data e a ação popular (CF/88, art. 5o, XXXIV, a; LXIX; LXXII; e LXXIII).
Afora a normal via judicial, coloca-se também a possibilidade de recursos administrativos, representação e pedido de reconsideração (art. 109).
Para exemplificar a aplicação do princípio inserto na Lei de Licitações, veja-se a previsão do art. 7o, § 8o, que estabelece que “qualquer cidadão poderá requerer à Administração Pública os quantitativos das obras e os preços unitários de determinada obra executada”.
Acrescente-se que o Tribunal de Contas da União também tem competência para fiscalizar procedimentos de licitação, determinar suspensão cautelar, examinar editais de licitação publicados, além de possuir legitimidade para a expedição de medidas cautelares para prevenir lesão ao erário e garantir a efetividade de suas decisões.(21)
Adjudicação compulsória
Uma vez determinado o vencedor, pelos critérios objetivos constantes no edital, a ele deverá ser entregue o objeto da licitação. Tal princípio não permite que seja atribuído a outro, mantendo-se a lisura do procedimento.
Adjudicação é a atribuição do objeto do certame ao vencedor e não se confunde com a assinatura imediata do contrato, que pode ser adiada, com justa causa, ou mesmo revogado ou anulado o procedimento licitatório. Assim, entenda-se esse princípio como uma exigência de que a Administração, uma vez ultimado o procedimento, entregue o objeto ao vencedor, e não a outro. Incorreto seria o raciocínio de que haveria sempre obrigação de adjudicar o objeto, pois, repita-se, pode haver revogação a qualquer momento, sempre acompanhada da respectiva motivação. Isso posto, se houver adjudicação, esta deve ser feita apenas para o vencedor.
Outros princípios
A seguir, de forma perfunctória, rápidos comentários acerca de outros princípios do Direito Administrativo também aplicáveis às licitações.
O princípio da eficiência prega a otimização dos procedimentos em qualquer ação da Administração Pública, que deve ser rápida, útil, econômica, voltada para o alcance dos melhores resultados possíveis. Privilegia o binômio qualidade + economicidade.
A supremacia do interesse público é um princípio basilar da Administração Pública que deve ser observado tanto pelo legislador, no momento de produzir a lei, quanto pelo administrador, quando de sua execução. O interesse público é indisponível, tendo o agente público o poder-dever de agir de acordo com esse princípio.
Em face do atributo da presunção de legitimidade e veracidade, tomam-se como existentes e verdadeiros os fatos alegados e como legais os atos administrativos praticados. Como se percebe, abrange dois aspectos: um, quanto à perfeita conformidade com a legislação, outro, com a verdade dos fatos ocorridos. É uma presunção relativa, juris tantum, ou seja, cabe prova em contrário.
Pelo princípio da autotutela, cabe à Administração Pública rever seus próprios atos, anulando os ilegais e revogando os inconvenientes ou inoportunos. É controle interno, diferente da tutela, que é controle externo, sujeição exercida por outra pessoa. Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro, esse princípio também embasa o dever de a Administração zelar pela conservação de seu patrimônio.
O princípio da motivação exige que a Administração Pública fundamente todos os seus atos adequadamente, sempre vinculando-os aos motivos apresentados. Ainda que alguns atos discricionários possam estar entre as exceções de obrigatoriedade de motivação, segundo a Teoria dos Motivos Determinantes, o motivo alegado adere-se e vincula-se ao ato: se aquele for nulo, este também o será.
Todo processo, inclusive o administrativo, deve obediência ao devido processo legal (due process of law), de onde provêm também os princípios do contraditório e da ampla defesa. Segundo esse princípio, devem ser obedecidas todas as normas, previamente postas, relativas ao processo.
O contraditório desdobra-se em duas faces. No aspecto formal, assegura que a parte tem o direito de se manifestar sobre todas as provas produzidas e sobre as alegações feitas pela parte adversa. Já no aspecto material ou substancial, garante à parte a possibilidade de, com a sua atuação, interferir no julgamento da questão.
Por ampla defesa entende-se a possibilidade que o acusado tem de usar todos os meios lícitos admitidos para provar o que alega, inclusive manter-se calado (CF/88, art. 5o, LXIII) e não produzir provas contra si, bem como de dispor dos recursos previstos legalmente.
Qualquer ação tomada dentro da esfera pública deve ser pautada nos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, implicando coerência entre os meios e os fins, considerando-se todas as situações e circunstâncias que afetem a solução.
Conclusão
De tudo quanto foi exposto, percebe-se a importância de serem observados os princípios, já que são eles vetores direcionais para os atos do legislador, do administrador e do aplicador da lei ao caso concreto. Como dito alhures, constituem o fundamento, o alicerce, a base de um sistema, condicionando as estruturas subsequentes e garantindo-lhes validade.
A Lei de Licitações previu expressamente alguns deles, assim como o fez a Constituição Federal de 1988. Contudo, é desnecessária a previsão deles no texto legal posto, uma vez que são sempre de observância cogente, ainda que não positivados.
Se, por um lado, descumpri-los gera impactos contundentes na atuação pública, por outro, seu respeito garante lisura, legitimidade e atenção ao interesse público.
Notas
1. STF, ADI 2.716/RO e ADI 3.070/RN, relator Ministro Eros Grau, publicação DJ 06.03.2008, Informativo 490.
2. STF, ADI 3.583/PR, relator Ministro Cezar Peluso, publicação DJ 14.03.2008, noticiado nos Informativos 495 e 498: “LICITAÇÃO PÚBLICA. Concorrência. Aquisição de bens. Veículos para uso oficial. Exigência de que sejam produzidos no Estado-membro. Condição compulsória de acesso. Art. 1o da Lei no 12.204/98 do Estado do Paraná, com a redação da Lei no 13.571/2002. Discriminação arbitrária. Violação ao princípio da isonomia ou da igualdade. Ofensa ao art. 19, II (sic), da vigente Constituição da República. Inconstitucionalidade declarada. É inconstitucional a lei estadual que estabeleça como condição de acesso a licitação pública, para aquisição de bens ou serviços, que a empresa licitante tenha a fábrica ou sede no Estado-membro”.
3. STF, ADI 3.670/DF, relator Ministro Sepúlveda Pertence, publicação DJ18.05.2007. Veja também: STF, ADI-MC 3.059/RS, relator Ministro Carlos Britto, publicação DJ 20.08.2004.
4. STF, Inq. 1.957/PR, relator Ministro Carlos Velloso, publicação DJ 11.05.2005.
5. STF, ADI 3.070/RN, relator Ministro Eros Grau, publicação DJ 19.12.2007, noticiado nos Informativos 490 e 493.
6. STJ, REsp 684.442/RS, relator Ministro José Delgado, publicação DJ 05.09.2005.
7. STJ, REsp 80.061/PR, relator Ministro Castro Meira, publicação DJ 11.10.2004.
8. STJ, REsp 579.541/SP, relator Ministro José Delgado, publicação DJ 19.04.2004.
9. STF, ADI 3.583/PR, relator Ministro Cezar Peluso, publicação DJ 14.03.2008: “É inconstitucional a lei estadual que estabeleça como condição de acesso a licitação pública, para aquisição de bens ou serviços, que a empresa licitante tenha a fábrica ou sede no Estado-membro”.
10. STF, STA-AgR 89/PI, relatora Ministra Ellen Gracie, publicação DJ 15.02.2008, Informativo 491: “A exigência de que a prestação de serviços públicos mediante concessão ou permissão seja sempre precedida de licitação (art. 175 da CF) visa propiciar à Administração a possibilidade de selecionar a proposta mais vantajosa sem com isso descuidar dos princípios basilares da isonomia e da moralidade administrativa”.
11. Lei no 8.248/91.
Art. 3o Os órgãos e entidades da Administração Pública Federal, direta ou indireta, as fundações instituídas e mantidas pelo poder público e as demais organizações sob o controle direto ou indireto da União darão preferência, nas aquisições de bens e serviços de informática e automação, observada a seguinte ordem, a: (Redação dada pela Lei no 10.176/2001.)
I – bens e serviços com tecnologia desenvolvida no país;
II – bens e serviços produzidos de acordo com processo produtivo básico, na forma a ser definida pelo Poder Executivo.
§ 1o Revogado.
§ 2o Para o exercício desta preferência, levar-se-ão em conta condições equivalentes de prazo de entrega, suporte de serviços, qualidade, padronização, compatibilidade e especificação de desempenho e preço.
§ 3o A aquisição de bens e serviços de informática e automação, considerados como bens e serviços comuns nos termos do parágrafo único do art. 1o da Lei no 10.520, de 17 de julho de 2002, poderá ser realizada na modalidade pregão, restrita às empresas que cumpram o Processo Produtivo Básico nos termos desta lei e da Lei no 8.387, de 30 de dezembro de 1991.
12. Com redação dada pela Lei no 12.349, de 15.12.2010. Tal lei também incluiu os citados §§ 5o a 12 do art. 3o da Lei de Licitações.
13. A MP nº 495/2010 previu alteração nesse parágrafo, fazendo constar o seguinte:
“Art. 3º, § 2º. Em igualdade de condições, como critério de desempate, será assegurada preferência, sucessivamente, aos bens e serviços:
I – produzidos no país;
II – produzidos ou prestados por empresas brasileiras;
III – produzidos ou prestados por empresas que invistam em pesquisa e no desenvolvimento de tecnologia no país.”
Contudo, quando da conversão na Lei nº 12.349, de 15.12.2010, tal alteração não foi aprovada.
14. Incluído pela Lei no 11.196/2005.
15. STF, ADI 3.670/DF, relator Ministro Sepúlveda Pertence, publicação DJ18.05.2007.
16. Tal Lei incluiu os §§ 5o a 13 do art. 3o da Lei de Licitações.
17. A própria Lei no 12.349/2010, ao acrescentar o inciso XVII ao art. 6o da Lei no 8.666/93, definiu o que vem a ser “produtos manufaturados nacionais”: produtos manufaturados, produzidos no território nacional de acordo com o processo produtivo básico ou regras de origem estabelecidas pelo Poder Executivo federal.
18. No mesmo sentido, a Lei no 12.349/2010 assim conceituou “serviços nacionais”: serviços prestados no país, nas condições estabelecidas pelo Poder Executivo federal (art. 6o, XVIII).
19. São sistemas de tecnologia de informação e comunicação estratégicos, segundo o inciso XIX do art. 6o da Lei no 8.666/93, incluído pela Lei no 12.349/2010, os bens e serviços de tecnologia da informação e comunicação cuja descontinuidade provoque dano significativo à administração pública e que envolvam pelo menos um dos seguintes requisitos relacionados às informações críticas: disponibilidade, confiabilidade, segurança e confidencialidade.
20. Nos termos da redação do antigo art. 171 da CF/88, revogado pela Emenda Constitucional nº 6, de 1995.
21. STF, MS 24.510/DF, relatora Ministra Ellen Gracie, publicação DJ 19.03.2004, Informativo 330. Veja também: STF, RE 547.063/RJ, relator Ministro Menezes Direito, publicação DJ 12.12.2008, Informativos 523 e 532 – “Tribunal de Contas estadual. Controle prévio das licitações. Competência privativa da União (art. 22, XXVII, da Constituição Federal). Legislações federal e estadual compatíveis. Exigência indevida feita por ato do Tribunal que impõe controle prévio sem que haja solicitação para a remessa do edital antes de realizada a licitação. 1. O art. 22, XXVII, da Constituição Federal dispõe ser da União, privativamente, a legislação sobre normas gerais de licitação e contratação. 2. A Lei federal no 8.666/93 autoriza o controle prévio quando houver solicitação do Tribunal de Contas para a remessa de cópia do edital de licitação já publicado. 3. A exigência feita por atos normativos do Tribunal sobre a remessa prévia do edital, sem nenhuma solicitação, invade a competência legislativa distribuída pela Constituição Federal, já exercida pela Lei federal no 8.666/93, que não contém essa exigência”.
STF, ADI 916/MT, relator Ministro Joaquim Barbosa, publicação DJ 06.03.2009, Informativos 534 e 537: “É inconstitucional norma local que estabeleça a competência do tribunal de contas para realizar exame prévio de validade de contratos firmados com o poder público”.
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