A motivação das decisões administrativas

Autor: Rafael Martins Costa Moreira

Juiz Federal, Mestrando em Direito pela PUCRS

publicado em 28.08.2015



Resumo

Este artigo trata, em suma, da importância da motivação das decisões administrativas no Direito Administrativo contemporâneo. No capítulo 1, são trazidos breves estudos sobre a teoria da tomada de decisão em geral, transposta para as decisões administrativas, e as novas tendências do Direito Administrativo, sobretudo a exigência de motivação fática e jurídica. No capítulo 2, o tema da motivação é aprofundado, sendo analisadas as principais razões pelas quais deve ser reputada obrigatória a exposição da fundamentação para as escolhas dos agentes públicos, bem assim os requisitos da motivação válida. Por fim, são feitas algumas considerações sobre o controle da Administração Pública e a motivação: o conceito e as espécies de controle, a importância da motivação das decisões administrativas para viabilizar sua fiscalização, notadamente o controle judicial.

Palavras-chave: Direito Administrativo. Novas tendências. Motivação das decisões administrativas. Controle dos atos administrativos.
        
Sumário: Introdução. 1 As decisões administrativas. 1.1 Teoria da decisão administrativa. 1.2 Novas tendências das decisões administrativas. 2 A motivação das decisões administrativas. 2.1 Fundamentos do dever de motivação dos agentes administrativas. 2.2 Requisitos da motivação válida. 2.3 Controle da motivação das decisões administrativas. Conclusão. Referências bibliográficas. 

Introdução

Todo ato, contrato ou procedimento administrativo pressupõe uma tomada de decisão de um agente público, que, mediante análise da situação fática e das normas que a regem, sopesa os custos e benefícios para, enfim, determinar-se pela prática de um ato ou por uma abstenção. Assim, subjaz sempre à decisão administrativa uma motivação, fática e jurídica, que impele os servidores públicos a fazerem suas escolhas. As opções dos agentes do Estado, porém, são limitadas pela lei e devem ser iluminadas pela busca do interesse público, consubstanciado na promoção dos direitos fundamentais. Trata-se, portanto, de uma vontade funcional, externa ao sujeito, que exige uma conformidade de sua escolha com o sistema jurídico em sua totalidade. Todavia, a ausência de demonstração das razões que fundamentam a opção do agente público poderá ensejar exatamente o oposto, ou seja, decisões estatais desvinculadas da lei, desviadas do interesse público e incompatíveis com os princípios constitucionais e os direitos fundamentais. A imposição de motivação dos comportamentos dos servidores públicos como regra, portanto, erige-se como fator indispensável para inibir abusos ou omissões inconstitucionais. A motivação, enfim, passa a ser considerada característica destacada do novo Direito Administrativo e de uma visão contemporânea do Estado de Direito, de modo a permitir um controle mais efetivo da legitimidade das decisões administrativas.  

1 As decisões administrativas

1.1 Teoria da decisão administrativa


A Administração Pública, no desempenho regular de suas competências, pratica atos, formaliza contratos e conduz procedimentos administrativos.(1) Em todos os casos em que existe uma vontade humana a impulsionar o agir ou não agir estatal tem-se uma decisão administrativa anterior ou concomitante,(2) que sopesa os custos e benefícios, diretos e indiretos, de cada opção, para então materializar-se na prática de uma ação ou abstenção.

Para se alcançar o processo de decisão administrativa, tomada por um ou mais agentes públicos que, ao final, decide pela prática de um ato, ou por vários atos sequenciais de um procedimento, ou pela celebração de um contrato, é mister considerar, como faz Cristiano Carvalho, duas premissas fundamentais: a) que o processo de decisão pressupõe um indivíduo que escolhe; e b) que escolhas acarretam consequências.(3)

A teoria da decisão pode ser entendida como o “campo de estudo, baseado na racionalidade, que visa obter os melhores resultados por meio de um processo organizado e metódico”.(4) Para os utilitaristas, o homem é tratado como um ser racional e orienta suas condutas de forma a adequar os meios aos resultados.(5) Portanto, a partir da teoria da escolha racional, o sujeito é tratado como agente econômico e representado pelo homo economicus “autocentrado, egoísta, otimizador de sua utilidade e capaz de fazer as melhores escolhas possíveis, a partir das informações de que dispõe”.(6)

Percebeu-se, no entanto, sobretudo após os estudos da psicologia econômica,(7) que essa descrição racionalista, utilitarista e quase matemática da pessoa que toma decisões nos mais diversos campos nem sempre corresponde à realidade, uma vez que as preferências reveladas não necessariamente configuram o fator determinante de suas condutas, e os indivíduos podem ser influenciados por outras circunstâncias, diversas da maximização do seu bem-estar, ou ainda podem estar sujeitos a desvios cognitivos.(8) Ademais, as condutas humanas não são praticadas em um mundo ideal, mas sim em um contexto de riscos e incertezas, uma vez que raramente se conhecem todas as variáveis envolvidas em um processo de tomada de decisão.(9)

As mesmas considerações podem ser transpostas para a decisão administrativa. Ao efetuar uma escolha, o agente público procura maximizar determinada finalidade, que, contudo, não representa sua vontade individual, mas sim uma vontade funcional,(10) objetivada e coincidente com o sistema jurídico em sua totalidade. É o interesse público que deve animar a atuação do administrador, que não se confunde com interesse do Estado, do aparato administrativo, do agente público, da sociedade, da totalidade ou da maioria dos sujeitos privados.(11) O núcleo do Direito Administrativo reside na promoção dos direitos fundamentais indisponíveis,(12) de modo que o interesse público representa a vontade geral legítima (o ‘bem de todos’, no dizer do art. 3º da CF),(13) “resultado de um longo processo de produção e aplicação do direito”.(14)

O servidor público, assim, deve perseguir o interesse público ou a promoção dos direitos fundamentais no caso concreto, à luz de uma interpretação tópico-sistemática, resultado da adequada hierarquização entre as regras e os princípios constitucionais,(15) que não se atém exclusivamente a métodos dedutivos e positivistas, tampouco, por outro lado, aceita soluções arbitrárias e subjetivistas.(16) A decisão administrativa tem de se alinhar à lei e aos princípios, sobretudo aos direitos fundamentais e às normas constitucionais.

Nesse passo, é possível considerar a decisão administrativa como a escolha efetuada por um ou mais indivíduos no desempenho da função pública, anterior ou concomitante e destinada a materializar-se em um ato, em um contrato ou em um procedimento administrativo, com a finalidade de satisfazer o interesse público e promover os direitosfundamentais, reconhecidos pelo sistema jurídico em sua totalidade e concretizados mediante interpretação tópico-sistemática das regras e princípios constitucionais.

Entretanto, a decisão administrativa não provém de um ente abstrato e isolado. Tal como sucede na teoria da decisão em geral, o comportamento do agente público é igualmente influenciado por outros fatores que podem afastá-lo desse modelo ideal, como a existência de preferências não reveladas e desejos apartados do interesse público, armadilhas psicológicas, riscos, incertezas e informações distorcidas ou incompletas sobre a situação concreta. O Direito Administrativo, ao reconhecer essas limitações que envolvem uma decisão humana, deve acolher novas diretrizes para viabilizar maior racionalidade nas decisões do Poder Público e acentuar a sintonia com o interesse público constitucionalizado e o sistema jurídico como um todo.

1.2 Novas tendências das decisões administrativas

É mister analisar a decisão administrativa consentânea com a vigente Constituição Federal e adequada ao “estado da arte” do Direito Público. O novo Direito Administrativo, assim, apresenta, resumidamente, as seguintes características principais:

a) sem descartar a imprescindibilidade de medidas repressivas para impedir e para punir infrações à lei em muitos casos, sobretudo no exercício do poder de polícia, as fórmulas consensuais ganham força e espaço,(17) seja para definir previamente a atuação administrativa,(18) seja para resolver conflitos extrajudicialmente ou mesmo em juízo;(19)

b) urge reforçar a ideia de conferir à sociedade maior responsabilidade pelo seu próprio destino, para reconduzir o papel do Estado a regulador e a prestador de serviços essenciais, mediante correção das falhas de mercado e da promoção dos direitos fundamentais;(20)

c) verifica-se uma redução do espaço de discricionariedade, para reconhecer em todo o comportamento estatal a vinculação aos direitos fundamentais e princípios constitucionais;(21)

d) da necessária obediência da Administração Pública ao sistema jurídico em sua totalidade dessume-se a existência de “atividades ou proibições administrativas que se impõem, independentemente de previsão legal, por força direta da Constituição”;(22)

e) maior prestígio à segurança jurídica e menor precariedade nas relações administrativas, a fim de se viabilizar investimentos de amortização de longo prazo;(23)

f) incremento da participação da sociedade na definição da forma e do conteúdo das decisões administrativas, em reforço a uma democracia substancial, não apenas formal;(24)

g) cumpre assentar que o Poder Público não está apenas vinculado à lei, mas ao Direito como um todo, já que a legalidade é um princípio entre outros de igual hierarquia, e o Direito Administrativo é uma totalidade aberta, maior que o conjunto de regras legais;(25)

h) imposição de economicidade, eficiência e eficácia às decisões administrativas, de modo a permitir um controle dos resultados e das metas previamente traçadas,(26) bem como o escrutínio dos custos e benefícios, diretos e indiretos, do comportamento dos agentes público;(27)

i) por fim, aquilo que mais interessa a este estudo, passa-se a exigir motivação consistente e clara das decisões administrativas, justamente para possibilitar uma atuação estatal em sintonia com o sistema jurídico vigente e com as grandes linhas do Direito Administrativo contemporâneo, conforme será analisado com maior profundidade. Na lição de Juarez Freitas,

“para reduzir os riscos de subjetivismo arbitrário e da invasão conspurcatória de atribuições, tende-se a cobrar que o Poder Judiciário e os demais controladores emprestem intensa atenção axiológica (mais que formal) ao dever de motivação congruente, explícita e clara”.(28)

Estas e outras diretrizes do novo Direito Público tendem a realinhar a conduta estatal à lei, à Constituição Federal, aos princípios e aos direitos fundamentais, e, principalmente, fornecem instrumental para submeter as decisões administrativas a um teste de realidade. Uma vez admitidas as limitações, os riscos, as incertezas e os vieses a que estão sujeitos aqueles indivíduos que tomam as decisões em nome do Poder Público, pode-se adotar providências para mitigar a influência desses fatores e aproximar o “ser” do “dever-ser”.

2 A motivação das decisões administrativas

2.1 Fundamentos do dever de motivação fática e jurídica

É imperativa a exposição, de forma consistente e clara, dos fundamentos de fato e de direito em todas as decisões administrativas que repercutem na esfera dos direitos individuais e coletivos, salvo atos de mero expediente, os autodecifráveis por sua singeleza e as exceções constitucionalmente previstas.(29)

Convém diferenciar, inicialmente, como fez Celso Antônio Bandeira de Mello, a motivação dos motivos do ato administrativo. Aquela representa a “exteriorização das razões que justificam o ato”. Já os motivos “podem até ter existido e, em despeito disso, a Administração haver-se omitido em decliná-los, no momento da expedição do ato”. Outrossim, “podem não ter existido os motivos – ou não serem aqueles aptos a supedanear o ato – e a Administração, equivocadamente ou agindo à falsa-fé, haver motivado o ato, reportando-se a eles, tal como se estivessem existido ou como se fossem idôneos para apoiá-los”.(30)

As principais razões para se exigir a motivação, como regra, das decisões administrativas, são as seguintes:

a) vivifica uma atuação intersubjetiva e dialógica da Administração Pública e possibilita, com isso, o incremento na participação dos cidadãos na definição da forma e do conteúdo das decisões administrativas.(31)

O agente público, porque age em nome da coletividade, tem de buscar a adesão dos administrados por meio da retórica e da persuasão. Em um regime democrático, as condutas administrativas não devem se impor em razão de dogmas ou verdades absolutas, ao invés, é mister que sua legitimidade seja alcançada mediante aceitação dos envolvidos, pois, como asseverou Luis Manuel Fonseca Pires, a “preocupação da retórica não é a verdade, mas a adesão do auditório ao qual o orador se dirige”.(32) Na lição perspicaz de Hans-Georg Gadamer, “a autoridade das pessoas não tem seu fundamento último em um ato de submissão e de abdicação da razão, mas em um ato de reconhecimento e conhecimento: reconhece-se que o outro está acima de nós em juízo e visão e que, por consequência, seu juízo precede, ou tem primazia em relação ao nosso próprio juízo”.(33)

b) ao exteriorizar os motivos que ensejaram determinada prática ou omissão administrativa, o Poder Público confere transparência às suas atitudes.(34) (35) Por outro lado, as decisões estatais despidas de fundamentação adequada reforçam o segredo que lamentavelmente ainda impera em muitas relações administrativas e contribui para ocultar as verdadeiras razões de determinadas condutas governamentais. A opacidade tradicional da Administração Pública, pois, oportuniza o cometimento de ilícitos e o tratamento discriminatório, possibilita perseguições e favorecimentos indevidos, facilita o arbítrio e dificulta a fiscalização dos atos administrativos em geral. A exteriorização dos motivos das decisões administrativas, dessa feita, é indispensável para que os cidadãos possam visualizar a gestão dos serviços, dos bens e dos recursos públicos, pois, como afirmou o Min. Carlos Ayres Britto: “Se, por um lado, há um necessário modo republicano de administrar o Estado brasileiro, de outra parte é a cidadania mesma que tem o direito de ver o seu Estado republicanamente administrado”.(36)

c) a motivação das decisões administrativas é essencial para a efetivação do controle da Administração Pública, como será analisado com maior profundidade no último capítulo.

d) a exigência de motivação também emerge como garantia de proteção aos direitos fundamentais, sobretudo ao direito fundamental à boa administração pública, concebido, na visão de Juarez Freitas, como o

“direito fundamental à administração pública eficiente e eficaz, proporcional cumpridora de seus deveres, com transparência, sustentabilidade, motivação proporcional, imparcialidade e respeito à moralidade, à participação social e à plena responsabilidade por suas condutas omissivas e comissivas”.(37)

Considerando que o Poder Público está vinculado aos direitos e às garantias constitucionais fundamentais dos administrados, a obrigação de formalizar as razões que determinaram a prática ou a abstenção de certo comportamento conduzem ao maior respeito a esses direitos e garantias, sob pena de invalidação da decisão administrativa. O administrador que violar as regras e os princípios constitucionais, demais disso, poderá ser responsabilizado pela conduta ilegítima,(38) de modo que a necessidade de motivação funciona como instrumento de tutela reforçado dos direitos fundamentais.

e) o dever de motivação fática e jurídica, por fim, contribui para evitar o subjetivismo exacerbado, o patrimonialismo e condutas impulsivas.

A discricionariedade administrativa, em que pese conferir ao administrador certa margem de liberdade para escolher entre alternativas igualmente legítimas,(39) não lhe concede liberdade absoluta para agir conforme sua vontade individual ou suas preferências pessoais. A discricionariedade, portanto, deve ser exercida dentro da Constituição e dos princípios que dela se extraem, está vinculada à lei e ao Direito e não se confunde com o desempenho arbitrário das prerrogativas estatais. Na feliz expressão de Juan Carlos Cassagne: “Discrecionalidad y razonabilidad son así como dos caras de uma moneda que circula hasta tanto el juez compruebe que algunas de esas facetas nos es válida o legítima (v.gr., si la decisión fuere arbitraria)”.(40)

Como já foi aludido acima, na prática de atos administativos, sejam eles vinculados ou discricionários, é irrelevante a vontade do agente, ao menos a sua vontade egoística e particular, substituída por uma vontade normativa, objetiva ou uma vontade geral formalizada na Constituição e na lei.(41) Por isso, como destaca Juarez Freitas, “o conceito de discricionariedade administrativa – suposta liberdade para emitir juízos de conveniência – nada tem a ver com o decisionismo irracional. Quer dizer, a melhor escolha precisa ocorrer no quadro das justificativas universalizáveis e intertemporalmente consistentes”.(42)

Outra situação que tende a ser evitada ou, ao menos, embaraçada com a obrigatoriedade de fundamentar as decisões governamentais reside na corriqueira confusão entre o público e o privado que muitos governantes e servidores insistem em fazer. Conforme recorda Diogo de Figueiredo Moreira Neto, em que pese já nos encontrarmos em uma etapa democrática, gerencial e constitucional de administração pública, ainda não abandonamos por completo a fase do absolutismo ou da administração regaliana, em que prevaleciam os interesses do rei, “pois as atividades e comportamentos do Estado-administrador continuam aferrados a conceitos e a princípios do patrimonialismo e do assistencialismo personalizantes e ineficientes, herdados da Colônia e pouco tocados no Império”.(43)

Enfim, muitas decisões estão baseadas em crenças relativas à probabilidade de eventos incertos, e “as pessoas se apoiam em um número limitado de princípios heurísticos que reduzem as tarefas complexas de avaliar probabilidades e predizer valores a operações mais simples de juízo. De um modo geral, essas heurísticas são bastante úteis, mas às vezes levam a erros graves e sistemáticos”.(44) Nosso sistema primitivo, assim, substitui questões difíceis por fáceis e produz cognições enviesadas que deságuam em julgamentos distorcidos. E se o indivíduo não estiver atento, sua decisão será determinada por impulsos irracionais. A exposição adequada e clara das razões que levaram o agente a fazer certas escolhas, por conseguinte, auxilia na contenção de condutas impulsivas e contaminadas por desvios cognitivos.

O dever de motivação também encontra eco no art. 50 da Lei do Processo Administrativo Federal (Lei n° 9.784/99), segundo o qual os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, nos casos que especifica. Essa lista, porém, deve ser considerada exemplificativa, pois, diante de uma interpretação sistemática, é lícito afirmar que todos os atos administrativos devem vir acompanhados de motivação suficiente, salvo os “de mero expediente, os autodecifráveis pela singeleza de seus pressupostos e aqueles que contam com expressa dispensa constitucional (por exemplo, a exoneração do ocupante de cargo em comissão)”.(45)

Em razão disso, é adequado afirmar que o art. 93, incs. IX e X, da Constituição Federal têm incidência no plano administrativo, a exigir motivação intersubjetiva, consistente e congruente, e propiciar uma relação mais dialógica, menos autocrática e monolítica, entre o Estado e os cidadãos. Na percuciente exposição de Juarez Freitas:

“Organicamente vinculado aos princípios anteriores, encontra-se o princípio da motivação dos atos administrativos, segundo o qual impõe-se o dever de explicitação dos fundamentos de fato e de direito de todas as decisões administrativas que repercutam na esfera dos direitos individuais ou coletivos. Com efeito, toda discricionariedade precisa estar vinculada aos motivos que obrigatoriamente haverão de ser expostos, de maneira consistente e elucidativa, sempre que afetados direitos subjetivos. O lastro maior reside no art. 93 da CF, e a exigência de motivação intersubjetiva é dos mais destacados elementos de transição para o Direito Administrativo dialógico – em oposição ao período autocrático e unilateralista –, vedando qualquer decisão desmotivada.”(46)

2.2 Requisitos da motivação válida

A ausência ou insuficiência da exteriorização dos fundamentos conduz à nulidade do ato praticado, já que, como reiterou Luis Manuel Fonseca Pires, “não existe discricionariedade junto à motivação”.(47) Entretanto, em algumas situações, como aquelas caracterizadas pela urgência, é válida a motivação posterior, se o motivo existiu e seja demonstrável sua antecedência em relação ao ato.(48)

A validade da motivação das decisões administrativas exige a presença dos seguintes requisitos básicos: a) clareza na exposição dos fundamentos, para viabilizar sua compreensão pelos destinatários; b) congruência, de modo que “dos motivos e normas mencionados pela Administração como as premissas adotadas deve decorrer logicamente a conclusão, pois se houver contradição entre premissas e conclusão a motivação é viciada”;(49) c) exatidão, no sentido da veracidade dos fatos e do direito mencionados como fundamentos da decisão; d) suficiência,(50) em virtude da necessidade de a decisão demonstrar a sua conexão com o caso concreto, motivo pelo qual é viciada a motivação lacônica, que se limita a reproduzir expressões abstratas ou textos legais, ou que podem servir para qualquer situação. Isso, contudo, não obsta a fundamentação per relationem ou aliunde, consubstanciada no acolhimento de outras decisões ou pareceres, admitida no § 1º do art. 50 da Lei n° 9784/99.(51)

O projeto do Novo Código de Processo Civil, no art. 499, § 1º,(52) prevê de modo mais detalhado hipóteses em que não se reputa atendido o dever de fundamentação das decisões judiciais. As orientações referidas nesse dispositivo do projeto, conquanto cunhadas para os provimentos judiciais, podem ser aplicadas às decisões administrativas, as quais, como visto, igualmente se sujeitam ao dever de motivação idônea.

A imposição de suficiência na motivação indica que deve ser aferida a totalidade dos fundamentos fáticos e jurídicos, razão pela qual a autoridade administrativa deve apontar todas as circunstâncias concretas do caso, as provas que revelam sua existência e demonstrar sua coincidência com as regras e os princípios administrativos que conduziram a determinada escolha do agente público.

O dever de motivação, porém, é mais amplo e deve abarcar a exposição da estimativa detalhada dos custos e benefícios, diretos e indiretos. Isso porque, como ficou assentado linhas acima, a decisão administrativa pressupõe um indivíduo que escolhe e avalia os impactos de sua opção. Ao se exigir a exteriorização abrangente das consequências é possível aferir a economicidade e a eficiência do agir estatal, sua justificação intertemporal e o respeito às regras e aos princípios administrativos.(53)

Essa obrigação de fundamentação intertemporal e abrangente dos impactos das decisões administrativas, porém, não ultrapassará o plano da promessa e da utopia sem um controle efetivo, que incida sobre o momento da tomada de decisão do agente público.

2.3 Controle da motivação das decisões administrativas

O controle da Administração Pública pode ser sintetizado como o conjunto de medidas pelas quais um poder, um órgão ou uma autoridade exerce atividades de fiscalização, revisão e correção de atos administrativos emanados de quaisquer dos três poderes.

O renovado Direito Administrativo impõe uma ampla sindicabilidade dos atos, dos contratos e dos procedimentos administrativos e das políticas públicas e podem ser mencionadas quatro principais espécies de controle: a) controle interno de cada Poder (CF, art. 74); b) controle externo pelo Poder Legislativo (CF, art. 49, inc. X), exercido com o auxílio independente do Tribunal de Contas (CF, art. 71); c) controle social, realizado pela sociedade em geral, mediante, por exemplo, audiências públicas, fiscalização orçamentária, controle da qualidade dos serviços públicos e possibilidade de noticiar irregularidades ao Tribunal de Contas e ao Ministério Público; d) controle judicial, definitivo, realizado pelo Poder Judiciário, desde que provocado e diante de um conflito de interesses.(54)

Essas formas de controle, contudo, como advertiu Juarez Freitas, não “são fins em si, nem devem ter a ilusão de controlar tudo isoladamente: devem agir sistematicamente, contendo impulsos destrutivos e favorecendo medidas de cooperação e planejamento, indispensáveis para a garantia integral do direito à boa administração”.(55)

Consoante restou aventado, a exposição da motivação é requisito indispensável para viabilizar o controle adequado da validade das decisões administrativas. Com efeito, a prática de uma conduta administrativa desacompanhada de fundamentação suficiente oculta os elementos fáticos e jurídicos que embasaram a escolha do agente público e impede que o controlador escrutine a coerência entre os fatos e o exercício da competência administrativa, bem como a adequação da opção do administrador com a lei e os princípios. A propósito, alerta Celso Antônio Bandeira de Mello que, se desconhecidos os motivos da decisão estatal, sua impugnação resta impossibilitada e “o ato administrativo apresentar-se-ia como definitivo, com força de verdade legal, tão irreversível quanto uma decisão judicial transitada em julgado. Ganharia os atributos que só assistem aos pronunciamentos judiciários finais”.(56)

É no âmbito do controle judicial da Administração Pública, assim considerado o “controle externo, independente(57) e derradeiro(58) exercido pelo Poder Judiciário, quando formalmente provocado(59) por uma das partes envolvidas em um conflito de interesses(60) do qual participa o Poder Público”, que a exposição clara, congruente, exata e suficiente das decisões estatais assume especial relevância, ao permitir que o julgador aprecie a realidade e a legitimidade(61) dos motivos que inspiraram a prática de um ato ou a abstenção administrativa.

Os juízes, pois, por meio da análise dos fatos que fundamentaram o agir estatal em toda sua extensão, poderão escrutinar a validade das decisões administrativas e, conforme o caso, conferir a deferência adequada às escolhas públicas.  

Conclusão

Está ultrapassada a noção de discricionariedade pura, bem como a identificação da discrição com a vontade subjetiva do agente ou a existência de atos políticos insindicáveis. Por isso, as decisões administrativas, salvo as exceções constitucionais ou os atos singelos e de mero expediente, demandam sempre a motivação fática e jurídica por parte daquele que as toma. É por meio da fundamentação clara, congruente, exata e suficiente que os cidadãos poderão ter a garantia de que os abusos e as omissões ilegítimas serão expostas, sindicadas e prevenidas ou reprimidas, assegurando, com isso, a higidez dos princípios basilares do Estado Democrático de Direito.

A exteriorização das razões que propulsionam o agir estatal avulta como fator crucial para que se possa, definitivamente, superar a fase personalista, regaliana e ditatorial da Administração Pública, assim também o burocratismo ineficiente, para, enfim, ingressar-se na era democrática, gerencial e constitucional do Estado, do Governo que existe para servir e presta contas à sociedade, do Poder Público que sabe lidar com o pluralismo e com cidadãos cada vez mais informados, conscientes e exigentes de uma atuação legítima e eficiente por parte dos agentes públicos. 

A esperança de uma Administração Pública subordinada à lei, à Constituição e aos direitos fundamentais, e de um Governo que busca a economicidade, a eficiência e a eficácia não será mais que mera promessa se o sistema jurídico não contar com formas apropriadas de controle dos atos administrativos (em sentido amplo), interno e externo, com possibilidade de avaliar a correção dos motivos das decisões administrativas, sua afinidade com a finalidade pública e normativa e a causa ou a adequação entre fatos e o objeto do ato. 

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Notas

1. Sobre conceito de fatos, atos, contratos e procedimentos administrativos, vide, e.g.: CIRNE LIMA, Ruy. Princípios de direito administrativo brasileiro. 3. ed. PortoAlegre: Sulina, 1954. p. 87-88; JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 383-393, 467-469 357-360; BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 375-390, 494-500 e 632-636. 

2. A escolha do agente público normalmente é anterior à prática do ato em sentido amplo, mas poderá ser concomitante a ele quando, por exemplo, no exercício do poder de polícia, o servidor autua em flagrante uma infração administrativa. Não será jamais posterior, pois, nada obstante a possibilidade de motivação diferida, como em casos de urgência, os motivos já existiam ao tempo da prática do ato.

3. CARVALHO, Cristiano. Teoria da decisão tributária. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 27.

4. CARVALHO, p. 95.

5. CARVALHO, p. 54-56.

6. FERREIRA, Vera Rita de Mello. Psicologia econômica: estudo do comportamento econômico e da tomada de decisão. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008. p. 37-39; SANDEL, Michael J. Justiça: o que é fazer a coisa certa. Trad.uzido por Heloísa Matias e Maria Alice Máximo. 10. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013. p. 43-72; CARVALHO, p. 56-57.

7. Como expõe Vera Rita de Mello Ferreira, a “Psicologia Econômica pretende estudar o comportamento econômico dos indivíduos (denominados, frequentemente, consumidores ou tomadores de decisão, do inglês ‘decision makers’), grupos, governos, populações, no sentido de compreender como a economia influencia o indivíduo e, por sua vez, como o indivíduo influencia a economia, tendo como variáveis pensamentos, sentimentos, crenças, atitudes e expectativas. Portanto, ao contrário dos economistas, que desprezam as anomalias, os psicólogos econômicos fazem delas seu objeto de estudo privilegiado” (op. cit., p. 39).

8. Na lição lapidar de Juarez Freitas: “Não há como desconsiderar tais predisposições automáticas ou vieses (biases). Todo cérebro humano ostenta desvios cognitivos que, não raro, afetam negativamente a qualidade da interpretação. Tal contingência só causa estranheza àqueles que se fiam em suposições formalistas ou acreditam nas mecânicas subsunções normativas. Ocorre que, no mundo real, não existe quem esteja inteiramente imune a automatismos mentais, cujo mapeamento revela-se, portanto, de extrema utilidade” (in Hermenêutica Jurídica e a Ciência do Cérebro: como lidar com os automatismos mentais. Revista da Ajuris, ano XL, n° 130, jun de 2013, p. 224).

9. CARVALHO, p. 95.

10. PIRES, Luis Manuel Fonseca. Controle judicial da discricionariedade administrativa: dos conceitos jurídicos indeterminados às políticas públicas. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. p. 208-211.

11. JUSTEN FILHO, p. 155-158.

12. JUSTEN FILHO, p. 159.

13. FREITAS, Juarez. O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 43.

14. JUSTEN FILHO, p. 163.

15. Nas palavras de Juarez Freitas, “a interpretação sistemática deve ser concebida como uma operação que consiste em atribuir, topicamente, a melhor significação, dentre várias possíveis, aos princípios, ás normas estritas (ou regras) e aos valores jurídicos, hierarquizando-os em um todo aberto, fixando-lhes o alcance e superando as antinomias em sentido amplo, tendo em vista bem solucionar os casos sob apreciação.” (in A interpretação sistemática do direito. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 276)

16. O mesmo doutrinador assevera que a interpretação constitucional é processo tópico-sistemático, de maneira que resulta impositivo, no exame dos casos, alcançar uma solução de equilíbrio entre o formal e o substancial, evitadas as soluções unilaterais e respeitada a Constituição em sua abertura dialógica e em seu caráter não linear. Com efeito, a tarefa primeira do intérprete consiste em refinar o catálogo de princípios, regras e valores, aprimorando-os constantemente para fazê-lo, no quadro evolutivo, cumprir a função sistematizadora intrínseca ao processo.” (FREITAS, Juarez. A interpretação sistemática do direito. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 224)

17. Juarez Freitas observa, nessa linha, que “tende o relativamente jovem Direito Administrativo a transitar da preponderância monológica rumo a padrões dialógicos, abertos e voltados à afirmação da dignidade includente da pessoa humana e do valor intrínseco da natureza”, de modo a “praticar modelos decisórios menos unilaterais, consideradas simplistas as soluções voltadas a doses enormes e, não raro, infrutíferas de repressão” (In O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 28-29).

18. Juarez Freitas refere como acordos preliminares à edição de atos administrativos os acordos antecedentes à emissão de licenças, permissões ou autorizações, bem como os acordos de leniência em infrações à ordem econômica (Lei n° 12.529/11, arts. 86 e 87). (op. cit., p. 30)

19. Sobre as conciliações realizadas pelo Poder Público em juízo, não se pode deixar de mencionar o art. 10, parágrafo único, da Lei n° 10.259/11, que permite aos representantes judiciais da União, das autarquias, das fundações e das empresas públicas federais a conciliar, a transigir ou a desistir, nos processos da competência dos Juizados Especiais Federais. Na prática, porém, os entes públicos em geral têm entabulado acordos judiciais em praticamente todas as searas, notadamente em matéria previdenciária, execuções fiscais, responsabilidade civil, revisão de contratos, habitação e questões ambientais.

20. Deve ser reconhecido, como faz Diogo de Figueiredo Moreira Neto, o princípio da subsidiariedade nas relações administrativas, de modo que somente “aquelas demandas que por sua própria natureza, em razão da complexidade e da necessidade de uma ação concentrada e imperativa, inclusive com a centralização coacta de recursos, não puderem ser atendidas pela própria comunidade deverão ser cometidas às organizações políticas, que atuarão, portanto, subsidiariamente à sociedade” (in Mutações do Direito Administrativo. 3.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 20). Idêntica posição é sustentada por Juarez Freitas, ao referir que o Direito Administrativo “tende a ser menos o Direito do Estado precipuamente executor direto dos serviços públicos ou universais e a se converter, em certa medida, no Direito do Estado Regulador, sem prejuízo da tarefa prestacional concentrada em assegurar o núcleo essencial dos serviços públicos” (op. cit, p. 32). Esta concepção de estado regulador, mais do que prestador, tende a evitar o que John Rawls menciona como um problema do capitalismo de bem-estar social e da política de redistribuição de renda, em que, “dada a falta de justiça de fundo e as desigualdades de renda e riqueza, pode-se desenvolver uma subclasse desestimulada e deprimida em que muitos de seus membros são cronicamente dependentes da assistência social. Essa subclasse se sente excluída e não participa da cultura política pública” (in Justiça como equidade: uma reformulação. Org. Erin Kelly. Traduzido por Cláudia Berliner. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 197-198).

21. A discricionariedade passa a ser encarada mais como um feixe de competências do que como um poder que desconhece limites e controles, que deve ser exercido em função do interesse público. Luis Manuel Fonseca Pires ressalta que o “poder existe como competência normativa, como feixe de atribuições que é prescrito a alguém para, na medida suficiente, servir como instrumento eficiente à realização do interesse público delineado pela ordem jurídica” (op. cit., p. 138). Para Juarez Freitas, no contemporâneo Direito Administrativo “tende a minguar a crença no mito da discricionariedade administrativa solta (substituída, pouco a pouco, pela noção de discricionariedade vinculada, motivadae justificável racionalmente), sem sucumbir aos particularismos contrários à universalização, de sorte que toda discricionariedade (no plano dos mandamentos – Tatbestand – ou na eleição das consequências) está, por força da Constituição, direta e imediatamente vinculada aos princípios, objetivos e direitos fundamentais: daí se extrai a inaceitabilidade de discricionariedade pura ou inteiramente imune a controle” (op. cit., p. 31).

22. FREITAS, p. 34-35.

23. FREITAS, p. 35.

24. Na esteira do que afirma Diogo de Figueiredo Moreira Neto, “tem-se hoje assente que a democracia não pode mais ser considerada apenas como um processo formal de escolha de quem nos deve governar, mas, também, de uma escolha de como queremos ser governados. É com essa concepção, de um valor substantivo, a ser realizado pelas sociedades, elevada por isso ao rol dos princípios fundamentais nas Constituições contemporâneas, que a democracia passa a se incorporar ao elenco dos direitos fundamentais das pessoas, indissoluvelmente ligada à liberdade e à igualdade”. Ao citar Giovanni Sartori, o administrativista expõe que a “democracia não é pura e simplesmente o ‘governo da maioria’, mas é o ‘governo da maioria limitada’”, porque “o cidadão não perde a sua liberdade com a expressão formal de seu voto” (op. cit., p. 343-345). Juarez Freitas também traz sua contribuição para a questão, ao ressaltar que o cidadão, não simples administrado, tende a ser “proativo e protagonista, menos passivo e súdito, nas relações administrativas” (op. cit., p. 35).

25. Juarez Freitas, ao tratar do princípio da legalidade temperada, sustenta que o “controle subordina-se às regras legais e, acima disso, ao Direito. No que tange ao princípio da legalidade e, mais que isso, do acatamento da Administração ao Direito, é de assinalar que se evoluiu do legalismo primitivo e hipertrofiado para a posição – por assim dizer – balanceada e substancialista (superado, ao menos em teoria, o automatismo imoderado no cumprimento das regras)” (op. cit., p. 59-60).

26. Da pena de Diogo de Figueiredo Moreira Neto extraio a seguinte passagem: “Ora, se é dever constitucional do Estado atingir resultados que concorram efetivamente para o atendimento daqueles objetivos governamentais, torna-se igualmente certo, com vistas à satisfação desse dever no quadro do neoconstitucionalismo, que aos governos não é dado se omitirem, nem tergiversarem, nem falharem no desempenho das atividades de planejamento e de execução de políticas públicas referidas a tais objetivos” (op. cit., p. 168).

27. Na opinião de Juarez Freitas, “o princípio da eficiência (art. 37 da CF) determina que a Administração Pública cumpra bem as suas tarefas, empregando, em tempo razoável, os meios apropriados e pertinentes. Já o princípio da economicidade (art. 70 da CF) determina a otimização da intervenção pública, no sentido de fazer o mais com o menor custo (direto e indireto), vedado qualquer desperdício. (...) Por sua vez, o princípio da eficácia (CF, art. 74) determina a obtenção de resultados harmônicos com os objetivos, prioridades e metas constitucionais” (op. cit., p. 110-111).

28. Op. cit., 31.

29. FREITAS, p. 90.

30. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Discricionariedade e controle judicial. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 98-99.

31. A respeito, Juarez Freitas sublinha que “o sistema administrativista é aberto e dialético – uma rede hierarquizada pelo intérprete, o que enseja a participação, com liberdade responsável, da consciência do mediador na circularidade hermenêutica” (In A interpretação sistemática do direito. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 254).

32. Op. cit., p. 52.

33. GADAMER, Hans Georg. Verdade e Método I: traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. Traduzido por Flávio Paulo Meurer. Rev. Enio Paulo Giachini. 13. ed. Petrópolis: Vozes, 2013. p. 371.

34. A recente Lei do Acesso à Informação (Lei n° 12.527/2011), conquanto ainda careça de interpretação adequada em determinados pontos, representa mais um importante passo em direção ao princípio da publicidade e da máxima transparência.

35. O princípio da transparência, nos dizeres de Diogo de Figueiredo Moreira Neto, “é instrumental para a realização dos princípios da participação e da impessoalidade, na medida em que permite a efetiva aplicação dos dois tipos de controles da Administração Pública: estatais, efetuados por si própria e pelos demais poderes, e sociais, pelos cidadãos e pelas entidades da sociedade civil” (op. cit., p. 25).

36. STF, SS 3902 Segundo AgR/SP, rel. Min. Ayres Britto, j. 09.06.2011.

37. In Direito fundamental à boa administração pública. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 21.

38. De observar que a violação aos princípios da Administração Pública pode constituir ato de improbidade, independentemente de enriquecimento ilícito ou prejuízo ao erário, na forma do art. 11 da Lei n° 8429/92, o que expõe o agente público às graves penalidades do art. 12, inc. III, sem prejuízo das sanções penais, civis e administrativas.

39. “A discricionariedade pressupõe, ao menos no plano estático da norma jurídica, uma pluralidade de decisões legítimas, portanto, com a escolha de determinada opção para certo caso não se impede que, em futuro próximo, escolha-se outra solução, e em outra circunstância escolha-se uma terceira opção” (PIRES, p. 146). 

40. In El principio de legalidad y el control judicial de la discrecionalidad administrativa. Buenos Aires: Marcial Pons Argentina, 2009. p. 191.

41. Consoante rememorou Luis Manuel Fonseca Pires, “os governantes são simples gestores subordinados à vontade geral formalizada (lei), o que levou Locke a afirmar que eles estão em uma relação fiduciária com o povo, pois o gestor da coisa pública tem a si confiada a gestão de bens que pertencem ao povo, e por isso os fins não são outros senão os interesses do próprio povo – trata-se, em última análise, de uma relação de confiança, do que Locke denominava de trust” (op. cit., p. 276).

42. FREITAS, Juarez. O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 347.

43. MOREIRA NETO, p. 17.

44. KAHNEMAN, Daniel. Rápido e devagar: duas formas de pensar. Traduzido por Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012. p. 524.

45. FREITAS, p. 390.

46. FREITAS, Juarez. O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 90.

47. Op. cit., p. 200.

48. MELLO, Celso Antônio Bandeira de, p. 105.

49. PIRES, p. 207.

50. PIRES, p. 207.

51. Art. 50, § 1º, da Lei n° 9784/99: “A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato”.

52. Projeto de Lei do Senado n° 166, de 2010, art. 499, § 1º: Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: I – se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; II – empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; III – invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; V – se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento”.

53. Consoante observa Juarez Freitas, “esse dever de motivar (correlato do devido processo e, lógico, inerência do direito fundamental à boa administração pública) merece ser ampliado: força explicitar, em respeito ao primado dos direitos fundamentais, o fundamento (fático e jurídico) das decisões administrativas, com a estimativa detalhada dos impactos diretos e indiretos, exigência que se acentua após tantos escândalos de gestão perdulária, com erros ocultados ou mascarados pelo déficit severo de justificativas plausíveis e correspondente controle” (op. cit., p. 390).

54. FREITAS, Juarez. O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 98-103.

55. Op. cit.. p. 98.

56. Op. cit., p. 99.

57. O controle judicial é também um controle externo à autoridade que emitiu a decisão administrativa, realizado pelo Poder Judiciário, de forma independente e alheio a interesses políticos e partidários.

58. Apenas os provimentos judiciais estão acobertados pela coisa julgada, considerada garantia fundamental pelo art. 5º, inc. XXXVI, da Constituição Federal. Em nosso modelo, o Judiciário decide por último em matéria de controle da Administração, vedada a coisa julgada em sentido próprio na esfera administrativa, embora admitida a preclusão da discussão neste âmbito. 

59. Exige-se a provocação do juiz pela parte interessada, uma vez que o Poder Judiciário é inerte e não age sponte propria (CPC, art. 2º). Logo, não basta a ocorrência de um conflito de interesses para se configurar o controle judicial da Administração; é indispensável que o prejudicado pelo comportamento comissivo ou omissivo do Estado (ou o próprio Poder Público, em determinados atos desprovidos de autoexecutoriedade) compareça “às barras de um tribunal” e formalize uma demanda judicial.

60. O controle judicial está condicionado à existência de uma situação contenciosa surgida no processo de realização do direito. Já dizia Seabra Fagundes que o exercício da função jurisdicional “só tem lugar quando exista conflito a respeito da aplicação das normas de direito, tem por objetivo específico removê-lo, e alcança sua finalidade pela fixação definitiva da exegese” (In O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário. At. Gustavo Binembojm. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 14-17). Por isso, quando “o Estado intervém fora dessas situações, ainda que o faça por intermédio do Poder Judiciário, não pratica atos de jurisdição.” (op. cit., p. 15).

61. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 993.



Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023:2002/ABNT):
. . Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n., ago. 2015. Disponível em:
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Acesso em: .


REVISTA DE DOUTRINA DA 4ª REGIÃO
PUBLICAÇÃO DA ESCOLA DA MAGISTRATURA DO TRF DA 4ª REGIÃO - EMAGIS