Primeiros comentários à Lei nº 13.140/2015 (marco regulatório da mediação/conciliação): imbricação com o NCPC e enfoque para os processos da Justiça Federal

Autor: Paulo Afonso Brum Vaz

Desembargador Federal, Mestre em Poder Judiciário pela FGV, Doutorando em Direito Público pela Unisinos

publicado em 23.10.2015



Aproximações gerais iniciais

Finalmente, legem habemus. Foi sancionada, em 26 de junho de 2015, a Lei n° 13.140, que estabelece o marco regulatório da mediação como solução de controvérsias entre particulares e no âmbito da administração pública.

A primeira observação é no sentido da importância que representa estabelecer um marco regulatório para a mediação e a conciliação judicial e extrajudicial, enquanto movimento global que converge para uma revolução paradigmática na forma de solucionar os conflitos sociais. Trata-se de uma nova cultura cujo pressuposto é o deslocamento da justiça estatal para a autocomposição. É outra chance, diante do insucesso da aposta no Estado como única e soberana instância, para o resgate da autonomia e da responsabilidade dos indivíduos na solução dos seus conflitos e um remédio para a crise de funcionamento do aparato judicial.

Esta lei define o que vem a ser mediação: “a atividade técnica exercida por terceiro imparcial sem poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia” (art. 1°). A definição está correta, mas a falha da lei fica por conta de olvidar a conciliação, instituto diverso, cujo significado não se enquadra exatamente no conceito legal de mediação, escólio encontradiço até nos mais comezinhos manuais sobre a matéria.

Deve-se, aqui, tomar a mediação como um gênero de solução autocompositiva, no qual se enquadra a conciliação, tipologia com características próprias, mas que foi exorcizada pela lei, feita por quem não conhece a realidade da Justiça Federal, em que não se faz mediação no sentido estrito da palavra. Foi mais feliz o NCPC, que, com rigor técnico invejável, aludiu sempre à conciliação e à mediação, coadunando-se, assim, com o senso comum teórico e prático dos juristas.

No art. 2°, estão elencados os princípios que regem a mediação: imparcialidade do mediador,  isonomia entre as partes,  oralidade, informalidade, autonomia da vontade das partes, busca do consenso, confidencialidade e boa-fé. O art. 166 do NCPC elenca os seguintes princípios informativos da conciliação e da mediação: independência, imparcialidade, autonomia da vontade, confidencialidade, oralidade, informalidade e decisão informada. É a prova da banalização dos princípios. Nem o legislador sabe bem quais são os princípios aplicáveis aos institutos. Os princípios são matemáticos, ou seja, representam aquilo que conhecemos de antemão sobre a essência das coisas. Princípio é um referencial tão importante que nenhuma dúvida deveria haver acerca de sua existência. Deveria ser tão evidente que ninguém precisasse perguntar sobre ele.

No § 2º do art. 2º, ficou assentado que “ninguém será obrigado a permanecer em procedimento de mediação”. Na redação do PL 7.169/14, assentando a facultatividade da mediação, dispunha o § 1º do art. 2º: “ninguém será obrigado a submeter-se a procedimento de mediação”. Definitivamente, não são iguais as semânticas. Uma coisa é não ser obrigado a “permanecer em procedimento de mediação”; outra, bem diferente, é não ser “obrigado a submeter-se a procedimento de mediação”. Permanecer pressupõe que tenha sido iniciado o processo. O que ficou franqueado às partes foi a possibilidade de abandonar o processo de mediação a qualquer momento e deixar para o juiz a decisão. Ao que vejo, o legislador ficou em cima do muro, não disse sim nem não. Apenas deixou a porta aberta para a instituição de uma condição de procedibilidade futura, até porque se absteve de fazê-lo expressamente.

O art. 3º da referida lei dispõe que pode ser objeto de mediação o conflito que verse sobre direitos disponíveis ou sobre direitos indisponíveis que admitam transação. No § 2° do citado artigo, está expresso que o consenso das partes envolvendo direitos indisponíveis, mas transigíveis, deve ser homologado em juízo, exigida a oitiva do Ministério Público (quando houver interesse de incapaz).

Resta mantida a indefinição sobre o sentido de (in)disponibilidade em termos legais. Quais são as hipóteses de indisponibilidade que admitem transação? Trabalho para a doutrina. Tem-se, então, que, mesmo quando se banaliza e se generaliza a indisponibilidade do interesse público, para alcançar hipóteses que não a caracterizam, não fica vedada a transação, apenas que dependerá de homologação judicial.

A autorização legal vem ao encontro do entendimento, remansoso já, em relação aos acordos do Poder Público, sobretudo tendo por objeto direitos fundamentais, no sentido de que devem ficar sob a custódia do Poder Judiciário, embora nunca se tivesse duvidado de que são realmente suscetíveis de transação.

Na mediação judicial, a presença do advogado ou defensor público, no caso do hipossuficiente de recursos, será obrigatória, ressalvadas as hipóteses de atermação sem advogado, faculdades previstas nas Leis nos 9.099, de 26 de setembro de 1995, e 10.259, de 12 de julho de 2001, respectivamente, dos JECs e dos JEFs.

1 Aproximações pontuais sobre a disciplina da função de conciliador/mediador

Os requisitos para ser mediador judicial estão no art. 11, a saber: capacidade civil, graduação em qualquer curso superior de instituição reconhecida pelo MEC há mais de dois anos, capacitação em escola de formação de mediadores reconhecida pela Enfam ou pelos Tribunais, observados os requisitos estabelecidos pelo CNJ e pelo Ministério da Justiça.

É criticável o novo texto legal no ponto em que não exige a formação em Direito dos conciliadores ou, ao menos, não excepciona os conflitos da Justiça Federal. Pensou apenas na figura do mediador dos conflitos de vizinhança, família, relações de consumo e contratos privados. Nos litígios típicos da Justiça Federal, tendo como parte o Poder Público, ao contrário daqueles que são objeto dos processos da Justiça Estadual, a discussão, invariavelmente, se estabelece em torno da interpretação de textos legais.

A atividade administrativa é regida pelo princípio da legalidade. Portanto, e pela experiência de muitos anos lidando com conciliações na Justiça Federal, vejo pouca serventia em conciliadores que não tenham o mínimo conhecimento das matérias do direito objeto dos conflitos federais. Nada impede, ao meu sentir, que esta Justiça, ao formar seus quadros de conciliadores, concursados ou não, exija a formação em Direito.

Para a seleção, os Tribunais criarão e manterão cadastros atualizados de mediadores/conciliadores habilitados e autorizados a atuar em mediação judicial (art. 12), fixando a devida remuneração a ser custeada pelas partes (art. 13). O custeio da remuneração dos conciliadores judiciais pelas partes denota um retrocesso. Certamente, o tempo vai mostrar isso, persistirá a profunda retração à autocomposição.

Representa mesmo a elitização da mediação. O modelo norte-americano, em que a mediação/conciliação é fonte de renda para muitos profissionais liberais, inclusive juízes aposentados, bem remunerados pelas partes, nada tem a ver com a realidade de pobreza da América Latina.  

De acordo com o NCPC, art. 167, § 6º, poderão os tribunais optar pela criação de quadros próprios de conciliadores, a serem preenchidos por concurso público de provas e títulos. Parece-me que essa seria a solução ideal, ou seja, a profissionalização remunerada do encargo como condição para o sucesso da política pública de mediação e conciliação no âmbito do Poder Judiciário.

Para a mediação/conciliação judicial, os tribunais criarão centros judiciários de solução consensual de conflitos, responsáveis pela realização de sessões e audiências de conciliação e mediação, pré-processuais e processuais, e pelo desenvolvimento de programas destinados a auxiliar, orientar e estimular a autocomposição (art. 24). Esse dispositivo, que reproduz o art. 165 do NCPC, está na linha antes recomendada pela Resolução nº 125 do CNJ, cujo objetivo era profissionalizar e especializar o trabalho de mediação/conciliação, descongestionando as varas.

A teor do art. 25, na mediação judicial, os mediadores não estarão sujeitos à prévia aceitação das partes, observadas as hipóteses de impedimento e suspeição (art. 5º). Quer dizer que os mediadores/conciliadores escolhidos não poderão ser rejeitados, exceto nos casos de impedimento e suspeição. Afigura-se adequado estender a possibilidade de rejeição aos casos de complexidade, que demandem excepcional expertise do profissional mediador/conciliador, não a tendo o indicado.

2 Sobre a audiência prévia de conciliação na Justiça Federal

Na práxis da Justiça Federal, e mesmo nos Juizados Especiais Federais, sistema em que já havia previsão legal, tal audiência geralmente não é designada. Nos JEFs, para contornar a regra dos arts. 16 e 17 da Lei n° 9.099/95, alguns juízes, no despacho inicial, selecionam alguns casos e intimam a parte-ré para apresentar proposta de conciliação. A audiência é designada somente se o réu apresentar tal proposta e, muitas vezes, sequer é designada, reportando-se a parte sobre o acordo de forma escrita (petição nos autos).

Essa prática é negativa e, embora se explique diante do elevado número de processos e da precariedade dos centros de conciliação, culmina por incentivar a transformação do conflito em efetivo litígio, à míngua de uma prévia tentativa de aproximação conciliatória. Por outro lado, sonega às partes, incluso o Poder Público, o direito de conciliar. Sabe-se que a Administração Pública contemporânea tem na consensualidade um importante instrumento de gestão do interesse público. Um dos eixos de transformação, a consensualidade é, hoje, tida como um autêntico princípio da Administração Pública.

Quanto aos Juizados Especiais Federais, parece que agora, com o reforço da lei específica, deve haver um movimento, uma virada na sua práxis, para que a audiência prévia saia do papel e passe a ser designada pelos Juízes em um maior número de casos. Quanto ao procedimento ordinário, com o NCPC e a Lei de Mediação/Conciliação, não havendo discussão sobre a sua aplicabilidade, cumpre discutir apenas os critérios de aplicação nos processos da Justiça Federal.

Vou me ater, inicialmente, ao art. 27 da Lei n° 13.140, de 26 de junho de 2015, que estabelece o marco regulatório da mediação como solução de controvérsias entre particulares e no âmbito da administração pública. Esse novel dispositivo legal torna obrigatória a audiência pré-litigiosa, dispondo que, “Se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do pedido, o juiz designará audiência de mediação”. Pelo que se depreende da redação do art. 29 (“Solucionado o conflito pela mediação antes da citação do réu, não serão devidas custas judiciais finais”), a audiência de mediação ocorre antes mesmo da citação do réu.

O art. 334, caput, do NCPC tem a mesma redação, mas, na parte final, prevê a citação do réu com pelo menos vinte dias de antecedência. Parecem em conflito os dois preceptivos legais, quanto à necessidade de citação do réu. A prevalecer a redação do NCPC, para que o réu seja intimado para a audiência de mediação/conciliação e citado para se defender, contado o prazo de quinze dias da referida audiência, ou da última sessão de mediação ou conciliação, quando qualquer parte não comparecer ou, comparecendo, não houver autocomposição (art. 335, I, NCPC), restará inócua a regra que dispensa o pagamento das custas finais se solucionado o conflito por mediação/conciliação antes da citação.

O CPC, em princípio, não tem aplicação no procedimento especial dos JEFs, mas é possível recorrer a ele, em certos casos, para regulamentar instituto jurídico essencial ao funcionamento dos juizados não regulamentado nas leis específicas destes.(1) É o caso da disciplina da audiência prévia, que já estava prevista na Lei dos Juizados Especiais, mas que não tinha regulamentação. A normatização do procedimento se fez a partir de regras compatíveis com os princípios norteadores dos juizados que não colidem com o que já está regrado pelas Leis 9.099/1995, 10.259/2001 e 12.153/2009. Ao contrário, estão com elas harmonizadas.

Assim, considero aplicáveis aos JEFs as regras dos arts. 334 do NCPC e 27 da Lei de Mediação/Conciliação, sistemática legal que não conflita com os seus princípios norteadores nem com as normas procedimentais de regência da audiência prévia, insertas na Lei nº 9.099/95 (arts. 16 e 17), senão que apenas lhes confere detalhamento.

Firmada a regra geral, no sentido da designação da audiência prévia (ou pré-litigiosa) de conciliação/mediação, a questão primeira a se discutir é se, doravante, estarão os juízes obrigados a assim proceder.

2.1 A experiência dos Juizados Especiais Cíveis com a audiência prévia conciliatória

A primeira pergunta a ser respondida é se a experiência dos JECs, em que a audiência conciliatória tem caráter obrigatório, está sendo positiva. Tem-se controvérsia instalada sobre o assunto. Muitos entendem que tal audiência, devido ao número reduzido de acordos que acontecem, apenas atrasa o andamento dos processos, sendo uma etapa dispensável, sobretudo porque o acordo pode acontecer na audiência de instrução e julgamento. Ademais, os conciliadores são despreparados e um bom número de acordos sequer é cumprido.(2)

Uma pesquisa mais recente e ampla, do Ipea (2013), sob encomenda do CNJ, analisando uma amostragem mais ampla (estados do Rio de Janeiro, do Ceará e do Amapá), mostrou um dado relevante, qual seja, a elevada predominância das sentenças homologatórias em relação a outros tipos de sentença. A média dos três estados é de 31,06% de sentenças homologatórias de acordos. Isso representa dizer que há um aumento de soluções consensuais no JEC.

Ao importar o modelo do JEC para a realidade dos JEFs, é preciso cautela para não reproduzir os problemas já identificados. A capacitação dos conciliadores é uma necessidade comum. A questão do descumprimento dos acordos é externa ao problema e não existe nos acordos com o Poder Público. A aversão dos advogados, porque geralmente não participam da audiência conciliatória, perdendo mercado de trabalho, também não deve preocupar nos JEFs, em que o número de “atermações” (ações sem patrocínio de advogado) é diminuto.

O grande problema é a obrigatoriedade. Ao tornar obrigatória a audiência, a lei procedimental dos Juizados assume o risco de contar com um número razoável de audiências frustradas, o que pode representar retrabalho, perda de tempo e atraso na solução do processo. É que, no universo dos casos não selecionados, há uma tendência natural de intransigência, sobretudo porque não há uma cultura da conciliação. Quando a conciliação é espontânea, o número de acordos é naturalmente aumentado.

A triagem prévia constitui, ao que penso, um mecanismo fundamental para o sucesso de uma política conciliatória. Por isso, a leitura que se deve fazer da exigência da audiência prévia no procedimento do JEF precisa estar consentânea com essa importante variável, sob pena de criarmos um problema ainda maior.

2.2 Recepção como faculdade legal ou obrigatoriedade relativa?

Não considero que seja de caráter absoluto a obrigatoriedade da audiência prévia de conciliação, principalmente nos conflitos em que for parte pessoa jurídica de direito público. Penso que, com um esforço interpretativo, se pode evitar trabalho inútil. De rigor, sustento que o legislador deveria ter previsto que caberia ao juiz filtrar os casos em que seria presumivelmente viável a mediação/conciliação, evitando marcar audiência para os processos em que não há qualquer chance de autocomposição, o que pode ser improdutivo e mesmo caótico para a administração da justiça.

Vamos admitir, então, que se está diante de uma obrigatoriedade relativa. E o importante, agora, é definir quais serão os parâmetros objetivos operacionais para a dispensa da designação da audiência, com o fito de se evitar o subjetivismo. Em outras palavras, que juízes não adeptos da conciliação, pura e simplesmente, optem por não designar a audiência, mesmo quando existem possibilidades de acordo.

O art. 334, § 4º, da Lei nº 13.105/2015 (NCPC) estabelece duas hipóteses que justificam a não realização da audiência: I. se ambas as partes manifestarem, expressamente, desinteresse na composição consensual; e II. quando não se admitir a autocomposição. O art. 27 da Lei de Mediação/Conciliação silencia sobre o ponto. Tais hipóteses, não contrariando outro dispositivo específico da Lei n° 10.259/2001, podem ser utilizadas também no JEF.

Na primeira hipótese (I), quanto à manifestação do autor, poderá ela vir na inicial. O réu terá o prazo de 10 dias de antecedência, contados da data aprazada para a audiência, para manifestar seu desinteresse (§ 5º). O termo inicial da contagem do prazo para contestar será a data do protocolo do pedido de cancelamento da audiência de conciliação ou de mediação apresentado pelo réu (art. 335, II).

Vai-se tentar simular o que deve ocorrer na prática.

1° caso. O autor silencia na inicial, cumprindo ao juiz designar a audiência. O réu, intimado, poderá dizer que não pretende conciliar. Não havendo desinteresse das duas partes, mas apenas do réu, fica mantida a audiência. Ao ser intimado da data da audiência, poderá o autor manifestar seu desinteresse.

“No silêncio do autor sobre a opção pela audiência de conciliação ou mediação (arts. 319, VII, e 334, § 4º, do NCPC), o juiz designará a audiência, sem necessidade de emenda à inicial” (Enunciado nº 2 do Fonacon).(3)

2° caso. O autor, na inicial, declina seu desinteresse em conciliar. Ao juiz, abrem-se dois caminhos: designar a audiência ou não. Porque necessita saber do réu a sua intenção de conciliar, precisará designar a audiência, intimando ambas as partes e citando o réu. Se o réu disser que não tem interesse, prossegue o processo, com a contestação oferecida no prazo contado do protocolo do pedido de cancelamento da audiência (art. 334, § 4º).(4)

Não se exige que a renúncia à audiência seja fundamentada. Mas o juiz poderá, diante da renúncia desmotivada ou da motivação insubsistente, marcar a audiência, com base no seu poder de direção do processo, ocasião em que tentará demover as partes do propósito de levarem o conflito à solução judicial adjudicada. É comum, aliás, que as partes cheguem à audiência de cara amarrada e saiam de mãos dadas!

A segunda hipótese de dispensa da audiência (II), “casos em que não se admite a conciliação”, abarca as situações legais em que não se admite a transação, seja pela natureza das partes, seja pela condição do conflito de interesses. Casos há em que a controvérsia diz respeito a atos ou concessões que dependem de autorização legal ou em relação aos quais a própria lei veda a transação (v.g., o art. 17 da Lei n° 8.429/92, sobre ações de improbidade).

No Fórum Nacional de Conciliação e Mediação – Fonacon, foi aprovado, sobre o tema, o Enunciado nº 1: “A inadmissibilidade de autocomposição referida no art. 334, § 4º, II, do NCPC depende de previsão legal”.

O temor era de que o dispositivo legal, que trata da inadmissibilidade da solução consensual, pudesse ser deturpado para acomodar outras hipóteses não previstas em lei, meras dificuldades e mesmo subjetivismos. 

A Lei de Mediação/Conciliação é confusa e não avançou na matéria ao dizer apenas que “pode ser objeto de mediação o conflito que verse sobre direitos disponíveis ou indisponíveis que admitam transação” (art. 3º). A indisponibilidade, de fato, representa um plus em relação à transigibilidade. Fica para a doutrina explicitar quais são as hipóteses de indisponibilidade com transigibilidade.(5)

Resta saber se a regra do art. 334, § 8º, do NCPC, que dispõe sobre a multa de até dois por cento da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da União ou do Estado, a ser aplicada em caso de não comparecimento na audiência, ato considerado atentatório à dignidade da justiça, teria aplicabilidade no JEF.

No mesmo Fonacon, foi aprovado o Enunciado nº 3: “O desinteresse de uma das partes pela autocomposição não constitui motivo justificado para o não comparecimento à audiência de conciliação ou mediação (art. 334, § 8º, do NCPC)”. Como a regra do NCPC exige a dupla manifestação (autor e réu), não é suficiente apenas uma delas, sendo dever das partes comparecer à audiência. Parece não haver dúvida hoje na jurisprudência de que a multa em questão pode ser aplicada contra a Fazenda Pública, devendo se reverter em favor da União no caso da Justiça Federal.

2.3 Sobre as hipóteses de dispensa da audiência prévia de conciliação

A conciliação/mediação, embora incentivada por lei, incorpora-se ao procedimento judicial como norma de ordem pública, estando, portanto, imune ao alvedrio do juiz, mas não perde o seu caráter de liberalidade para as partes, que, inclusive, podem abrir mão da realização da audiência prévia.

Assim, nos conflitos em que for parte ente público, as limitações deverão ser disciplinadas no âmbito da própria Administração, que definirá, por ato normativo (resolução administrativa), as hipóteses em que há interesse em conciliar. Isso pode ser disciplinado com caráter genérico ou específico. Poderá a Administração apenas elencar as hipóteses e os critérios ou ainda especificar os casos em que é possível a conciliação.

É certo que um número considerável de demandas que tramitam no JEF permite, ictu oculi, identificar a inviabilidade da composição amigável. São exemplos as pretensões que têm por objeto matéria sobre a qual os entes públicos réus, embora reconheçam a veracidade da matéria de fato, ou discutem sobre a conformação do direito que embasa a pretensão, ou esgrimem com precedentes de jurisprudência contrária.

Casos existem em que a própria natureza da lide, supondo o acertamento sobre situação de fato controvertida, torna inviável a conciliação antes da dilação probatória. É a hipótese das ações previdenciárias que têm por objeto benefício por incapacidade, assistencial ou especial. Nessas, o exame pericial, invariavelmente, é condição de possibilidade para um eventual acordo.(6) Nas ações previdenciárias em que se faça necessário comprovar a condição de segurado especial, por exemplo, o depoimento pessoal do autor e a prova testemunhal são essenciais. Seria perda de tempo a designação da audiência prévia de conciliação antes de serem realizadas.(7) A sistemática da audiência integrada, adotada em algumas varas de JEF, com a realização da perícia e a conciliação no mesmo ato, representa uma possibilidade de cumprimento à exigência da audiência prévia.

A pergunta que não quer calar é se essa variável pode levar a que a audiência de conciliação venha a ser, em juízo a priori, dispensada pelo juiz da causa, relativizando a hipótese de sua obrigatoriedade.

Penso que, em princípio, não. Para evitar que a nobre intenção do legislador de incentivar a autocomposição se torne letra morta da lei, a regra geral deve ser a designação da audiência, revelando-se perigosos os apriorismos. Cumpre ao juiz buscar, dentro do sistema legal, o fundamento para a não designação de audiência.
Na triagem dos casos, os parâmetros operacionais serão, além das hipóteses previstas no § 4°, I e II, do art. 334 do NCPC, a definição administrativa das situações em que a própria Administração, por ato normativo, explicita os casos em que é possível a conciliação.

Na direção do processo, diante da dúvida por falta de explicitação administrativa e do silêncio ou desinteresse de apenas uma das partes, poderá o juiz, reconhecendo a inviabilidade da conciliação, antes de designar a audiência, congestionando sua pauta, ouvir a outra parte. Embora isso represente a necessidade de mais uma intimação no processo, pode ser mais vantajoso do que a designação da audiência. A jurisprudência, certamente, com o auxílio da doutrina, deve criar mais exceções, ante o caráter temerário de uma exegese fechada da norma em comento.

Seguem algumas hipóteses que, por força do sistema, dispensam a designação de audiência prévia de conciliação.

2.4 Audiência prévia de conciliação e a improcedência liminar do pedido (art. 332, NCPC)

Em substituição ao vigente art. 285-A, o NCPC apresenta o art. 332, mantendo a técnica que possibilita o julgamento sem oitiva do réu em hipóteses nas quais já exista entendimento modelar dos tribunais superiores acerca da matéria (ou de Tribunal que tenha julgado um incidente de resolução de demandas repetitivas). A redação é a seguinte:

“Art. 332. Nas causas que dispensem a fase instrutória, o juiz, independentemente da citação do réu, julgará liminarmente improcedente o pedido que contrariar:
I – enunciado de súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça;
II – acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;
III – entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;
IV – enunciado de súmula de tribunal de justiça sobre direito local.
§ 1° O juiz também poderá julgar liminarmente improcedente o pedido se verificar, desde logo, a ocorrência de decadência ou de prescrição.”

Vê-se nessa possibilidade de julgamento liminar uma exceção à regra da audiência prévia de conciliação. Embora não se trate de caso de indeferimento da inicial, hipótese cogitada pelo art. 334, caput, do NCPC, sobrepõe-se outra prejudicial, que é o julgamento de mérito liminar. Sendo o caso de julgamento liminar, não há fundamento na designação da audiência conciliatória, porque o caso é de improcedência do pedido.

2.5 Audiência prévia de conciliação e o incidente de resolução de processos repetitivos (arts. 973-987, NCPC)

O art. 973 do NCPC prescreve o cabimento do IRDR quando estiverem presentes, simultaneamente, dois requisitos: “I – efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito” e “II – risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica”.

Considerando que o Relator do incidente deverá mandar suspender todos os processos pendentes (individuais ou coletivos) que tramitem no mesmo Estado ou na mesma Região do Tribunal (art. 979), as ações novas idênticas também deverão ser suspensas, tornando inaplicável a regra do art. 334, caput, do NCPC.

No mesmo sentido, nos processos novos que se submeterem ao sobrestamento para aguardar o julgamento de recurso repetitivo (STJ) e repercussão geral (STF), não deverá ser designada a audiência prévia de conciliação.

O § 5° do art. 1.035, a propósito, traz regra que amplia o poder que o STF antes detinha: uma vez reconhecida a repercussão geral, será determinado o sobrestamento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a mesma questão e tramitem no território nacional.

2.6 A quem incumbe a condução da audiência prévia de conciliação? Ao Juiz ou ao conciliador?

A condição para que a audiência prévia de conciliação não represente um problema maior do que a solução está na utilização da força de trabalho dos conciliadores para a sua condução. Discutirei mais adiante as funções do juiz e do conciliador, mas cumpre adiantar que o sistema de conciliação, em sua funcionalidade, está concebido para operar com conciliadores, ficando o juiz apenas na supervisão dos trabalhos.

Assim, a audiência prévia será, preferentemente, conduzida por um conciliador, sob supervisão judicial. Conforme preceitua a Lei nº 13.105/2015 (NCPC), art. 334, § 1º: “O conciliador ou mediador, onde houver, atuará necessariamente na audiência de conciliação ou de mediação, observando o disposto neste Código, bem como as disposições da lei de organização judiciária”.

2.7 Problemas antigos a serem resolvidos com a realização da audiência prévia de conciliação

Há, entre os membros da Advocacia Pública, sobretudo na AGU, uma compreensão, ao meu ver despida de racionalidade, no sentido da ausência da obrigatoriedade de o Poder Público estudar a possibilidade de acordo nos processos do JEF, cenário que, diante da retração dentro dos seus quadros, remete as iniciativas conciliatórias ao voluntarismo de alguns poucos Procuradores.(8)

Com o propósito de encaminhar a proposta da citada virada procedimental, para que a audiência prévia passe a ser efetivamente realizada, deixando de ser letra morta da lei, e se reverta a retração, vão-se levar em conta duas premissas alvitradas por Souza (2013), que se extraem do sistema procedimental legal:

a) É dever-poder de todo ente público que seja parte em processo judicial, notadamente no JEF,(9) “analisar a possibilidade de transação sempre que houver incerteza fática ou jurídica relevante que torne viável o acertamento pacífico do conflito, ainda que inexistam parâmetros normativos específicos para a realização de acordo”.(10)

Esse dever-poder decorre de uma exegese sistêmica que leva em conta, além dos princípios constitucionais que norteiam a atividade administrativa, todo o aparato legal que disciplina a autocomposição de conflitos em que é parte a Administração Pública: Lei nº 13.105/2015 (NCPC), arts. 3º,(11) 174(12) e 334; Lei nº 13.140/2015, que disciplina a mediação/conciliação entre particulares e nos conflitos em que for parte a Administração Pública, arts. 1º, 32 a 40, 43 e 44; Lei nº 9.469/1997, arts. 1º e 2º; e Lei nº 9.099/1995, arts. 16 e 17.

b) Nos conflitos do JEF, envolvendo entes públicos, deve ser assegurado o prazo razoável para manifestação de órgãos técnicos e de outros órgãos que sejam competentes para autorizar a celebração de acordo em juízo, respeitados os parâmetros normativos aplicáveis e o princípio da isonomia.(13)

Caberá ao juiz, considerando-se que no JEF há maior flexibilidade procedimental, levar em conta a necessidade de conferir ao Ente Público, quando designa a audiência prévia de conciliação, prazo razoável para a análise técnica do caso. Tal prazo deve respeitar as peculiaridades locais e o volume de trabalho da respectiva procuradoria, sendo relevante o diálogo entre o juiz e os Procuradores para discutirem essa questão, devendo-se sempre conferir idêntico tratamento para a parte ex adversa.

Resumindo. Algumas hipóteses, que consubstanciam respostas às perguntas da tese, caracterizando problemas cruciais do JEF, poderão ser confirmadas com a generalização da audiência prévia na sua práxis procedimental. Sucintamente, estão a seguir catalogadas algumas possibilidades:

1. Conferir vida ao instituto da audiência prévia, quase em desuso na práxis do JEF, apesar da previsão legal.
2. Inverter a ordem cronológica do procedimento, ora reinante no JEF, levando a sério, na práxis judicial, a Constituição (art. 98, I) e os arts. 16 e 17 da Lei nº 9.099/95, 27 da Lei 13.140/95 e 334 da Lei nº 13.105/2015 (NCPC), que dispõem sobre o procedimento a ser adotado no JEF, obedecendo à sequência: tentar conciliar antes de julgar.
3. Superar a tendência de se buscar a resposta adjudicada, e não o acordo, como determina o art. 98, I, da CR, tornando regra geral do procedimento a designação de audiência prévia de conciliação, regra que somente pode ser afastada pela vontade de todos os litigantes.
4. Induzir à obrigação de o Poder Público tentar resolver o conflito pela via autocompositiva, na medida em que a audiência  conciliatória passa a ser designada, e o comparecimento nela, obrigatório.
5. Dar ao Poder Público o prazo razoável indispensável para estudar e elaborar a proposta de acordo. O juiz marcará a audiência com antecedência mínima de 30 (trinta) dias, devendo o réu ser citado com pelo menos 20 (vinte) dias de antecedência (art. 334, caput, do NCPC).

3 Sobre a conciliação nos conflitos em que for parte o Poder Público

No capítulo II, a nova lei trata da autocomposição nos conflitos em que for parte o Poder Público, estabelecendo, no art. 32, que:

“A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão criar câmaras de prevenção e resolução administrativa de conflitos, no âmbito dos respectivos órgãos da Advocacia Pública, onde houver, com competência para: – dirimir conflitos entre órgãos e entidades da administração pública;  II – avaliar a admissibilidade dos pedidos de resolução de conflitos, por meio de composição, no caso de controvérsia entre particular e pessoa jurídica de direito público;  III – promover, quando couber, a celebração de termo de ajustamento de conduta.”

Esse dispositivo, disciplinando as câmaras de prevenção e resolução administrativa de conflitos entre entidades da administração pública, não inova em relação à realidade da União Federal. No âmbito da AGU, a Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal – CCAF já vinha funcionando desde 2007.

A grande novidade fica por conta da possibilidade de essas câmaras avaliarem a admissibilidade dos pedidos de resolução de conflitos, por meio de composição, no caso de controvérsia entre particular e pessoa jurídica de direito público. Isso é importante, podendo ser o embrião para as conciliações na via administrativa.

Caberá às câmaras a definição das políticas conciliatórias no âmbito de suas esferas de atuação, criando condições para que matérias já pacificadas e demandas repetitivas possam ser objeto de mediação e conciliação, prevenindo e reduzindo o número de demandas que chegam ao Poder Judiciário, inclusive por meio de conciliações e mediações coletivas (tal como prevê o parágrafo único do art. 33). Incumbirá a tais câmaras, inclusive, definir matérias e critérios quantitativos e qualitativos para propostas a serem encaminhadas, no sentido da padronização dos acordos, criando paradigmas seguros para a atuação dos Procuradores Públicos, hoje sem muita orientação e submetidos ao voluntarismo.

Está a novel disciplina na tendência democratizante que auspicia um “Direito Administrativo dúctil” (ZAGREBELSKI, 2002), que supera a contraposição tradicional entre Administração Pública e cidadão e se inspira no diálogo.

É pena que, nos casos de controvérsia jurídica relativa a tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil ou a créditos inscritos em dívida ativa da União, não serão aplicáveis as disposições dos incisos II e III do caput do art. 32 (art. 38, I).

Persistem a impossibilidade de conciliação e a resistência a ela nos executivos fiscais, enquanto milhares e milhares de processos se arrastam nos foros da Justiça Federal e da Justiça Estadual (delegada), sem perspectiva de solução, impactando negativamente as taxas de congestionamento dessas Justiças, que nada podem fazer para resolver o problema.

Segundo dispõe o art. 33 da Lei de Mediação/Conciliação, “Enquanto não forem criadas as câmaras de mediação, os conflitos serão dirimidos nos termos do procedimento de mediação previsto na Subseção I da Seção III do Capítulo I desta lei”. Tal subseção trata das normas comuns da mediação/conciliação, ou seja, da judicial e da extrajudicial. Apesar da infeliz redação, que pode levar ao equívoco de se pensar que não têm aplicabilidade à conciliação nos conflitos em que for parte a Administração Pública as regras da conciliação judicial (arts. 24 a 29), que estão em outra subseção, essa exegese seria absolutamente descontextualizada. Convivem, no sistema normativo complexo estruturado para facilitar a solução consensual nos conflitos em geral, a conciliação na via administrativa e a conciliação na via judicial.
Conforme prevê o art. 35,

“As controvérsias jurídicas que envolvam a administração pública federal direta, suas autarquias e fundações poderão ser objeto de transação por adesão, com fundamento em: – autorização do Advogado-Geral da União, com base na jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Federal ou de tribunais superiores; ou II – parecer do Advogado-Geral da União, aprovado pelo Presidente da República.”

As regras do art. 35 disciplinam a solução autocompositiva por adesão. Na verdade, embora tenha um potencial de desjudicialização imenso em demandas repetitivas já pacificadas, não se trata de autocomposição no sentido estrito da palavra. Trata-se de modalidade contratual que cada vez mais ocupa espaço no ultraliberalismo que tomou de assalto o mundo ocidental, transformando os direitos em mercadorias (law shopping) e os cidadãos em “consumidores de direito” (SUPIOT, 2007).

São os contratos cujo objetivo primordial não é mais trocar determinados bens nem selar uma aliança entre iguais, mas legitimar o exercício de um poder e a subordinação. Nos acordos em que figura como parte o Poder Público, com propostas fechadas e condicionamentos administrativos ditados unilateralmente, a partir de uma lógica de eficiência, algo como um all or nothing, tem-se uma espécie de contrato de dependência dirigido, trazendo consigo, ostensivamente, o arbítrio, o poder e a subordinação.

De qualquer sorte, a inovação legislativa confere foros de normatividade à possibilidade de a AGU, diante de matérias pacificadas e nas condições referidas, apresentar uma proposta padrão de quitação da dívida, à qual podem aderir todos os que, comprovadamente, se enquadrem na condição de titulares do direito reconhecido.

O sucesso da solução autocompositiva por adesão vai depender de alguns fatores: 1. a efetiva pacificação das matérias repetitivas nos tribunais superiores, o que hoje tem sido muito demorado; 2. a pronta atuação (autorização ou parecer) do AGU no sentido de criar condições à autocomposição; 3. a qualidade dos requisitos e das condições que venham a ser estipuladas por resolução para condicionar os acordos.

Certamente, se não forem boas as propostas, ou seja, se a AGU persistir na ideia de obter vantagem em cima de ilegalidades reconhecidas, os titulares dos direitos preferirão recorrer ao Poder Judiciário a ter de abrir mão de uma parcela do seu direito líquido e certo como condição para receber seus haveres mais rapidamente.

A regra impõe à AGU um dever. A mais grave violação do princípio isonômico, pelo tratamento discriminatório em relação a alguns (ou muitos) administrados, ocorre quando o Poder Público, diante de situações pacificadas na jurisprudência, deixa de propor acordo, permitindo que uns tenham o direito concretizado e outros, não.

É rematada a conduta administrativa anti-isonômica quando a AGU deixa de criar condições, por via legislativa, depois da pacificação jurisprudencial, para a solução de todos os casos iguais, nas hipóteses de demandas em massa, conferindo um tratamento diferenciado a pessoas em situação idêntica. Por mera finalidade de caixa, não se estendem a todos, indistintamente, os direitos de massa reconhecidos definitivamente pelo Judiciário, com o respectivo pagamento das diferenças devidas.

Cogita-se de uma (re)leitura do princípio da igualdade a partir da não discriminação. A proibição de discriminação veda qualquer tipo de distinção (preferência, exclusão, limitação ou restrição) entre pessoas que se encontrem em situações similares, sem um motivo razoável e objetivamente proporcional.

Na hipótese, a conduta administrativa que distingue alguns administrados, excluindo-os do gozo do direito já reconhecido, revela-se inconstitucional por afronta ao princípio isonômico. O direito antidiferenciação considera ilegítimos tratamentos diferenciados (prejudiciais ou benéficos) em favor de quem quer seja, mesmo quando pela via indireta, como no caso de leis, decisões ou práticas que, aparentemente neutras, acarretam um impacto desigual sobre um determinado grupo de pessoas.

O art. 40 traz uma regra útil, sobretudo do ponto de vista pedagógico:

“Os servidores e empregados públicos que participarem do processo de composição extrajudicial do conflito somente poderão ser responsabilizados civil, administrativa ou criminalmente quando, mediante dolo ou fraude, receberem qualquer vantagem patrimonial indevida, permitirem ou facilitarem sua recepção por terceiro, ou para tal concorrerem.”

A questão que surge é se estariam abolidos os crimes funcionais culposos que podem decorrer do fato de um servidor público, em acordo judicial ou extrajudicial, receber ou permitir/facilitar que terceiro receba vantagem patrimonial indevida. O assunto é complexo e fica para outra oportunidade.

O fato é que impera hoje, entre Procuradores Públicos, especialmente os mais novos na carreira, muito temor de represálias administrativas e até de responsabilização civil por eventuais maus acordos que venham a entabular. Em boa hora, o texto legal limita a ocorrência dos ilícitos civis, administrativos e penais às hipóteses de dolo ou fraude no recebimento próprio ou de terceiro de vantagem patrimonial indevida, aceitando que a autocomposição encerra riscos intrínsecos que vale a pena correr. Premia a boa-fé e retira um peso constante dos ombros daqueles que acreditam nas formas autocompositivas de solução de conflitos e nas suas vantagens para a Administração Pública e os cidadãos.(14)
   
4 Conciliações online ou a distância

O art. 46 traz uma novidade alvissareira, dispondo que a mediação poderá ser feita pela Internet ou por outro meio de comunicação que permita a transação a distância, desde que as partes estejam de acordo.

No âmbito da Justiça Federal, a conciliação virtual já é uma realidade desde 2012. O Fórum de Conciliação Virtual, como foi chamado na Justiça Federal da 4ª Região, desenvolve-se em ambiente inteiramente virtual e assíncrono, sem a participação de juiz ou de conciliadores, de forma integrada ao processo eletrônico, primando por simplicidade, confidencialidade, informalidade, desmaterialização e desterritorialização da solução das demandas.

Conclusão

Finalmente, a nova Lei de Mediação e Conciliação entra em vigor após decorridos cento e oitenta dias de sua publicação oficial, ocorrida no DOU de 29 de junho de 2015. O ideal é que entrasse em vigor junto com o NCPC, que traz a disciplina processual da mediação e da conciliação judicial. Cabe à práxis judicial e à doutrina a tarefa de dar vida à nova lei, potencializando seus pontos positivos e corrigindo as falhas de sua concepção.
 
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Notas

1. Consultar Bollmann (2015) sobre a aplicação das regras do novo CPC aos Juizados Especiais Federais. Para esse autor, “diante do critério da especialidade para resolução de antinomias, bem como pela ausência de expressa previsão geral no novo CPC (embora podendo e fazendo menção em dispositivos específicos, o legislador não previu a aplicação supletiva geral para os juizados – mesmo tendo previsto para os trabalhistas, por exemplo), ele só é aplicável nos juizados naquilo que expressamente previr ou naquilo que regulamentar instituto jurídico essencial ao funcionamento dos juizados não regulamentado nas leis específicas destes”.

2. Ver, por todos, Paletta (2011), sobre pesquisa nos Juizados Especiais Cíveis do Rio de Janeiro, mostrando que o percentual de conciliações de um total de 1.443.956 audiências realizadas em cinco anos é de no máximo 27%, com tendência de redução.

3. Fórum Nacional de Conciliação e Mediação – Fonacon, promovido pela Associação dos Juízes Federais – Ajufe, de 1º a 3 de junho de 2015, em Brasília.

4. Se o réu deixar para se manifestar no final do prazo de 10 (dez) dias antes da audiência, deverá a secretaria ser ágil para intimar o autor, na pessoa do advogado, para que não se desloque inutilmente para acompanhar a audiência que não se realizará.

5. Ver, sobre o tema da indisponibilidade dos direitos tutelados pela Administração Pública, Talamini (2004), Volpi (2011, p. 139-164), Souza (2012), Salles (2014, p. 209-227) e Gismondi (2014, p. 168-202).

6. Quanto à aposentadoria especial, se a parte juntar os laudos técnicos necessários à prova da especialidade, não havendo impugnação, poderá ser dispensada a perícia.

7. Consultar, sobre o tema, Cardoso (2015, p. 391).

8. Ver, a propósito, Vaz e Takahashi (2011a), mostrando a falta de incentivo na carreira e o temor do processo administrativo por infração disciplinar, que afastam os procuradores federais que tutelam os interesses do INSS das conciliações.

9. Segundo dispõe o art. 10 da Lei 10.259/2001, os representantes judiciais da União e das autarquias, fundações e empresas públicas federais ficam autorizados a conciliar, transigir ou desistir nos processos da competência dos Juizados Especiais Federais.

10. Cf. Souza (2012, p. 175-179, e 2013, p. 257), concluindo sobre o dever de avaliar a possibilidade de transigir em todo litígio proposto contra o Poder Público. No mesmo sentido, Gazda (2006, p. 131-158).

11. “DAS NORMAS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO CIVIL. [...] Art. 3º Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito. § 1º É permitida a arbitragem, na forma da lei. § 2º O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos. § 3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.”

12. “Art. 174. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios criarão câmaras de mediação e conciliação, com atribuições relacionadas à solução consensual de conflitos no âmbito administrativo, tais como: I – dirimir conflitos envolvendo órgãos e entidades da administração pública; II – avaliar a admissibilidade dos pedidos de resolução de conflitos, por meio de conciliação, no âmbito da administração pública; III – promover, quando couber, a celebração de termo de ajustamento de conduta.”

13. Cf. Souza (2013, p. 257).

14. Ver, sobre as barreiras à política de conciliação, com enfoque para a retração da AGU, Vaz e Takahashi (2011a) e Gazda (2006).



Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023:2002/ABNT):
. . Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n., out. 2015. Disponível em:
<>
Acesso em: .


REVISTA DE DOUTRINA DA 4ª REGIÃO
PUBLICAÇÃO DA ESCOLA DA MAGISTRATURA DO TRF DA 4ª REGIÃO - EMAGIS