Resumo
A Lei Federal 9.605/1998 (Lei dos Crimes Ambientais) possui diversos
artigos que se referem a crimes contra a flora. Na esfera federal, a
apuração criminal é executada pelo Departamento de Polícia Federal.
Indispensável é a elaboração de exame pericial nos crimes que deixam
vestígios, como a maioria dos delitos ambientais, inclusive aqueles
contra a flora. O relativo desenvolvimento das áreas de fiscalização
ambiental relacionadas aos órgãos ambientais governamentais tem
consolidado uma série de técnicas e novas metodologias para detecção e
caracterização de danos ao meio ambiente. Com o intuito de aprofundar
os conhecimentos sobre as perícias criminais de flora no estado de
Santa Catarina, foi executado um diagnóstico da casuística desse tipo
de perícia. Obtiveram-se expressivos números relacionados a impactos
sobre a flora catarinense, representados em uma área total de 821,4 ha
no contexto das diferentes regiões fitoecológicas, com destaque para a
restinga e o mangue (448,3 e 21,7 ha desflorestados, respectivamente).
Além de diretrizes para a repressão aos crimes ambientais envolvidos,
os resultados trazem maior clareza quanto ao objeto da perícia criminal
em delitos contra a flora no estado, sobre qual é o “corpo de delito”
que está sendo examinado pela criminalística federal.
Palavras-chave:
Perícias criminais. Criminalística. Crimes ambientais. Flora.
Ecossistemas.
Sumário: Introdução.
1 Materiais e métodos. 2 Resultados e discussão. Conclusão. Referências
bibliográficas.
Introdução
O presente trabalho é componente de uma dissertação de
mestrado defendida e aprovada em 2013, no âmbito do I Mestrado
Profissional em Perícias Criminais Ambientais, executado com base em
convênio firmado entre o Departamento de Polícia Federal, por meio da
Superintendência Regional em Santa Catarina, e a Universidade Federal
de Santa Catarina.
A referida dissertação buscou avaliar a temática de
perícias em crimes federais contra a flora em Santa Catarina de forma
abrangente, partindo de um diagnóstico de sua casuística, buscando
fornecer subsídios para a elaboração desse tipo de exame pericial na
região. No presente artigo, serão enfocados alguns aspectos relevantes
do estudo, principalmente em relação aos ecossistemas vegetais
impactados e aos seus estágios de regeneração natural.
A Lei nº 9.605/98 (Lei dos Crimes Ambientais) possui
diversos artigos que se referem a crimes contra a flora. Na esfera
federal, quando os crimes ambientais atingem áreas sob responsabilidade
da União, o Departamento de Polícia Federal (DPF), polícia judiciária
da União, é responsável pela apuração criminal. A realização de exames
periciais necessários à apuração dos referidos crimes é competência da
Criminalística da Polícia Federal. Na casuística verificada no Setor
Técnico-Científico (Setec) da Superintendência Regional da Polícia
Federal em Santa Catarina, há diversas solicitações periciais que se
relacionam com a temática ambiental. A área de crimes contra a flora é
a mais demandada. Tal demanda pode ser direta, ou seja, o exame
pericial solicitado refere-se ao desflorestamento investigado
propriamente dito (Figura 1), ou indireta, quando o dano ambiental
investigado envolve algum tipo de dano à flora como consequência
(Figura 2).

Figura 1 – Exemplo de demanda direta, ou seja, o crime investigado tem
como foco o desflorestamento per se de uma área.

Figura 2 – Exemplo de demanda indireta, ou seja, o crime investigado
tem como foco principal outros tipos de delitos ambientais, mas que
envolvem impactos à vegetação.
Subsídios para a elaboração de perícias criminais nessa
temática no estado são relevantes. Siminski (2009, p. 6), baseado nos
estudos constantes do Atlas 2008 (FUNDAÇÃO SOS MATA ATLÂNTICA; INPE,
2009), indicou que Santa Catarina foi o estado brasileiro que mais
perdeu Mata Atlântica desde o ano 2000, cerca de 45,5 mil ha,
equivalente a um aumento de 7% em relação ao período anterior.
Novos relatórios, das mesmas instituições, apontam que
as taxas de desflorestamento no estado têm diminuído, alcançando 568 ha
entre os anos de 2010 a 2011 e 499 ha de 2011 a 2012 (FUNDAÇÃO SOS MATA
ATLÂNTICA; INPE, 2012, 2013). Não obstante, os números ainda são
expressivos, e Santa Catarina ocupava, no último ranking divulgado,
a 6ª colocação entre os estados que mais desmataram o referido bioma
(Tabela 1).
Esse impacto é distribuído ao longo das diferentes
regiões fitoecológicas pertencentes a esse bioma presentes no estado,
conforme classificação de Klein (1978): Floresta Ombrófila Densa (FOD),
Floresta Ombrófila Mista (FOM), Campos Naturais, Floresta Estacional
Decidual (FED) e Formações Pioneiras (Restingas e Manguezais).
Tabela 1 – Ranking de
desflorestamento por estado da Federação do bioma Mata Atlântica no
período de 2010 a 2012 (Fonte: Fundação SOS Mata Atlântica).

1 Materiais e
métodos
A base de dados utilizada neste trabalho foi o conjunto
de 546 laudos de perícias criminais federais da área de meio ambiente
produzidos pelo Grupo de Perícias em Meio Ambiente e Engenharia Legal
(GPEMA) do Setor Técnico-Científico (Setec) da Superintendência
Regional de Polícia Federal em Santa Catarina desde o ano de 2008 até o
ano de 2012.
Com o auxílio do Sistema Nacional de Gestão de
Atividades de Criminalística (Siscrim), sistema informatizado que opera
internamente na instituição, foram obtidos os arquivos digitais
referentes a todos os 546 laudos criminais elaborados pelos peritos
criminais federais para instrução de processos criminais de meio
ambiente no período situado entre o início do ano de 2008 e o fim do
ano de 2012.
Nos documentos foram extraídas as seguintes informações:
tipo de laudo produzido, localização geográfica dos crimes (município
do estado), motivo dos crimes contra a flora periciados, superfície de
vegetação impactada, tipo vegetal, estágio sucessional da vegetação,
áreas de preservação permanente impactadas, posição da área em relação
às unidades de conservação no entorno e presença de terras de marinha
no local periciado.
Os dados foram trabalhados em planilhas, sumarizados e
apresentados por meio de estatísticas descritivas.
2 Resultados e
discussão
A análise pormenorizada dos referidos documentos indicou
que a área total periciada de danos à flora em Santa Catarina foi de
821,4 ha. Essas áreas estão discriminadas nos 442 laudos que
apresentavam dados referentes a impactos sobre a vegetação, como
desflorestamentos, supressão de vegetação, corte seletivo
(bosqueamento) e impedimento da regeneração natural, atividades
passíveis de enquadramento na legislação penal como crimes contra a
flora (artigos 38, 38-A, 39, 45, 48, 50 e 50-A da Lei Federal
9.605/1998). Os laudos ambientais restantes, em número de 104, não se
referiam a danos à vegetação. Tratava-se de laudos de poluição,
identificação animal, identificação de minérios, complementares e
outros. Tal fato é relevante porque demonstra que, da totalidade dos
laudos de meio ambiente (546), cerca de 442 apresentavam dados
referentes a danos à vegetação, aproximadamente 81%, demonstrando a
importância da área temática no contexto da criminalística ambiental do
estado.
Os resultados, organizados em regiões
fitoecológicas e formações pioneiras, encontram-se na
Figura 3.

Figura 3 – Áreas impactadas periciadas
nos diferentes ecossistemas vegetais do estado de Santa Catarina.
Os dados refletem uma maior pressão aos ecossistemas
litorâneos, sendo as tipologias presentes no litoral (restinga, mangue
e FOD) as mais impactadas. Na região, há uma alta densidade
demográfica, quase sempre associada à pressão de ocupação sobre os
ecossistemas. Também se verifica a presença concentrada de áreas sob
responsabilidade da União, como terras de marinha e unidades de
conservação federais, fato que atrai a competência federal para a
apuração dos crimes. A baixa representatividade de valores nas regiões
de FED e FOM é advinda da reduzida demanda de exames periciais no
interior do estado, possivelmente associada à falta de “tradição” das
delegacias de polícia mais interiorizadas para investigação de crimes
ambientais, do possível uso de laudos técnicos dos órgãos ambientais
administrativos como Ibama, Fatma ou Polícia Ambiental para instruir os
processos, além da menor concentração de terras da União. Com ênfase na
região mais impactada, a litorânea, os resultados organizados quanto ao
estágio sucessional ou fisionomia da vegetação,
conforme Resolução Conama 04/1994 (FOD) e
Resolução Conama 261/1999 (Restinga e Mangue), encontram-se na Tabela 2.
Tabela 2 – Estágios sucessionais e fisionomia das
tipologias vegetais periciadas na região litorânea de Santa Catarina.
ECOSSISTEMA
|
ESTÁGIO
SUCESSIONAL OU FITOFISIONOMIA
|
ÁREA
(ha)
|
%
|
FOD
|
INICIAL
|
168,5
|
50,1
|
MÉDIO
|
152,8
|
45,5
|
AVANÇADO
|
14,8
|
4,4
|
TOTAL
|
336,1
|
100
|
MANGUE
|
MANGUE E TRANSIÇÃO
|
21,1
|
97,2
|
MANGUE TÍPICO
|
0,6
|
2,8
|
TOTAL
|
21,7
|
100
|
RESTINGA
|
HERBÁCEA
|
405,7
|
90,5
|
ARBUSTIVA
|
26,6
|
5,9
|
ARBÓREA
|
16,0
|
3,6
|
TOTAL
|
448,4
|
100
|
No que se refere à FOD, os resultados apontam maiores
impactos nos estágios inicial (50,1%) e médio (45,5%), fases em que a
vegetação possui menor porte e diversidade. Os desflorestamentos em
estágio inicial em área urbana estão associados ao corte raso de
terrenos para construção civil e parcelamentos de solo, principalmente.
O estágio médio está mais relacionado à atividade agropecuária nas
áreas rurais (Figura 4) e de construção civil e parcelamentos de solo
nas áreas urbanas. O corte em estágio avançado, quando a vegetação
possui porte e diversidade maiores, encontra fortes restrições na Lei
Federal nº 11.428/2006 (Lei da Mata Atlântica). Tal fato diminui a
pressão sobre esse estágio, principalmente nas áreas mais visadas e
fiscalizadas pelo poder público no litoral e nas áreas rurais dos
municípios litorâneos.

Figura 4 – Exemplo de desflorestamento na região fitoecológica da
Floresta Ombrófila Densa em estágio médio, situado em área rural.
Quanto à restinga, analisaram-se as suas
fitofisionomias, definidas na Resolução Conama 261/1999. Observa-se que
as áreas mais impactadas encontram-se na fisionomia herbácea (90,5%),
quase sempre situada na porção mais próxima ao mar (Figura 5),
justamente onde há maior pressão imobiliária e de construção civil,
conforme já citado por Falkenberg (1999). A facilidade de avanço sobre
essas áreas, já que seu porte é baixo, também é outro ponto de
destaque. A intensa pressão de parcelamentos de solo nas margens dos
manguezais presentes no litoral catarinense é um dos fatores
historicamente apontados como responsáveis pelas áreas impactadas do
ecossistema de manguezal (SOUZA et al., 1993). Ressalta-se que esses
manguezais estão nas regiões onde há maior pressão de ocupação,
próximas à orla.

Figura 5 – Exemplo de impactos associados à vegetação das formações
pioneiras de Restinga, fisionomia herbácea, para implantação de
parcelamentos de solo.
Conclusões
Além de um panorama atual a respeito da pressão da
ocupação humana sobre os frágeis ecossistemas presentes nas áreas sob
responsabilidade da União em Santa Catarina, os resultados trazem maior
clareza quanto ao objeto da perícia criminal em delitos contra a flora
no estado, sobre qual é o “corpo de delito” que está sendo examinado
pela criminalística federal.
As áreas periciadas nas diferentes regiões
fitoecológicas do estado e seus diferentes ecossistemas, em cotejo com
os levantamentos de impactos contra a vegetação em Santa Catarina, como
o Atlas da Fundação SOS Mata Atlântica e do INPE, revelam que
percentagem significativa dos danos totais à vegetação catarinense está
sendo examinada pela criminalística federal. Como exemplo, cita-se que
as áreas periciadas de FOD (336,1 ha) representam aproximadamente 7% do
total desflorestado, e as áreas de restinga periciadas (448,4 ha)
ultrapassam os valores indicados pelos levantamentos em 35%. Com
relação ao mangue e transição, os peritos criminais federais periciaram
uma área impactada de 21,7 ha, quando o Atlas, no período, apontou zero.
Nesse contexto, estão sendo fornecidos subsídios
gerenciais para o planejamento operacional da repressão aos crimes
contra a vegetação nos diferentes ecossistemas no estado, inclusive
indicando a necessidade de maior atenção por parte da instituição aos
mais interiorizados FED e FOM.
Outro ponto de relevância é o fomento de diretrizes mais
focadas na casuística real para a capacitação de pessoal tanto da
perícia quanto de toda a PF do estado.
Referências
bibliográficas
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São Paulo: 2009.
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relatório final. São Paulo: 2012.
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(Doutorado em Recursos Genéticos Florestais), Centro de Ciências
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Florianópolis, n. 21, p. 87-117, 1992.
VIBRANS, A. C.; McROBERTS, R. E.; LINGNER, D. V.;
NICOLETTI, A. L.; MOSER, P. Extensão original e remanescentes de
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florístico florestal de Santa Catarina. Blumenau:
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