|
||||||||||||||||||||
publicado em 16.12.2015
|
||||||||||||||||||||
O presente estudo foi elaborado como trabalho de conclusão do Currículo Permanente –Módulo II – Direito Administrativo 2014, promovido pela Escola da Magistratura do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. O título do trabalho, Apontamentos sobre a atualização dos créditos judiciais contra a União, procura verificar a metodologia de pagamento das dívidas da administração pública e a forma de imputação dos acessórios, quais sejam, as taxas de juros e os índices de correção monetária. Para tanto, examina o método de execução contra a Fazenda Pública e os respectivos privilégios para pagamento mediante precatório ou requisição de pequeno valor para, a seguir, concluir pela natureza de ordem pública dos mencionados acessórios, bem como pela natureza processual da legislação que estabelece índices de juros de mora e de correção monetária. Por fim, a partir da decisão do Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário nº 453.740, é feita a análise de constitucionalidade da Medida Provisória nº 2.180-35/2001, que limitou os juros das condenações da Fazenda Pública em favor de servidores a, no máximo, 6% ao ano, bem como dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade da utilização da Taxa Referencial – TR proferida pelo Supremo Tribunal Federal nos autos das Ações Diretas de Inconstitucionalidade 4357 e 4425. Palavras-chave: Fazenda Pública. Débitos judiciais. Atualização monetária. Inflação. Índices. Juros. Taxa Referencial – TR. Precatórios. STF. STJ. TRF. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Modulação. Efeitos prospectivos. Sumário: Introdução. 1 Da forma de pagamento das condenações da Fazenda Pública. 2 A imposição dos acessórios – questão de ordem pública. 3 Dos juros de mora. 4 A correção pelo índice que melhor reflita a inflação: inconstitucionalidade da Taxa Referencial – TR. Conclusão. Bibliografia consultada. Introdução Uma questão sempre relevante nas ações judiciais aforadas contra a Fazenda Pública julgadas procedentes diz com o cumprimento da sentença transitada em julgado, em especial quando esse cumprimento envolve pagamento em dinheiro. Uma sentença condenatória despida de força executiva é incapaz de tutelar a esfera do cidadão, sob o ângulo subjetivo, e insuscetível de restaurar a higidez da ordem jurídica, sob o prisma objetivo, tendo sido exatamente essa a motivação/pretensão do ajuizamento da demanda. E nem seria de se esperar que fosse diferente, porque é nesse momento que o bem da vida pleiteado pelo autor em juízo – e pelo qual às vezes aguardou por anos – corporifica-se e a prestação jurisdicional atinge seu ápice, cumprindo aquilo que se poderia nominar de efetividade material da Justiça. Nas palavras do Ministro Luiz Fux (voto na ADI 4357, p. 50), a fase executiva do processo é o momento fundamental de realização do direito, etapa em que praticados os atos materiais necessários à entrega do bem da vida àquele que, após o devido processo legal, foi reconhecido por sentença como seu justo titular. Sob a ótica jusfilosófica, a execução restaura efetivamente a ordem jurídica afrontada pela lesão, realizando a sanção correspondente à violação. A atividade judicial que atua essa sanção é a própria execução, conforme ensina Liebman em seu notável Processo de execução (São Paulo: Saraiva, 2003). Por meio da atividade executiva, o Estado cumpre a promessa do legislador de que, diante da lesão, o Judiciário deve atuar prontamente de sorte a repará-la a tal ponto que a parte lesada não sofra as consequências do inadimplemento. E não raro nesse momento ressurge a lide: de um lado, o credor querendo receber mais e, de outro, a Fazenda Pública devedora querendo pagar menos, ou, ainda, evitar pagar mal, isto é, despender um valor que, mais tarde, em sede recursal, tentará rever ou reduzir. Para tanto, a Fazenda Pública tem se utilizado de seu poder normativo para fazer postergar o cumprimento de sentença para após o trânsito em julgado ou para regular critérios de liquidação, nesse último caso sempre visando à redução de sua própria dívida. Para isso, o Poder Executivo tem se valido com frequência da adoção de medidas provisórias, tendo em vista ser um instrumento expedito e que independe de todo o processo legislativo ordinário que envolve as duas Casas do Congresso Nacional. E não raro, a fim de resguardar-se de uma eventual inconstitucionalidade, é também encaminhada uma proposta de emenda constitucional objetivando garantir a validade da norma, às vezes com sucesso, outra vezes não. Embora não se possa classificar como ilegítimo esse tipo de ação governamental, pois, afinal, quem paga a conta é toda a sociedade, o certo é que se trata de uma batalha com absoluta desigualdade de armas entre credor e devedor, razão por que o Poder Judiciário, sobretudo o Supremo Tribunal Federal, é acionado com frequência para equilibrar a situação e, sobretudo, fazer resguardar os princípios constitucionais. É de se ter em mente que o interesse social, posto como interesse da coletividade constitucionalmente protegido e da manutenção de um Estado Democrático de Direito, se sobrepõe ao interesse do Estado, ainda que muitas vezes premido por limitações orçamentárias. É sob esse prisma que o presente trabalho pretende enfrentar a questão, porém circunscrevendo a análise apenas aos juros e à correção monetária, também chamados de acessórios, os quais têm sido objeto de intervenção governamental com mais frequência. 1 Da forma de pagamento das condenações da Fazenda Pública A execução ou cumprimento de sentença condenatória por quantia certa contra a Fazenda Pública tem início de forma processualmente muito próxima da execução das dívidas dos devedores privados, ou seja, apura-se o débito, com juros e correção monetária, e o devedor é intimado para pagar ou embargar. O devedor privado que não pagar deverá indicar bens à penhora para poder embargar. A partir desse momento, a Fazenda Pública passa a gozar da prerrogativa de um tipo especial de execução, pois não se sujeita a penhora nem arresto. Trata-se do instrumento previsto no artigo 100 da Constituição Federal, que determina que as entidades públicas incluam nos seus orçamentos verba necessária ao pagamento de seus débitos constantes de precatórios judiciários apresentados até 1º de julho de cada ano, fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte. É evidente que esse regime especial de prerrogativas não pode funcionar como um salvo-conduto para a Fazenda Pública não saldar suas dívidas; pois, como ensina o Ministro Ayres Britto: “E assim não se diga, porque a execução da sentença judicial e a consequente entrega, a quem de direito, do bem jurídico objeto da demanda (ou seu correspondente em pecúnia) integra o próprio núcleo da garantia do livre e eficaz acesso ao Poder Judiciário. Doutro modo, a função jurisdicional seria mera atividade lúdica. Não por outro motivo é que a Corte Europeia de Direitos Humanos, já em 19.03.1997, ao julgar o caso Hornsby x Grécia, assentou que ‘a execução de uma sentença, qualquer que seja o órgão jurisdicional, deve ser considerada como parte integrante do processo’. Pelo que, ‘se a administração se recusa ou se omite a executar [a sentença], ou ainda se demora a fazê-lo, as garantias do artigo 6º [da Convenção Europeia de Direitos Humanos], das quais se beneficia o demandante durante a fase judicial do processo, perderiam qualquer razão de ser’ (tradução livre).” (Ministro Ayres Britto, em voto na ADI 4357/DF, fl. 27) Eis o que dispõe o artigo 100 da Constituição Federal e seus parágrafos, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 62, de 09 de dezembro de 2009 (sem as modificações determinadas pelo Supremo Tribunal Federal nas ADIs 4357 e 4425): “Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas federal, estaduais, distrital e municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim. Como se observa, o § 5º do art. 100 supratranscrito, cuja redação é idêntica àquela que já constava do § 1º do mesmo artigo da Constituição originária, dispõe ser “obrigatória a inclusão, no orçamento das entidades de direito público, de verba necessária ao pagamento de seus débitos, oriundos de sentenças transitadas em julgado, constantes de precatórios judiciários apresentados até 1º de julho, fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte, quando terão seus valores atualizados monetariamente”. Pois foi justamente em face desse dispositivo constitucional (e também do art. 33 do ADCT) que o Supremo Tribunal Federal consolidou sua jurisprudência no sentido de que: a) “o valor do crédito constante de precatório deve ser atualizado monetariamente – também a partir de 1º de julho do exercício de sua expedição, até a data do efetivo pagamento” (RE 212.285-AgR, rel. Min. Néri da Silveira); b) “durante o período previsto no parágrafo 1º do artigo 100 da Constituição, não incidem juros de mora sobre os precatórios que nele sejam pagos” (Súmula Vinculante nº 17), sendo cabíveis os juros moratórios apenas “se houver atraso no pagamento” (AI 643.732-AgR, rel. Min. Cármen Lúcia); c) “não são devidos [juros compensatórios] ainda que o pagamento do precatório tenha ocorrido a destempo” (AI 494.526-ED-AgR, rel. Min. Sepúlveda Pertence). De outro lado, observa-se que o parágrafo 12 do art. 100 da Constituição Federal, incluído pela Emenda Constitucional nº 62/2009, retratou a jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal ao deixar mais clara: a) a exigência da “atualização de valores de requisitórios, após sua expedição e até o efetivo pagamento”; b) a incidência de juros simples “para fins de compensação da mora”; c) a não incidência de juros compensatórios (parte final do § 12 do art. 100 da CF). Antes de prosseguir, duas observações são obrigatórias. A primeira é o disposto no parágrafo 3º supratranscrito, que confere um regime especial para pagamento de obrigações definidas em lei como de pequeno valor (atualmente, sessenta salários mínimos) que as Fazendas devam fazer em virtude de sentença judicial transitada em julgado, as quais estão dispensadas do regime de precatório e cujos pagamentos devem ser feitos por meio de “Requisição de Pequeno Valor – RPV” no prazo de 60 dias. A segunda questão diz com a necessidade de sentença transitada em julgado para expedição de precatório. A jurisprudência tem entendido que o trânsito em julgado necessário é o do título executivo judicial, e não o trânsito em julgado da sentença dos embargos à execução, de modo que é possível a expedição de ofício requisitório do valor incontroverso, dando lugar à expedição de precatório complementar após o trânsito em julgado dos embargos. Na prática cartorária, também pode ocorrer a expedição de precatório logo após a sentença proferida em sede de embargos, com status de bloqueado, que será liberado após a confirmação pelo tribunal. Pois bem, na sua origem, o instituto jurídico do precatório foi pensado como medida de eficiência administrativa. Por seu intermédio, a Fazenda Pública é blindada contra atos constritivos que, de outra forma, poderiam, repentinamente, prejudicar a consecução do interesse coletivo, ou mesmo ofender a moralidade pública. Daí que as condenações pecuniárias impostas ao Estado somente serão cumpridas no exercício financeiro seguinte àquele em que prolatadas, e mesmo assim se apresentadas ao presidente do tribunal até julho do ano em questão. Do contrário, se apresentadas em momento posterior, serão incluídas no orçamento do segundo exercício seguinte àquele em que tomadas. Resta prestigiada, sob esse ângulo, a boa gestão dos serviços públicos, criando espaço suficiente para o devido planejamento orçamentário e a racionalidade gerencial da esfera pública. Como bem ensina o Ministro Luiz Fux (ADI 4357, p. 57), “Para além da eficiência, o ideal republicano também motivou a criação do modelo especial de execução pecuniária da Fazenda Pública. Nesse sentido, o regime de pagamentos na forma de precatórios – essencialmente vinculado à sua ordem cronológica de apresentação – pretende evitar favorecimentos injustificados ou perseguições indevidas, resguardando a impessoalidade e a moralidade que devem presidir a administração da res publica. Não por outra razão o Min. Celso de Mello, com o seu brilhantismo peculiar, pontuou que ‘a exigência constitucional pertinente à expedição de precatório – com a consequente obrigação imposta ao Estado de estrita observância da ordem cronológica de apresentação desse instrumento de requisição judicial de pagamento – tem por finalidade (a) assegurar a igualdade entre os credores e proclamar a inafastabilidade do dever estatal de solver os débitos judicialmente reconhecidos em decisão transitada em julgado (RTJ 108/463), (b) impedir favorecimentos pessoais indevidos e (c) frustrar tratamentos discriminatórios, evitando injustas perseguições ou preterições motivadas por razões destituídas de legitimidade jurídica’ (Rcl-AgR nº 2.143, rel. Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, j. 12.03.2003, DJ 06.06.2003).” Portanto, em que pese muitas vezes se critiquem os privilégios da Fazenda Pública em relação à execução dos títulos judiciais, trata-se, na verdade, de prerrogativas conferidas em prol do próprio credor e de toda a sociedade. Ademais, o precatório ainda contém um plus não contemplado na execução privada, que é a garantia da efetiva inclusão no orçamento e a certeza do pagamento, independentemente de uma terceira fase, muito comum na execução privada, que é o praceamento de bens, o que resulta frequentemente na frustração de toda a execução e acaba por fazer tábula rasa da prestação jurisdicional e do próprio dever do Estado de dar a cada um o que é seu. 2 A imposição dos acessórios – questão de ordem pública A jurisprudência se firmou no sentido de que a correção monetária e os juros de mora nada mais são do que consectários legais da condenação principal, de modo que possuem natureza de questão de ordem pública e, portanto, constituem matéria cognoscível de ofício, a qualquer tempo ou grau de jurisdição. Nessa linha, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, em sede de recursos repetitivos, conforme se vê dos precedentes abaixo: “PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. VERBAS REMUNERATÓRIAS. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA DEVIDOS PELA FAZENDA PÚBLICA. LEI 11.960/2009, QUE ALTEROU O ART. 1º-F DA LEI 9.494/97. NATUREZA PROCESSUAL. APLICAÇÃO IMEDIATA AOS PROCESSOS EM CURSO QUANDO DA SUA VIGÊNCIA. EFEITO RETROATIVO. IMPOSSIBILIDADE. ENTENDIMENTO FIRMADO NO JULGAMENTO DO RESP 1.205.946/SP, SOB O RITO DO ART. 543-C DO CPC. INCONSTITUCIONALIDADE. INEXISTÊNCIA. “EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. MORTE DE FILHO. CIRURGIA BARIÁTRICA. DANO MORAL. MAJORAÇÃO. POSSIBILIDADE. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS REMUNERATÓRIOS. SÚMULAS Nos 54 E 362/STJ. INEXISTÊNCIA DE JULGAMENTO EXTRA PETITA. CONSECTÁRIO LÓGICO DA CONDENAÇÃO. Configurada a natureza pública da questão, sendo omisso o título executivo judicial, nada impede que no cálculo da execução sejam imputados juros de mora e correção monetária, segundo a legislação em vigor. Outra consequência disso é que, tratando-se de questão de ordem pública, é lícito ao 2º grau de jurisdição rever os índices aplicados na sentença para mais ou para menos, mesmo que sem recurso das partes. De outro lado, as normas que tratam de juros e correção monetária possuem natureza processual e, por isso, aplicam-se aos processos em andamento, conforme orienta a jurisprudência das cortes superiores. Sobre o tema, é muito esclarecedora a seguinte jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: “ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ Nº 08/2008. FGTS. EXPURGOS INFLACIONÁRIOS. EXECUÇÃO DE SENTENÇA. TAXA DE JUROS. NOVO CÓDIGO CIVIL. VIOLAÇÃO À COISA JULGADA. INEXISTÊNCIA. ART. 406 DO NOVO CÓDIGO CIVIL. TAXA SELIC. Daí que nova legislação que eventualmente venha a alterar o percentual de juros ou o índice de correção monetária tem aplicação imediata e para frente, não havendo falar em afronta à coisa julgada. A propósito, o tema foi muitas vezes enfrentado pelos tribunais relativamente aos juros de mora e à sua aplicabilidade, ou não, às ações ajuizadas antes da entrada em vigor do artigo 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela MP nº 2.180-35/2001, o qual determina que os juros de mora, nas condenações impostas contra a Fazenda Pública para pagamento de verbas remuneratórias devidas a servidores e empregados públicos, não poderão ultrapassar o percentual de 6% (seis por cento) ao ano, até que foi objeto de exame pelo Supremo Tribunal Federal, conforme a sistemática disposta no art. 543-B do CPC, no AI nº 842.063/RS, cujo julgamento recebeu a seguinte ementa: “RECURSO. Agravo de instrumento convertido em extraordinário. Art. 1º-F da Lei 9.494/97. Aplicação. Ações ajuizadas antes de sua vigência. Repercussão geral reconhecida. Precedentes. Reafirmação da jurisprudência. Recurso provido. É compatível com a Constituição a aplicabilidade imediata do art. 1º-F da Lei 9.494/97, com alteração pela Medida Provisória nº 2.180-35/2001, ainda que em relação às ações ajuizadas antes de sua entrada em vigor.” (AI nº 842.063/RS, relator Ministro Cezar Peluso, publicado no DJe em 02.09.2011) Seguindo a mesma linha de compreensão, assentou a Corte Superior: “EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. JUROS DE MORA. OMISSÃO. COMPLEMENTAÇÃO DO JULGADO. LEI Nº 11.960/09. APLICABILIDADE IMEDIATA. PRINCÍPIO TEMPUS REGIT ACTUM. Assentado que a imposição de acessórios é questão de ordem pública, podendo/devendo ser aplicados ou revisados de ofício pelos juízos e pelo segundo grau de jurisdição, assim como que a legislação que trata de juros e correção monetária tem natureza processual e, portanto, incidência imediata, sem que se possa alegar ofensa à coisa julgada, resta analisar que indexadores de correção monetária e índices de juros de mora encontram-se em vigor atualmente. 3 Dos juros de mora A regra geral dos índices de juros está prevista no art. 406 do Código Civil de 2002, que assim estabelece: “Art. 406. Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.” Por certo, a lei civil acabou por acatar a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, que já era no sentido de que a administração pública, quando condenada a pagar quantia em dinheiro, deve suportar os mesmos juros que cobra do “administrado” quando credora. Nessa linha, quando se trata de repetição de indébito tributário, devem incidir os mesmos juros das dívidas tributárias. A jurisprudência vinha determinando a aplicação de juros de 1% ao mês previstos no Código Tributário Nacional; porém, por força do artigo 13 da Lei nº 9.065/95, passou a utilizar a taxa Selic, uma vez que esse também é o índice utilizado para dívidas fiscais, sendo relevante observar que nesse índice já estão inclusos os percentuais de juros de mora e correção monetária. Para os créditos de servidores públicos e segurados da Previdência Social, com base nesses princípios, a taxa de juros em vigor era de 1% ao mês. Ocorre que a Medida Provisória nº 2.180-35, de agosto de 2001, por seu artigo 4º, incluiu o artigo 1º-F na Lei nº 9.494/1997, com a seguinte redação: “Art. 1º-F. Os juros de mora, nas condenações impostas à Fazenda Pública para pagamento de verbas remuneratórias devidas a servidores e empregados públicos, não poderão ultrapassar o percentual de seis por cento ao ano.” (NR) A jurisprudência, em um primeiro momento, inclinou-se pela inconstitucionalidade da alteração legislativa supra, tendo em vista ser firme, em especial no Superior Tribunal de Justiça, o entendimento no sentido de que, nas diferenças decorrentes do pagamento de reajuste nos vencimentos de servidores públicos, devem incidir juros moratórios na taxa de 1% ao mês. Dita inconstitucionalidade restou afastada, entretanto, pelo Supremo Tribunal Federal nos autos do Recurso Extraordinário nº 453.740-1/RJ, relator o Ministro Gilmar Mendes, cujo acórdão restou assim ementado: “EMENTA: Recurso extraordinário. Conhecimento. Provimento. 2. Juros de mora. 3. Art. 1º-F da Lei nº 9.494, de 1997. 4. Constitucionalidade.” A partir dessa decisão da Suprema Corte brasileira, passou-se à aplicação imediata da taxa de juros de 6% ao ano nas condenações impostas à Fazenda Pública para pagamento de verbas remuneratórias devidas a servidores e empregados públicos. Nas repetições de indébito, permaneceu a taxa Selic, e, nas condenações para pagamento de benefícios previdenciários, foi mantido o percentual de 1% ao mês, uma vez que não atingidos pela novel legislação. Ocorre que a Lei nº 11.960, de 29 de junho de 2009, deu nova redação ao art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997, nos seguintes termos: “Art. 1º-F. Nas condenações impostas à Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, remuneração do capital e compensação da mora, haverá a incidência uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança. (Redação dada pela Lei nº 11.960, de 2009)” Como se pode ver do novel texto, as condenações impostas à Fazenda Pública de qualquer natureza (negritei), e não mais apenas os créditos de servidores e empregados públicos, serão compensadas com os mesmos juros aplicados às cadernetas de poupança, que são de 0,5% ao mês atualmente. Quer dizer, por força dessa lei, independentemente de se tratar de crédito de servidor público, de crédito de segurado da Previdência Social ou de repetição do indébito, a taxa de juros é de 0,5% ao mês. Ocorre que, nas ADIs 4357 e 4425, cujos acórdãos e efeitos prospectivos serão analisados mais adiante, declarou-se a inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, da expressão “independentemente de sua natureza” constante no art. 1º-F da Lei 9.494/1997, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009, para o fim de quantificação dos juros moratórios relativos aos débitos fazendários inscritos em precatórios. Daí que, à luz da atual jurisprudência do STF, incidem juros de 0,5% ao mês para todos os débitos da Fazenda Pública, exceto para aqueles de natureza tributária, sobre os quais é aplicada a taxa Selic. Concludentemente, excluindo-se os débitos fazendários de natureza tributária, sobre os quais se aplica a taxa Selic, devem incidir as seguintes taxas de juros: a) créditos de segurados da Previdência Social: taxa de juros de 1% ao mês até junho de 2009, quando do advento da Lei nº 11.96/2009, e de 0,5% ao mês a partir daí; Em relação aos débitos fazendários em favor de segurados da Previdência Social, ainda poderá haver alteração da jurisprudência, pois o STF decidiu impor o ritmo de repercussão geral ao Recurso Extraordinário nº 870.947, interposto contra o Instituto Nacional do Seguro Social, no qual, certamente, o tema do percentual dos juros voltará à discussão. 4 A correção pelo índice que melhor reflita a inflação: inconstitucionalidade da Taxa Referencial – TR Na data de 19 de março de 2013, o Supremo Tribunal Federal apreciou conjuntamente as Ações Diretas de Inconstitucionalidade – ADIs números 4357 e 4425, relator originário Ministro Ayres Britto e relator para acórdão o Ministro Luiz Fux, nas quais julgou inconstitucional o comando previsto no parágrafo 12 do artigo 100 da Constituição Federal, que determina a utilização do índice de remuneração da caderneta de poupança para atualização dos débitos inscritos em precatório, e, por arrastamento, o art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com redação dada pela Lei nº 11.960/09, por ofensa aos princípios do direito fundamental de propriedade (CF, art. 5º, XXII) e da isonomia (CF, art. 5º, caput). Na prática, a decisão da Suprema Corte afastou do mundo jurídico a utilização da Taxa Referencial – TR como índice de correção monetária das dívidas da Fazenda Pública, seja na liquidação das condenações em dinheiro, seja na atualização monetária de precatórios. Eis o inteiro teor da ementa: “EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL. REGIME DE EXECUÇÃO DA FAZENDA PÚBLICA MEDIANTE PRECATÓRIO. EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 62/2009. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL NÃO CONFIGURADA. INEXISTÊNCIA DE INTERSTÍCIO CONSTITUCIONAL MÍNIMO ENTRE OS DOIS TURNOS DE VOTAÇÃO DE EMENDAS À LEI MAIOR (CF, ART. 60, § 2º). CONSTITUCIONALIDADE DA SISTEMÁTICA DE ‘SUPERPREFERÊNCIA’ A CREDORES DE VERBAS ALIMENTÍCIAS QUANDO IDOSOS OU PORTADORES DE DOENÇA GRAVE. RESPEITO À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E À PROPORCIONALIDADE. INVALIDADE JURÍDICO-CONSTITUCIONAL DA LIMITAÇÃO DA PREFERÊNCIA A IDOSOS QUE COMPLETEM 60 (SESSENTA) ANOS ATÉ A EXPEDIÇÃO DO PRECATÓRIO. DISCRIMINAÇÃO ARBITRÁRIA E VIOLAÇÃO À ISONOMIA (CF, ART. 5º). INCONSTITUCIONALIDADE DA SISTEMÁTICA DE COMPENSAÇÃO DE DÉBITOS INSCRITOS EM PRECATÓRIOS EM PROVEITO EXCLUSIVO DA FAZENDA PÚBLICA. EMBARAÇO À EFETIVIDADE DA JURISDIÇÃO (CF, ART. 5º, XXXV), DESRESPEITO À COISA JULGADA MATERIAL (CF, ART. 5º, XXXVI), OFENSA À SEPARAÇÃO DOS PODERES (CF, ART. 2º) E ULTRAJE À ISONOMIA ENTRE O ESTADO E O PARTICULAR (CF, ART. 1º, CAPUT, C/C ART. 5º, CAPUT). IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DA UTILIZAÇÃO DO ÍNDICE DE REMUNERAÇÃO DA CADERNETA DE POUPANÇA COMO CRITÉRIO DE CORREÇÃO MONETÁRIA. VIOLAÇÃO AO DIREITO FUNDAMENTAL DE PROPRIEDADE (CF, ART. 5º, XXII). INADEQUAÇÃO MANIFESTA ENTRE MEIOS E FINS. INCONSTITUCIONALIDADE DA UTILIZAÇÃO DO RENDIMENTO DA CADERNETA DE POUPANÇA COMO ÍNDICE DEFINIDOR DOS JUROS MORATÓRIOS DOS CRÉDITOS INSCRITOS EM PRECATÓRIOS, QUANDO ORIUNDOS DE RELAÇÕES JURÍDICO-TRIBUTÁRIAS. DISCRIMINAÇÃO ARBITRÁRIA E VIOLAÇÃO À ISONOMIA ENTRE DEVEDOR PÚBLICO E DEVEDOR PRIVADO (CF, ART. 5º, CAPUT). INCONSTITUCIONALIDADE DO REGIME ESPECIAL DE PAGAMENTO. OFENSA À CLÁUSULA CONSTITUCIONAL DO ESTADO DE DIREITO (CF, ART. 1º, CAPUT), AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES (CF, ART. 2º), AO POSTULADO DA ISONOMIA (CF, ART. 5º, CAPUT), À GARANTIA DO ACESSO À JUSTIÇA E À EFETIVIDADE DA TUTELA JURISDICIONAL (CF, ART. 5º, XXXV) E AO DIREITO ADQUIRIDO E À COISA JULGADA (CF, ART. 5º, XXXVI). PEDIDO JULGADO PROCEDENTE EM PARTE. Declarada imprestável a utilização da TR como índice de indexação das dívidas da Fazenda Pública, os juristas passaram a discutir a eficácia de declaração de inconstitucionalidade, se ex nunc ou prospectiva, tendo em vista a questão de ordem levantada pelo Ministro Roberto Barroso, que propôs medidas de transição. O processo e o julgamento da ação direta de inconstitucionalidade estão regrados pela Lei nº 9.868, de 1999. Segundo a melhor doutrina, as decisões definitivas de mérito proferidas pelo STF nas ações de inconstitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário, assim como a toda a administração pública. Em resumo, a ação direta de inconstitucionalidade é dotada de eficácia contra todos (erga omnes), efeitos retroativos (ex tunc), efeito vinculante e efeito repristinatório em relação à legislação anterior. Ao se dizer que a decisão do STF é dotada de eficácia erga omnes,está-se a dizer que tem força geral contra todos aqueles que estariam sujeitos à aplicação da lei ou ato normativo declarado inconstitucional, quer dizer, fica afastada a aplicação da lei impugnada contra todos os indivíduos, ficando o Estado proibido de tentar continuar sua aplicação. A decisão de mérito da ação de inconstitucionalidade produz efeitos retroativos (ex tunc), pois fulmina a lei ou ato normativo desde a sua origem, quer dizer, a decisão retroage à data da origem da lei, invalidando-a desde então, bem como os atos pretéritos com base nela praticados, uma vez que declarados pela Suprema Corte como incompatíveis com a Constituição. Releva notar, ainda, que os demais órgãos do Poder Judiciário e todos os órgãos da administração pública direta e indireta, nas três esferas de governo, ficam vinculados à decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal e, caso haja desrespeito, o prejudicado poderá valer-se de reclamação para o STF, cujo procedimento também está previsto na Lei nº 9.868/99. É importante ressaltar, ainda, para os efeitos deste estudo, que a decisão de mérito em ação direta é também dotada de efeitos repristinatórios em relação ao direito anterior que havia sido revogado pela norma declarada inconstitucional. Assim é porque, como dito anteriormente, a declaração de inconstitucionalidade em ação direta tem eficácia ex tunc, afastando os efeitos jurídicos da lei desde a data de seu nascedouro, o que atinge, também, a revogação da lei anterior, salvo se o STF expressamente estabelecer o contrário. A propósito desse tema, consulte-se a decisão da ADIMC 2.215/PE, relator Ministro Celso de Mello, de 17.04.2001. Tal entendimento decorre da adoção, pelo STF, da tradicional tese jurídica segundo a qual o ato que desrespeita a Constituição é nulo, írrito desde seu nascedouro e, como tal, inapto para produzir quaisquer efeitos jurídicos válidos. A questão da inconstitucionalidade da TR para corrigir precatórios, decidida nas ADIs 4357 e 4425, foi imediatamente acatada pelo Congresso Nacional, pois, ao editar as Leis nº 12.919/13 e nº 13.080/15, que estabelecem diretrizes para a elaboração e a execução da Lei Orçamentária dos anos de 2014 e 2015, respectivamente, estabeleceu a utilização, no âmbito da administração pública federal, do IPCA-E como índice de correção monetária de precatórios, nos seguintes termos: “Art. 27. A atualização monetária dos precatórios, determinada no § 12 do art. 100 da Constituição Federal, inclusive em relação às causas trabalhistas, previdenciárias e de acidente do trabalho, observará, no exercício de 2014, a variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – Especial – IPCA-E do IBGE.” No que se refere à correção de precatórios da União, não resta dúvida de que todos os expedidos a partir do ano de 2014 devem ser corrigidos pelo IPCA-E, na forma da lei. Tendo em vista a eficácia retroativa (ex tunc) e repristinatória da declaração de inconstitucionalidade (por arrastamento) da TR, assim como da expressão “de qualquer natureza”, constantes da Lei nº 11.960, de junho de 2009, as liquidações de débitos judiciais da Fazenda Pública pendentes desde aquela data devem ser feitas pela taxa Selic, quando de natureza tributária; pelo INPC, quando relativos a prestações da Previdência Social; e pelo IPCA-E nos demais casos. Resolvido isso, impõe-se que se examine a extensão da modulação dos efeitos em razão da questão de ordem proposta pelo Ministro Roberto Barroso nas ADIs 4357 e 4425. Pois bem, estabelece o artigo 27 da Lei nº 9.868/1999: “Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.” Como se pode ver, a Lei 9.868/99 trouxe relevante alteração ao controle de constitucionalidade abstrato, ao introduzir em nosso sistema de direito positivo a possibilidade de utilização da técnica da modulação (ou da manipulação) temporal dos efeitos da decisão de inconstitucionalidade emanada do Supremo Tribunal Federal, em respeito à segurança jurídica e ao interesse social. Entretanto, como se infere do próprio artigo supratranscrito, a possibilidade de limitação temporal dos efeitos da pronúncia de inconstitucionalidade constitui situação excepcional, que somente pode ser aplicada diante das situações extraordinárias nela mencionadas, devendo a Suprema Corte deixar bem claros os limites e a extensão da modulação. Daí que a regra geral continua sendo a de que o ato editado em desconformidade com a Constituição é nulo, desprovido de efeitos jurídicos desde sua origem, e só excepcionalmente tais efeitos podem ser modulados. Releva notar que a modulação não se refere ao provimento declaratório de inconstitucionalidade da ação direta de inconstitucionalidade, mas apenas aos seus efeitos práticos, de modo que a norma declarada inconstitucional será considerada nula desde seu nascedouro. Assim, a modulação será limitada às seguintes situações: a) restringir, ou melhor, limitar objetiva ou subjetivamente, os efeitos da declaração de inconstitucionalidade; b) não retroagir os efeitos da decisão de inconstitucionalidade (não dar efeitos ex tunc); e c) fixar outro momento para início da eficácia de sua decisão. Assim, na modulação, o Supremo Tribunal Federal, por razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse público, poderá restringir a eficácia contra todos (erga omnes) de sua decisão, ou seja, afastar os efeitos da declaração de inconstitucionalidade em relação a certos atos praticados com base na lei inconstitucional ou em relação a certos atos jurídicos; ou afastar os efeitos repristinatórios da pronúncia de inconstitucionalidade no tocante à legislação anterior que havia sido revogada pela lei ou ato normativo declarado inconstitucional. Poderá ainda o STF decidir que a declaração de inconstitucionalidade só produzirá efeitos prospectivos, a partir do trânsito em julgado de sua decisão, resguardando a validade de todos os atos já praticados com base na lei, podendo, ainda, estabelecer outro momento para que a declaração de inconstitucionalidade produza efeitos, sejam pretéritos, sejam futuros. Releva notar, ainda, que, na modulação dos efeitos, o Supremo Tribunal Federal exerce uma atividade vinculada aos motivos, quais sejam, razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social. Por segurança jurídica deve-se entender as situações em que o desfazimento de relações jurídicas consolidadas, como atos administrativos ou negócios jurídicos já aperfeiçoados, os chamados atos jurídicos perfeitos e a coisa julgada, que têm, aliás, expressa proteção constitucional, poderia causar mais efeitos deletérios do que vantagens. Consigne-se, por outro lado, que, quando a norma se refere a excepcional interesse social, está se dirigindo ao interesse da sociedade, pois de há muito o próprio Supremo Tribunal Federal já decidiu que interesse do Estado não é o mesmo que interesse da sociedade. Assim, razões de ordem pública ou razões de Estado não autorizam a modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, restrita que está aos casos de segurança jurídica e interesse social. Enfatize-se, por fim, que, embora se possa afirmar que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal continue firme no sentido de que os atos editados em desconformidade com a Constituição são nulos, há naquela Excelsa Corte uma tendência de abrandamento dessa tese, seja no controle abstrato, seja no controle concreto, para que se possa reconhecer, em situações excepcionais, a inconstitucionalidade com efeitos meramente prospectivos (ou a partir de outro momento fixado pelo tribunal), visando à preservação de certos atos praticados com base na lei, em respeito à segurança jurídica, ao interesse social e aos terceiros de boa-fé. Sob o prisma de que a modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade é uma exceção, que, aliás, necessita de quórum qualificado de maioria de dois terços dos membros do tribunal, e que visa a atender razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social é que se passa à análise da extensão da manipulação dos efeitos das declarações de inconstitucionalidade das ADIs 4357 e 4425 pelo Supremo Tribunal Federal. Conforme consta da ementa do julgamento “original” das ADIs 4357 e 4425, transcrita acima, o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional: 1) a expressão “na data de expedição do precatório”, contida no art. 100, § 2º, da CF, com redação dada pela EC nº 62/09, a fim de contemplar com pagamento prioritário os precatórios devidos a titulares idosos ou que sejam portadores de doença grave na data do pagamento, e não somente àqueles que se enquadravam em tal condição na data de expedição do precatório; Como se pode facilmente inferir, foram 5 (cinco) declarações de inconstitucionalidade no mesmo julgado. Pois bem, dito julgamento foi assim modulado, em decisão publicada em 25.03.2015: “Decisão: Concluindo o julgamento, o Tribunal, por maioria e nos termos do voto, ora reajustado, do Ministro Luiz Fux (relator), resolveu a questão de ordem nos seguintes termos: 1) modular os efeitos para que se dê sobrevida ao regime especial de pagamento de precatórios, instituído pela Emenda Constitucional nº 62/2009, por 5 (cinco) exercícios financeiros a contar de primeiro de janeiro de 2016; 2) conferir eficácia prospectiva à declaração de inconstitucionalidade dos seguintes aspectos da ADI, fixando como marco inicial a data de conclusão do julgamento da presente questão de ordem (25.03.2015) e mantendo-se válidos os precatórios expedidos ou pagos até esta data, a saber: 2.1) fica mantida a aplicação do índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança (TR), nos termos da Emenda Constitucional nº 62/2009, até 25.03.2015, data após a qual (i) os créditos em precatórios deverão ser corrigidos pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E) e (ii) os precatórios tributários deverão observar os mesmos critérios pelos quais a Fazenda Pública corrige seus créditos tributários; e 2.2) ficam resguardados os precatórios expedidos, no âmbito da administração pública federal, com base nos arts. 27 das Leis nos 12.919/13 e 13.080/15, que fixam o IPCA-E como índice de correção monetária; 3) quanto às formas alternativas de pagamento previstas no regime especial: 3.1) consideram-se válidas as compensações, os leilões e os pagamentos à vista por ordem crescente de crédito previstos na Emenda Constitucional nº 62/2009, desde que realizados até 25.03.2015, data a partir da qual não será possível a quitação de precatórios por tais modalidades; 3.2) fica mantida a possibilidade de realização de acordos diretos, observada a ordem de preferência dos credores e de acordo com lei própria da entidade devedora, com redução máxima de 40% do valor do crédito atualizado; 4) durante o período fixado no item 1 acima, ficam mantidas a vinculação de percentuais mínimos da receita corrente líquida ao pagamento dos precatórios (art. 97, § 10, do ADCT), bem como as sanções para o caso de não liberação tempestiva dos recursos destinados ao pagamento de precatórios (art. 97, § 10, do ADCT); 5) delegação de competência ao Conselho Nacional de Justiça para que considere a apresentação de proposta normativa que discipline (i) a utilização compulsória de 50% dos recursos da conta de depósitos judiciais tributários para o pagamento de precatórios e (ii) a possibilidade de compensação de precatórios vencidos, próprios ou de terceiros, com o estoque de créditos inscritos em dívida ativa até 25.03.2015, por opção do credor do precatório; e 6) atribuição de competência ao Conselho Nacional de Justiça para que monitore e supervisione o pagamento dos precatórios pelos entes públicos na forma da presente decisão, vencido o Ministro Marco Aurélio, que não modulava os efeitos da decisão, e, em menor extensão, a Ministra Rosa Weber, que fixava como marco inicial a data do julgamento da ação direta de inconstitucionalidade. Reajustaram seus votos os Ministros Roberto Barroso, Dias Toffoli e Gilmar Mendes. Presidência do Ministro Ricardo Lewandowski. Plenário, 25.03.2015.” A modulação dos efeitos pode ser assim sintetizada (interpretação livre): a) deu sobrevida ao regime especial de pagamento de precatórios (parcelamento), instituído pela Emenda Constitucional nº 62/2009, por 5 (cinco) exercícios financeiros a contar de primeiro de janeiro de 2016; Em resumo, a modulação ficou restrita aos precatórios expedidos até 25.03.2015 pelos estados membros, assim como aos precatórios da União expedidos até o ano de 2013, uma vez que os posteriores tiveram tratamento diferenciado pelas leis federais nº 12.919/13 e nº 13.080/15. Os demais aspectos da declaração de inconstitucionalidade das ADIs 4357 e 4425 não foram modulados, de modo que a eles se aplica a regra geral da eficácia retroativa ou ex tunc. Parece ter sido essa a linha adotada pela Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça ao julgar o REsp 1.270.439/PR, sob a sistemática do art. 543-C do CPC, firmando compreensão no sentido de que, por força da declaração de inconstitucionalidade parcial do art. 5º da Lei 11.960/09, deverá a correção monetária dos débitos da Fazenda Pública ser calculada com base no IPCA, índice que melhor reflete a inflação acumulada do período. Confira-se: “RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ Nº 08/2008. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. INCORPORAÇÃO DE QUINTOS. MEDIDA PROVISÓRIA Nº 2.225-45/2001. PERÍODO DE 08.04.1998 A 05.09.2001. MATÉRIA JÁ DECIDIDA NA SISTEMÁTICA DO ART. 543-C DO CPC. POSSIBILIDADE EM ABSTRATO. AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL NO CASO CONCRETO. RECONHECIMENTO ADMINISTRATIVO DO DIREITO. AÇÃO DE COBRANÇA EM QUE SE BUSCA APENAS O PAGAMENTO DAS PARCELAS DE RETROATIVOS AINDA NÃO PAGAS. De todo modo, parece que a questão ainda não está totalmente resolvida no Supremo Tribunal Federal, uma vez que aquela Corte decidiu impor o ritmo de repercussão geral ao Recurso Extraordinário nº 870.947, relator o Ministro Luiz Fux, sob o tema nº 810, ementado como “Validade da correção monetária e dos juros moratórios incidentes sobre as condenações impostas à Fazenda Pública, conforme previstos no art. 1º-F da Lei 9.494/1997, com a redação dada pela Lei 11.960/2009”. Ao que parece, haverá ainda mais uma rodadasobre a questão, e certamente a Fazenda Pública vai continuar insistindo na utilização da TR, porém não há como se negar validade à decisão de inconstitucionalidade proferida pelo Supremo Tribunal Federal nas ADIs 4357 e 4425. No que interessa aos estreitos limites deste estudo, e considerando que a correção monetária dos precatórios da União dos exercícios de 2014 em diante será feita pelo IPCA-E, por força da Lei de Diretrizes Orçamentárias em vigor e da sua antecessora (Lei nº 13.080/15 e Lei nº 12.919/13), e que restou anulada a alteração introduzida no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 pelo art. 5º da Lei nº 11.960/2009, é de se concluir que restou repristinada a legislação anterior. Nessa linha de entendimento, nos procedimentos de cálculos que visam à liquidação de sentenças, passam a ser observados pelos setores de cálculos da Justiça Federal, salvo decisão judicial em contrário, os seguintes indexadores: a) IPCA-E, para as sentenças condenatórias em geral (Lei nº 8.383/91); b) INPC, para sentenças proferidas em ações Conclusão O Supremo Tribunal Federal afastou do mundo jurídico a expressão “índice oficial de remuneração da caderneta de poupança”, para atualização monetária dos créditos em precatórios, contida no § 12 do art. 100 da CF, por “manifesta violação ao direito de propriedade (CF, art. 5º, XXII)” e ao postulado proporcionalidade, extraível da garantia do devido processo legal substantivo (CF, art. 5º, LIV). Abaixo, um quadro comparativo da correção monetária a partir da TR com os indexadores estabelecidos pela legislação que teria sido revogada pela Lei nº 9.460/2009 no período de junho de 2009 até março de 2015, data final do julgamento proferido nas ADIs 4357 e 4425, extraído do Manual de Cálculos da Justiça Federal.
Como se pode ver, nesse período, o IPCA-E mediu uma inflação total de 41,90%, e o INPC, um total de 42,61%; enquanto o índice oficial da poupança, a TR, mediu apenas 4,13%, restando clara a manipulação de índice operada pelo governo federal, reduzindo artificialmente sua dívida para com contribuintes, servidores e segurados da Previdência Social em quase 40%. Efetivamente, a Constituição Federal assegura o direito de propriedade, e não pode a Fazenda Pública valer-se de sua supremacia sobre os cidadãos para promover desigualdade em seu favor, ofendendo, como diz a Suprema Corte, também o primado da proporcionalidade. O mais importante de tudo, por certo, é a pacificação da matéria e o poder pedagógico da decisão do STF ao julgar inconstitucional uma emenda constitucional. Quanto à pacificação da matéria, sabe-se que são milhares de processos na Justiça brasileira trancados na liquidação tão somente em razão da escolha do índice de correção monetária, abarrotando os tribunais e elevando a taxa de congestionamento do Poder Judiciário ou, de outra banda, a Fazenda Pública acenando com o pagamento deflacionado, beneficiando-se de sua própria torpeza e causando um prejuízo irreparável ao cidadão credor. O efeito pedagógico resulta em um verdadeiro recado ao Poder Executivo e ao Congresso Nacional de que nem mesmo por emenda constitucional é possível atentar contra cláusulas pétreas que conferem prerrogativas e liberdades públicas ao cidadão, sabiamente incorporadas pelo legislador originário na chamada Constituição Cidadã de 1988, a primeira Constituição democrática após mais de 20 anos de exceção. Bibliografia consultada (além da jurisprudência citada no corpo do texto) ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Administrativo descomplicado. 22. ed. São Paulo: Método, 2011. ______; ______. Direito Constitucional descomplicado. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2014. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2011. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. 37. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. RUSSO, Luciana. Direito Constitucional. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. (OAB Nacional, 9).
|
||||||||||||||||||||
Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023:2002/ABNT): |
||||||||||||||||||||
|