O agir administrativo do Estado à luz do novo contrato constitucional: dano ambiental, prevenção e responsabilidade estatal

Autor: André Vanoni de Godoy

Advogado, Mestre em Direito pela UCS (2015)

publicado em 29.02.2016



Resumo

A fundamentalidade constitucional do direito ao ambiente provocou uma evolução da compreensão acerca dos direitos fundamentais e humanos, incorporando a tutela do ambiente ao núcleo privilegiado de proteção da pessoa (direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais). Neste novo ambiente normativo, sobressai do poder-dever de agir da Administração a obrigação de atuar na proteção desses direitos fundamentais, em uma clara limitação do poder discricionário estatal, sendo esta uma das principais dimensões do constitucionalismo moderno, o qual subtraiu à disponibilidade do Estado a titularidade e  o exercício de direitos fundamentais, já que inerentes ao indivíduo e preexistentes ao Estado. Esse compromisso governamental é um múnus que ultrapassa o limite da discricionariedade estatal, não sendo aceitáveis arguições a respeito de eventuais limitações impostas, por exemplo, pelo pressuposto da reserva do possível. Logo, a responsabilidade do Estado diante da sua omissão na prevenção do dano ambiental emerge com grande força, notadamente porque tem a legitimação de poder constitucional e, portanto, os meios para se antecipar à ocorrência do dano, efetivando, dessarte, este que é o objetivo primordial de qualquer sistema de proteção ambiental.

Palavras-chave: Dano ambiental. Prevenção. Omissão. Responsabilidade estatal.

Sumário: Introdução. 1 Os novos contornos do agir estatal em face da fundamentalidade constitucional do direito ao meio ambiente sadio. 2 A prevenção do dano ambiental e a responsabilidade da Administração. Conclusões. Referências.

Introdução

A constitucionalização do direito ambiental a partir da Carta Política de 1988 delineou novos contornos à questão da discricionariedade do Estado em face de seus deveres de tutela do meio ambiente, promovendo verdadeira inovação ao introduzir um conjunto de princípios e normas em matéria de proteção e promoção de um ambiente saudável, equilibrado e seguro, no sentido da garantia e da promoção do bem-estar existencial individual e coletivo. E não é que a Constituição tenha limitado a ação da Administração, senão que a conformou, explicitando e, portanto, fazendo imediatamente exigíveis as atribuições do Estado na garantização de um mínimo existencial socioambiental, que contemple o atendimento do núcleo essencial dos direitos econômicos, sociais, culturais e, a partir de então, ambientais, do indivíduo e da coletividade.

Nesse contexto, a questão da responsabilização do Estado em matéria de proteção dos direitos fundamentais deixou de ser um mistério entre os operadores do Direito. Canotilho afirma que, no âmbito da proteção constitucional, incluem-se ações de responsabilidade contra a Administração por atos ilícitos de titulares de órgãos, funcionários ou agentes, sejam eles no campo jurídico-normativo (atos administrativos), sejam em decorrência da ação ou da omissão estatal (atos materiais). No mesmo sentido caminha Sarlet, quando admite a possibilidade de responsabilização do Estado por conta da sua inoperância na implementação de medidas (administrativas e legais, concretas e normativas) que sejam indispensáveis à plena realização dos direitos fundamentais, notadamente nas hipóteses em que existe um dever (explícito ou implícito) de proteção e, portanto, de atuação, sendo esse o cenário em que se desenvolve o presente artigo.

1 Os novos contornos do agir estatal em face da fundamentalidade constitucional do direito ao meio ambiente sadio

A fundamentalidade constitucional do direito ao ambiente(1) provocou uma evolução da compreensão acerca dos direitos fundamentais e humanos, incorporando a tutela do ambiente ao núcleo privilegiado de proteção da pessoa (direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais).


Essa concepção importa considerar a questão da delimitação do espaço legal de que dispõe o Estado para se movimentar no cumprimento de seus deveres de proteção ambiental, os quais estão alicerçados no compromisso emergente do pacto constitucional de garantir uma vida digna e saudável aos cidadãos. Assim, a implantação das liberdades e das garantias fundamentais pressupõe ações positivas e negativas da Administração, de modo a remover os obstáculos de ordem econômica, social e cultural que impeçam o pleno desenvolvimento da pessoa humana. Nessa perspectiva, qualquer óbice que interfira na concretização do direito em questão deve ser afastado pelo Estado, seja tal conduta (comissiva ou omissiva) oriunda de particulares, seja ela oriunda do próprio poder público (SARLET; FENSTERSEIFER, 2011, p. 11).

Esses deveres de proteção ambiental conferidos ao Estado vinculam os poderes estatais ao ponto de limitar a sua liberdade de conformação na adoção de medidas – administrativas (executivas), legislativas e judiciais – voltadas à tutela do ambiente. É uma clara limitação imposta ao Estado-administrador e ao Estado-legislador, cabendo, ainda, ao Estado-juiz conformar a atuação dos demais poderes a esses padrões constitucionais e infraconstitucionais de proteção ambiental. Limitação essa que, segundo Freitas (2012, p. 217), passa por um novo modelo de regulação dos mercados e dos próprios governos, configurado para atender ao princípio constitucional da sustentabilidade,(2) já que, segundo ele, os modelos atuais falharam por deficiências operacionais e ausência de disciplina. Freitas preconiza que o novo modelo deve ser interdisciplinar, aprimorando a função regulatória da Administração, que envolve o poder de polícia administrativa arejado com um Direito Administrativo renovado, visando à universalização dos bens essenciais e de serviços de qualidade, observando indicadores de bem-estar e sustentabilidade (FREITAS, 2012, p. 219).

A limitação de que se está aqui tratando pode ser traduzida pela redução da discricionariedade da Administração Pública, a qual, nesses termos, é identificada por Antônio Herman Benjamin (2007, p. 75) como um benefício da constitucionalização da tutela ambiental, já que vincula a atuação administrativa no sentido de um permanente dever de levar em conta o meio ambiente e de, direta e positivamente, protegê-lo, bem como exigir o seu respeito pelos demais membros da comunidade estatal. Portanto, prossegue o ilustre jurista, não há margem para o Estado não atuar ou mesmo para atuar de forma insuficiente (à luz do princípio da proporcionalidade) na proteção do ambiente, pois tal atitude estatal resultaria em prática inconstitucional.

Esse dever geral de proteção ambiental do Estado, insculpido no caput do artigo 225 da Constituição Federal de 1988 (CF/88), estabelece uma série de medidas de proteção ecológica a serem levadas a efeito visando ao seu cumprimento, como são exemplos os deveres descritos nos incisos do § 1º do artigo 225 da CF/88.(3)

Com esse mesmo viés hermenêutico, Milaré (2013, p. 634) destaca a responsabilidade do Estado por ações ou omissões lesivas ao meio ambiente, uma vez que, sendo uma entidade tutelar, e, portanto com poderes para adotar e impor medidas preventivas, corretivas, inspectivas e substitutivas ou supletivas, não lhe assiste o direito de se omitir. Para o citado autor, esse múnus administrativo ambiental, partindo de um sistema jurídico e de um corpo de instrumentos legais, estende-se a todas as esferas de governo, consoante estabelece o festejado artigo 225 da CF/88, complementado pelos dispositivos das constituições estaduais e das leis orgânicas dos municípios.

Nesse contexto se destaca importante princípio limitador do agir estatal, o já mencionado princípio da proporcionalidade, a ser observado em sua dupla face, ou dupla dimensão, qual seja, a proibição de excesso de intervenção, por um lado, e a proibição de insuficiência de proteção, por outro (SARLET; FENSTERSEIFER, 2011, p. 14). Tal princípio, logo se vê, relaciona-se diretamente com aquela questão da discricionariedade da Administração, que resulta mitigada como efeito da constitucionalização da tutela ambiental, sendo lícito afirmar que “os deveres de proteção ambiental conferidos ao Estado vinculam os poderes estatais de tal modo a limitar a sua liberdade de conformação na adoção de medidas atinentes à tutela do ambiente” (SARLET, 2010, p. 17).

Essa responsabilidade do Estado no seu papel de governo enquanto organização administrativa diz respeito, como ensina Oswaldo Aranha Bandeira de Mello (2007, p. 63), “à atividade do Estado-poder como parte, relativa à criação ou afirmação de utilidade pública (...) subordinada à ordem jurídica, condicionando o exercício das ações dos agentes públicos e assegurando poderes aos cidadãos em face do Estado”, função esta que, segundo o renomado jurista, pertence ao Direito Administrativo.

E, não obstante ser o Direito Administrativo “o conjunto harmônico de princípios jurídicos que regem os órgãos, os agentes e as atividades públicas tendentes a realizar concreta, direta e imediatamente os fins desejados pelo Estado” (MEIRELLES, 1999, p. 34), tal ramo do Direito não tem autonomia em face da Constituição, a cujos princípios deve obediência e por eles se conforma. Essa limitação, na lição de Canotilho (20--?, p. 1.378), é uma das principais dimensões do constitucionalismo moderno, o qual, ao positivar a constitucionalização dos direitos e das liberdades, subtraiu à disponibilidade do Estado a titularidade e o exercício de direitos fundamentais, cuja proteção constitucional representava a garantia de sua efetivação, já que inerentes ao indivíduo e preexistentes ao Estado. Mais ainda, continua o insigne jurista português, a Constituição, como lei superior, vincula jurídica e politicamente os titulares do poder, permitindo, com essa conformação, a realização do fim permanente de qualquer lei fundamental, qual seja, a limitação do poder.

Nesse ambiente normativo, então, o Direito Constitucional organiza juridicamente o Estado-poder em função do Estado-sociedade,(4) do qual a Constituição deve ser expressão, e o Direito Administrativo, juntamente com o Judiciário, ordena a atividade do Estado-poder (MELLO, 2007, p. 72). Nesse aspecto, o Direito Administrativo discute as relações jurídicas em que o Estado participa, tais como a execução de obras ou serviços públicos por meio dos quais o Estado-poder oferta bens e atua de maneira positiva, oferecendo prestações, como é o caso da infraestrutura e dos serviços de saneamento.

Na perspectiva desse novo contorno do agir estatal, importa observar que não há se confundir o ordenamento da atividade do Estado para atuar de modo direto e imediato na consecução do seu fim de proporcionar utilidade pública com aqueles ordenamentos indiretos que visam orientar aquela atuação estatal, emanados das funções legislativa e judiciária. Muito embora, na perspectiva teleológica da finalidade do Estado aceita por Bandeira de Mello (2007, p. 217), sejam todos objetos de interesse do Direito Administrativo, lá se trata dos meios e modos da ação do Estado; aqui, da instrumentalização para permitir o agir estatal ou, de forma positiva, exigir que o faça, ou, ainda, negativamente, que se abstenha de fazê-lo quando em violação dos direitos dos particulares.

Deve estar claro que a manifestação da limitação do poder da Administração de que aqui se está tratando possui uma função negativa e uma positiva. A competência negativa dos poderes públicos concretiza-se nos direitos de defesa dos cidadãos, tanto no plano jurídico-objetivo, isto é, normas de competência negativa para os poderes públicos, no sentido de proibir ingerências na esfera jurídica individual, como no plano jurídico-subjetivo, pelo exercício positivo de direitos fundamentais (liberdade positiva) e pela exigência de omissões dos poderes públicos, de forma a evitar agressões lesivas por parte destes (liberdade negativa) (CANOTILHO, 20--?, p. 401).

Mas a feição que talvez mais interesse quando presente a questão ambiental diz respeito ao agir positivo da Administração em atendimento do direito fundamental ao meio ambiente sadio, o que equivale ao direito do particular de obter algo por meio do Estado (CANOTILHO, 20--?, p. 402), situação que reclama uma crescente posição ativa da Administração na esfera econômica e social (SARLET, 2007, p. 299).

Na consideração dessa nova dimensão dos direitos fundamentais e tendo presente a exigência de uma postura ativa, a Administração “tem o dever de aplicar a Lei Fundamental de ofício, construindo e reconstruindo as regras instrumentalmente voltadas a vivificar o princípio constitucional da sustentabilidade, entendido em consórcio necessário com os demais princípios” (FREITAS, 2012, p. 237). E assim deve ser, conforme Freitas, porque o alicerce constitucional da sustentabilidade vincula e conforma a discricionariedade da Administração, que, nesse ambiente normativo, não depende de regras legais por acréscimo para aplicar imediatamente dito princípio.

Pois, para Juarez Freitas, a partir do princípio da sustentabilidade, existe um Direito Administrativo antes e depois da incidência do princípio da sustentabilidade. O Direito Administrativo anterior à sustentabilidade era o que, nas relações entre o cidadão e o Estado-Administração, preocupava-se somente “com a suposta eficiência ou com os interesses particulares mascarados de razões de Estado”. O Direito Administrativo depois da sustentabilidade passará a ser o Direito “da gestão pública participativa, transparente, redutora de assimetrias e eficaz densificadora do princípio da sustentabilidade, que haverá de imantar, no século XXI, as relações em sua totalidade” (FREITAS, 2012, p. 258-261).
           
2 A prevenção do dano ambiental e a responsabilidade da Administração

Já se disse bastante sobre a mitigação da liberdade da Administração em se tratando da tutela dos direitos fundamentais, entre os quais aquele ao meio ambiente sadio, a qual decorre “[d]a constatação de que os direitos fundamentais vinculam os órgãos administrativos em todas as suas formas de manifestação e atividades, na medida em que atuam no interesse público, no sentido de um guardião e gestor da coletividade” (SARLET, 2007, p. 392).

É dessa vinculação que emana a responsabilidade do Estado quando deixa de observar os deveres que lhe são imputados pela norma constitucional.

Para o campo do dano conhecido, como é o caso daquele decorrente da ausência, ou precariedade, das infraestruturas de saneamento básico, por exemplo, importa verificar a responsabilidade estatal pela má gestão preventiva do dano. Não se olvida, contudo, que a gestão precaucional emerge hoje como um dos principais desafios para o adequado gerenciamento ambiental. Ocorre que, sendo a precaução a ação antecipada diante do risco ou do perigo (MACHADO, 2013, p. 100) em face da incerteza científica quanto aos efeitos e à relação de causalidade entre aquela e estes (GOMES, 2010, p. 102), sua consideração foge ao objeto deste artigo, que trata da responsabilidade pelo dano decorrente da ausência de saneamento, cujos efeitos são amplamente conhecidos. Aqui, então, temos a prevenção, que visa a controlar riscos comprovados e danos conhecidos e certos; lá, na gestão precaucional, a ação estatal destina-se a limitar riscos ainda hipotéticos ou potenciais, residindo aí a distinção entre os princípios.

Portanto, em se tratando de tutela ambiental, à Administração compete o agir antecipado, muito mais do que uma tutela reparadora, sabidamente nem sempre possível, quando se cuida de dano ambiental. Essa ideia está de acordo com o conceito de poder-dever de agir da autoridade pública, consoante ensinamento de Hely Lopes Meirelles (1999, p. 90):

“O poder tem para o agente público significado de dever para com a comunidade e para com os indivíduos, no sentido de que quem o detém está sempre na obrigação de exercitá-lo. [...] O poder do administrador público, revestindo ao mesmo tempo o caráter de dever para a comunidade, é insuscetível de renúncia pelo seu titular. Tal atitude importaria fazer liberalidades com o direito alheio, e o poder público não é, nem pode ser, instrumento de cortesias administrativas.” (destaques no original)

Decorre desse conceito um dos princípios da administração pública que talvez mais interesse à matéria ambiental, a saber, o princípio da eficiência.(5) E assim o define o eminente Hely Lopes Meirelles, como “o que exige que a atividade administrativa seja exercida com presteza, perfeição e rendimento funcional”. Assevera, ainda, ser “o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros” (MEIRELLES, 1999, p. 89). Segundo Di Pietro (2001, p. 83), tal princípio apresenta, na realidade, dois aspectos: pode ser considerado em relação ao modo de atuação do agente público, mas igualmente em relação ao modo de organizar, estruturar e disciplinar a Administração Pública. Quanto ao primeiro, é de se esperar do agente o melhor desempenho possível de suas atribuições; em relação ao segundo, sobressai o mesmo objetivo de alcançar os melhores resultados na prestação do serviço público.

Haja vista estarmos em leito de direitos fundamentais, sobressai do poder-dever de agir da Administração a obrigação de atuar na sua proteção, a par e passo com a colaboração da sociedade como destinatária dessa tutela. É o que assevera Ingo Wolfgang Sarlet (2007, p. 119-120), quando afirma que,

“como tarefa imposta ao Estado, a dignidade da pessoa humana reclama que este guie as suas ações tanto no sentido de preservar a dignidade existente como até mesmo de criar condições que possibilitem o pleno exercício da dignidade, sendo, portanto, dependente (a dignidade) da ordem comunitária, já que é de se perquirir até que ponto é possível ao indivíduo realizar, ele próprio, parcial ou totalmente, suas necessidades existenciais básicas, ou se necessita, para tanto, do concurso do Estado ou da comunidade.”

Essa função de dignificação da pessoa humana da tutela ambiental fica clara na lição de Paulo de Bessa Antunes (2007, p. 99), quando afirma que “na origem do conceito normativo de meio ambiente encontra-se a preocupação com o ser humano” e que “o ditame constitucional de 1988 apenas explicitou a natureza antropocêntrica do meio ambiente em nosso universo jurídico". Ou na compreensão de Édis Milaré (1998) de que

“o reconhecimento do direito a um meio ambiente sadio configura-se, na verdade, como extensão do direito à vida, quer sob o enfoque da própria existência física e da saúde dos seres humanos, quer quanto ao aspecto da dignidade dessa existência – a qualidade de vida –, que faz com que valha a pena viver.”

Ainda, importa muito, como já ressaltado, destacar a relevância da ação preventiva do Estado no trato das questões ambientais vis-à-vis a previsão legal de que disponibilize à sociedade os meios necessários à sua proteção, consoante a visão oferecida logo acima.

Nesse particular, é apropriada a abordagem de Ricardo Manuel Castro e Patrícia Fochesato Cintra Silveira (2006):

“Ressalte-se que o princípio da obrigatoriedade da intervenção estatal está em consonância com os princípios da precaução e da prevenção, que são pilares do sistema protetivo do meio ambiente e correspondem à essência do Direito Ambiental, impondo ao poder público o dever de adotar todas as medidas necessárias para evitar a degradação ou potencial lesão ao ambiente (tais como: formulação e execução de políticas públicas ambientais, edição de normas de proteção, planejamento ambiental estratégico, controle e monitoramento de atividades, obras e processos produtivos que possam causar direta/indiretamente degradação ambiental), na busca da efetividade na proteção ambiental.”

Milaré (1998), ao debruçar-se sobre a questão, conclui que:

“Deveras, ‘o caráter fundamental do direito à vida torna inadequados enfoques restritos dele em nossos dias; sob o direito à vida, em seu sentido próprio e moderno, não só se mantém a proteção contra qualquer privação arbitrária da vida, mas, além disso, encontram-se os Estados no dever de buscar diretrizes destinadas a assegurar o acesso aos meios de sobrevivência a todos os indivíduos e todos os povos. Nesse propósito, têm os Estados a obrigação de evitar riscos ambientais sérios à vida’.” (aspas no original)

Parece evidente, portanto, que quando a Administração deixa de aplicar as políticas ambientais em sua integralidade (princípio da eficiência), isto é, negligencia o uso dos instrumentos de que a legislação lhe impõe faça uso (princípio da legalidade), está a cometer ilícito administrativo e até mesmo criminal, tendo em vista que nem a Constituição, nem a Lei n° 9.605/98(6) excluíram os entes públicos daquelas pessoas jurídicas aptas a cometerem crimes ambientais.

Essa questão da responsabilização do Estado pelos danos oriundos da sua omissão já encontra grande aceitação na doutrina e na jurisprudência, como é o caso de Bandeira de Mello, que claramente vê a responsabilização do Estado-poder pelos danos a direitos de terceiros decorrentes de violação da ordem jurídica ou das relações jurídicas existentes:

“Se, no exercício das respectivas atribuições, esses órgãos do Estado-poder lesam direitos de terceiro, assegurados pela ordem jurídica normativa por ele mesmo disposta ou oriundos de relações jurídicas formadas entre ele e terceiros, responde o Estado-poder, por meio do órgão violador da ordem jurídica normativa ou das relações jurídicas existentes, pelas perdas e danos causados, e compõe, destarte, o prejuízo havido. Assim se configura o problema da responsabilidade do Estado-poder.” (MELLO, 2007, p. 71-72)

Tal exposição estatal à possibilidade de sua responsabilização por danos causados a terceiros se encaixa na concepção teleológica dos fins do Estado, cujo objeto é o bem comum, a ser assegurado pelo Estado-poder de maneira a que todos e cada um dos membros do Estado-sociedade recebam a participação que lhes é devida nesse bem (MELLO, 2007, p. 214).

Esse compromisso governamental é um múnus que ultrapassa o limite da discricionariedade estatal, não sendo aceitáveis arguições a respeito de eventuais limitações impostas, por exemplo, pelo pressuposto da reserva do possível,(7) argumento largamente utilizado e tido como legítimo limitador da concretização dos direitos fundamentais. Diz-se isso não pela perspectiva de que se ignora, ou se despreza, a influência do orçamento público na consecução das políticas sociais. O pressuposto é o de que, não obstante a finitude dos recursos públicos, cabe ao Estado administrá-los eficazmente, priorizando aquelas funções para as quais está constitucionalmente vocacionado, notadamente no campo dos direitos sociais.

É como também pensa Freitas (2012, p. 279) quando assume “posição progressista de afirmação do paradigma da sustentabilidade, que empurra o Estado para além das fronteiras e da ‘zona de conforto’, forçando-o a reduzir despesas correntes para que sobrem recursos destinados às áreas nevrálgicas”.

Decorre daí que a responsabilidade do Estado diante da sua omissão na prevenção do dano ambiental emerge com grande força, notadamente porque tem a legitimação [de poder] constitucional, e, portanto os meios para se antecipar à ocorrência do dano, efetivando, dessarte, esse que é o objetivo primordial de qualquer sistema de proteção ambiental. E se não o faz, por inoperância, deve ser responsabilizado diretamente por sua omissão. Nessa proposição, emprestando o conceito de omissão específica, trabalhado por Guilherme Couto de Castro e Sergio Cavalieri Filho (2012, p. 267), considera-se que, nos casos em que há omissão estatal na prevenção(8) do dano ambiental, esta será sempre específica (objetiva), pois não é dado à Administração ignorar as hipóteses de incidência de seu dever legal de obstar a ocorrência do dano (vinculação prestacional).

Conclusões

A questão da legitimidade do Estado para figurar no polo passivo das ações de responsabilidade civil, por ação ou omissão, é alvo de pouca divergência doutrinária, haja vista a previsão expressa do texto constitucional sobre a matéria. A exemplo da Carta Constitucional portuguesa, segundo a qual “os lesados nos seus [...] direitos, liberdades e garantias, por ações ou omissões de titulares de órgãos, funcionários ou agentes do Estado e demais entidades públicas, praticados no exercício das suas funções e por causa desse exercício, podem demandar o Estado, exigindo uma reparação dos danos emergentes desses atos”,(9) a Constituição brasileira igualmente prevê que “as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.(10) Tal previsão encontra-se também positivada no Código Civil brasileiro (Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002), que, da mesma forma , estabelece que as pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros.(11)

Mas, não obstante a legitimação do Estado ser pacificamente aceita, a modalidade dessa responsabilidade, se objetiva ou subjetiva, ainda gera divergências entre os doutrinadores do direito. Parte da doutrina, sendo um de seus representantes mais ilustres o eminente Celso Antônio Bandeira de Mello (2013, p. 1.029), sustenta que é subjetiva a responsabilidade da Administração sempre que o dano decorrer de uma omissão do Estado. Pondera que, “quando o dano foi possível em decorrência de uma omissão do Estado (o serviço não funcionou, funcionou tardia ou insuficientemente), é de se aplicar a teoria da responsabilidade subjetiva”. Sustenta que, se o Estado não agiu, não pode, logicamente, ser ele o autor do dano. E, se não foi o autor, só cabe responsabilizá-lo caso esteja obrigado a impedir o dano. Isto é: só faz sentido responsabilizá-lo se descumpriu dever legal que lhe impunha obstar ao evento lesivo.(12)

Pondera-se, contudo, que esse entendimento dificulta a reparação do dano ambiental e, mais contundentemente, a responsabilização da Administração por danos causados ao meio ambiente por conduta estatal omissiva, especialmente quando se tratar de tutela preventiva do dano. A necessidade de se demonstrar a culpa no agir omissivo do Estado em matéria ambiental remete a uma visão dogmática do direito privado, que é inadequada para tratar de interesses transindividuais, como tipicamente são aqueles ligados aos direitos fundamentais, entre os quais o meio ambiente sadio. Por essa razão é que, como já dito, nutre-se grande simpatia pela doutrina de Guilherme Couto de Castro, citado por Sergio Cavalieri Filho (2012, p. 267), que distingue, com o propósito de objetivar a responsabilidade mesmo em casos de conduta omissiva, omissão genérica e omissão específica. Sustenta “não ser correto dizer, sempre, que toda hipótese de dano proveniente de omissão estatal será encarada, inevitavelmente, pelo ângulo subjetivo. Assim o será quando se tratar de omissão genérica. Não quando houver omissão específica, pois aí há dever individualizado de agir”.

A diferença é bastante significativa, já que, quando for caso de omissão específica, segundo Cavalieri (2012, p. 268), a responsabilidade, então, será objetiva. Explica o autor que haverá omissão específica quando o Estado estiver na condição de garante e, por omissão sua, crie-se situação propícia para a ocorrência do evento em situação em que tinha o dever de agir para impedi-lo, casos em que a omissão estatal se erige como causa adequada de não se evitar o dano. Ou seja, “a omissão específica pressupõe um dever especial de agir do Estado, que, se assim não o faz, a omissão é causa direta e imediata de não se impedir o resultado”.(13)

Esse reconhecimento da inexigibilidade da culpa para estabelecer a responsabilidade estatal – não dispensados os outros elementos da responsabilidade, quais sejam, a conduta [omissiva] do agente [público], o dano e o nexo de causalidade –, ao menos nos casos da assim concebida omissão específica, deve ser recebido com mais entusiasmo pela doutrina e pelos aplicadores do Direito, notadamente os tribunais, de forma a despertar a Administração para a hercúlea tarefa que tem pela frente, a de honrar o novo contrato constitucional, que positivou o dever estatal de prover uma tutela ambiental consentânea com a constitucionalização do direito [individual e coletivo] ao meio ambiente sadio.
           
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______; ______. Notas sobre os deveres de proteção do Estado e a garantia de proibição de retrocesso em matéria socioambiental. In: STEINMETZ, Wilson; AUGUSTIN, Sérgio (org.). Direito Constitucional do ambiente: teoria e aplicação. Caxias do Sul: Educs, 2011. p. 9-49.

Notas

1. Fundamentalidade essa [da proteção ambiental] que decorre da leitura conjunta do artigo 225, caput, c/c o artigo 5º, § 2º, da Constituição Federal de 1988. BRASIL. Constituição (1988). “Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. BRASIL. Constituição (1988). “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] § 2º – Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte [...]”.

2. Juarez Freitas propõe o seguinte conceito para o princípio da sustentabilidade: “trata-se do princípio constitucional que determina, com eficácia direta e imediata, a responsabilidade do Estado e da sociedade pela concretização solidária do desenvolvimento material e imaterial, socialmente inclusivo, durável e equânime, ambientalmente limpo, inovador, ético e eficiente, no intuito de assegurar, preferencialmente de modo preventivo e precavido, no presente e no futuro, o direito ao bem-estar” (FREITAS, 2012, p. 41).

3. BRASIL. Constituição Federal. “Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. § 1º – Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: I – preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e dos ecossistemas; II – preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e à manipulação de material genético; III – definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente por meio de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção; IV – exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; V – controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente; VI – promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente; VII – proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.”

4. Expressões da existência jurídica do Estado, o Estado-poder “diz respeito à sua própria organização jurídica, como meio para consecução do fim do Estado-sociedade, seja nas relações externas, com outros Estados, seja nas relações internas, com sua própria estrutura política. A do Estado-sociedade refere-se à organização jurídica social dos indivíduos que compõem seu povo, tanto nas suas recíprocas relações, envolvidas mediatamente pela autoridade estatal, como nas relações imediatas desses indivíduos, isoladamente ou em sociedades menores por eles constituídas, com o Estado-poder, e vice-versa” (MELLO, 2007, p. 28 – destacou-se).

5. Inserido no ordenamento jurídico pátrio pela Emenda Constitucional nº 19, de 04.06.1998, localizado no artigo 37, caput, da Constituição Federal.

6. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9605.htm>. Acesso em: 19 ago. 2014.

7. Conforme Sarlet, “a reserva do possível constitui, em verdade (considerada toda a sua complexidade), espécie de limite jurídico e fático dos direitos fundamentais, mas também poderá atuar, em determinadas circunstâncias, como garantia dos direitos fundamentais, por exemplo, na hipótese de conflitos de direitos, quando se cuidar da invocação – observados sempre os critérios da proporcionalidade e da garantia do mínimo existencial em relação a todos os direitos – da indisponibilidade de recursos com o intuito de salvaguardar o núcleo essencial de outro direito fundamental” (SARLET, 2007, p. 305). A ressalva quanto à necessária precedência dos direitos sociais mínimos – mínimo existencial – em face da arguição da reserva do possível é acompanhada por Herman Benjamin, para quem “o princípio da reserva do possível não pode ser utilizado de forma indiscriminada”, sobretudo “nos países periféricos, como é o caso do Brasil, país no qual ainda não foram asseguradas, para a maioria dos cidadãos, condições mínimas para uma vida digna”. Para o ministro do Superior Tribunal de Justiça, “qualquer pleito que vise a fomentar uma existência minimamente decente não pode ser encarado como sem razão, pois garantir a dignidade humana é um dos objetivos principais do Estado brasileiro”. E continua o jurista e magistrado: “É por isso que o princípio da reserva do possível não pode ser oposto a um outro princípio, conhecido como princípio do mínimo existencial. Desse modo, somente depois de atingido esse mínimo existencial é que se poderá discutir, relativamente aos recursos remanescentes, em quais outros projetos se deve investir. Ou seja, não se nega que haja ausência de recursos suficientes para atender a todas as atribuições que a Constituição e a lei impuseram ao Estado. Todavia, se não se pode cumprir tudo, deve-se, ao menos, garantir aos cidadãos um mínimo de direitos que são essenciais a uma vida digna (...)” (extratos do voto proferido pelo Ministro Herman Benjamin no REsp 1.389.952-MT, julgado em 03.06.2014. Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/jurisprudencia/externo/informativo/>.  Acesso em: 19 ago 2014).

8. Consoante exposto mais cedo neste artigo, aqui se utiliza o vocábulo “prevenção” em sentido técnico, a refletir a(s) hipótese(s) em que já há situação(ões) de dano(s) conhecido(s), portanto, evitável(is), nisso se diferenciando dos casos de “precaução”, em que o risco não é concreto. Mas, mesmo nessa hipótese, o Estado deve atuar para suspender a situação de dano desconhecido, até que se tenha conhecimento suficiente para uma tomada de decisão menos lesiva ao meio ambiente.

9. PORTUGAL. Constituição (1976). “Artigo 22º Responsabilidade das entidades públicasO Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem”. Disponível em:
 <http://www.parlamento.pt/Legislacao/Paginas/
ConstituicaoRepublicaPortuguesa.aspx
>. Acesso em: 13 jul. 2013.

10. BRASIL. Constituição (1988). “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [...] § 6º – As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”. Disponível em:
 <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
constituicao/ConstituicaoCompilado.htm
>. Acesso em: 13 jul. 2013.

11. BRASIL. Lei n˚ 10.406, de 10 de janeiro de 2002. “Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo”. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 13 jul. 2013.

12. Op. cit., p. 1.029: “Deveras, caso o poder público não estivesse obrigado a impedir o acontecimento danoso, faltaria razão para impor-lhe o encargo de suportar patrimonialmente as consequências da lesão. Logo, a responsabilidade estatal por ato omissivo é sempre responsabilidade por comportamento ilícito. E, sendo responsabilidade por ilícito, é necessariamente responsabilidade subjetiva, pois não há conduta ilícita do Estado (embora do particular possa haver) que não seja proveniente de negligência, imprudência ou imperícia (culpa) ou, então, deliberado propósito de violar a norma que o constituía em dada obrigação (dolo). Culpa e dolo são justamente as modalidades de reponsabilidade subjetiva”. No mesmo sentido, FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de Direito Administrativo. 8. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 281: “No tocante aos atos ilícitos decorrentes de omissão, devemos admitir que a responsabilidade só poderá ser inculcada ao Estado se houver prova de culpa ou dolo do funcionário. [...] Deveras, ainda que consagre o texto constitucional a responsabilidade objetiva, não há como se verificar a adequabilidade da imputação ao Estado na hipótese de omissão, a não ser pela teoria subjetiva. Assim é porque, para se configurar a responsabilidade estatal pelos danos causados, há de se verificar (na hipótese de omissão) se era de se esperar a atuação do Estado”. Com o mesmo entendimento, DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 519.

13. Segundo Cavalieri, ilustres juristas entendem que a responsabilidade estatal é objetiva tanto por ato comissivo como omissivo, entre eles: Hely Lopes Meirelles: “O essencial é que o agente da Administração haja praticado o ato ou a omissão administrativa na qualidade de agente público. Não se exige, pois, que tenha agido no exercício de suas funções, mas simplesmente na qualidade de agente público” (Direito Administrativo brasileiro, 29. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 630 – destacamos); Yussef Said Cahali: “Desenganadamente, a responsabilidade objetiva da regra constitucional – concordam todos, doutrina e jurisprudência, em considerá-la como tal – se basta com a verificação do nexo de causalidade entre o procedimento comissivo ou omissivo da Administração Pública e o evento danoso verificado como consequência [...]” (Responsabilidade civil do Estado, 2. tir. São Paulo, Malheiros: 1996. p. 40). No mesmo sentido Celso Ribeiro Bastos (Curso de Direito Administrativo, 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 190) e Odete Medauar (Direito Administrativo moderno. 4. ed. São Paulo: RT, 2000. p. 430), dentre outros.




Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023:2002/ABNT):
. . Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n., fev. 2016. Disponível em:
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Acesso em: .


REVISTA DE DOUTRINA DA 4ª REGIÃO
PUBLICAÇÃO DA ESCOLA DA MAGISTRATURA DO TRF DA 4ª REGIÃO - EMAGIS