|
||
publicado em 23.10.2015
|
||
As digressões aqui desenvolvidas exploram uma alteração paradigmática do estudo do direito processual civil. A partir de um horizonte hermenêutico de concepção filosófica, destacamos a ideia de uma ontologia processual, a importância da reverberação polifônica do direito de ação na desvelação do real protagonismo processual e sua repercussão na jurisdição e no processo. Palavras-chave: Processo civil. Hermenêutica. Ontologia. Polifonia. Abstract The digressions developed here explore a paradigm issue in the study of civil procedural law. From a hermeneutical horizon of philosophical conception, we highlight the idea of a constitutional procedural ontology, the importance of the polyphonic reverberation of the right of action in the unveiling of the real procedural role and its impact on jurisdiction and procedure. Keywords: Civil procedure. Hermeneutics. Ontology. Polyphony. Sumário: 1 O ser processual no mundo constitucional. 2 O direito de ação e sua reverberação polifônica. 3 Jurisdição e processo – “para além de articular com palavras”. Bibliografia. 1 O ser processual no mundo constitucional Bem… partiremos nestas digressões sob uma perspectiva ontológica.(1)(2) 2 O direito de ação e sua reverberação polifônica “...os sábios sabem de tudo, mas não tudo...”Rosa Cabarcas(11) Falar em direito de ação é falar de um instituto de natureza constitucional(12) basilar do direito processual; falar em direito de ação é falar em um instituto fundamental da ciência jurídica, e aqui está um detalhe muito importante, a necessidade de concebermos o direito como ciência.(13) 3 Jurisdição e processo – “para além de articular com palavras” “(...) as palavras não são mais concebidas ilusoriamente como simples instrumentos, são lançadas como projeções, explosões, vibrações, maquinarias, sabores: a escritura faz do saber uma festa. (...) a escritura se encontra em toda parte onde as palavras têm sabor (saber e sabor têm, em latim, a mesma etimologia). (...) É esse gosto das palavras que faz o saber profundo, fecundo.” “(...) no mundo não há nada duradouro, e por isso a alegria no minuto seguinte já não é tão viva como no primeiro; no terceiro minuto ela se torna ainda mais fraca, e por fim se funde imperceptivelmente com o estado habitual da alma, como o círculo formado na água pela queda de uma pedra acaba se fundindo com a superfície plana.” A jurisdição, em sua concepção clássica (seja na visão de Chiovenda, que se resumia à aplicação da lei ao caso concreto pelo modelo subsuntivo, em que a lei genérica e abstrata não considerava a realidade, as desigualdades sociais e o pluralismo, em uma típica visão do Estado Liberal; seja na visão de Carnelutti, segundo a qual o juiz criava norma individual para regular o caso concreto com fundamento na norma geral), não basta para que possamos compreendê-la na acepção do Estado Constitucional. BAKHTIN, Mikhail. Problemas da poética de Dostoiévski. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2013. 341 p. BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Por um processo socialmente efetivo. Revista de Processo, São Paulo, v. 27, n. 105, p. 183-190, jan./mar. 2002. p. 181. BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito. O triunfo tardio do direito constitucional no Brasil. Themis: Revista da Esmec/Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará, Fortaleza, v. 4, n. 2, p. 70, jul./dez. 2006. BARTHES, Roland. Aula. São Paulo: Cultrix, 1987. p. 21. BRAIDA, Celso Reni. Apresentação. In: SCHLEIERMACHER, Friedrich D.E. Hermenêutica: arte e técnica de interpretação. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2000. p. 8. CASANOVA, Marco Antônio. Compreender Heidegger. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 2012. 244 p. CRUZ, Danilo Nascimento. O art. 4º da Res. TSE 21.841/2004 e um dos contos do Major Gorbiliov (Primeira Noite) de Mikhail Saltikov-Schedrin. Revista dos Tribunais, v. 951/2015, p. 209-223, jan. 2015. ______. Premissas históricas e teóricas sobre a constitucionalização do direito. Revista da Escola da Magistratura Regional Federal da 2ª Região – Emarf, Rio de Janeiro, v. 13, n. 1, p. 205-224, maio 2010. DIDIER JR., Fredie. Sobre a teoria geral do processo, essa desconhecida. Salvador: Jus Podivm, 2012. p. 150-151. DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1993. p. 25. DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Memórias do subsolo. 6. ed. São Paulo: Editora 34, 2009. p. 22. GÓGOL, Nikolai. O capote e outras histórias. 2. ed. 3. reimp. São Paulo: Editora 34, 2013. p. 94. GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual e teoria do processo. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2012. p. 149. GONÇALVES, William Couto. Uma introdução à filosofia do direito processual: estudos sobre a jurisdição e o processo fundamentando uma compreensão histórica, ontológica e teleológica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 173. HEIDEGGER, Martin. A caminho da linguagem. 6. ed. Petrópolis: Vozes, 2012. p. 121-172. ______. Ser e tempo. 9. ed. Petrópolis: Vozes, 2014. 598 p. JOBIM, Marco Félix. Cultura, escolas e fases metodológicas do processo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011. 125 p. KUHN, Thomas S. Estrutura das revoluções científicas. 12. ed. São Paulo: Perspectiva, 2013. 324 p. MARINONI, Luiz Guilherme. A jurisdição no Estado Constitucional. Disponível em: <www.marinoni.adv.br>. Acesso em: 02 maio 2015. p. 80-88. ______. Teoria geral do processo. v. I. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. 522 p. MÁRQUEZ, Gabriel García. Memória de minhas putas tristes. 25. ed. São Paulo: Record, 2014. p. 8. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Discricionariedade e controle jurisdicional. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 13-14. MONTAIGNE, Michel. Os ensaios. São Paulo: Penguin, 2013. p. 23. MOREIRA, José Carlos Barbosa. Notas sobre o problema da ‘efetividade’ do processo. In: Temas de direito processual: 3ª Série. São Paulo: Saraiva, 1984. p. 33. NABOKOV, Vladimir. Lições de literatura russa. São Paulo: Três Estrelas, 2014. p. 160-172. NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. São Paulo: Acadêmica, 1994. p. 37-40. NUNES, Benedito José Viana da Costa. Heidegger & Ser e tempo. 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2002. 60 p. NUNES, Dierle José Coelho. Processo jurisdicional democrático: uma análise crítica das reformas processuais. Curitiba: Juruá, 2008. 286 p. PONDÉ, Luiz Felipe. A filosofia da adúltera: ensaios selvagens. São Paulo: LeYa, 2013. p. 52. ______. Crítica e profecia: a filosofia da religião em Dostoiévski. São Paulo: LeYa, 2013. p. 229-243. RE 158.655, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 02.05.97. SCHUBACK, Marcia Sá Cavalcante. A perplexidade da presença. In: HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. 9. ed. Petrópolis: Vozes, 2014. p. 17. STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica e possibilidades críticas do direito: ensaio sobre a cegueira positivista. Rev. Fac. Direito UFMG, Belo Horizonte, n. 52, p. 127-162, jan./jun. 2008. ______. Hermenêutica jurídica e(m) crise. 11. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014. 439 p. ______. O que é isto – decido conforme minha consciência? 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 11-19. THEODORO JÚNIOR, Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre Melo Franco; PEDRON, Flávio Quinaud. Novo CPC: fundamentos e sistematização. Rio de Janeiro: Forense, 2015. 424 p. WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 20-24. ZANETI JUNIOR, Hermes. A constitucionalização do processo: a virada do paradigma racional e político no processo civil brasileiro do Estado Democrático constitucional. Porto Alegre, 2005, p. 251-252. Tese (Doutorado em Direito), Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2005. Notas 2. Para um aprofundamento na matéria, com viés jurídico, ver: STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise. 11. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014; STRECK, Lenio Luiz. O que é isto – decido conforme minha consciência? 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 11-19. Para um aprofundamento na matéria, sem viés jurídico, ver: HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. 9. ed. Petrópolis: Vozes, 2014; HEIDEGGER, Martin. A caminho da linguagem. 6. ed. Petrópolis: Vozes, 2012. p. 121-172.; CASANOVA, Marco Antônio. Compreender Heidegger. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 2012; NUNES, Benedito José Viana da Costa. Heidegger & Ser e tempo. 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2002. 3. GONÇALVES, William Couto. Uma introdução à filosofia do direito processual: estudos sobre a jurisdição e o processo fundamentando uma compreensão histórica, ontológica e teleológica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 173. 4. GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual e teoria do processo. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2012. p. 149. Sobre as diversas escolas metodológicas do processo, recomendo excelente monografia: JOBIM, Marco Félix. Cultura, escolas e fases metodológicas do processo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011. 5. DIDIER JR., Fredie. Sobre a teoria geral do processo, essa desconhecida. Salvador: Jus Podivm, 2012. p. 150-151. Para aprofundamento no tema, conferir as imprescindíveis obras: MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria geral do processo. v. I. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014; NUNES, Dierle José Coelho. Processo jurisdicional democrático: uma análise crítica das reformas processuais. Curitiba: Juruá, 2008. 6. CRUZ, Danilo Nascimento. Premissas históricas e teóricas sobre a constitucionalização do direito. Revista da Escola da Magistratura Regional Federal da 2ª Região – Emarf, Rio de Janeiro, v. 13, n. 1, p. 205-224, maio 2010. 7. BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito. O triunfo tardio do direito constitucional no Brasil. Themis: Revista da Esmec/Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará, Fortaleza, v. 4, n. 2, p. 70, jul./dez. 2006. 8. Os reflexos do movimento de constitucionalização do direito processual civil podem ser vistos já no anteprojeto do Código de Processo Civil apresentado pelo presidente da comissão de juristas, Ministro Luiz Fux (à época ainda do STJ). Seguem alguns destaques constantes na exposição de motivos: “Na elaboração deste Anteprojeto de Código de Processo Civil, esta foi uma das linhas principais de trabalho: resolver problemas. Deixar de ver o processo como teoria descomprometida de sua natureza fundamental de método de resolução de conflitos, por meio do qual se realizam valores constitucionais. (...) A coerência substancial há de ser vista como objetivo fundamental, todavia, e mantida em termos absolutos, no que tange à Constituição Federal da República. Afinal, é na lei ordinária e em outras normas de escalão inferior que se explicita a promessa de realização dos valores encampados pelos princípios constitucionais. (...) A necessidade de que fique evidente a harmonia da lei ordinária em relação à Constituição Federal da República fez com que se incluíssem no Código, expressamente, princípios constitucionais, na sua versão processual. (...) Trata-se de uma forma de tornar o processo mais eficiente e efetivo, o que significa, indubitavelmente, aproximá-lo da Constituição Federal, em cujas entrelinhas se lê que o processo deve assegurar o cumprimento da lei material (...)”. 9. ZANETI JUNIOR, Hermes. A constitucionalização do processo: a virada do paradigma racional e político no processo civil brasileiro do Estado Democrático constitucional. Porto Alegre, 2005, p. 251-252. Tese (Doutorado em Direito), Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2005. 10. DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1993. p. 25. 11. Importante personagem no enredo do romance Memória de minhas putas tristes, de Gabriel García Márquez, descrita pelo autor como “(...) dona de uma casa clandestina que costumava avisar aos seus bons clientes quando tinha alguma novidade disponível”. MÁRQUEZ, Gabriel García. Memória de minhas putas tristes. 25. ed. São Paulo: Record, 2014. p. 8. 12. Conferir, por todos: MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria geral do processo. v. I. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. 13. É necessário esclarecer, para que não haja “(...) cólera cega em face (...) do mal-entendido” (e aqui me permito sob o fulcro poético do poetinha), que não estou a falar no direito enquanto ciência de moldes cartesianos, o que não seria adequado para uma ciência social, mas a revisão de seus parâmetros de ensino e pesquisa faz-se necessária, sob pena de uma transfiguração próxima à ácida, mas não menos verdadeira, crítica feita por Luiz Felipe Pondé: "Há muito sabemos que as ciências sociais são uma das armas mais importantes da canalhice e do niilismo (claro, em seu mau uso). Mas seu pior não é o niilismo mesmo que produz, mas sua afetação moral de se dizer humanista. A falta de espanto nas ciências sociais não é marca de sua objetividade verdadeira, aquela que devemos buscar quando queremos conhecer o mundo, mas de sua falta de objetividade de perceber seu justo lugar no mundo: a de ser produtora de um niilismo ‘cientificamente’ fundamentado” (PONDÉ, Luiz Felipe. A filosofia da adúltera: ensaios selvagens. São Paulo: LeYa, 2013. p. 52). Sobre a revisão de parâmetros científicos, conferir: KUHN, Thomas S. Estrutura das revoluções científicas. 12. ed. São Paulo: Perspectiva, 2013. 14. A correta percepção do caso concreto vai muito além da representação fenomênica, pressupõe um compreender para além, algo como o definido por Marcia Schuback: “(...) compreender não diz agarrar a realidade com esquemas já dados, mas deixar-se tomar pelo que faz a compreensão buscar compreender (...)” (SCHUBACK, Marcia Sá Cavalcante. A perplexidade da presença. In: HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. 9. ed. Petrópolis: Vozes, 2014. p. 17). 15. Não se concebe mais a atuação de qualquer agente público nos moldes dostoievskianos do “homem do subsolo”, este representado pelo homem de consciência hipertrofiada mas inerte, um homem que não se mostra proativo mas apático, tolhido de ação, um homem de retorta, de proveta, um homem de existência antitética que se reconhece atado no abismo existente entre sua intenção e seu gesto, que a si mesmo se considera, com toda sua consciência hipertrofiada, um camundongo, e não um homem, ou, nas palavras de Dostoiévski: “(...) um camundongo de consciência hipertrofiada, mas sempre um camundongo (...)” (DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Memórias do subsolo. 6. ed. São Paulo: Editora 34, 2009. p. 22). Para aprofundamento na matéria, recomendo a leitura de: BAKHTIN, Mikhail. Problemas da poética de Dostoiévski. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2013; NABOKOV, Vladimir. Lições de literatura russa. São Paulo: Três Estrelas, 2014. p. 160-172; PONDÉ, Luiz Felipe. Crítica e profecia: a filosofia da religião em Dostoiévski. São Paulo: LeYa, 2013. p. 229-243. 16. Não se exige do magistrado o “exclusivo protagonismo” que não lhe compete, mas a efetiva atuação que lhe é legalmente atribuída no policêntrico protagonismo processual. 17. Conferir, por todos, a imprescindível obra: THEODORO JÚNIOR, Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre Melo Franco; PEDRON, Flávio Quinaud. Novo CPC: fundamentos e sistematização. Rio de Janeiro: Forense, 2015. 18. Há muito Marcelo Neves vem denunciando a “legislação-álibi”, ou seja, aquela decorrente da tentativa de dar a aparência de uma solução aos respectivos problemas sociais ou, no mínimo, da pretensão de convencer o público das boas intenções do legislador. Por meio dela o legislador procura descarregar-se de pressões políticas e/ou apresentar o Estado como sensível às exigências e às expectativas dos cidadãos (NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. São Paulo: Acadêmica, 1994. p. 37-40). 20. “Querer que o processo seja efetivo é querer que desempenhe com eficiência o papel que lhe compete na economia do ordenamento jurídico. Visto que esse papel é instrumental em relação ao direito substantivo, também se costuma falar da instrumentalidade do processo. Uma noção conecta-se com a outra e, por assim dizer, a implica. Qualquer instrumento será bom na medida em que sirva de modo prestimoso à consecução dos fins da obra a que se ordena; em outras palavras, na medida em que seja efetivo. Vale dizer: será efetivo o processo que constitua instrumento eficiente de realização do direito material” (BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Por um processo socialmente efetivo. Revista de Processo, São Paulo, v. 27, n. 105, p. 183-190, jan./mar. 2002. p. 181). 22. GÓGOL, Nikolai. O capote e outras histórias. 2. ed. 3. reimp. São Paulo: Editora 34, 2013. p. 94. 23. “A força normativa dos direitos fundamentais, ao impor o dimensionamento do produto do legislador, faz com que a Constituição deixe de ser encarada como algo que foi abandonado à maioria parlamentar. A vontade do legislador, agora, está submetida à vontade suprema do povo, ou melhor, à Constituição e aos direitos fundamentais. Nenhuma lei pode contrariar os princípios constitucionais e os direitos fundamentais, e, por isso mesmo, quando as normas ordinárias não podem ser interpretadas ‘de acordo’, têm a sua constitucionalidade controlada a partir deles. A lei deve ser compreendida e aplicada de acordo com a Constituição. Isso significa que o juiz, após encontrar mais de uma solução a partir dos critérios clássicos de interpretação da lei, deve obrigatoriamente escolher aquela que outorgue a maior efetividade à Constituição. Trata-se, desse modo, de uma forma de filtrar as interpretações possíveis da lei, deixando passar apenas a que melhor se ajuste às normas constitucionais” (MARINONI, Luiz Guilherme. A jurisdição no Estado Constitucional. Disponível em: <www.marinoni.adv.br>. Acesso em: 02 maio 2015. p. 66). 24. A imposição da força normativa constitucional promove a situação de estabilidade necessária para que o Estado não se reconheça na ácida crítica de Erich Auerbach: “Os costumes, as instituições, os ordenamentos dos homens são todos igualmente tolos e extravagantes. Mudam conforme suas opiniões e não são estáveis nem verdadeiramente legítimos. Não possuem outro fundamento senão o próprio fato de sua vigência naquele dado momento, ou seja, o hábito. Quem tem consciência disso não se torna revolucionário, assim como não são revolucionárias as pessoas obtusas e sem discernimento, que aceitam os dados da realidade por pura contumácia (...)” (In: Ensaios de literatura ocidental: filologia e crítica. São Paulo: Editora 34/Duas Cidades, 2007. Apud MONTAIGNE, Michel. Os ensaios. São Paulo: Penguin, 2013. p. 23). 25. “Enquanto as ciências explicativas buscam determinar as condições causais de um fenômeno por meio da observação e da quantificação, as ciências compreensivas visam à apreensão das significações intencionais das atividades históricas concretas do homem. Esse modelo de racionalização, retirado da interpretação de textos, no mesmo movimento que estabelece a apreensão do sentido como essência do método das ciências humanas, delimita o alcance da metodologia das ciências naturais, questionando, acima de tudo, o próprio conceito de objetividade científica. Isso se mostra nas determinantes específicas desse modelo: a inseparabilidade de sujeito e objeto, uma vez que a compreensão hermenêutica se dá pela inserção daquele que compreende no horizonte da história e da linguagem, as quais são aquilo mesmo que deve ser compreendido; o condicionamento de toda expressão do humano a um determinado horizonte linguístico, o que inclui também o resultado da compreensão, portanto, a própria ciência; a circularidade entre o todo e o particular, ou a mútua dependência constitutiva entre a parte e a totalidade, que impossibilita a compreensão por mera indução; e, por fim, a referência a um ponto de vista, ou pré-compreensão, a partir do qual se institui todo conhecimento, que estabelece a prioridade da pergunta sobre a resposta e problematiza a noção de dado empírico puro” (BRAIDA, Celso Reni. Apresentação. In: SCHLEIERMACHER, Friedrich D.E. Hermenêutica: arte e técnica de interpretação. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2000. p. 8). 26. “A interpretação de algo como algo funda-se, essencialmente, em uma posição prévia, uma visão prévia e uma concepção prévia. A interpretação nunca é apreensão de um dado preliminar, isenta de pressuposições. Se a concreção da interpretação, no sentido da interpretação textual exata, se compraz em se basear nisso que ‘está’ no texto, aquilo que, de imediato, apresenta como estando no texto nada mais é do que a opinião prévia, indiscutida e supostamente evidente do intérprete. Em todo princípio de interpretação, ela se apresenta como sendo aquilo que a interpretação necessariamente já ‘põe’, ou seja, que é preliminarmente dado na posição prévia, na visão prévia e na concepção prévia” (HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. 9. ed. Petrópolis: Vozes, 2014. p. 211). 27. “No mais, importante é destacar que tudo é passível de interpretação, não existe situação consolidada no tempo e no espaço que seja incólume ao ato interpretativo, afinal, ser que pode ser compreendido é linguagem. Compreender é colocar algo dentro de palavras, ou melhor, formular a compreensão dentro de uma potencialidade linguística, evocando a importante objeção de que nem tudo o que eu compreendo pode ser colocado em palavras. A necessária ideia é, para a noção gadameriana de interpretação e sua inerente linguisticidade, que o ouvinte é suprimido pelo que ele procura compreender e, assim, responde, interpreta, busca por palavras ou expressa. Portanto, compreender, no sentido gadameriano, é articular (um sentido, uma questão, um acontecimento) com palavras; ‘palavras que são sempre minhas, mas que ao mesmo tempo essas que eu luto para compreender’” (CRUZ, Danilo Nascimento. O art. 4º da Res. TSE 21.841/2004 e um dos contos do Major Gorbiliov (Primeira Noite) de Mikhail Saltikov-Schedrin. Revista dos Tribunais, v. 951/2015, p. 209-223, jan. 2015). 28. MARINONI, Luiz Guilherme. A jurisdição no Estado Constitucional. Disponível em: <www.marinoni.adv.br>. Acesso em: 02 maio 2015. p. 80-88. 29. MOREIRA, José Carlos Barbosa. Notas sobre o problema da ‘efetividade’ do processo. In: Temas de direito processual: 3ª Série. São Paulo: Saraiva, 1984. p. 33. 30. A preocupação subjacente à doutrina da efetividade do processo consiste justamente em conceber um processo plenamente aderente à realidade sociojurídica e que sirva de instrumento à efetiva realização do direito material. Conferir: WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 20-24. 31. “A ordenação normativa propõe uma série de finalidades a serem alcançadas, as quais se apresentam, para quaisquer agentes estatais, como obrigatórias. A busca dessas finalidades tem o caráter de dever (antes do que de ‘poder’), caracterizando uma função, em sentido jurídico. Em direito, essa voz função quer designar um tipo de situação jurídica em que existe, previamente assinalada por um comando normativo, uma finalidade a cumprir e que deve ser obrigatoriamente atendida por alguém, mas no interesse de outrem, sendo que esse sujeito – o obrigado –, para desincumbir-se de tal dever, necessita manejar poderes indispensáveis à satisfação do interesse alheio que está a seu cargo prover. Daí, uma distinção clara entre a função e a faculdade ou o direito que alguém exercita em seu prol. Na função, o sujeito exercita um poder, porém o faz em proveito alheio, e o exercita não porque acaso queira ou não queira. Exercita-o porque é um dever. Então, pode-se perceber que o eixo metodológico do direito público não gira em torno da ideia de poder, mas gira em torno da ideia de dever” (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Discricionariedade e controle jurisdicional. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 13-14). 32. GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual e teoria do processo. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2012. p. 151-173.
|
||
Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023:2002/ABNT): |
||
|