Resumo
A Constituição Federal outorga imunidade tributária recíproca às autarquias e fundações públicas. As empresas públicas e sociedades de economia mista, quando exploram atividade econômica de comercialização ou produção de bens, sujeitam-se ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações tributárias, não podendo gozar de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado. O Supremo Tribunal Federal, para efeito de imunidade quanto aos impostos, tem efetuado distinção entre as empresas públicas e sociedades de economia mista que exploram atividade econômica, em regime de livre-concorrência, daquelas que prestam serviços públicos obrigatórios e exclusivos do Estado. A delegação do serviço público a uma empresa criada por lei pelo próprio Estado, seja empresa pública, seja sociedade de economia mista, deve manter o mesmo regime jurídico da pessoa que a institui, inclusive o direito à imunidade.
Palavras-chave: Imunidade recíproca. Imunidade das autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista. Exploração de atividade econômica de produção ou comercialização de bens. Livre-concorrência. Prestação de serviços públicos exclusivos e em regime de monopólio.
Sumário: 1 Imunidades e isenções. 2 Imunidade de impostos. 2.1 Classificação material dos impostos. 2.2 Impostos diretos e indiretos. 3 Imunidade recíproca. 3.1 Imunidade de autarquias e fundações públicas. 3.2 Imunidade de empresas públicas e sociedades de economia mista. Conclusão. Bibliografia.
Introdução
A prevalência do poder econômico do Estado e da sua atribuição constitucional para exigir que os cidadãos contribuam com uma parte da sua riqueza para garantir a sustentação financeira estatal, mediante o pagamento de impostos, também exige, em contrapartida, uma limitação ao exercício deste poder impositivo.
O Estado moderno deve ser um estado equilibrado do ponto de vista econômico, isto é, não apenas um Estado em que o atendimento às necessidades do povo seja coberto com a receita do produto da arrecadação dos impostos, mas sobretudo o que mantenha estabilidade na antiga equação entre receitas e despesas.
A prestação de serviços públicos essenciais, desempenhados por empresas públicas e sociedades de economia mista, assim como a realização dos direitos assegurados na Constituição Federal, notadamente dos inúmeros direitos sociais, que vão desde a assistência judiciária integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos (inciso LXXIV do art. 5º) até o salário-família pago em razão do dependente de baixa renda (inciso XII do art. 7º) e os direitos à saúde (art. 196) e ao ensino fundamental obrigatório e gratuito (art. 208), etc., depende cada vez mais do ingresso de receitas para fazer frente às despesas.
O suporte financeiro para evitar o desequilíbrio fiscal tem sido buscado na instituição de novos tributos, mediante alterações no texto constitucional destinadas a ampliar a competência tributária. No entanto, a voracidade fiscal deve ter limites efetivos, que contenham resultados concretos. Por isso a necessidade de que essas limitações estejam asseguradas, formal e materialmente, em preceitos que digam respeito à estrutura fundamental do Estado, ou seja, em normas de natureza constitucional.
As imunidades é que concretizam os limites ao poder tributário, não obstante as dificuldades interpretativas frente às mudanças no papel do próprio Estado na sociedade e na sua estrutura normativa.
1 Imunidades e isenções
As limitações ao poder do Estado na exigência de tributos, além da necessidade da observância dos princípios constitucionais que regem esse poder impositivo, também se materializam na outorga de uma blindagem constitucional à incidência das normas tributárias. Essas proteções constitucionais contra a exigência de determinados tributos são as imunidades. Ou seja, o poder de tributar é limitado pelos princípios tributários e pelas imunidades. Enquanto os princípios constitucionais são mandamentos fundamentais que condicionam a competência para a produção e a interpretação de todas as normas jurídicas, as imunidades suprimem essas competências, atuando de forma negativa. Os princípios e as imunidades têm um ponto de convergência em comum: demarcam o poder de tributar.
As imunidades, como atuam limitando a competência tributária, são conhecidas como regras negativas de competência. A propósito, diz José Souto Maior Borges(1):
“Cada entidade tributante tem a sua esfera de atribuição própria. Ao mesmo tempo em que existe a competência constitucional como uma autorização para o exercício do poder fiscal, ela estabelece certas limitações, que são uma manifestação da rigidez do sistema tributário brasileiro. São as imunidades tributárias que funcionam como uma técnica de limitação do exercício da competência tributária. Completa-se a autorização do exercício da competência tributária com uma delimitação constitucional da própria competência tributária. Então, a regra de imunidade é uma regra negativa de competência. O campo constitucionalmente reservado à imunidade jamais poderá ser objeto de exploração pelo poder tributante.”
As imunidades não podem ser confundidas com as isenções. Embora o resultado alcançado seja exatamente o mesmo – ausência de ingresso de dinheiro nos cofres públicos –, a isenção pressupõe tributação, enquanto a imunidade inviabiliza o próprio exercício da competência tributária. Na imunidade, o poder público quer exigir o tributo, mas não pode. Impera a Constituição como óbice à pretensão. Na isenção, ele pode, mas não quer. Impera a vontade política ou econômica, nos termos da lei.
Enquanto as imunidades têm sede exclusiva na Constituição Federal, as isenções são implementadas por lei específica do titular da competência tributária.
Acerca das isenções, leciona Bernardo Ribeiro de Moraes(2):
“A isenção tributária consiste em uma não incidência legalmente qualificada, em que uma norma impede a vigência de outra, reduzindo parcialmente o seu campo de aplicação. Em verdade, a isenção tributária resulta de duas normas legais unidas, a norma legal de incidência e a norma legal de isenção.”
A lei específica da isenção é o antídoto para a norma de tributação. A isenção, na verdade, impede o lançamento, embora seja considerada pelo Código Tributário Nacional (art. 175, I) como uma causa de exclusão do crédito tributário. A isenção serve para implementar a política econômica e fiscal do Estado, consubstanciando-se em um ato discricionário que escapa ao controle do Poder Judiciário porque envolve juízo de conveniência e oportunidade do Poder Executivo, conforme entendeu o STF.(3)
Enquanto as isenções devem ser literalmente interpretadas, considerando-se apenas o texto legal (art. 111, I, do CTN), as imunidades devem ser interpretadas teleologicamente, buscando-se a finalidade para a qual o legislador constitucional outorgou esse privilégio.
As isenções, salvo se concedidas por prazo certo e mediante o cumprimento de determinadas condições, podem ser revogadas a qualquer tempo. As imunidades, porque tutelam princípios e valores fundamentais dos contribuintes, considerados como cláusulas pétreas, não podem ser suprimidas por emendas constitucionais (art. 60, § 4º, I e IV, da CF).
2 Imunidade de impostos
O manto constitucional da blindagem imunizante não abrange todas as espécies tributárias previstas no texto constitucional. As imunidades dizem respeito aos impostos (art. 150, VI, da CF), algumas taxas (art. 5°, XXXIV, da CF), contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico (art. 149, § 2°, I, da CF) e contribuições previdenciárias (art. 195, § 7°, da CF).
Em outras situações, não há referência expressa no texto constitucional à imunidade, mas, sim, a determinadas situações nas quais o tributo “não incidirá”, como no caso de não incidência de IPI, ICMS ou ISS nas exportações. Em tais casos, essas regras constitucionais de “não incidência” são autênticas imunidades.
Como o texto constitucional, ao outorgar a imunidade em relação aos impostos no art. 150, inciso VI, faz referência àqueles que incidem sobre o patrimônio, a renda e os serviços, a tendência é a de se identificar no sistema tributário os impostos que incidam sobre tais bases materiais.
2.1 Classificação material dos impostos
O Código Tributário Nacional, que é a lei complementar que traz as bases materiais de incidência dos impostos, classifica-os em três grandes grupos. No Capítulo III do Livro Primeiro, arrola os impostos sobre o patrimônio e a renda: imposto sobre a propriedade territorial rural (art. 29), imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana (art. 32), imposto sobre a transmissão de bens imóveis e de direitos a eles relativos (art. 35) e imposto sobre a renda e os proventos de qualquer natureza (art. 43). No Capítulo IV, estão os impostos que incidem sobre a produção e a circulação: imposto sobre produtos industrializados (art. 46), imposto estadual sobre operações relativas à circulação de mercadorias (Seção II), imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro, e sobre operações relativas a títulos e a valores mobiliários (art. 63), imposto sobre serviços de transportes e comunicações (art. 68) e imposto sobre serviços de qualquer natureza (Seção IV). Nessa classificação, apenas estariam abrigados pela imunidade imposto de renda, ITR, IPTU, ITBI, ITCD e imposto sobre serviços (ISS).
No entanto, a classificação que o CTN faz em torno dos impostos que incidem sobre o patrimônio, a renda e os serviços não tem relevância para o efeito de restringir o alcance da imunidade dos impostos. Acontece que a exigência de determinado imposto sempre atinge, ao final, o patrimônio da entidade imune, assim considerado como uma universalidade indivisível de bens e direitos, que a Constituição busca proteger. A imunidade de impostos, portanto, recai sobre qualquer imposto, não tendo relevância a identificação da sua base material classificada no CTN.
2.2 Impostos diretos e indiretos
O exame da imunidade dos impostos não pode dispensar a análise da classificação dos impostos diretos e indiretos, relativamente à repercussão econômica. Ou seja, a necessidade de se identificar a pessoa que efetivamente sofre o ônus da imposição tributária.
O imposto é direto quando o ônus é suportado pela própria pessoa eleita pela lei como devedora. Ou seja, o desembolso efetivo em favor da Fazenda Pública é suportado apenas pela pessoa a quem o legislador atribuiu a condição de devedor. No imposto direto, o contribuinte de fato identifica-se com o próprio contribuinte de direito. O imposto sobre a renda, por exemplo, recai sobre o contribuinte que a auferiu, pouco importando que, em alguns casos, por técnica de arrecadação, a obrigação de reter e recolher o tributo seja da fonte pagadora. O encargo tributário é daquele que auferiu o rendimento.
O imposto é indireto quando o ônus é trasladado para um terceiro, alheio à relação tributária. No indireto, o contribuinte de direito é distinto do contribuinte de fato. No imposto indireto, embora o legislador atribua a condição de sujeito passivo a determinada pessoa, o ônus do pagamento recairá sobre um terceiro. Juridicamente, o imposto é indireto porque deve recair sobre o consumo e atingir o consumidor final. Este é que sofrerá o ônus do tributo, destacado na nota fiscal, mas incluído no preço a ser pago. No IPI, por exemplo, quando há a saída do produto industrializado do estabelecimento, a lei atribuiu a condição de sujeito passivo ao industrial (art. 51, II, do CTN). Porém, o imposto é destacado na nota fiscal e será pago pelo adquirente do produto industrializado. O adquirente, no entanto, não toma parte na relação tributária. É um mero contribuinte de fato do imposto incidente na operação. O contribuinte de direito é o industrial. A lei atribuiu a este o dever de pagar o imposto.
O texto constitucional não traz a classificação de impostos diretos ou indiretos, mas o CTN, ao tratar da restituição de tributo indevidamente pago, no caso de ele ser indireto, exige que o contribuinte prove que assumiu o encargo financeiro ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, esteja expressamente autorizado por este a recebê-lo (art. 166 do CTN). A pretensão do legislador é a de evitar que o contribuinte de direito acabe se locupletando indevidamente, uma vez que não foi ele quem assumiu o encargo financeiro. Houve o repasse ao adquirente, mero contribuinte de fato.
A questão da realidade econômica x forma jurídica sempre foi um problema na análise da imunidade. Em julgados antigos, predominava no STF o entendimento de que a realidade econômica poderia ser oposta à forma jurídica para o fim de identificar o contribuinte de fato. Assim, embora o contribuinte de fato fosse estranho à relação tributária, a obrigação tributária era excluída por força da imunidade. Depois, a Corte passou a entender que não se poderia opor à forma jurídica a realidade econômica, assentando que a relação tributária é estabelecida apenas entre a Fazenda Pública e o contribuinte indicado pela lei. A partir de então, o exame da imunidade passou a considerar que o contribuinte de fato era estranho à relação tributária, não podendo nela intervir para invocar a imunidade.(4)
Diante da imunidade frente a impostos indiretos, assim considerados aqueles que juridicamente devem ser suportados pelo consumidor final, uma vez destacados na nota fiscal de vendas de produtos, mercadorias ou serviços, de que são exemplos o IPI, o ICMS e o ISS, sem prejuízo da identificação, em determinadas situações concretas, de outros impostos que podem repercutir, há necessidade de examinar-se a relação jurídico-tributária para nela identificar o sujeito passivo. A análise da imunidade diante de certas materialidades de incidência de impostos pressupõe que o ente imune ocupe o polo passivo da relação tributária. Caso contrário, sendo mero contribuinte de fato, porque sofreu a repercussão econômica do imposto, não poderá invocar a proteção constitucional.
3 Imunidade recíproca
A imunidade recíproca é ínsita e constitui o âmago do pacto federativo. A autonomia e a independência das unidades federadas apenas podem ser alcançadas quando não estiver presente o poder de tributar. A federação não sobreviveria sem limites à tributação das entidades federadas entre si. Para proteger o Estado Federal, a Constituição proíbe que a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios instituam impostos sobre o patrimônio, a renda e os serviços uns dos outros (art. 150, VI, a). A imunidade recíproca, portanto, busca assegurar e preservar a autonomia e a independência das pessoas políticas, garantindo o princípio federativo.
A imunidade recíproca é considerada pelo STF como uma cláusula pétrea, uma vez que serve de garantia ao princípio federativo (art. 60, § 4º, I, da CF). De fato, a EC 03/93, por exemplo, autorizou a União a instituir, mediante lei complementar, o imposto provisório sobre movimentação financeira (IPMF). O art. 2º, § 2º, da referida emenda tentou afastar a imunidade recíproca, dizendo que não se aplicaria ao IPMF as imunidades de impostos previstas no art. 150, VI, da CF. No entanto, o STF, admitindo o controle de constitucionalidade das emendas constitucionais, considerou que o preceito, ao afastar a imunidade, acabava suprimindo o princípio federativo, violando a cláusula pétrea inscrita no art. 60, § 4º, inciso I, da CF. Na oportunidade, disse o Min. Celso de Mello(5):
“A Constituição do Brasil, ao institucionalizar o modelo federal de Estado, perfilhou, a partir das múltiplas tendências já positivadas na experiência constitucional comparada, o sistema do federalismo de equilíbrio, cujas bases repousam na necessária igualdade político-jurídica entre as unidades que compõem o Estado Federal. Desse vínculo isonômico, que parifica as pessoas estatais dotadas de capacidade política, deriva, como uma de suas consequências mais expressivas, a vedação dirigida a cada um dos entes federados de instituição de imposto sobre o patrimônio, a renda e os serviços, uns dos outros. A imunidade tributária recíproca consagrada pelas sucessivas Constituições republicanas brasileiras representa um fator indispensável à preservação institucional das próprias unidades integrantes da Federação.”
A vedação constitucional protege a incidência de qualquer imposto de competência de uma pessoa política em detrimento da outra, desde que o ente público beneficiado com a imunidade figure como sujeito passivo da obrigação tributária. Essa condição é prévia à própria verificação da materialidade a ser protegida do imposto. A imunidade não ampara o contribuinte de fato. Embora a Constituição Federal faça referência a impostos que incidem sobre o patrimônio, que compreende o conjunto de todos os bens que integram a propriedade pública, a renda, que é constituída por todos os ingressos financeiros que incrementam os cofres públicos, não importando a sua origem, e os serviços, assim considerados os serviços públicos exercidos diretamente pelas pessoas políticas, o ônus financeiro de qualquer imposto impacta negativamente o patrimônio público. Por isto, a imunidade sempre poderá ser invocada quando o ente imune ocupar o polo passivo da relação tributária, pouco importando a base material de incidência do imposto.
O problema da realidade econômica x forma jurídica evidencia-se na análise da imunidade recíproca. Embora em alguns casos o ente imune sofra o ônus econômico da incidência tributária, o STF tem respeitado a forma jurídica, isto é, examinado a relação jurídico-tributária, independentemente da realidade econômica quanto à repercussão do tributo.
No caso do ICMS, por exemplo, trata-se de imposto de competência do estado. O município, por sua vez, tem direito à imunidade recíproca. Mesmo assim, o município acaba pagando o ICMS sobre as suas faturas de energia elétrica. Isso acontece porque o município não é o contribuinte de direito do imposto; é mero contribuinte de fato. Prevalece a forma jurídica, isto é, o exame da relação tributária e a identificação do contribuinte de direito. O contribuinte de direito é o fornecedor da energia. O município é mero consumidor, contribuinte de fato do imposto. A imunidade, portanto, não poderá ser invocada. Há inúmeros julgados do STF nesse sentido, cujo exemplo é a seguinte ementa(6):
“TRIBUTÁRIO. ICMS. SERVIÇOS DE ENERGIA ELÉTRICA. MUNICÍPIO. CONTRIBUINTE DE FATO. IMUNIDADE RECÍPROCA. ART. 150, VI, A, DA CONSTITUIÇÃO. INAPLICABILIDADE. AGRAVO IMPROVIDO.
I – A imunidade do art. 150, VI, a, da Constituição somente se aplica ao imposto incidente sobre serviço, patrimônio ou renda do próprio ente beneficiado, na qualidade de contribuinte de direito.
II – Como o município não é contribuinte de direito do ICMS relativo a serviços de energia elétrica, não tem o benefício da imunidade em questão, uma vez que esta não alcança o contribuinte de fato. Precedentes.
III – Agravo regimental improvido.”
O STF também decidiu caso em que um município pretendia o reconhecimento do direito de não pagar ICMS nas aquisições, no mercado interno, de bens, mercadorias e equipamentos que seriam incorporados ao patrimônio municipal, invocando a imunidade recíproca. A Corte reafirmou o entendimento de que “a imunidade tributária recíproca não se aplica ao ente público quando este é simples adquirente de produto, serviço ou operação onerosa realizada com intuito lucrativo (‘contribuinte de fato’)”(7) e de que a imunidade recíproca está “umbilicalmente ligada ao contribuinte de direito, não abarcando o contribuinte de fato”.(8)
Por força da recíproca imunidade, o município não pode exigir o IPTU de imóvel de propriedade da União ou o ITBI na aquisição de imóvel efetuada pelo estado. Em contrapartida, a imunidade impede que a União exija do município o imposto sobre a renda por este auferida ou que o estado constitua o crédito de IPVA de veículos da municipalidade.
A União pretendeu exigir dos municípios o imposto sobre operações financeiras (IOF) sobre ganhos financeiros, previstos no art. 1º da Lei 8.033/90. No entanto, o STF, ao mesmo tempo em que afirmou que a imunidade abrangia todo e qualquer imposto, pouco importava que o município auferisse ganhos a partir da ciranda financeira, não se podendo interpretar literalmente o preceito e colocar em plano secundário a interpretação teleológica.(9)
Em 1997, o art. 28 da Lei 9.532 passou a sujeitar qualquer beneficiário, inclusive pessoa jurídica imune, ao imposto de renda sobre os rendimentos financeiros. Houve a propositura de ação direta de inconstitucionalidade pelo governador de Pernambuco, por ofensa à imunidade tributária recíproca. O Min. Marco Aurélio entendeu que não se poderia considerar a realização de investimentos como finalidade estranha aos fins dos entes protegidos pela imunidade recíproca, e o Min. Carlos Velloso ressaltou que a imunidade recíproca era uma garantia da federação e, portanto, cláusula pétrea. A Corte, com isso, considerou inconstitucional a expressão inclusive pessoa jurídica imune.(10)
3.1 Imunidade de autarquias e fundações públicas
A imunidade recíproca é extensiva às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo poder público, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes (art. 150, VI, § 2º, da CF).
A administração indireta é composta por autarquias, fundações públicas, sociedades de economia mista, empresas públicas e consórcios públicos, segundo Maria Silva Zanella Di Pietro.(11)
As autarquias são criadas por lei e tem personalidade jurídica de direito público. São titulares de direitos e obrigações distintos da pessoa que a instituiu. Executam atividades típicas da administração pública, que requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizada (art. 5º do DL 200/67).
Os Conselhos de Fiscalização Profissionais, que são entidades criadas por lei e responsáveis pela fiscalização das profissões regulamentadas, têm natureza jurídica de autarquias federais. Em decorrência disso, também se beneficiam da imunidade de impostos quanto ao seu patrimônio, à sua renda ou aos seus serviços vinculados às suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes.
Com relação à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a partir do julgamento da ADI 3.026, em que foi questionada a constitucionalidade do art. 79, § 1º, da Lei 8.906/94(12) (Estatuto da OAB) e requerida que a interpretação se desse em conformidade com o art. 37, II, da Constituição Federal, a fim de que o provimento dos cargos da Ordem dos Advogados se desse por meio de concurso público, o Supremo Tribunal Federal acabou assentando o entendimento de que a Ordem não pode ser considerada como congênere das demais entidades de fiscalização profissional. Para o Relator, Min. Eros Grau, a OAB não é uma entidade da administração indireta. “Não está sujeita a controle da Administração, nem a qualquer das suas partes está vinculada.” Disse o ministro:
“Essa não vinculação é formal e materialmente necessária. A OAB ocupa-se de atividades atinentes aos advogados que exercem função constitucionalmente privilegiada na medida em que são indispensáveis à administração da Justiça, nos termos do que dispõe o artigo 133 da Constituição do Brasil. Entidade cuja finalidade é afeita a atribuições, interesses e seleção de advogados não poderia vincular-se ou subordinar-se a qualquer órgão público.
A Ordem dos Advogados do Brasil é, em verdade, entidade autônoma, porquanto a autonomia e a independência são características próprias dela, dessarte, não pode ser tida como congênere dos demais órgãos de fiscalização profissional. Ao contrário deles, a Ordem dos Advogados do Brasil não está voltada exclusivamente a finalidades corporativas, mas, nos termos do art. 44, I, da lei, tem por finalidade ‘defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas’. Esta é, iniludivelmente, finalidade institucional, e não corporativa.”
A partir desse julgado, em que a Corte decidiu ser inexigível concurso público para a admissão à OAB, a Ordem dos Advogados é considerada uma pessoa jurídica de direito público para fins de usufruir todos os benefícios previstos na legislação, embora não o seja para as restrições a que se sujeitam as entidades públicas (provimento de cargos por concurso, controle pelo TCU, licitação, etc.).
O art. 45, § 5°, da Lei 8.906/94 outorgou à OAB, por constituir serviço público, imunidade tributária total em relação a seus bens, suas rendas e seus serviços. Como a imunidade é matéria privativa do legislador constitucional, o preceito é inócuo. A lei, complementar ou ordinária, não pode criar imunidade. Não obstante, o STF entende que a OAB tem direito à imunidade recíproca, na medida em que desempenha atividade própria de Estado. Como a imunidade está atrelada às finalidades essenciais, o STF, embora tenha reconhecido a imunidade da OAB quanto à tributação pelo Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro e sobre Operações Relativas a Títulos e Valores Mobiliários (IOF), decidiu que os eventuais desvios de finalidade, consistente na destinação dos valores aplicados em atividades estranhas à sua função, deveriam ser objeto de fiscalização e respectivo lançamento.(13)
De outra parte, as fundações podem ser públicas ou privadas. As fundações privadas não têm direito à imunidade, nada impedindo que a lei conceda isenção ou outros benefícios tributários. Muitas vezes fundações privadas são instituições de assistência social ou educacional, sem finalidade lucrativa. Nesse caso, não se está diante da imunidade do art. 150, § 2º, mas sim da imunidade do art. 150, VI, alínea c, ambos da CF. Nessa hipótese, a fruição da imunidade dependerá do atendimento aos requisitos estabelecidos em lei. Esses requisitos estão fixados nos artigos 9º e 14 do CTN, cujo descumprimento ensejará o lançamento de ofício, regulado pelo art. 32 da Lei 9.430/96. Na imunidade recíproca, observe-se, não há necessidade de atendimento de requisitos legais. O benefício é extraído diretamente da Constituição, bastando que diga respeito a impostos que incidam sobre o patrimônio, a renda ou os serviços vinculados às finalidades essenciais do ente que a Constituição busca tutelar (art. 150, § 2º).
As fundações públicas devem ser criadas por lei (art. 37, XIX, da CF), submetem-se a controle pelo Tribunal de Contas (art. 71, II e III, da CF) e usufruem da imunidade de impostos sobre o patrimônio, a renda ou os serviços vinculados às suas finalidades essenciais.
Como a fruição desse privilégio constitucional condiciona-se sempre às finalidades essenciais, surge o problema acerca de a quem compete o ônus de provar, no caso de imunidade de imposto sobre o patrimônio, se o bem está sendo utilizado de acordo com as finalidades institucionais. O STF está consolidando o entendimento de que não compete à entidade imune fazer essa prova, mas sim que cabe à administração tributária demonstrar a eventual tredestinação. A Corte entende que a inversão do ônus da prova se justifica porque a imunidade não é concedida por ato do Fisco.(14) Há, portanto, uma presunção constitucional da vinculação do bem às finalidades essenciais, cabendo ao Fisco a prova em sentido contrário, a ser produzida em lançamento de ofício, assegurado o contraditório.
Além disso, a imunidade recíproca não se aplica ao patrimônio, à renda e aos serviços, relacionados com exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, “ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário”, consoante dispõe o § 3º do art. 150 da CF.
3.2 Imunidade das empresas públicas e sociedades de economia mista
As empresas públicas e sociedades de economia mista devem ser criadas por lei e possuem personalidade jurídica de direito privado. A Constituição Federal não outorga imunidade às empresas públicas e sociedades de economia mista. Não se justifica, quando explorarem atividade econômica, que possam usufruir de benefícios tributários que não sejam estendidos ao setor privado. Dispõe o art. 173 da CF:
“Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.
§ 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
I – sua função social e formas de fiscalização pelo Estado e pela sociedade; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
II – a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
III – licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, observados os princípios da administração pública; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
IV – a constituição e o funcionamento dos conselhos de administração e fiscal, com a participação de acionistas minoritários; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
V – os mandatos, a avaliação de desempenho e a responsabilidade dos administradores. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
§ 2º As empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado.”
As empresas públicas e sociedades de economia mista que atuam na produção e na comercialização de bens, nos termos do caput do art. 173 da CF, exploram atividade econômica. Nesse caso, sujeitam-se à concorrência em regime de liberdade com as demais empresas privadas da mesma área de atuação. Não podem ter privilégios. Submetem-se às regras do mercado econômico. A natureza da atividade exercida – produção e comercialização de bens – é própria da iniciativa privada. Por isto é que não podem gozar de privilégios não extensivos às do setor privado (§ º do art. 173 da CF). Neste caso, há o exercício de uma atividade substancialmente econômica, sujeitando-se ao regime jurídico do Direito Privado.
“Uma primeira lição que se tira do art. 173, § 1º”, diz Silvia Di Pietro, “é a de que, quando o Estado, por intermédio dessas empresas, exerce atividade econômica, reservada preferencialmente ao particular pelo caput do dispositivo, ele obedece, no silêncio da lei, a normas de direito privado. Essas normas são a regra; o direito público é exceção e, como tal, deve ser interpretado restritivamente” (ob. cit., p. 505).
No entanto, as empresas criadas pelo próprio Estado para prestarem serviços públicos em regime de exclusividade ou monopólio, em razão das competências extraídas do texto constitucional, sujeitam-se ao regime de Direito Público. Exercem atividades exclusivas do Estado e que não se identificam com a exploração de atividade econômica, sujeita à livre-iniciativa e à concorrência (art. 170, da CF). São instrumentos de atuação do Estado nas áreas administrativas constitucionalmente a ele reservadas. Prestam serviços públicos como se fossem o próprio Estado, razão por que não se submetem ao regime jurídico próprio das empresas privadas.
Embora o Estado possa conceder ou permitir a prestação de serviços públicos, nos termos do art. 175 da Constituição Federal, há serviços públicos em que a própria Constituição, dentro da organização político-administrativa das entidades políticas, confere competências exclusivas ao próprio Estado, o qual atua naquelas competências reservadas por intermédio de empresas públicas ou sociedades de economista criadas por lei para esse fim. A forma que o Estado adota para exercitar tais competências não pode se sobrepor à substância, que é a prestação de um serviço essencialmente público. Não teria sentido o próprio Estado criar, por lei, verdadeiros auxiliares e depois deles exigir o pagamento de impostos. O Estado não pode tributar a si próprio. A concretização da submissão fiscal inviabilizaria o próprio exercício das competências administrativas para a prestação de serviços que são reservados com exclusividade ao Estado.
Presente essa distinção, para efeito de imunidade das empresas públicas e sociedades de economia mista prestadoras de serviços públicos, tem havido um avanço na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal para reconhecer, em determinadas situações, o direito ao privilégio constitucional.
De fato, o STF tem feito distinção entre as empresas públicas que exercem atividade econômica e, com isso, concorrem com as empresas do setor privado e as empresas públicas que prestam serviços públicos. Para a Corte, a empresa pública que presta serviço público de prestação obrigatória e exclusiva do Estado tem direito à imunidade recíproca, assemelhando-se a uma autarquia. Nem mesmo o § 3º do art. 150 da CF, que afasta a imunidade quando houver contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário, pode ser invocado para afastar o preceito imunizante porque, para o STF, a restrição aplica-se apenas nos casos da entidade estatal que explora atividade econômica regida por normas aplicáveis a empreendimentos privado.
Com base nessa linha de raciocínio, o STF concluiu que o serviço público prestado pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – serviço postal – é um serviço público de prestação obrigatória e exclusiva do Estado, nos termos do art. 21, X, da Constituição Federal, razão por que reconheceu a imunidade de IPTU sobre imóvel dos Correios.(15)
Posteriormente, a Associação Brasileira das Empresas de Distribuição, que representa os interesses de inúmeras empresas de distribuição, ajuizou no STF a ADPF nº 46, cuja controvérsia envolvia a Lei 6.538/78, defendendo, em resumo, que os Correios, ao exercerem seus serviços em regime de monopólio, não assegurado pela Constituição, violavam os preceitos fundamentais da livre-iniciativa e da livre-concorrência. No julgado, surgiram discussões no STF em torno da distinção entre atividade concorrente e privativa dos Correios, havendo dúvidas em torno da imunidade quanto às atividades que não fossem exercidas em regime de privilégio e as executadas em concorrência com o setor privado. A Corte acabou decidindo que a exploração do serviço postal é um serviço público privilegiado que não poderia ser confundido com o monopólio, este exercido por agentes econômicos privados. Entendeu que os Correios deveriam atuar em regime de exclusividade na prestação dos serviços postais mencionados no art. 9º da Lei 6.538/78, julgando improcedente a ADPF.
Quanto ao imposto incidente sobre a própria atividade material da ECT – prestação de serviços – sujeito ao imposto sobre serviços, mais uma vez o Pleno do STF discutiu o alcance da imunidade tendo em vista o exercício simultâneo de atividades em regime de exclusividade e em concorrência com a iniciativa privada. Além do serviço postal, os Correios vendem produtos e serviços dissociados do serviço postal e do interesse público em sentido estrito. Há vendas de títulos de capitalização, serviços de recebimento de mensalidades de associação e sindicatos, inscrições em vestibulares, etc.
No julgado, houve duas correntes e intenso debate. Para a primeira, liderado pelo Relator, Min. Joaquim Barbosa, depois de afirmar que a imunidade recíproca não pode ser aplicada quando o poder público agir com intuito preponderantemente lucrativo ou para permitir-lhe vantagens contratuais ou de mercado em condições mais vantajosas, a imunidade não poderia ser reconhecida porque as vendas dos serviços e produtos antes referidos não têm vinculação com a atividade institucional dos Correios. Haveria uma atividade de interesse particular, e não de interesse público. Na mesma linha, o Min. Luiz Fux entendeu que, como tais serviços são desvinculados das atividades essenciais dos Correios e não se confundem com serviços públicos em sentido estrito, a imunidade dos serviços prestados em regime de livre-concorrência representaria uma vantagem competitiva em relação aos demais agentes de mercado. Para o Min. Fux, nem mesmo a alegação de subsídio cruzado, consistente na desoneração tributária das atividades que custeariam o serviço postal, tido como deficitário, seria capaz de permitir o reconhecimento da imunidade porque, devendo o serviço ser mantido pela União, nos termos do art. 21, X, da Constituição Federal, não se poderia impor aos demais entes federados o seu custeio. Para a segunda, com a divergência aberta pelo Min. Ayres Brito, atuando os Correios como uma longa manus da União, a qual tem a obrigação de manter o serviço, a imunidade deveria ser reconhecida, independentemente do fato de a atividade ser exclusiva ou não. Além disso, essas atividades permitiriam subsidiar a atividade de monopólio, consistente na entrega de cartas e encomendas, uma vez que apenas algumas unidades dos Correios seriam superavitárias, sustentando todas as demais. O afastamento da imunidade frustraria a integração nacional, alcançada pelos Correios nos mais longínquos lugares.
Ao final, prevaleceu o entendimento, por maioria dos ministros, de que o exercício simultâneo de atividades em regime de exclusividade e em concorrência com a iniciativa privada não teria relevância para efeitos de imunidade, considerando as peculiaridades do serviço postal.(16)
A Corte também enfrentou essa questão da imunidade de empresa pública que atua em regime de monopólio no caso da Infraero. Trata-se de uma empresa pública que executa serviços de infraestrutura aeroportuária, e o Município de Salvador pretendia exigir o pagamento do imposto sobre os serviços por elas prestados. Como a Infraero é uma empresa pública delegatária do serviço público referente aos serviços de infraestrutura aeroportuária, em regime de monopólio, nos termos do art. 21, XII, alínea c, da CF, não concorre com empresas privadas e não explora, em sentido estrito, atividade econômica, não se sujeitando à livre-concorrência, tem direito à imunidade do imposto sobre os serviços prestados.(17) Neste julgado, disse o Min. Celso de Mello:
“A concepção de Estado Federal, que prevalece em nosso ordenamento positivo, impede – essencialmente em função do papel que incumbe a cada unidade federada desempenhar no seio da federação – que qualquer delas institua impostos sobre o patrimônio, a renda e os serviços tanto das demais pessoas políticas quanto das respectivas pessoas administrativas, quando criadas para executar, mediante outorga, serviços públicos constitucionalmente incluídos na esfera orgânica de competência das entidades governamentais.”
Por essas mesmas razões, a Casa da Moeda do Brasil, empresa pública delegatária de serviço público, que tem o monopólio de emitir papel-moeda, cunhar moedas metálicas, fabricar fichas telefônicas e imprimir selos postais (art. 21, VIII, da CF), também teve reconhecido o seu direito à imunidade recíproca do ISS quanto às atividades executadas no desempenho de seu encargo constitucional, conforme decidido pelo STF.(18) Neste julgado, o Min. Celso de Mello transcreve doutrina de Regina Helena Costa:
“Inicialmente, analisemos a situação da empresa – estatal empresa pública ou sociedade de economia mista – que recebeu a outorga, por meio de lei, da prestação de serviço público cuja competência pertence à pessoa política que a criou. Tais pessoas detêm personalidade de Direito Privado e compõem a administração pública indireta ou descentralizada. Têm sua criação autorizada, sempre por lei (art. 37, XIX, da CF), para desempenhar atividade de natureza econômica, a título de intervenção do Estado no domínio econômico (art. 173 da CF) ou como serviço público assumido pelo Estado (art. 175 da CF). Recebendo tais entes o encargo de prestar serviço público – consoante a noção exposta –, o regime de sua atividade é o de Direito Público, o que inclui, dentre outras prerrogativas, o direito à imunidade fiscal. O raciocínio resume-se no seguinte: se o serviço público for prestado diretamente pela pessoa política, estará, indubitavelmente, imune à tributação por via de impostos. Ora, a mera delegação da execução desse serviço público, pela pessoa que é titular da competência para prestá-lo à coletividade, por meio de lei, a uma empresa por ela instituída – empresa pública ou sociedade de economia mista –, que se torna delegatária do serviço, não pode, portanto, alterar o regime jurídico – inclusive tributário – que incide sobre a mesma prestação. A descentralização administrativa, como expediente destinado a garantir maior eficiência na prestação de serviços públicos (art. 37, caput, da CF), não tem o condão de alterar o tratamento a eles dispensado, consagrador da exoneração tributária concernente a impostos.”
Quanto às sociedades de economia mista, o Pleno do STF teve oportunidade de julgar, sob o regime de repercussão geral, o caso de três hospitais que eram de controle acionário da União e pretendiam o reconhecimento da imunidade quanto ao ICMS. Tratava-se de hospitais em que a União mantinha 99,99% do capital social e que atendiam pacientes exclusivamente pelo SUS. A Corte considerou que, embora a assistência à saúde seja livre à iniciativa privada, os hospitais prestavam serviços públicos de saúde de forma gratuita, correspondendo à própria atuação do Estado. Assim, possuindo capital majoritariamente estatal, as sociedades de economia mista prestadoras de ações e serviços gratuitos de saúde têm direito à imunidade tributária recíproca.(19)
Conclusão
A imunidade tributária recíproca não é um mero favor fiscal. É outorgada para proteger a autonomia e a independência das pessoas políticas, assim como suas autarquias e fundações, no que diz respeito às suas atividades essenciais.
A imunidade não pode funcionar como subvenção do Estado a atividades econômicas desempenhadas por empresas estatais com o escopo de lucro.
A supressão tributária não pode trazer vantagens que desequilibrem a livre-concorrência e a livre-iniciativa.
A extensão do preceito imunizante para as empresas públicas e sociedades de economia mista deve ficar restrita àqueles casos em que esses entes exercem serviços públicos primários e essenciais, representando ou auxiliando o próprio Estado, ainda que em regime de privilégio.
Bibliografia
ÁVILA, Alexandre Rossato da Silva. Curso de Direito Tributário. 6. ed. Verbo Jurídico.
BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. Atualizada por Misabel Abreu Machado Derzi. 7. ed. Forense, 1997.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 26. ed. Atlas, 2013.
MORAES, Bernardo Ribeiro de. Compêndio de Direito Tributário. 3. ed. Forense, 1996. v. I e II.
NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos: contributo para a compreensão constitucional do estado fiscal contemporâneo. Coimbra: Almedina, 2009.
TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional, Financeiro e Tributário. Renovar, 2007. v. IV – Os tributos na Constituição.
Notas
1. Interpretação no Direito Tributário. EDUC/Saraiva. p. 409.
2. Compêndio de Direito Tributário. 3. ed. Forense. p. 356. v. II.
6. ARE 663.552 e 690.382.
11. Direito Administrativo. 26. ed. Atlas.
12. Art. 79. Aos servidores da OAB, aplica-se o regime trabalhista. § 1º Aos servidores da OAB, sujeitos ao regime da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, é concedido o direito de opção pelo regime trabalhista, no prazo de noventa dias a partir da vigência desta lei, sendo assegurado aos optantes o pagamento de indenização, no momento da aposentadoria, correspondente a cinco vezes o valor da última remuneração.
15. RE 364.202, RE 424.227, RE 354.897, RE 398.630.
|