A atuação do Estado na economia
Reflexão sobre atividade econômica e serviço público

Autor: Paulo Sérgio Ribeiro

Juiz Federal Substituto, Mestrando PUC/SP

publicado em 28.08.2015



Resumo

O presente estudo visa analisar a atuação do Estado na economia, ponderando sobre as formas de intervenção e os mecanismos de atuação estatais, com ênfase especial na categorização da atividade econômica em sentido amplo (gênero) e na diferenciação entre a atividade econômica em sentido estrito e o serviço público. A presente análise perpassa pela reflexão crítica sobre a atividade econômica em sentido estrito, sopesando o modo de atuação estatal na economia em regime de concorrência e de monopólio, finalizando com sedimentada apreciação crítica acerca do serviço público, à luz dos conceitos e das reflexões trazidos por Eros Roberto Grau e Marçal Justen Filho.

Palavras-chave: Atividade econômica. Intervenção do Estado na economia. Concorrência. Monopólio. Serviço público. Direitos fundamentais.

Sumário: Introdução. 1 Atividade econômica do Estado. 2 Regulação constitucional da atividade econômica. 3 Atividade econômica do Estado em sentido estrito. 3.1 Atividade econômica em regime de concorrência. 3.2 Atividade econômica em regime de monopólio. 4 Serviço público. 4.1 Conceito de serviço público. 4.2 Distinção entre atividade econômica em sentido estrito e serviço público: reflexão sobre a atividade administrativa e o serviço público. 4.3 A delimitação constitucional dos serviços públicos: a posição do Estado como provedor dos direitos fundamentais. 4.4 A implementação dos direitos fundamentais como escopo e fundamento da República Federativa do Brasil. Conclusão. Referências bibliográficas.

Introdução

A importância da delimitação do papel do Estado na economia é essencial nos termos hodiernos, especialmente considerando a Constituição Federal de 1988, a qual consagrou diversas balizas para a intervenção estatal na economia.

Com efeito, a satisfação dos direitos fundamentais, consagrados na Constituição Federal como manifestação concretizante do baldrame da dignidade da pessoa humana – artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal –, é impositiva à atuação do Estado, devendo este atuar de modo a prover as necessidades vitais por meio da dispensação de serviços ou bens materiais ou imateriais essenciais, materializando-a na prestação de serviço público.

A atuação do Estado no exercício de atividade econômica em sentido estrito, em regime de concorrência ou monopólio, dista significativamente da atuação dessa estrutura quando exerce atividade administrativa de prestação de serviço público, cujo regime jurídico é público.

A dificuldade na precisa delimitação do termo atividade econômica, tendo em vista a ambiguidade do signo, incrementa a importância do trabalho do intérprete na construção do âmbito de atuação privada, distinguindo a parcela exclusivamente destinada ao agente privado daquela em que a intervenção do Estado é autorizada constitucionalmente.

O estudo não tem qualquer pretensão de exaurir o tema; limita-se a ponderações sobre a atuação do Estado na economia, visando instigar o leitor a reflexão sobre o tema.

1 Atividade econômica do Estado

A Constituição Federal de 1988 apresenta elementos indicativos para estabelecer as hipóteses em que o Estado pode atuar na economia. Delimita-se a possibilidade e a forma de atuação do Estado em relação à atividade econômica em sentido amplo, esfera que compreende tanto a prestação de serviço público quanto a atividade econômica em sentido estrito, materializada na intervenção do Estado na economia.(1)

Como bem pontua Eros Roberto Grau (2012, p. 101),

“Por certo que, no art. 173 e em seu § 1º, a expressão conota atividade econômica em sentido estrito. O art. 173, caput, enuncia as hipóteses nas quais é permitida ao Estado a exploração direta de atividade econômica. Trata-se, aqui, de atuação do Estado – isto é, da União, do Estado-membro e do Município – como agente econômico, em área da titularidade do setor privado. Insista-se em que atividade econômica em sentido amplo é território em dois campos: o do serviço público e o da atividade econômica em sentido estrito. As hipóteses indicadas no art. 173 do texto constitucional são aquelas nas quais é permitida a atuação da União, dos Estados-membros e dos Municípios nesse segundo campo.”

A demarcação da atividade econômica do Estado – atividade econômica em sentido amplo – é essencial para a definição e o estabelecimento das características peculiares da ação estatal, tendo em vista o regime jurídico destinado a disciplinar a sua atuação como prestador de serviço público ou como fornecedor de atividade econômica em sentido estrito.

É necessário ponderar sobre a delimitação das formas de atividade econômica exercidas pelo Estado.

2 Regulação constitucional da atividade econômica

O termo “atividade econômica em sentido amplo” denota a atuação do Estado na economia, representando tanto a atuação estatal em sentido estrito, intervenção do Estado na economia, como a prestação de serviço público, atuação de competência típica do ente público.

O serviço público é modalidade de atividade econômica desenvolvida diretamente pelo poder público ou em regime de concessão,(2) que visa à satisfação de uma necessidade, envolvendo a utilização de bens e serviços escassos. O tema será aprofundado no item 4 do presente estudo.

A atividade de intervenção do Estado na economia, realizada nos termos do artigo 173 da Constituição Federal, é forma de atuação estatal sobre a economia (atividade econômica em sentido estrito), área de atuação alheia, em regra, à atuação pública, atribuída aos agentes privados.

Nota-se que a atividade econômica em sentido amplo é gênero do qual figuram como espécies o serviço público, a atividade econômica em sentido estrito e a atividade econômica ilícita, esta última representada pela atividade econômica em sentido amplo cujo exercício é vedado por lei (cf. Eros Grau, p. 99-101).

Marçal Justen Filho (2014, p. 688), ao abordar a diferença entre atividade econômica em sentido amplo e serviço público, destaca:

“Não há uma distinção intrínseca entre atividade econômica e serviço público. O serviço público consiste na organização de recursos escassos para a satisfação de necessidades individuas. Portanto, trata-se de uma atividade de natureza econômica.
Logo, o serviço público não pode ser diferenciado de modo absoluto de atividade econômica, porque apresenta igualmente natureza e função econômicas. É possível diferenciar serviço público de uma concepção mais restrita de atividade econômica. Portanto, atividade econômica é um gênero, que contém duas espécies, o serviço público e a atividade econômica (em sentido estrito).”

É necessário pontuar a importância da precisa delimitação do conceito de atividade econômica, tendo em vista que a Constituição Federal de 1988 utiliza-o ora no sentido amplo, como no caput do artigo 174 da Constituição Federal,(3) ora no sentido estrito, como no artigo 174 da Constituição Federal.(4)

A regra matriz da ordem econômica, artigo 170, caput, Constituição Federal, disciplina a atividade econômica em sentido amplo, de forma que os preceitos ali inseridos devem modalizar a prestação de serviço público e o exercício de atividade econômica em sentido estrito por parte do Estado. Nesse sentido, averba Eros Roberto Grau (2012, p. 106):

“No que concerne ao art. 170, caput, nele a expressão atividade econômica conota o gênero, e não a espécie. O que afirma o preceito é que toda atividade econômica, inclusive a desenvolvida pelo Estado, no campo dos serviços públicos, deve ser fundada na valorização do trabalho humano e na livre-iniciativa, tendo por fim (fim dela, atividade econômica, repita-se) assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, etc. Nenhuma dúvida pode restar, entendo, quanto à circunstância de, aí, a expressão assumir a conotação de atividade econômica em sentido amplo.”

Portanto, a ordem econômica, mundo do dever ser, ao regular, no caput do artigo 170 da Constituição Federal, a atuação estatal na economia, fixando fundamentos e finalidades para a ação estatal, adota o conceito de atividade econômica em sentido amplo, de modo que toda ação econômica deve ser pautada pelos valores fixados como baldrames da ordem econômica constitucionalmente estabelecida.

Visando precisar de modo adequado a expressão atividade econômica, superando a ambiguidade presente na utilização do termo, poder-se-á dizer que a atividade econômica em sentido amplo denota o gênero, enquanto atividade econômica em sentido estrito, serviço público e atividade ilícita representam espécies. Tendo em vista o objetivo do presente estudo e a sua limitação, não serão aprofundadas as reflexões sobre a última espécie de atividade econômica, a atividade ilícita.

A categorização apresentada é essencial para a interpretação precisa dos enunciados constitucionais que se utilizam do termo, sendo sua precisa delimitação, considerando o contexto em que inserido, imprescindível para o conhecimento e a aplicação do preceito normativo a ser analisado.

A espécie atividade econômica em sentido estrito, nos termos do fixado na Constituição Federal de 1988, apresenta subdivisão, estabelecendo-se as subespécies atividade estatal em regime de concorrência, artigo 173 da Constituição Federal, e monopólio estatal, nos termos do artigo 177 da Constituição Federal.

A análise das subespécies atividade econômica em sentido estrito e serviço público será aprofundada na sequência do estudo.

3 Atividade econômica do Estado em sentido estrito

Atividade econômica em sentido estrito é espécie de atividade econômica em sentido amplo prestada pelo Estado cujo objeto é a produção de bens ou serviços e sua comercialização, destinada a suprir necessidades.

Como pondera Marçal Justen Filho (2012, p. 688), “a atividade econômica propriamente dita reside no desempenho pelo Estado de atividades que não são diretamente vinculadas à satisfação de direitos fundamentais”.

Na essência, o serviço público(5) e a atividade econômica em sentido estrito têm função semelhante, suprir necessidades visando à distribuição de bens escassos,(6) de modo que, na primeira hipótese, o objetivo é suprir necessidades humanas ligadas diretamente a direitos fundamentais que o mecanismo de mercado não é capaz de prover. Por sua vez, a atividade econômica tem como escopo suprir necessidade não ligada diretamente a direitos fundamentais ou cuja satisfação integral o mercado promove (direito fundamental) (cf. JUSTEN FILHO, p. 689).

A motivação para qualificar determinada atividade como econômica em sentido estrito ou serviço público tem fundamentação no conflito entre o capital e o trabalho, fatores de produção imprescindíveis ao desenvolvimento econômico, de sorte que

“Pretende o capital reservar para sua exploração, como atividade econômica em sentido estrito, todas as matérias que possam ser, imediata ou potencialmente, objeto de profícua especulação lucrativa. Já o trabalho aspira atribuir-se ao Estado, para que este as desenvolva de modo não especulativo, o maior número possível de atividades econômicas (em sentido amplo). É a partir desse confronto – do estado em que tal confronto se encontrar, em determinado momento histórico – que se ampliarão ou reduzirão, correspectivamente, os âmbitos das atividades econômicas em sentido estrito e dos serviços públicos.” (GRAU, 2012, p. 106)

Quando se atribui ao exercício de atividade econômica em sentido estrito conotação potencialmente produtora de lucro, não se quer afirmar, no contexto apresentado, que os mecanismos de intervenção do Estado na economia tenham como escopo a exploração visando ao lucro.

Trata-se, na realidade, de instrumento estatal que visa intervir na economia a fim de concretizar os valores constitucionalmente estabelecidos, buscando a construção de uma sociedade cuja finalidade é a efetivação dos direitos fundamentais e a implementação dos objetivos pautados no artigo 3º da Constituição Federal.(7)

Portanto, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado não pode ser efetivada com escopo exclusivo de especulação lucrativa, premissa da exploração do capital pela atividade privada. Entretanto, a atuação interventiva do Estado na economia busca a implementação dos direitos fundamentais necessários ao pleno desenvolvimento da pessoa, que traduz a efetivação da dignidade da pessoa humana, fundamento da República Federativa do Brasil, artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal.

É importante destacar que o Estado somente atuará na economia em caráter suplementar ao mercado, preservando, assim, a opção pelo sistema capitalista de produção,(8) fundamento da ordem econômica estabelecida na Constituição de 1988. Ressalte-se, no tocante à intervenção, que a regra é o desempenho da atividade econômica pelo Estado sob regime de concorrência (art. 173, caput e § 1º), sendo exceção, estabelecida constitucionalmente, a prestação de atividade econômica em regime de monopólio.

Com efeito, a opção pelo regime de intervenção na economia (participação ou monopólio) será fixada constitucionalmente, considerando o interesse envolvido na atividade econômica a ser desempenhada. Desse modo,

“A definição da situação – como de monopólio ou de participação – na qual atuará diretamente o Estado, na exploração de atividade econômica em sentido estrito, há de ser informada pelo tipo de interesse que a justifique. Quando a hipótese for de imperativo da segurança nacional, o monopólio, em regra, se imporá.
Variadas, no entanto, poderão ser as manifestações de relevante interesse coletivo. Cuidando do tema do caráter suplementar da atuação estatal na vigência da Emenda Constitucional nº 1/69 (§ 1º do art. 170), enunciei as seguintes hipóteses: (a) atuação para suprir incapacidade ou falta de interesse momentâneo do setor privado; (b) para suprir insuficiência da oferta de determinados bens ou serviços; (c) para coibir situação de monopólio de fato; (d) para implementar a função social da propriedade (empresa) e a promoção do pleno emprego. A noção de relevante interesse coletivo é, todavia, bem mais ampla do que a atinente ao ‘caráter suplementar da iniciativa privada’. Há de ser a primeira, repito-o, conformada pelo conjunto de princípios indicados no item 84.” (GRAU, 2012, p. 283-284)

Com relação à atividade exercida visando aos imperativos de segurança nacional, a opção é evidente, pois “Parece não restar dúvida não apenas quanto à possibilidade, mas até mesmo quanto à imperiosidade de a exploração direta da atividade, na hipótese de imperativo de segurança nacional – então definida por lei federal –, ser empreendida em regime de monopólio” (GRAU, p. 282).

A atividade econômica pode ser provida por meio do regime de monopólio, em que há exclusividade na prestação do serviço ou no fornecimento de bens. Entretanto, essa peculiaridade não desnatura a essência dessa atividade como econômica, sendo sua forma de exercício opção política. Não se confunde prestação de atividade econômica em regime de monopólio com serviço público, pois, na primeira hipótese, não há a satisfação de necessidade essencial relacionada a direito fundamental.

Ressalte-se a importância da diferença entre qualificar determinada atividade como atividade econômica em sentido estrito ou como serviço público, tendo em vista o regime jurídico a ser aplicado a ela e as peculiaridades da sua forma de efetivação, como abordado por Eros Roberto Grau (2012, p. 136):

“As consequências da qualificação desta ou daquela atividade empreendida pela empresa pública ou sociedade de economia mista como serviço público ou atividade econômica em sentido estrito são marcadas. Exemplifico, para demonstrá-lo, formulando a hipótese de entidade daquelas, que preste serviço público, recusar o seu fornecimento a algum usuário. Poderá tal recusa, então, ser juridicamente repelida: incumbe ao fornecedor do serviço prestar o devido acatamento ao princípio da continuidade do serviço público; estamos, aí, em razão da incidência do princípio, diante da hipótese de contrato a ser coativamente celebrado. Já, no entanto, se a empresa pública ou a sociedade de economia mista explorar atividade econômica em sentido estrito, a recusa do fornecimento do serviço há de ser repelida com esteio em distinta fundamentação: ao recusá-lo, o agente econômico (empresa pública ou sociedade de economia mista) estará a violar preceitos normativos que o obrigam a contratar; a contratação, coativa, no caso, contudo, se impõe não mercê da aplicação daquele princípio, porém de normas expressas que à prática dessa conduta o vinculam.”

Ademais, é necessário pontuar que a ação estatal na atividade econômica (espécie), qualificada como forma de intervenção na economia, deve ser efetivada em conformidade com o estabelecido nos preceitos da ordem econômica (mundo do dever ser) e nos demais elementos constitucionais pertinentes.

Portanto, a intervenção deve pautar-se pela concretização dos baldrames da ordem econômica – artigo 170 da Constituição Federal –, pela efetivação dos objetivos da República Federativa do Brasil – artigo 3º da Constituição Federal – e pela implementação dos fundamentos da República Federativa do Brasil – artigo 1º da Constituição Federal –, em especial a consolidação da dignidade da pessoa humana.

3.1 Atividade econômica em regime de concorrência

A atividade econômica em sentido estrito, como já pontuado, tem como escopo fornecer bens ou serviços necessários à satisfação de necessidades elementares das pessoas, ligadas ou não a direitos fundamentais. Entretanto, nesta última hipótese, quando insatisfatório o fornecimento pelos mecanismos de mercado, o Estado assumirá a promoção por meio do fornecimento de serviço público, tema a ser abordado no item 4.

A base legal delimitadora da atuação do Estado na atividade econômica é traçada no artigo 173 da Constituição Federal: “Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei”.

Como estabelece Eros Roberto Grau (2012, p. 101),

“Por certo que, no art. 173 e em seu § 1º, a expressão conota atividade econômica em sentido estrito. O art. 173, caput, enuncia as hipóteses nas quais é permitida ao Estado a exploração direta de atividade econômica. Trata-se, aqui, de atuação do Estado – isto é, da União, do Estado-membro e do Município – como agente econômico, em área da titularidade do setor privado.”

É necessário salientar que a atuação no mercado, conforme a opção constitucional pelo modo de produção capitalista,(9) deve ser exercida preferencialmente pelos agentes privados,(10) cabendo ao Estado, preenchidos os requisitos legais (imperativo de interesse público ou de soberania nacional), intervir na economia prestando o serviço ou fornecendo os bens essenciais.

André Ramos Tavares (2012, p. 276) pondera acerca da atuação do Estado na economia, destacando:

“Toda intervenção direta, vale dizer, a intervenção material (execução ‘pelas próprias mãos’), do Estado, quanto à atividade econômica, é assumida, constitucionalmente, como uma exceção ao princípio já analisado da livre-iniciativa (fundamento do Estado brasileiro, consoante dispõe o art. 1º, inc. IV, da Constituição), que é preceito constitucional fundamental de toda a ordem econômica, essencial à economia de mercado. É o que se deve compreender a partir da leitura conjunta do art. 170 com o art. 173, ora objeto de análise. Admite-se a intervenção direta, mas não se pode conduzi-la a ponto de equivaler ou sobrepor-se à atuação propriamente dos particulares. O Estado não tem autorização, pela Constituição, para exercer uma atividade paralela à atividade econômica desempenhada pelos agentes privados. Sua intervenção é possível, mas condicionada e delimitada constitucionalmente.”

O fornecimento dos bens essenciais deve ser efetivado pelo Estado, em regra, em regime de concorrência, de modo que atuará na ordem econômica, mundo do ser, em igualdade de condições com os demais agentes econômicos, conforme estabelecido constitucionalmente – inciso II e § 2º do artigo 173 da Constituição Federal.

Estabelecer que o Estado atuará de modo igualitário com os demais agentes econômicos é essencial para a manutenção dos princípios da ordem econômica, em especial a livre-iniciativa e a livre concorrência, baldrames do sistema capitalista de produção.

Assegurar privilégio à atuação do agente estatal (empresa pública ou sociedade de economia mista) poderá influenciar na liberdade dos agentes privados, os quais não poderão concorrer no mercado em igualdade de condições, tendo em vista as benesses asseguradas ao ente estatal, comprometendo, assim, a existência das estruturas privadas.(11)

É precisa a ponderação de Marçal Justen Filho (2014, p. 864) sobre a forma de ação do Estado na atividade econômica (intervenção na economia), ressaltando a prevalência da igualdade entre os agentes econômicos no que tange à atuação do Estado desempenhando atividade econômica:

“Para manutenção da ordem econômica constitucionalmente consagrada, é indispensável que o Estado não goze de privilégios ou vantagens quando desempenhar atividade econômica propriamente dita. Se assim não for, haverá a destruição da livre concorrência, e o Estado eliminará as empresas privadas, não por ser mais eficiente, mas porque as leis a ele asseguram benefícios desiguais.”

É necessário esclarecer que o Estado pode atuar como empresário, na prestação de atividade econômica em sentido estrito, tanto em regime de concorrência, exercendo suas funções em igualdade de condições com os demais agente econômicos, quanto em regime de monopólio, no qual detém exclusividade na prestação do serviço ou no fornecimento do bem, tema a ser abordado no próximo item.

3.2 Atividade econômica em regime de monopólio

A atuação do Estado na ordem econômica deve ser pautada pelos princípios da livre-iniciativa e da livre concorrência, artigo 170 da Constituição Federal, base que sustenta o modo de produção capitalista, opção consagrada na Constituição Federal de 1988.(12)

Assegurar monopólio legal(13) ao Estado na prestação de atividade econômica representa aparente contradição, considerando-se a ampla liberdade de ação econômica assegurada em favor da iniciativa privada. Entretanto, tendo em vista motivação de ordem econômica e política, o constituinte de 1988 afastou os princípios da livre-iniciativa e da livre concorrência, estabelecendo a exclusividade da prestação da atividade em benefício do Estado.

Marçal Justen Filho (2014, p. 865) averba que a motivação para estabelecer determinada atividade econômica em regime de exclusividade (monopólio) estatal diz respeito a elementos essenciais ao Estado, pois

“A Constituição afastou a livre-iniciativa e a livre concorrência quanto a certas atividades, em virtude de sua relevância política e econômica. As atividades referidas no art. 177 não são destinadas a satisfazer direitos fundamentais, no entanto foram reservadas ao monopólio estatal, porque podem produzir reflexos sobre a soberania nacional ou outros valores essenciais. O monopólio estatal reflete uma decisão política.”

Eros Roberto Grau (2012, p. 283) aprofunda a questão, pontuando que a diferença entre atuação em regime de concorrência/participação e de monopólio deve ser ponderada em razão do interesse envolvido, pois “a definição da situação – como de monopólio ou de participação – na qual atuará diretamente o Estado, na exploração de atividade econômica em sentido estrito, há de ser informada pelo tipo de interesse que a justifique”. Arremata o eminente professor pontuando que, “na hipótese de imperativo da segurança nacional, o monopólio, em regra, se imporá”.

O exercício da atividade econômica em regime de monopólio é classificado por Eros Roberto Grau como uma das hipóteses de intervenção na economia por absorção, forma pela qual o Estado assume integralmente o controle dos meios de produção.(14)

Monopólio não se confunde com serviço público: este representa atividade prestada pelo Estado, sob regime de direito público, visando à satisfação de direitos fundamentais;(15) já aquele é a efetivação de atividade econômica, sob o regime de direito privado, que, por razões políticas, é atribuída com exclusividade ao Estado (JUSTEN FILHO, 2014, p. 867).

Acrescenta Eros Roberto Grau (2012, p. 135), ao analisar a diferença entre serviço público e atividade econômica em regime de monopólio:

“O que importa salientar é a não intercambialidade das situações nas quais, de um lado, o serviço público é prestado, titulares ainda os concessionários ou permissionários de certo privilégio, por mais de um deles, e, de outro, o regime de competição que caracteriza o exercício da atividade econômica em sentido estrito, em clima de livre concorrência.”

A atuação do Estado em regime de monopólio é exceção e não pode ser ampliada para outras hipóteses além das taxativamente estabelecidas na Constituição Federal, veículo normativo legítimo a atribuir determinada atividade econômica exclusivamente ao Estado. Destaca Marçal Justen Filho (2014, p. 691):

“Existem diversas hipóteses de monopólio na Constituição, e é inconstitucional a sua ampliação por via infraconstitucional. Nessas hipóteses, não se configura a satisfação direta e imediata de direitos fundamentais, nem a impossibilidade da exploração adequada e satisfatória por parte da livre iniciativa. A Constituição impõe monopólio por razões políticas ou econômicas, visando a assegurar o controle estatal sobre o desempenho de determinadas atividades.”

A atribuição exclusivamente constitucional para a delimitação das possibilidades de exercício de atividades em regime de monopólio é decorrente de sua natureza excepcional e derrogatória dos princípios da ordem econômica – liberdade de iniciativa e de concorrência.

Portanto, se lei infraconstitucional estabelecer monopólio de determinada atividade econômica em sentido estrito, haverá flagrante inconstitucionalidade, uma vez que a lei infringirá os baldrames da ordem econômica (mundo do dever ser).

4 Serviço público

O serviço público é uma atividade econômica em sentido amplo em que se disciplina a distribuição de recursos limitados necessários à satisfação de necessidades, cujo escopo é “a utilização de recursos econômicos escassos, produzindo uma escolha de sua alocação entre diversas possíveis e visando a obter o resultado mais eficiente e satisfatório possível” (JUSTEN FILHO, 2012, p. 732).

Desse modo, o serviço público, disciplina da distribuição de bens escassos, é uma forma de intervenção do Estado na economia, de modo que se afastam as garantias da livre-iniciativa e da livre concorrência, atribuindo-se a titularidade e a competência para a exploração da atividade ao Estado.

A qualificação de uma dada atividade econômica (em sentido amplo) como serviço público implica a redução da esfera privada de atuação do particular, com a ampliação da esfera pública de atuação do Estado, hipótese que deve ser efetivada ponderando os limites traçados na Constituição Federal, respeitando a opção capitalista do modo de produção.

Como pontua Marçal Justen Filho (2014, p. 733), “a submissão de uma atividade ao âmbito do serviço público acarreta a redução da órbita da livre iniciativa. Quanto mais amplo o universo dos serviços públicos, menor é o campo das atividades de direito privado. E a recíproca é verdadeira”.

É importante ressaltar que o reconhecimento e a qualificação de certa atividade econômica como serviço público, além de respeitar os limites traçados na Constituição Federal, deve, obrigatoriamente, visar à garantia da soberania nacional, à promoção do desenvolvimento nacional, à erradicação da pobreza e à redução das desigualdades regionais e sociais, à defesa do meio ambiente, à busca do pleno emprego etc.

4.1 Conceito de serviço público

O conceito de serviço público é tema árido sobre o qual a doutrina vem refletindo incansavelmente sem estabelecer, com precisão, uma delimitação, opinando alguns juristas pela inexistência de um conceito.(16) Entretanto, não obstante a dificuldade, é necessário refletir com profundidade acerca do tema, ponderando as suas vicissitudes de modo a construir uma definição.

A delimitação das atividades econômicas em sentido amplo que devem ser efetivadas pelo Estado por meio da prestação de serviço público tem como parâmetros os critérios estabelecidos na Constituição Federal para determinar a sua qualificação.(17) É necessário frisar que a lei infraconstitucional, ao delimitar determinada atividade como serviço público, não pode contrariar o estabelecido na Constituição Federal.

Averba Marçal Justen Filho (2014, p. 725), sobre o conceito de serviço público:

“Serviço público é a atividade pública administrativa de satisfação concreta de necessidades individuais ou transindividuais, materiais ou imateriais, vinculada diretamente a um direito fundamental, insuscetível de satisfação adequada mediante os mecanismos da livre-iniciativa privada, destinada a pessoas indeterminadas, qualificada legislativamente e executada sob regime de direito público.”

Preliminarmente, é conveniente destacar que o conceito de serviço público não é estanque, altera-se conforme o momento histórico, circunstancial, natural etc., pois, por exemplo, o elemento climático (peculiaridade natural) poderá influir no reconhecimento de uma atividade econômica como serviço público. Ilustrando o exemplo, o fornecimento de carvão, elemento essencial para manter a calefação das residências, pode ser adotado como serviço público em localidade que sofra a influência de clima inóspito em que o aquecimento é essencial à qualidade de vida.

O professor Eros Roberto Grau (2012, p. 107) pondera, com a precisão que lhe é peculiar, sobre as vicissitudes da delimitação de certa atividade econômica como serviço público, pontuando:

“A definição, pois, desta ou daquela parcela da atividade econômica em sentido amplo como serviço público é – permanecemos a raciocinar em termos de modelo ideal – decorrência da captação, no universo da realidade social, de elementos que informem adequadamente o estado, em um certo momento histórico, do confronto entre interesses do capital e do trabalho.
Não obstante as dificuldades que se antepõem ao discernimento da linha que traça o limite entre os dois campos, ele se impõe: intervenção é atuação na área da atividade econômica em sentido estrito; exploração de atividade econômica em sentido estrito e prestação de serviço público estão sujeitas a distintos regimes jurídicos (arts. 173 e 175 da Constituição de 1988).
O critério acima enunciado há de auxiliar o intérprete no exercício de identificação desta ou daquela parcela de atividade econômica (em sentido amplo) como modalidade de serviço público ou de atividade econômica em sentido estrito. Essa identificação, contudo, não se pode dar no plano dos modelos ideais, à margem da ordem jurídica. Assim, o que efetivamente há de ser determinante para tanto será o exame da Constituição, desde que o intérprete tenha compreendido que, em verdade, serviço público não é um conceito, mas uma noção, plena de historicidade.”

A delimitação semântica do termo serviço público é essencial à precisa reflexão sobre o instituto e, em especial, à interpretação dos preceitos constitucionais, tendo em vista a sua diversidade de significados.(18)

O termo é utilizado em sentido amplo, representando, de modo vulgar, toda atividade exercida pelo Estado,(19) seja atividade legislativa, seja jurisdicional etc., como se verifica nos artigos 34, VII, e, 35, III, e 198, todos da Constituição Federal. Por sua vez, em sentido restrito, denota a atividade econômica (em sentido amplo) atribuída ao Estado, como se verifica no artigo 175 da Constituição Federal.(20)

O serviço público não pode ser confundido com as demais atividades típicas exercidas pelos outros poderes da República, funções de Estado, exercidas pelo Legislativo – elaboração de leis e demais veículos normativos típicos – e pelo Judiciário – atividade jurisdicional. Trata-se do exercício de atividade típica do Poder Executivo, cuja função é promover o atendimento das necessidades fundamentais, imprescindível para a vida em sociedade.

Como já destacado, o serviço público é forma de atividade econômica em sentido amplo, disciplina da distribuição de bens escassos, cujo objetivo é suprir, por meio de atividade administrativa concreta, necessidades individuais ou coletivas vitais ao pleno desenvolvimento da pessoa humana.

4.2 Distinção entre atividade econômica em sentido estrito e serviço público: reflexão sobre a atividade administrativa e o serviço público

Seguindo o conceito apresentado, as peculiaridades que diferenciam serviço público de atividade econômica em sentido estrito podem ser resumidas em três: a) prestação de bens materiais ou imateriais vinculados à promoção de um direito fundamental; b) impossibilidade de promoção adequada por meio dos mecanismos de mercado, livre-iniciativa privada; c) execução por regime de direito público. É certo que as demais características da atividade econômica qualificada como serviço público serão abordadas en passant no desenvolvimento do presente tópico.

A prestação do serviço público tem como finalidade precípua implementar de modo direto e imediato os direitos fundamentais, manifestações que expressam a dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal).

Há vínculo direto e indissociável entre a atividade econômica qualificada como serviço público e a satisfação de uma necessidade humana relacionada a um direito fundamental de primeira – liberdade –, segunda – igualdade (direitos sociais) – ou terceira – solidariedade (transindividuais) – dimensão.

Marçal Justen Filho (2014, p. 729), ao dissertar sobre a vinculação entre a promoção de direitos fundamentais e a prestação de serviços públicos, averba:

“Todas as atividades estatais, mesmo as não administrativas, são um meio de promoção dos direitos fundamentais. Mas o serviço público é o desenvolvimento de atividades de fornecimento de utilidades necessárias, de modo direto e imediato, à satisfação dos direitos fundamentais. Isso significa que o serviço público é o meio de assegurar a existência digna do ser humano. É o serviço de atendimento a necessidades fundamentais e essenciais para a sobrevivência material e psicológica do indivíduo.”

A prestação de serviço público é atividade estatal que tem como escopo o fornecimento de bens materiais e imateriais necessários a assegurar condições mínimas de todos viverem dignamente. Trata-se da atividade pela qual se fornecem as utilidades necessárias para que todos possam desenvolver-se e viver em sociedade de forma digna.(21)

A segunda característica que marca a diferença entre a atividade qualificada como serviço público e aquela tipificada como econômica em sentido estrito diz respeito à impossibilidade de satisfação da necessidade por meio dos mecanismo do mercado.

Como já pontuado, nos termos do disposto no artigo 170 da Constituição Federal, a regra é a efetivação das necessidades pela iniciativa privada, devendo a livre-iniciativa, fundamento da ordem econômica, e a livre concorrência, princípio da ordem econômica, pautar a atuação do Estado na economia. Considerando a atividade administrativa de prestação de serviço público como forma de intervenção no domínio econômico,(22) sua efetivação somente poderá se dar quando os agentes econômicos privados, cuja atuação pauta-se pela liberdade de iniciativa e de concorrência, forem falhos em promover a implementação dos direitos fundamentais a que estão obrigados.

A derrogação dos baldrames da ordem econômica a justificar a qualificação de determinada atividade como serviço público somente é admissível, na Constituição de 1988, quando imprescindível para a promoção dos direitos fundamentais.

Considerando que a iniciativa privada pode evoluir e passar a prover de modo satisfatório a necessidade vital de todos os integrantes de uma sociedade, é possível que dada atividade, qualificada como serviço público em determinada sociedade ou em determinado período histórico, deixe de ser assim classificada (cf. JUSTEN FILHO, 2014, p. 730). Arremata Marçal Justen Filho (2012, p. 730) estabelecendo que “o elenco de serviços públicos em uma sociedade economicamente desenvolvida tende a ser muito mais reduzido do que o que se passa em países com sistema econômico deficiente”.

É necessário advertir que o progresso econômico, por si só, não representa desenvolvimento de uma sociedade, porquanto é necessário promover a reversão das externalidades positivas auferidas com o progresso econômico em benefício de todos, de forma a assegurar a promoção dos direitos fundamentais e, assim, a efetiva concretização da dignidade da pessoa humana.(23)

Terceiro, o regime jurídico aplicável à prestação de serviço público é o regime de privilégio, regime jurídico de direito público, em que é assegurada a exclusividade da atuação estatal para a promoção do serviço público, com vantagens que não são conferidas aos particulares.

O regime de direito público, como as garantias que lhe são inerentes, é meio necessário à consecução da finalidade do serviço público, que se caracteriza pela promoção dos direitos fundamentais (JUSTEN FILHO, 2014, p. 730-731).

Neste ponto, é necessário rememorar que assegurar benefícios a determinado agente econômico gera desequilíbrio no mercado que influenciará a liberdade de concorrência e poderá prejudicar a livre-iniciativa. Entretanto, quando se pondera sobre a prestação de serviço público, não há desigualdade prejudicial, porquanto o fornecimento do bem ou serviço dar-se-á de modo exclusivo ou por agente ao qual foi delegado o seu fornecimento. Assim, pode-se concluir, ao analisar-se a prestação de serviço público, que a concorrência não é elemento necessário para a manutenção do sistema.

Atribuir o regime de direito público a dada atividade não a qualifica, por si só, como serviço público. O que a caracteriza como tal é ser a atividade voltada a satisfazer direitos fundamentais, que são manifestações decorrentes do princípio – fundamento – da dignidade da pessoa humana.

Atribuir o regime público à prestação de determinado serviço não impõe que este seja prestado diretamente pelo Estado. Ao Estado é atribuída a titularidade do serviço, sendo facultado a ele atribuir a particular, por meio de concessão ou permissão, a sua execução (cf. JUSTEN FILHO, p. 738-739).

O Estado, na prestação de serviço público, efetiva uma função administrativa típica, cujo escopo é atender o interesse social, implementar os direitos fundamentais sociais, visando promover o desenvolvimento e a interdependência social de todos, de modo a assegurar a plena liberdade. Nesse sentido é a ponderação de Eros Roberto Grau (2012, p. 126):

“Serviço público, diremos, é atividade indispensável à consecução da coesão social. Mais: o que determina a caracterização de determinada parcela da atividade econômica em sentido amplo como serviço público é a sua vinculação ao interesse social.
Daí por que diremos que, ao exercer atividade econômica em sentido amplo em função de imperativo da segurança nacional ou para atender a relevante interesse coletivo, o Estado desenvolve atividade econômica em sentido estrito; de outra banda, ao exercê-la para prestar acatamento ao interesse social, o Estado desenvolve serviço público.”

Para o professor Eros Roberto Grau (2012, p. 124), partindo da divisão capital (atividade econômica) e trabalho (serviço público), o estabelecimento de uma atividade econômica como serviço público pressupõe a fixação, pela Constituição, da preservação do interesse do trabalho:

“Daí a verificação de que a mera atribuição de determinada competência à prestação de serviços ao Estado não é suficiente para definir essa prestação como serviço público. Cumpre verificar, sempre, quando isso ocorra, se a atribuição constitucional do exercício de determinada competência ao Estado atende a imposição dos interesses do trabalho, no seu confronto com os interesses do capital, ou se, pelo contrário, outras razões determinaram a atribuição desse exercício ao Estado.”

Para o eminente professor, o interesse social que justifica atribuir a determinada atividade econômica em sentido amplo a qualificação de serviço público é aquele que visa assegurar os interesses do trabalho, cuja aspiração é garantir que o Estado desenvolva atividade visando à promoção do desenvolvimento digno de todos. Portanto, “Serviço público, diremos, é atividade indispensável à consecução da coesão social. Mais: o que determina a caracterização de determinada parcela da atividade econômica em sentido amplo como serviço público é a sua vinculação ao interesse social” (GRAU, 2012, p. 126).

É importante pontuar que a prestação de atividade econômica visando ao atendimento de interesse coletivo, ligado à satisfação de direitos fundamentais, qualifica-a como prestação de serviço público. Por outro lado, a prestação de atividade econômica em sentido amplo em razão de imperativo de segurança nacional ou interesse coletivo justifica a prestação da atividade econômica em sentido estrito pelo Estado (cf. GRAU, 2012, p. 129).

O professor Eros Roberto Grau (2012, p. 129-130) critica a possibilidade da fixação do conceito essencial de serviço público, estabelecendo que, sedimentado em um paradigma filosófico da consciência, não é possível o estabelecimento da essência de um determinado instituto, restando a fixação de noções que fundamentam a construção de um conceito.

O conceito de serviço público, na visão de Eros Roberto Grau (2012, p. 131), tem que ser construído a partir das ideias de coesão e de interdependência sociais:

“Dela nos aproximamos. Inicialmente diremos que assume o caráter de serviço público qualquer atividade cuja consecução se torne indispensável à realização e ao desenvolvimento da coesão e da interdependência social (Duguit) – ou, em outros termos, qualquer atividade que consubstancie serviço existencial relativamente à sociedade (Cirne Lima). [...]
Pois bem: a identificação dos casos nos quais a realização e o desenvolvimento da coesão e da interdependência social reclamam a prestação de determinada atividade pelo Estado (= casos nos quais essa atividade assume caráter existencial em relação à sociedade) é conformada pela Constituição.
Esta, como observei linhas acima, além de permitir a identificação de novas áreas de serviços públicos, indica decisivamente a intensidade a ser adotada na prestação das atividades que o caracterizam.
Note-se bem que essa função, de conformação da própria noção de serviço público, é cumprida pela Constituição como um todo. Desejo dizer, com isso, que o seu intérprete não se deve deter exclusivamente na análise das diretrizes, dos programas e dos fins que ela enuncia, a serem realizados pelo Estado e pela sociedade; mas, ao contrário, interpretá-la no seu todo. Repito, também aqui, afirmação que reiteradamente venho fazendo: não se deve interpretar a Constituição em tiras, aos pedaços.”

Arremata o autor (2012, p. 131-132) apresentando a noção de serviço público, ressaltando a variante história e o escopo da atividade administrativa, cuja finalidade é o desenvolvimento da coesão e da interdependência sociais:

“Serviço público, assim, na noção que dele podermos enunciar, é a atividade explícita ou supostamente definida pela Constituição como indispensável, em determinado momento histórico, à realização e ao desenvolvimento da coesão e da interdependência social (Duguit) – ou, em outros termos, atividade explícita ou supostamente definida pela Constituição como serviço existencial relativamente à sociedade em um determinado momento histórico (Cirne Lima).”

Os conceitos/noções de serviço público apresentados pelos eminentes doutrinadores se aproximam, de forma que o viés histórico e o escopo social da atividade econômica em sentido amplo prestada pelo Estado, representado na implementação dos direitos fundamentais, são eixos de sustentação da concepção de serviço público.

4.3 A delimitação constitucional dos serviços públicos: a posição do Estado como provedor dos direitos fundamentais

Algumas hipóteses de serviços públicos estão fixadas expressamente na Constituição Federal, quando da atribuição de competências à União, como se verifica no artigo 21, incisos X,(24) XI e XII. Entretanto, é necessário, para o reconhecimento de sua qualidade, que a referida atividade vise “à satisfação imediata de direitos fundamentais, quando os mecanismos de direito privado inerentes ao regime de mercado não forem suficientes para assegurar os resultados adequados” (JUSTEN FILHO, 2014, p. 737).

A delimitação constitucional de uma atividade como de titularidade do Estado demonstra que esta tem como escopo a promoção de direito fundamental e que, portanto, é essencial e obrigatória a sua efetivação pelo Estado. Entretanto, não se impõe ao Estado a promoção do serviço quando possível a coexistência da prestação do serviço público com o fornecimento por meio de atuação do mercado, bem assim quando o fornecimento pelos mecanismos de mercado é eficaz para a satisfação dos direitos fundamentais (JUSTEN FIHLO, 2014, p. 738).

A Constituição Federal fixa hipóteses obrigatórias de promoção de serviço público e estabelece aquelas atividades cuja atribuição é tipicamente privada,(25) facultando-se à lei – atendidos os preceitos da ordem econômica (Título VII da Constituição Federal), em especial os princípios disciplinados no artigo 170 da Constituição Federal, bem como os fundamentos e objetivos da República Federativa do Brasil (arts. 1º e 3º da Constituição Federal) e os demais preceitos constitucionais pertinentes – estabelecer as demais atividades qualificadas como serviços públicos, cujo escopo será a promoção direta e imediata de direitos fundamentais que não podem ser providos de modo eficaz pelos mecanismos de mercado.

Como pondera Eros Roberto Grau (2012, p. 127),

“A Constituição do Brasil de 1988 projeta um Estado desenvolto e forte, o quão necessário seja para que os fundamentos afirmados no seu art. 1º e os objetivos definidos no seu art. 3º venham a ser plenamente realizados, garantindo-se tenha por fim a ordem econômica assegurar a todos existência digna.
Daí por que a promoção da coesão social pelo Estado assume enorme relevância no Brasil, a ele incumbindo a responsabilidade pela provisão à sociedade, como serviço público, de todas as parcelas da atividade econômica em sentido amplo que sejam tidas como indispensáveis à realização e ao desenvolvimento da coesão e da interdependência sociais.”

A atividade econômica não é qualificada como serviço público por opção do legislador. Desse modo, pondera Eros Roberto Grau (2012, p. 132), a atividade “fica sujeita a um determinado regime jurídico porque é serviço público, e não o inverso, relembre-se – a violação da norma constitucional resultaria, na hipótese, flagrante”.

4.4 A implementação dos direitos fundamentais como escopo e fundamento da República Federativa do Brasil

Qualificar uma atividade como serviço público ou atividade econômica em sentido estrito é uma decisão que reflete a opção constitucional do Estado pelo modo de produção, bem como a sua opção política, que pode se manifestar pela liberdade irrestrita ou pela intervenção visando à promoção dos direitos fundamentais. Nesse sentido (JUSTEN FILHO, 2014, p. 733),

“Discutir serviço público conduz a enfrentar questões políticas e jurídicas essenciais. Trata-se de definir a função do Estado, seus limites de atuação e o âmbito reservado à livre iniciativa dos particulares. Essa é uma questão histórica, e cada Estado desenvolve um modelo peculiar. O elenco de serviços públicos reflete determinada concepção política. A Constituição de cada país identifica a disciplina adotada para o serviço público e a atividade econômica.”

A República Federativa do Brasil, cujos fundamentos são delineados no artigo 1º da Constituição Federal e cujos objetivos são traçados no seu artigo 3º, estabelece como finalidade para o Estado a implementação dos direitos fundamentais, representações do fundamento da dignidade da pessoa humana (inciso III do artigo 1º da Constituição Federal).

Não há como tergiversar sobre a opção política assumida pelo Estado brasileiro em implementar os direitos fundamentais buscando o pleno desenvolvimento das capacidades de todos a fim de assegurar-lhes vida digna. O fornecimento de serviços públicos é o mecanismo para assegurar a todos, de forma igualitária, as condições mínimas necessárias à existência digna, de modo a evitar a exploração do homem pelo capital.

A opção política adotada pela República Federativa do Brasil na Constituição de 1988 tem reflexos significativos na posição do Estado como agente interventor na atividade econômica em sentido amplo, pois o estabelecimento de extenso rol de direitos fundamentais impõe a ação do Estado visando à sua efetiva implementação quando os mecanismos de mercado forem insuficientes para prover essas necessidades.

O estabelecimento de um Estado Democrático de Direito, com aspiração à constituição de uma sociedade cujo escopo é assegurar o bem-estar social, destinado a garantir o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna,(26) impõe ao mecanismo estatal promover a satisfação direta e imediata das necessidades essenciais ao pleno desenvolvimento de todos.

A extinção da prestação de serviço público pelo Estado é inadmissível em nosso ordenamento constitucional,(27) considerando que a atividade visa à promoção de direitos fundamentais assegurados a todos, os quais são essenciais a uma existência digna. Portanto, enquanto os mecanismos de mercado não estiverem adequadamente aparelhados para promover a satisfação das necessidades fundamentais, a intervenção estatal, na modalidade de prestação de serviços públicos, será necessária.

Como disserta Marçal Justen Filho (2012, p. 754),

“O serviço público somente desaparecerá se e quando houver viabilidade de satisfação dos direitos fundamentais mediante atuação privativa da iniciativa privada, sem a intervenção estatal – alternativa que não se afigura plausível, pois conduz ao desaparecimento da justificativa da existência do próprio Estado. Deve-se reconhecer que a atuação não se reduz à prestação dos serviços públicos e que o exercício da competência regulatória é um instrumento para impor aos particulares a promoção dos direitos fundamentais. Mas há limites para substituição do serviço público pela regulação. Isso fica evidente no âmbito de setores como saúde e educação, nos quais a atuação direta do Estado é uma garantia da manutenção da democracia.”

No atual estágio de desenvolvimento da sociedade brasileira, em que a violação a direitos fundamentais é verificada diuturnamente, sejam direitos fundamentais relacionados à liberdade – primeira dimensão –, sejam à igualdade (sociais) – segunda dimensão –, é inadmissível pensar em supressão dos serviços públicos e construção de Estado de intervenção mínima.

Conclusão

A reflexão sobre a forma e os limites da atuação do Estado na economia é imprescindível para ponderar sobre a legalidade da ação estatal em área atípica (privada), bem como fundamental para a análise do regime jurídico aplicável à atividade, dependendo da qualificação desta como serviço público ou atividade econômica desempenhada pelo Estado.

A atividade econômica em sentido estrito e o serviço público são espécies do gênero atividade econômica, cuja função é a disciplina da distribuição de bens escassos necessários para suprir necessidades.

A distinção entre as espécies dar-se-á pela natureza do interesse a ser satisfeito. Portanto, se ligado a interesse público relacionado a direito fundamental, haverá atuação estatal por meio de serviço público. Por sua vez, se o interesse não estiver relacionado a direito fundamental, a ação estatal para sua promoção será efetivada por meio do exercício de atividade econômica em sentido estrito pelo Estado, respeitados os requisitos necessários (imperativo de segurança nacional e relevante interesse coletivo) para a ação do Estado como empresário.

A promoção de direitos fundamentais é função essencial da República Federativa do Brasil e tem por finalidade concretizar os seus objetivos (art. 3º da Constituição Federal) e os seus fundamentos (artigo 1º da Constituição Federal), de modo que os direitos fundamentais de primeira (liberdade), segunda (igualdade) e terceira (transindividuais) dimensões devem ser assegurados a todos indistintamente, de forma a promover o pleno desenvolvimento de todos, visando à concretização do fundamento da dignidade da pessoa humana.

Referências bibliográficas

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TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional Econômico. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011.

Notas

1. A intervenção direta na ordem econômica é o desenvolvimento, por meio de uma entidade administrativa, de atividades de natureza econômica, em competição com os particulares ou mediante atuação exclusiva. A intervenção direta na ordem econômica comporta duas vertentes fundamentais: pode configurar serviço público ou atividade econômica propriamente dita (JUSTEN FILHO, 2014, p. 687-688).

2. JUSTEN FILHO, Marçal. Teoria geral das concessões de serviços públicos. São Paulo: Dialética, 2003.

3. No que tange ao art. 174, no entanto, a expressão atividade econômica é utilizada em outro sentido. Alude o preceito a atividade econômica em sentido amplo, respeitada a globalidade da atuação estatal como agente normativo e regulador (GRAU, 2012, p. 105).

4. “Atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, no § 1º do art. 173 da Constituição, significa atividade econômica em sentido estrito, razão pela qual pouco mudou em relação aos regimes jurídicos aplicáveis às empresas públicas e às sociedades de economia mista que exploram atividade econômica em sentido estrito” (GRAU, 2012, p. 103).

5. “O serviço público surge como instrumento para promover a satisfação de necessidades relacionadas direta e imediatamente com os direitos fundamentais quando o funcionamento normal e espontâneo da livre-iniciativa for incapaz de prover essa solução” (JUSTEN FILHO, 2012, p. 690).

6. O fenômeno econômico, manifestação da ciência econômica, tem como escopo fundamental disciplinar a escassez, de modo que “a atividade econômica é, pois, aquela aplicada na escolha de recursos para o atendimento das necessidades humanas. Em uma palavra: é a administração da escassez” (NUSDEO, 2014, p. 30).

7. Dalmo de Abreu Dallari (2014, p. 34), ao dissertar sobre os valores perseguidos pela sociedade, ressalta que “nessa ideia de integral desenvolvimento da personalidade está compreendido tudo, inclusive valores materiais e espirituais, que cada homem julgue necessário à expansão de sua personalidade”.

8. O professor Eros Roberto Grau (2012, p. 304) estabelece: “Os princípios, na sua integração, registram as marcas da ideologia constitucionalmente adotada. À luz por eles projetada, na sua globalidade, parte daquelas questões é prontamente dilucidada: a ordem econômica na Constituição de 1988 define opção por um sistema econômico, o sistema capitalista”.

9. Com muita precisão, estabelece o professor Thiago Lopes Matsushita (2006, p. 140) que “a opção brasileira de capitalismo é de uma exploração da atividade econômica, visando garantir a todos a justiça social, conforme se vê na Constituição Federal”.

10. Assevera André Ramos Tavares (2012, p. 278), ao dissertar sobre a subsidiariedade da atividade econômica pelo Estado: “Encontra-se na redação do art. 173 sua consagração, na medida em que a exploração de atividade econômica pelo Estado é consagrada uma exceção à regra geral. A Constituição apregoa que ao Estado resta um papel restrito, subsidiário, no contexto econômico do país, mas nem por isso de menor relevância econômica dos particulares (Dimoulis, 2006: 141). É a consequência direta da assunção do princípio da subsidiariedade”.

11. Nesse sentido, vislumbra-se essencial à manutenção do modelo de mercado livre a intervenção estatal necessária à repressão dos abusos do poder econômico decorrentes de anômala concentração de poder econômico prejudicial à própria liberdade, porquanto “quando se procura evitar que o poder econômico abuse de sua condição, está sendo considerada a liberdade de iniciativa daqueles que estão alijados de um determinado mercado, ou que, mesmo nele inseridos, sofrem com a ilicitude derivada da atuação de outros” (PETTER, 2008, p. 183).

12. Conforme estabelece o professor Eros Roberto Grau, a Constituição de 1988 fez a opção por uma ordem econômica capitalista que não se coaduna com a economia liberal e o princípio da autorregulamentação econômica, porquanto constitui uma ordem econômica intervencionista, como se depreende da análise do artigo 170 da Constituição (cf. GRAU, 2012, p. 305).

13. Monopólio natural é uma situação econômica em que a duplicação de operadores é incapaz de gerar a redução do custo da utilidade. O monopólio natural envolve, geralmente, as hipóteses de custos fixos (atinentes à infraestrutura necessária à produção da utilidade) muito elevados. A duplicação das infraestruturas conduziria a preços unitários mais elevados do que a exploração por um único agente econômico. Ou seja, quanto maior o número de usuários do sistema, menor o custo para fornecer outras prestações (JUSTEN FILHO, 2014, p. 747).

14. A intervenção por absorção dá-se quando o Estado assume o controle dos meios de produção de determinada atividade econômica em sentido estrito, atuando em regime de monopólio (cf. GRAU, 2012, p. 143).

15. Item 3.3.

16. “É possível assentar que, no sistema constitucional vigente em nosso país, não há um conceito jurídico de serviço público. Entre enumerar as atividades que constituem serviço público e conceituá-lo genericamente, a sistemática constitucional vigente preferiu a primeira hipótese. A partir dessa constatação inicial, sou levado a discordar de teorias que pretendam conceituar de forma essencialista o serviço público no atual ordenamento constitucional brasileiro” (AGUILLAR, 2014, p. 340).

17. “O que importa considerar é a possibilidade de encontrarmos, no bojo da Constituição brasileira, parâmetros conformadores da área, no interior do espaço das atividades econômicas em sentido amplo, definida como própria dos serviços públicos” (GRAU, 2012, p. 128).

18. “Em um sentido amplo, a expressão continua sendo largamente utilizada, inclusive na Constituição, onde em poucas ocasiões ela aparece, causando uma certa dificuldade interpretativa. Em seu sentido estrito, a expressão encontra seu maior fundamento no art. 175 da Constituição Federal de 1988, que lhe dá as feições mínimas e que não podem ser confundidas com o outro sentido da expressão” (AGUILLAR, 2014, p. 331).

19. Maria Sylvia Zanella Di Pietro, ao dissertar sobre serviços público em sentido amplo, pontua: “Leon Duguit, por exemplo, acompanhado de perto por Roger Bonnard, considerava o serviço público atividade ou organização, em sentido amplo, abrangendo todas as funções do Estado; ele chegou a pretender substituir a noção de soberania pela de serviço público, dizendo que o Estado é uma cooperação de serviços públicos organizados e fiscalizados pelos governantes. Para ele, em torno da noção de serviço público gravita todo o direito público” (DI PIETRO, 2010, p. 98).

20. “Restritos são os conceitos que confinam o serviço público entre as atividades exercidas pela Administração Pública, com exclusão das funções legislativa e jurisdicional; e, além disso, o consideram como uma das atividades administrativas, perfeitamente distinta do poder de polícia do Estado” (DI PIETRO, 2010, p. 99).

21. “O que se pretende sustentar, de modo mais enfático, é que a dignidade da pessoa humana, na condição de valor (e princípio normativo) fundamental, exige e pressupõe o reconhecimento e a proteção dos direitos fundamentais de todas as dimensões (ou gerações, se assim preferimos), muito embora se repise – nem todos os direitos fundamentais (pelos menos não no que diz com os direitos expressamente positivados na Constituição Federal de 1988) têm um fundamento na dignidade humana. Assim, sem que se reconheçam à pessoa humana os direitos fundamentais que lhe são inerentes, em verdade estar-se-á negando-lhe a própria dignidade, o que nos remete à controvérsia em torno da afirmação de que ter dignidade equivale apenas a ter direitos (e/ou ser sujeito de direitos), pois mesmo em se admitindo que onde houver direitos fundamentais há dignidade, a relação primária entre dignidade e direitos, pelo menos de acordo com o que sustenta parte da doutrina, consiste no fato de que as pessoas são titulares de direitos humanos na função de sua inerente dignidade” (SARLET, 2010, p. 97).

22. “A prestação do serviço público pressupõe a utilização de recursos limitados para a satisfação de necessidades entre si excludentes. Isso envolve a utilização de recursos econômicos escassos, produzindo uma escolha de sua alocação entre diversas alternativas possíveis e visando a obter o resultado mais eficiente e satisfatório possível. Logo, o serviço público corresponde a uma atividade econômica em acepção ampla. No entanto, o serviço público é uma atividade econômica (em sentido amplo) atribuída juridicamente à titularidade do Estado. Logo, configuram-se como uma intervenção direta do Estado no domínio econômico. Sempre que uma certa atividade é qualificada como serviço público, existe uma intervenção estatal na ordem econômica” (JUSTEN FILHO, 2014, p. 733).

23. Segundo Ricardo Sayeg e Wagner Balera (2011, p. 177), “desenvolvidos são os países em que todo o povo está inserido na evolução política, econômica, social e cultural, conquistando acesso a níveis de vida que atendam, pelo menos, ao mínimo vital, e em que haja respeito à humanidade e ao planeta”.

24. Destaco que o Supremo Tribunal Federal, analisando a ADPF 46, definiu a atividade de serviço postal como serviço público.

25. “Excluídos dois campos – aquilo que é obrigatoriamente serviço público e aquilo que não pode ser serviço público –, existe a possibilidade de o legislador infraconstitucional determinar outras atividades como tais, respeitados os princípios constitucionais” (JUSTEN FILHO, 2014, p. 738).

26. Preâmbulo da Constituição de 1988: “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL”.

27. A reflexão apresentada por Clèmerson Merlin Clève e Melina Breckenfel Reck (2009, p. 2) ao analisarem a reforma do Estado brasileiro e a opção pela intervenção estatal indireta merece destaque: “Entretanto, tais assertivas não elidem nem mitigam o papel necessário e indispensável do Estado como instrumento de efetivação dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, bem como tal redefinição ensejou mera redução da intervenção direta do Estado no domínio econômico, mas não seu desaparecimento”.



Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023:2002/ABNT):
. . Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n., ago. 2015. Disponível em:
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Acesso em: .


REVISTA DE DOUTRINA DA 4ª REGIÃO
PUBLICAÇÃO DA ESCOLA DA MAGISTRATURA DO TRF DA 4ª REGIÃO - EMAGIS