Constituição e tutela jurisdicional: análise da Justiça Desportiva como equivalente jurisdicional

Autor: Pedro Arruda Alvim Wambier

Graduando em Direito (UFPR), membro-fundador do Grupo de Estudos em Direito Desportivo (UFPR)

publicado em 29.02.2016



Sumário:
Introdução. 1 Breve análise dos princípios processuais constitucionais. 1.a Inafastabilidade da jurisdição e acesso à justiça. 1.b Devido processo legal. 1.c Conclusões. 2 Os meios alternativos de solução de conflitos. 2.a Meios alternativos/equivalentes: qual a denominação mais adequada? 2.b Conceitos de jurisdição. 2.b.i Chiovenda. 2.b.ii Carnelutti. 2.b.iii Piero Calamandrei. 2.b.iv Eduardo J. Couture. 2.b.v Conclusão. 2.c A jurisdição compartilhada – o nascimento dos meios alternativos. 3 O direito desportivo: a normativização do desporto, a Justiça Desportiva e o processo desportivo. 3.a A normativização do desporto. 3.b Justiça Desportiva. 3.c Processo desportivo. 4 A Justiça Desportiva como equivalente jurisdicional em conflito com o monopólio estatal da Justiça. 4.a Inafastabilidade da jurisdição como garantia (absoluta e posterior): a efetividade da prestação jurisdicional em primeiro lugar. 4.b A especificidade da Justiça Desportiva em benefício dos seus destinatários. Conclusão. Referências bibliográficas.

Resumo

Muito se discute a respeito da morosidade da Justiça. Quando se apresentam possíveis soluções, no entanto, elas sempre encontram muita resistência da doutrina, de um modo geral. O presente trabalho tem por objetivo demonstrar a efetividade da adoção de meios equivalentes para a solução de conflitos, especificamente a Justiça Desportiva.

A Justiça Desportiva, garantida pela Constituição em seu art. 217, é destinada a resolver conflitos atinentes exclusivamente a regulamentos de competições esportivas. Cada confederação de cada esporte possui seu tribunal superior e seus tribunais locais, cada um com suas comissões disciplinares. O processo desportivo funciona por meio de denúncia do procurador do órgão, e o julgamento é realizado com a presença do atleta e dos seus procuradores.

A questão que gira em torno de meios equivalentes, tais como a Justiça Desportiva, é justamente a sua natureza jurídica: por não ser um modo de resolução de conflitos que ocorre perante o Estado, seria uma afronta ao acesso à justiça? Por não fazer parte da Justiça Estatal, ensejaria violação do devido processo legal? Por ser compulsória (casos referentes a infrações disciplinares e a regulamentos das competições são obrigatoriamente remetidos à Justiça Desportiva), seria esta uma forma de driblar a inafastabilidade da jurisdição? Ao passar por todos esses pontos, o presente trabalho trará, de forma conclusiva, a resposta para a seguinte questão: seria melhor prezar pelo efetivo cumprimento desses princípios, ou dar preferência à efetiva proteção do jurisdicionado, mesmo se por meios equivalentes – neste trabalho, especificamente, a Justiça Desportiva?

Introdução

Neste trabalho, inicialmente, buscar-se-á realizar uma explanação sobre os princípios constitucionais processuais que seriam possíveis óbices à Justiça Desportiva. O acesso à justiça e a inafastabilidade da jurisdição, que andam juntos, são garantias de todo e qualquer cidadão. Eles se resumem, basicamente, à necessidade de que todos tenham acesso à Justiça para a tutela de seus direitos, aliada à impossibilidade de a Justiça se esquivar da apreciação de uma causa – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (CF, art. 5º, XXXV). O devido processo legal, por sua vez, estampado no inciso LIV do referido artigo, garante que toda e qualquer privação de liberdade ou restrição de bens deverá necessariamente advir de decisão resultante de um processo o qual tenha ocorrido em conformidade com as garantias fundamentais constitucionais do cidadão.

Feito isso, far-se-á um apanhado geral sobre o meio alternativo aqui escolhido para discussão: a Justiça Desportiva. Desde a instituição da Justiça Desportiva – com a Constituição de 1988 – e o alargamento do uso da arbitragem (sempre usando esta como outra referência de meio equivalente, mas sem adentrar no tema), o debate sobre os meios alternativos de soluções de litígios tem alcançado novos patamares.

No momento, considera-se que a questão caminha a passos largos para uma pacificação do seu entendimento. Com a declaração de constitucionalidade da Justiça Desportiva pelo STF, o mérito da causa tem se encaminhado para um fim. No entanto, as discussões não cessam: inúmeros doutrinadores – cada qual adotando a posição que mais lhe agrada – ainda tratam do tema com significativa profundidade.

1 Breve análise dos princípios processuais constitucionais

Os princípios, no direito, ocupam um lugar privilegiado. Apesar de deterem caráter normativo, não são normas como quaisquer outras, como uma regra, por exemplo. Os princípios servem justamente como orientação para a construção do ordenamento jurídico, e eles mesmos são dotados de vigência e obrigatoriedade. Eles nunca são precisos – sempre permitem uma gama enorme de interpretações, de modo que possam ser aplicados aos casos concretos. Em suma, pode-se dizer que os princípios são o norte do direito como um todo, ou seja, tudo o que se cria, que se fala, que se escreve e que se descobre no direito é guiado pelos princípios; segundo Paulo Bonavides, os princípios são “o critério mediante o qual se mensuram todos os conteúdos normativos do sistema”.(1)

Contudo, a nós cabe tratar de um ramo específico dessa enorme gama: os princípios processuais constitucionais. A existência de princípios processuais em âmbito constitucional cria, segundo Rita Vasconcelos, a tutela constitucional do processo.(2) Para Ada Pellegrini Grinover, “A própria Constituição se incumbe de configurar o direito processual não mais como um mero conjunto de regras de aplicação do direito material, mas, cientificamente, como instrumento público de realização da justiça”.

Dessa forma, depreende-se que os princípios que regem o processo tomaram a devida relevância ao serem alocados na Constituição. Não só isso, passaram para o patamar de direitos fundamentais, que Gilmar Mendes denomina de direitos fundamentais de caráter judicial e garantias constitucionais do processo, apontando que estes “fundamentam-se no princípio da dignidade da pessoa humana, e a compreensão do processo como um fim em si mesmo e o homem como objeto dessa finalidade”.(3) Para Luiz Wambier e Eduardo Talamini, “os princípios constitucionais são o núcleo de todo o sistema e orientam toda a lógica mínima do processo”.(4)

Dito isso, fica evidente a relevância desses princípios para o direito. Eles são, acima de tudo, garantias fundamentais de todo e qualquer cidadão que viva em um contexto de Estado de Direito. Seguimos, portanto, à análise dos princípios processuais constitucionais que importarão para o presente trabalho.

1.a Inafastabilidade da jurisdição e acesso à justiça

O acesso à justiça e a inafastabilidade da jurisdição, que andam juntos, são garantias de todo e qualquer cidadão. Eles se resumem, basicamente, à necessidade de que todos tenham acesso à Justiça para a tutela de seus direitos, aliada à impossibilidade de a Justiça se esquivar da apreciação de uma causa – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (CF, art. 5º, XXXV).

Para Wambier e Talamini,(5) por meio desses princípios é que é “essencialmente assegurado que toda situação conflituosa, que implique ameaça ou lesão a direitos, sejam eles individuais, sejam coletivos, possa ser submetida ao controle jurisdicional, independentemente de possuir ou não expressão econômica”. Na visão de Rita Vasconcelos, a confluência desses dois postulados, “além de vedar a criação de qualquer obstáculo aos jurisdicionados, na busca de seus direitos, abre as portas do Judiciário a toda espécie de conflito”.(6)

Isso tudo representa, de modo inegável, uma maior aproximação do jurisdicionado ao Poder Judiciário, e demonstra o caráter eminentemente popular da Constituição de 1988, ao conceder a todo e qualquer cidadão o direito de ter acesso à justiça e ver o seu direito adequadamente tutelado – uso esse advérbio para salientar que não é garantido um mero acesso, mas sim uma verdadeira prestação jurisdicional de qualidade. Tempos atrás, isso não era sequer cogitado: a Justiça era algo para poucos. Portanto, esses princípios basilares do processo são muito mais do que simples postulados – são garantias fundamentais do cidadão, conquistadas ao longo do tempo, e possuem inúmeras implicações relevantes para a manutenção do Estado de Direito.

1.b Devido processo legal

O princípio do devido processo legal pode ser classificado como um resultado da interpretação extensiva dos princípios supracitados. Ao se falar em prestação jurisdicional adequada, extrai-se que também devam ser oferecidos todos os artifícios processuais para que a decisão seja a mais clara e justa possível. Não há decisão adequada sem o devido processo legal, isso é fato.

Além disso, ele é expressamente trazido pelo art. 5º, LIV. Para Wambier e Talamini, esse dispositivo legal

“quer dizer que toda e qualquer consequência processual que as partes possam sofrer, tanto na esfera da liberdade pessoal quanto no âmbito de seu patrimônio, deve necessariamente decorrer de decisão prolatada em um processo que tenha tramitado de conformidade com antecedente previsão legal e em consonância com o conjunto de garantias constitucionais fundamentais.”(7)

Dessa forma, pugna-se por que toda decisão tenha passado pelos princípios do contraditório, da ampla defesa, etc., consagrados no rol de garantias fundamentais, como bem ensina Fredie Didier:

“Há, inegavelmente, um acúmulo histórico a respeito da compreensão do devido processo legal que não pode ser ignorado. Ao longo dos séculos, inúmeras foram as concretizações do devido processo legal que se incorporaram ao rol das garantias mínimas que estruturam o devido processo. Não é lícito, por exemplo, considerar desnecessário o contraditório ou a duração razoável do processo, direitos fundamentais inerentes ao devido processo legal.”(8)

Ensina, nesse sentido, Rita Vasconcelos:

“No sentido processual, o devido processo legal é visto como garantia no campo do processo. De conteúdo mais abrangente que o princípio da legalidade, o princípio assegura que o processo se desenvolva por instrumental previamente previsto e lei, dele decorrendo todos os demais princípios relativos ao processo e ao procedimento, como o do contraditório, o da ampla defesa e o do duplo grau da jurisdição.”(9)

O princípio do devido processo legal, portanto, assegura outros inúmeros princípios estampados na Constituição e no Código de Processo Civil, como, por exemplo, o da proibição de provas ilícitas; o do tratamento paritário às partes do processo; o da publicidade deste; o da motivação das decisões; o da razoável duração; o do juiz natural; entre outros.

Fica evidente, portanto, que o princípio do devido processo legal é um dos baluartes do sistema processual, assim como das garantias processuais. Ele, acima de tudo, garante que, quando se esteja mexendo na ferida do jurisdicionado (seu direito), isso seja feito da maneira imposta e limitada pela Constituição Federal e pela lei, evitando injustiças das mais variadas espécies: impossibilidade de se manifestar quanto a seu direito, impossibilidade de se recorrer de decisão, impossibilidade de buscar provar algo, etc. De novo, deparamo-nos com um princípio fundante do Estado de Direito.

1.c Conclusões

Ao pincelar, de forma breve, em que consistem os princípios que serão amplamente tratados ao longo do presente trabalho, cabe salientar uma característica relevante: ficou evidente que, sem eles, não há Estado de Direito. Esse conceito, que nos é tão caro, além de ser resultado de infindáveis e intermináveis batalhas pela igualdade, não pode, sob hipótese alguma, ser posto em risco. E é aí que entra a questão dos meios alternativos de solução de litígios, ponto chave da pesquisa.

Seria condizente com o Estado de Direito limitar esses princípios? Em primeiro momento, a resposta seria de bate-pronto: não. Não, evidentemente, porque ninguém quer voltar para a época em que o direito não era respeitado, em que as maiorias faziam o que quisessem e não havia quem as julgasse pelos seus atos, em que imperavam a arbitrariedade e o autoritarismo, em que o cidadão não sabia o que aconteceria com ele no dia de amanhã, uma vez que a segurança jurídica e a previsibilidade eram verdadeiramente ausentes. Só que, ao se analisarem as razões pelas quais e as formas como esses princípios podem ser limitados, ou melhor, relativizados – essa palavra cabe melhor –, entender-se-á que isso pode, contraditoriamente, ser frutífero e vantajoso para o próprio Estado de Direito. E é esse questionamento que será respondido ao longo do texto.

2 Os meios alternativos de solução de conflitos

2.a Meios alternativos/equivalentes: qual a denominação mais adequada?

Os meios alternativos de solução de conflitos parecem ser algo novo –meio século atrás, não se falava em arbitragem, Justiça Desportiva, mediação e conciliação institucionalizadas da forma que existem hoje. Mas o que muitas vezes nos passa despercebido é que, na verdade, eles surgiram muito antes da própria jurisdição como a conhecemos.

O conflito é algo tão antigo quanto o ser humano. Desde os homens das cavernas, é evidente que conflitos eram recorrentes. Na época, no entanto, não havia sequer um embrião de Poder Judiciário, de modo que os conflitos eram resolvidos “alternativamente” por meios autocompositivos, tais como a autotutela, em que se buscava resolver a situação com as próprias mãos. Com as primeiras civilizações, surgiu também a necessidade de que se resolvessem os conflitos de forma pacífica, tendo sido a autotutela praticamente vetada.

Em meio a isso, surgiram os meios autocompositivos intermediados, tais como a mediação e a conciliação, que subsistem até hoje (inclusive, ganharam força com a nova legislação processual). A mediação e a conciliação são métodos em que um terceiro dialoga com ambas as partes, mostrando vantagens e desvantagens em seu litígio, para que elas possam chegar a uma decisão que seja boa para todos. A decisão, ressalta-se, é tomada pelas partes, e não pelo terceiro, que só está lá para, quem sabe, acalmar os ânimos dos litigantes e mostrar a eles que a composição é uma solução vantajosa.

Posteriormente, na história, o que se viu foi a delegação do poder de decisão a terceiro de confiança – surgimento dos meios heterocompositivos. As partes passaram a confiar a terceiros a decisão de seus conflitos, de forma facultativa. No direito romano, além disso, considerava-se obrigatória essa delegação ao terceiro, este que não possuía qualquer vinculação com o poder estatal e que apenas exercia uma atividade cívica, ao colaborar para que dois indivíduos vissem seu conflito privado resolvido. Aqui se identifica o embrião do que hoje chamamos de arbitragem.

A partir do surgimento da figura do Estado, este absorveu para si o poder de solucionar conflitos de seus jurisdicionados. Com isso, as soluções dos conflitos eram ditadas por um terceiro, já denominado de juiz, revestido de poder estatal e com exclusividade em relação ao uso da força.

Com isso, podemos concluir que a alternativa é, na verdade, o próprio Poder Judiciário estatal, uma vez que todas as outras formas de solucionar conflitos surgiram antes desta. Isso fica mais claro quando se elucida a seguinte situação: quando há um conflito, é evidente que os meios primeiramente buscados para solucioná-lo são os autocompositivos, ou seja, busca-se primeiramente um acordo antes de se levar o problema ao Judiciário. Quando duas pessoas colidem seus carros, a primeira atitude é buscar um acordo, e não levar diretamente a causa para o Estado resolver. Quando os métodos autocompositivos não se mostram suficientes para solucionar a causa, aí é que se torna adequado e esperado que se leve a lide para a tutela do Poder Judiciário.

Dessa forma, entende-se pela relativização do termo “meios alternativos de solução de conflitos”, uma vez que o que é alternativo, efetivamente, é o Judiciário. Wambier e Talamini,(10) por exemplo, trazem a possibilidade de chamá-los de “equivalentes jurisdicionais” ou “métodos extrajudiciais de solução de conflitos”, de forma que o termo ficaria mais adequado: os meios “alternativos”, “equivalentes” ou “externos” trazem o mesmo resultado que o Judiciário muitas vezes traria, qual seja, a solução do conflito para ambas as partes. Contudo, para os fins deste texto, tais meios serão denominados tanto de alternativos como de equivalentes; coube fazer esta ressalva somente para elucidar a questão sobre qual é verdadeiramente o meio alternativo.

2.b Conceitos de jurisdição

Para tratarmos dos meios alternativos à solução de conflitos, primeiro devemos abordar o que efetivamente não o é: a jurisdição. O Poder Judiciário estatal é o meio oficial de resolução de litígios desde que o Estado tomou para si essa prerrogativa, além do monopólio do uso da força. Traremos, a seguir, de forma bem sintética, as várias noções de jurisdição dentre os doutrinadores mais importantes do direito.

2.b.i Chiovenda

Na visão de Chiovenda,(11) jurisdição é

“a função do Estado que tem por escopo a atuação da vontade concreta da lei por meio de substituição, pela atividade de órgãos públicos, da atividade de particulares ou de outros órgãos públicos, já no afirmar a existência da vontade concreta da lei, já no torná-la praticamente efetiva.”

A jurisdição, dessa forma, é função inerente e exclusiva do Estado, “não sendo concebível que outros órgãos (não estatais) atuem a vontade concreta da lei”.(12) Isso porque, por muito tempo, esse poder se manteve nas mãos da Igreja, do monarca, etc.

Para diferenciar a atividade jurisdicional da administrativa, o italiano se utiliza do critério da substituição: para ele, é atividade jurisdicional aquela em que o juiz substitui as partes para afirmar algo que, a princípio, poderiam elas fazer por conta própria. Ou seja, o juiz julga atividade alheia, enquanto na administração o agente público age em conformidade com esta, isto é, ela julga sobre sua própria atividade.

A jurisdição, portanto, seria uma emanação, ou uma extensão, da soberania do Estado, em que o juiz substitui as partes para resolver seu conflito com base na lei. O conceito de Chiovenda é evidentemente de cunho legalista, de modo que ele afirma que só há submissão à jurisdição onde há igualmente submissão à lei.(13)

2.b.ii Carnelutti

Francesco Carnelutti se atém mais à finalidade da atividade judicial como forma de definir a função jurisdicional. Primeiramente, afasta o conceito legalista de Chiovenda, ao apontar para o fato de que não é necessária a submissão à lei para que exista processo, uma vez que, muitas vezes, este surge de fatos isolados não contemplados pela lei. Para ele, “não é da lei que o direito se origina; o direito nasce com o fato, e o fato não é uma possibilidade, mas algo existente”.(14)

Sua definição de jurisdição gira em torno da lide – só há função jurisdicional quando está presente, no processo, como seu conteúdo, a lide. Se houver processo sem lide, não estará sendo exercida a função jurisdicional. De forma simples, seria, portanto, o “processo jurisdicional de cognição, mediante o qual o juiz pronuncia um comando, capaz de solucionar um conflito de interesses, inerente à lide”.(15) Admite, portanto, a existência de processo não jurisdicional (sem lide) e jurisdição sem processo.

Define lide: “Duas pessoas estão em lide quando uma pretende que o direito tutele imediatamente o seu interesse em conflito com um interesse de outra pessoa e esta opõe a pretensão ou, por não opô-la, não a satisfaz”.(16)

2.b.iii Piero Calamandrei

O jurista traz um conceito que mistura os dois anteriores. Para ele, “a atividade jurisdicional não é considerada exaurida pela simples composição do conflito de interesses; é necessário que a composição do conflito seja alcançada, onde exista conflito, por meio da aplicação da lei”.(17) O juiz deve, portanto, aplicar a lei, já elaborada pelo legislador, para resolver de forma definitiva o conflito.

Seria, portanto, a função jurisdicional uma reafirmação do poder do Estado, que já o externa ao elaborar a lei, e a confirma por intermédio da autoridade do juiz diante do caso concreto. O conflito é previsto de forma abstrata pela lei, sendo ele resolvido por meio da atividade jurisdicional quando se vê presente em um caso concreto.

Para Calamandrei, o papel do juiz é aplicar a lei, seja ela justa ou não, uma vez que essa questão incumbe ao legislador. Reduz, portanto, a função jurisdicional ao dissociá-la da política, assim como fazia Chiovenda. Em sua visão, a justiça já existe, em abstrato, na lei, não podendo o juiz buscá-la dentro do caso concreto.

2.b.iv Eduardo J. Couture

Com um ponto de vista mais moderno, Couture vai além da definição de jurisdição como poder, estendendo-a para um dever: é dever do juiz julgar, sendo, portanto, sua função, e não apenas seu poder. O jurista disseca o conceito de jurisdição ao trazer, primeiramente, elementos da sua forma, que seriam as partes, os juízes e os procedimentos estabelecidos na lei; em seguida, o conteúdo da jurisdição: “todo conflito com relevância jurídica em que é necessário decidir mediante resoluções suscetíveis de adquirir autoridade de coisa julgada”;(18) por função da jurisdição entende-se, na visão do autor argentino, a atividade de dirimir conflitos e decidir controvérsias, visando garantir a continuidade do direito, uma vez que este se viu interrompido pelo surgimento do litígio (se preocupa, portanto, com a verdadeira justiça no caso concreto).

Por meio desses três elementos postos, Couture define função jurisdicional como “função pública, realizada por órgãos estatais competentes, com as formas requeridas pela lei, em virtude da qual, por ato de juízo, se determina o direito das partes, com o objetivo de dirimir conflitos e controvérsias de relevância jurídica, mediante decisões com autoridade de coisa julgada, eventualmente factíveis de execução”.(19)

Couture reconhece a atividade criativa do juiz, ao determinar que a jurisdição pretende garantir a continuidade do direito. Refuta, dessa forma, a simples tese de que o juiz deve se submeter à criação do legislador, independentemente do valor axiológico desta.

2.b.v Conclusão

Pode-se depreender de todas essas definições que, acima de tudo, a jurisdição é função do juiz estatal direcionada à solução de conflitos. Relevando-se as especificidades nos pensamentos de cada jurista, é isso que se pode concluir como base de todas as definições da função jurisdicional. Dessa forma é que se questiona: seriam os meios alternativos de solução de conflitos também jurisdição? O auditor do tribunal desportivo ou o árbitro – utilizando-o novamente como exemplo – exercem função jurisdicional? Para esses juristas clássicos, certamente não. Porém, como se verá ao longo do trabalho, atualmente pode-se considerar que, de certa forma, sim, desde que nos permitamos flexibilizar o conceito posto pela doutrina, despindo-nos de certas noções rígidas e engessadas que hoje em dia já não fazem mais sentido como faziam.

Digo isso porque o direito é uma ciência que, ao mesmo tempo em que deve se manter sólida, deve, também, filtrar e receber as novidades resultantes das transformações da sociedade. Luhmann dizia que o Direito se alimenta por autopoiese,(20) e que, por isso, permite a entrada de inovações por meio de seus poros, para que não seja uma ciência estática e ultrapassada, que não acompanha a dinamicidade da vida contemporânea. Dessa forma, não se pode mais admitir que nos atamos incondicionalmente a conceitos um tanto quanto ultrapassados (sem desmerecê-los, uma vez que, na época em que foram concebidos, certamente foram revolucionários e muito contribuíram para a ciência jurídica), sendo necessário que esses se adaptem a novas peculiaridades. Assim, admitir que meios equivalentes à resolução de conflitos possam ser considerados como jurisdição, desligando-se de conceitos antigos, pode ser salutar para o melhor entendimento e aceitação destes.

2.c A jurisdição compartilhada – o nascimento dos meios alternativos

O Poder Judiciário, em seu conceito clássico criado na época da Revolução Francesa, em que imperava o então novo método de tripartição de poderes, tinha uma função muito menos importante do que o Executivo e o Legislativo. Cansados das frequentes arbitrariedades emanadas do poder do rei, os burgueses que subiram ao poder pretenderam criar uma forma na qual a lei seria aplicada ao “pé da letra”, para que, dessa forma – sendo eles mesmos os criadores da lei –, eles pudessem ter seus direitos tutelados da forma que tanto desejavam, mas eram impedidos pelo monarca. Nessa época, portanto, segurança jurídica era o Judiciário ser “a boca da lei”, ou seja, um simples aplicador daquilo que já havia sido previamente criado no âmbito do Legislativo.

Com o passar dos anos, no entanto, o Judiciário passou a englobar mais funções e atribuições: tanto no sentido horizontal, ao aceitar um número cada vez maior de situações litigiosas, como no vertical, ao se permitir analisar mais profundamente as questões a ele levadas, criando a verdadeira função de cognição da jurisdição.(21) Assim, evidentemente, ganhou relevância ao se ver diante de casos importantíssimos para a vida em sociedade, deixando de ser um mero repetidor da lei para se tornar um órgão comprometido com a ideia de garantir direitos e valores fundamentais à dignidade humana aos seus jurisdicionados.

Evidente que, atrelado a isso, vieram diversas consequências. Dentre elas, as que nos cabe analisar são o aumento na variedade de matérias envolvidas nas causas levadas ao Judiciário e, obviamente, sua dificuldade de resolver todas essas questões. A premissa de que o jurisdicionado teria o direito de receber tutela jurisdicional adequada e em tempo razoável, dessa forma, passou a ser frequentemente desrespeitada, muito em função de duas claras razões: o afogamento do Judiciário, que fez com que suas decisões demorassem mais para serem proferidas, e, além disso, a falta de especialização de seus membros para decidir sobre determinadas causas muito específicas.

É justamente nesse limiar que entra o conceito de jurisdição compartilhada.(22) Por meio deste, pretende-se justamente trazer a ideia de que o Poder Judiciário – detentor do monopólio da jurisdição – compartilhe, efetivamente, essa prerrogativa com as demais instâncias, que seriam os meios extrajudiciais de solução de conflitos. Com a criação de órgãos e agências especializadas (as chamadas “instâncias parajurisdicionais”), os conflitos oriundos dessas matérias específicas passaram a ter primeiramente seu julgamento realizado em âmbito extrajudicial, como, por exemplo, nos tribunais de contas, na arbitragem, no Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), na Justiça Desportiva, nos tabeliães, etc. Todos esses órgãos têm uma peculiaridade em comum: a especialidade. E é isso que os dá legitimidade para atuarem como julgadores previamente à própria jurisdição. Isso porque não é só o credenciamento formal que garante essa condição legitimadora; ela também “depende da sua real capacidade para resolver os conflitos em modo justo e em um tempo razoável”.(23) Essas instâncias são legitimadas também a legislar dentro de seu âmbito, criando resoluções e regimentos que devem ser seguidos por aqueles que integram seu microssistema assim como qualquer outra regra.

É imperioso ressaltar que todas essas instâncias estão garantidas expressamente pela lei, tendo esta as legitimado como instâncias parajurisdicionais. A arbitragem, por exemplo, tem uma lei própria (Lei 9.307/96), que define, no art. 18, que o árbitro “é juiz de fato e de direito, e a sentença que proferir não fica sujeita a recurso ou a homologação do Poder Judiciário”, conferindo verdadeira independência à atuação dessa instância – claro, sempre passível de eventual fiscalização do Poder Judiciário impulsionada por uma das partes em conflito; os tribunais de contas são garantidos pela Constituição Federal, art. 71, que confere às suas decisões a força de título executivo extrajudicial; o Cade é “entidade judicante com jurisdição em todo o território nacional” (Lei 12.529/11, art. 4º); a Justiça Desportiva, também garantida constitucionalmente, pelo art. 217, tem em seu Código Brasileiro de Justiça Desportiva, art. 3º, I, que é órgão dotado de “jurisdição desportiva correspondente à abrangência territorial da entidade nacional de administração do desporto”; e, por fim, os tabeliães têm essa prerrogativa garantida pelo CPC, arts. 982 e 1.124-A, caput, estando autorizados a processar inventários, partilhas, divórcios e separações consensuais de casos em que não há litígio.

O poder conferido a essas instâncias, no entanto, não é absoluto: elas estão sempre sob o controle do poder estatal – e é justamente isso que garante o respeito aos princípios constitucionais. Assim, cumpre explicar que esses órgãos de forma alguma impedem a resolução da causa pelo Poder Judiciário, ou seja, quando uma de suas resoluções ou decisões for supostamente ilegal, a causa pode se estender ao poder estatal:

“Tais instâncias seguem prestigiadas, assim em suas atribuições como em suas decisões, sem prejuízo, porém, de que seus posicionamentos e suas disposições regulamentares possam, eventualmente, passar pelo crivo judicial, mediante provocação da parte que se entenda prejudicada, ou, sendo o caso, o Ministério Público: trata-se de inarredável aplicação da garantia da inafastabilidade do contraste jurisdicional, assegurado constitucionalmente – art. 5º, XXXV.”(24)

Introduz-se, portanto, o que será adiante largamente exposto, quanto à relativização do monopólio do poder de solucionar causas nas mãos do Judiciário. O que se pretenderá expor, sempre seguindo o conceito abordado de jurisdição compartilhada, é que é benéfico a todos que se dissolva esse poder dentre os demais órgãos especializados, de modo que o Judiciário se veja livre de causas em relação às quais muitas vezes ele não pode oferecer uma tutela de qualidade, ao mesmo tempo desafogando-o quanto à quantidade de trabalho. Para garantir, evidentemente, que os princípios constitucionais do acesso à justiça, da inafastabilidade da jurisdição e do devido processo legal, esses órgãos com os quais o Judiciário compartilha a jurisdição estarão sempre sob seu manto, ou seja, para que, sempre quando requerida a atuação do poder estatal, ela seja provida, quando os outros meios não forem satisfatoriamente suficientes para tratar da questão em conflito. E é por isso que se defende tanto a utilização dos meios alternativos/equivalentes/extrajudiciais de solução de conflitos.

3 O direito desportivo: a normativização do desporto, a Justiça Desportiva e o processo desportivo

Neste tópico, far-se-á uma introdução ao direito desportivo, com foco na Justiça Desportiva, ramo especializado da Justiça (frise-se, de natureza administrativa), destinado a julgar os conflitos de natureza desportiva resultantes de infrações disciplinares e dispositivos constantes na legislação desportiva como um todo.

3.a A normativização do desporto

“Nenhum fenômeno com a amplitude do desporto poderia permanecer com tamanha penetração nas massas sem que fosse regulado por normas e regras de caráter internacional e nacional, implicando adaptações do ordenamento interno, dos estados em que o fenômeno atua, pois, como todo fenômeno social, o desporto tem projeção no ordenamento jurídico.”(25)

É inegável que o desporto é algo presente na vida de todas as pessoas, sem exceção, seja de modo direto, seja indireto, seja um praticante, seja um mero espectador. Em função de toda a importância social, econômica, comercial, educacional e cultural do desporto, o Estado se viu obrigado a tratá-lo como uma questão jurídica, de modo a regulamentá-lo, assim como fez com diversos outros fenômenos da sociedade.

No Brasil, mais especificamente, é função do Estado, como dever constitucional, desenvolver e estimular a prática do desporto, sendo este definido como um “conjunto de exercícios, praticados individual ou coletivamente, seguindo-se de determinado método, regras e regulamentos, com o propósito de desenvolver a força, a resistência, a agilidade e a superação dos limites do corpo humano”.(26)

Deve-se destacar que o termo “desporto” jamais deve ser confundido com “esporte”, uma vez que este está ligado à modalidade praticada, enquanto o “desporto” é um conceito maior: é a atividade humana da qual se exige esforço físico e que segue um conjunto de regras específicas. O desporto é essencialmente caracterizado por três elementos: a competição, a imprevisibilidade e a observância a determinadas regras. A infração a um desses elementos é que gera os problemas levados à Justiça Desportiva.

“Nesse aspecto, cabe à Justiça Desportiva regular as relações atinentes ao desporto, sua disciplina e suas competições, em conformidade com o direito desportivo, suas regras e seus regulamentos, para que a disputa esteja calcada somente na obediência aos princípios capazes de garantir a coerência e a ordem, imprescindíveis à pratica desportiva”, nos ensina o professor Gustavo Delbin.(27)

O direito desportivo é reconhecido pela sua especificidade. Doutrinadores da área dizem que ele é um ramo autônomo, por conter sua própria disciplina, legislação e doutrina. Além disso, funciona por conta própria, ou seja, tem seus tribunais, seus advogados, seus procedimentos e – o que mais o torna peculiar – seu objeto, que é o desporto. No entanto, ele não é independente, no sentido de que é intimamente relacionado aos outros ramos do direito, dos quais, muitas vezes, toma de empréstimo normas para a solução de conflitos no âmbito desportivo. As pessoas que com ele trabalham, portanto, devem ter conhecimento geral das diversas outras áreas do direito.

Define o renomado Marcílio Krieger o direito desportivo como sendo “a parte ou ramo do Direito Positivo que regula as relações desportivas, assim entendidas aquelas formadas pelas regras e normas internacionais e nacionais estabelecidas para cada modalidade, bem como as disposições relativas ao regulamento e à disciplina das competições”.(28) Para Pedro Trengrouse, “O direito desportivo é o conjunto de normas e regras, oriundas da coletividade desportiva organizada, com a finalidade de regular o desporto e que instituem mecanismos coercitivos capazes de garantir a harmonia e a uniformidade necessárias à prática desportiva”.(29)

Podemos concluir, dessa forma, que o direito desportivo é, evidentemente, um ramo do direito, pois contém suas normas, seus códigos, suas leis, seus tribunais, seus profissionais, enfim, tudo o que qualquer ramo do direito exige. As modalidades desportivas, seja na prática corriqueira, seja dentro de competições, assim como seus conflitos e suas relações jurídicas, precisam ser organizadas, reguladas e disciplinadas para que possam existir de forma harmoniosa. Tudo que colabore com isso, portanto, é direito desportivo.

Historicamente, o desporto foi englobado, mesmo que timidamente, por Constituições anteriores à dos dias de hoje. Mas o verdadeiro tratamento jurídico ao desporto veio mesmo na nossa Lei Maior de 1988: além de algumas palavras soltas em certos artigos, temos como mais importante o art. 217, que determina como papel do Estado o fomento às atividades desportivas, dando o devido tratamento às atividades profissionais e às não profissionais, e concedendo autonomia às entidades desportivas. Os §§ 1º e 2º, no entanto, tratam realmente do objeto deste texto: a Justiça Desportiva. O primeiro dispositivo diz que o Poder Judiciário só admitirá ações relativas à infração a um daqueles três elementos do desporto supracitados quando as instâncias jurídico-desportivas estiverem esgotadas (situações envolvendo atletas em sua vida pessoal, por exemplo, não são de competência da Justiça Desportiva), enquanto o § 2º estabelece o prazo máximo de sessenta dias para se proferir uma decisão final, uma vez que as competições têm calendários inadiáveis que não podem esperar por muito tempo as decisões dos tribunais desportivos. É nesse momento, portanto, que se torna clara a existência de uma Justiça destinada ao desporto, comprovada justamente pelo fato de que, mesmo os tribunais desportivos não fazendo parte do sistema judiciário estatal, a sua competência está garantida na Constituição Federal.

Após isso, foram criadas diversas leis infraconstitucionais para se regular o desporto em todos os seus aspectos e as suas modalidades. Pelo fato de, no nosso país, o futebol ser a modalidade desportiva mais popular, a lei que veio para regular o desporto se chama Lei Pelé (Lei 9.615/98, com reformas em 2000, 2003 e 2011). A Justiça Desportiva está presente nesta extensa lei nos arts. 50 a 55. O art. 50 estabelece que ficará a cargo do Código Brasileiro de Justiça Desportiva a sua organização, o seu funcionamento e as suas atribuições, estas que o próprio artigo define como “limitadas ao processo e ao julgamento das infrações disciplinares e às competições desportivas”. O art. 52 traz um pouco da estrutura da Justiça Desportiva, composta pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva, pelos tribunais de justiça desportiva e pelas comissões disciplinares, devendo estes julgar sempre de acordo com as normas previstas no CBJD.

3.b Justiça Desportiva

De acordo com Scheyla Althoff Decat, a Justiça Desportiva é “uma instituição de direito privado dotada de interesse público, tendo como atribuição dirimir as questões de natureza desportiva definidas no Código Brasileiro de Justiça Desportiva, formada por um conjunto de instâncias autônomas e independentes das entidades de administração do desporto”.(30) A jurisdição desportiva, por sua vez, é “o poder de exercer a jurisdição nos limites estabelecidos na legislação desportiva”.(31) Na visão do Dr. Paulo Schmitt, atual Procurador do STJD do Futebol, a Justiça Desportiva é “o conjunto de instâncias desportivas atreladas à jurisdição e à territorialidade das entidades de administração do desporto, com atribuições de dirimir os conflitos de natureza desportiva e de competência limitada ao processo e ao julgamento de infrações disciplinares definidas em códigos desportivos”.(32)

Conclui-se, resumidamente, que a Justiça Desportiva é um conjunto de órgãos julgadores de natureza administrativa (desligados do Poder Judiciário), uma vez que são atrelados diretamente à entidade de administração da modalidade referida (o STJD do futebol é ligado à CBF, o STJD do basquete é ligado à CBB, etc.). A Justiça Desportiva preza, dessa forma, pelo cumprimento das regras e dos regulamentos das competições, julgando e aplicando sanções àqueles que as descumprirem no âmbito eminentemente desportivo.

O exame do início do Código Brasileiro de Justiça Desportiva traz algumas informações sobre a estrutura e o funcionamento da Justiça Desportiva, para melhor entendê-la. De início, deve-se lembrar que ela não faz parte do Poder Judiciário, o que nos faz concluir que não há a atuação de juízes togados. Ela, na verdade, integra a estrutura do Ministério dos Esportes. O art. 1º do CBJD define quem está submetido ao Código: a) entidades de administração do desporto; b) ligas; c) entidades de prática desportiva; d) atletas; e) árbitros e assistentes; f) dirigentes, administradores, treinadores, médicos e membros de comissão técnica; g) demais entidades compreendidas pelo Sistema Nacional do Desporto.

O art. 2º, por sua vez, é prova da forte relação do direito desportivo com outras áreas, neste caso com o direito processual civil, uma vez que princípios processuais são emprestados deste e adaptados aos moldes do processo desportivo. Dentre eles estão os da ampla defesa, da celeridade, do contraditório, da economia processual, da impessoalidade, da legalidade, entre outros. Há também os princípios próprios da Justiça Desportiva, como: a) o da independência, definindo que ela deve atuar de maneira alheia às entidades de administração do desporto, exigindo apenas uma manutenção da estrutura de seu espaço físico; b) o da tipicidade desportiva, que determina que as condutas geradoras de sanções estejam discriminadas no CBJD; c) o princípio pro-competitione, que preza sempre pelo bom andamento da competição, ou seja, que as decisões da Justiça Desportiva a afetem o mínimo possível; d) e, por fim, o princípio do fair play, que prevê a presença de “jogo limpo, espírito esportivo e ética desportiva como parte inerente e indissociável do próprio jogo”, como bem diz o doutrinador Álvaro Melo Filho, em seu código comentado.(33)

A estrutura da Justiça Desportiva, descrevendo cada órgão que a compõe, está englobada pelos arts. 3º ao 8º. Temos como tribunais o Superior Tribunal de Justiça Desportiva, que é como se fosse o órgão máximo (às vezes se pode recorrer às instâncias internacionais) atuando em âmbito nacional e estadual, e os tribunais de justiça desportiva, que atuam em âmbito regional e municipal. Existe um STJD para cada modalidade de esporte, estando ele ligado à entidade máxima de cada uma dessas modalidades, porém independente dela (O STJD do futebol funciona junto à CBF, o STJD do basquete funciona junto à CBB). O mesmo acontece com os TJDs, só que em um âmbito reduzido (O TJD do futebol do Paraná funciona junto à Federação Paranaense de Futebol). Internamente, o STJD e os TJDs são compostos pelo Pleno, pelas comissões disciplinares e por suas respectivas procuradorias.

Essas comissões são a primeira instância da jurisdição desportiva. No STJD, elas são acionadas em casos em que foi descumprido o regulamento do torneio da sua respectiva modalidade, em âmbito nacional ou estadual. Pode haver quantas comissões forem necessárias, e cada uma é composta por cinco auditores, escolhidos a dedo pelo Pleno (o que será explicado posteriormente). Nos TJDs não é muito diferente, exceto que só podem apreciar casos envolvendo competições regionais ou municipais.

O Tribunal Pleno do STJD, maior órgão dentro do Superior Tribunal, é composto por nove auditores (não remunerados, lembrando que não existem juízes togados na Justiça Desportiva): a) dois indicados pela entidade nacional de administração da modalidade, a CBF no caso do futebol; b) dois indicados pelas entidades que praticam a principal competição nacional da determinada modalidade, como os clubes, no exemplo do futebol; c) dois indicados pela Ordem dos Advogados do Brasil; c) um representante dos árbitros; d) e dois representantes de atletas. Em âmbito regional ou municipal, há o Pleno dos TJDs, no qual a distribuição dos auditores é idêntica, só que, onde se diz “nacional”, deve-se alterar para “regional”. É interessante salientar que, atualmente, existem mais de cem tribunais superiores desportivos no Brasil, cada um ligado à entidade de administração de sua modalidade.

A Procuradoria Desportiva é regulada tanto pelo CBJD quanto pelo próprio regimento interno do seu respectivo órgão e pelo estatuto da entidade máxima do respectivo desporto. Sua atribuição é fiscalizar e, se necessário, denunciar infrações aos dispositivos do Código. Fazendo uma analogia, seria como uma espécie de Ministério Público, obviamente guardando-se as devidas proporções. Cada procuradoria funciona sob a batuta de um procurador-geral, eleito por votação do Tribunal Pleno do órgão. Os procuradores, dentre suas funções, provocam o início do processo ao distribuírem as denúncias, interpõem recursos, além de emitirem pareceres nos processos aos quais estejam vinculados (funções elencadas no art. 21 do CBJD). O atual procurador do STJD do futebol é o Dr. Paulo Schmitt.

Em relação à quantidade de instâncias da Justiça Desportiva, o CBJD determina a existência de três, dispostas da seguinte maneira: a primeira são as comissões disciplinares, às quais cabe processar e julgar infrações disciplinares cometidas por sujeitos submetidos ao CBJD, salvo em casos de competência originária dos tribunais (dispostos nos arts. 25 e 27). A segunda instância (grau de recurso), por sua vez, é enfim de competência dos tribunais (STJDs e TJDs), que julgam recursos interpostos em face das decisões das comissões disciplinares. A terceira instância é apenas do STJD, que recebe os recursos também de decisões finais dos TJDs, quando nestes houve o esgotamento da matéria.

No tocante à competência da Justiça Desportiva, temos seus limites dispostos no art. 24 do CBJD. Quanto à competência territorial, os seus órgãos têm limite na territorialidade da sede da entidade de administração da modalidade respectiva (TJD de futebol do Estado do Paraná tem a mesma abrangência territorial do que a FPF – Federação Paranaense de Futebol). Quanto à matéria, a Justiça Desportiva tem sua competência limitada ao julgamento de “processos referentes às infrações disciplinares e às competições desportivas praticadas pelas entidades compreendidas pelo Sistema Nacional do Desporto e por todas as pessoas físicas e jurídicas que lhes forem direta ou indiretamente filiadas ou vinculadas”.(34)

3.c Processo desportivo

Todo o processo desportivo é regido pelo Código Brasileiro de Justiça Desportiva, que, cabe ressaltar, não tem caráter de lei, já que é uma resolução do Conselho Nacional do Esporte (CNE).

Uma vez identificada uma infração durante uma partida, a procuradoria pode analisar e decidir se denunciará ou não o infrator. A infração é identificada se houver desrespeito a alguma das regras do jogo, ao regulamento da competição ou às normas dos códigos disciplinares.

Os processos correm publicamente e seus atos não necessitam de forma determinada, em cumprimento ao princípio processual da instrumentalidade das formas (são válidos os atos que preencham sua finalidade essencial, sendo relevada a forma, exceto quando esta for exigida expressamente).

A Justiça Desportiva pode aplicar penalidades a atletas, entidades de prática desportiva (clubes), dirigentes e demais envolvidos diretamente no espetáculo desportivo. As punições estão elencadas taxativamente no art. 170 do CBJD:

“Art. 170. Às infrações disciplinares previstas neste Código correspondem as seguintes penas:
I – advertência;
II – multa;
III – suspensão por partida;
IV – suspensão por prazo;
V – perda de pontos;
VI – interdição de praça de desportos;
VII – perda de mando de campo;
VIII – indenização;
IX – eliminação;
X – perda de renda;
XI – exclusão de campeonato ou torneio.”

É relevante tecer comentários sobre algumas dessas penalidades. A advertência, por exemplo, serve apenas para retirar a primariedade do punido; na eliminação, o sujeito é punido na modalidade, não podendo exercer qualquer atividade ligada ao desporto; na interdição, interdita-se a praça desportiva, vedando a realização de qualquer competição desportiva no local até que se realize determinada obra ou se cumpra determinada obrigação – não tem ligação com a perda de mando de campo, uma vez que essa não é relacionada à condição física do campo de jogo; a suspensão por partida, por sua vez, é a punição mais comum, vedando a participação do atleta em um número x de partidas.(35)

O processo desportivo é peculiar. Seu rito é basicamente sumário, quando se trata de infrações disciplinares, sendo especial somente quando se trata de casos específicos como infrações punidas com eliminação, suspensão, desfiliação, processos envolvendo doping, etc. O procedimento sumário é sempre iniciado de ofício pela procuradoria, seja por vontade própria ou por meio do recebimento de uma queixa. Com relação aos recursos: são irrecorríveis as decisões finais dos STJDs e as dos próprios TJDs que impuserem multa de até mil reais; as demais são recorríveis, sempre para o Pleno do tribunal, ou, quando tiverem sido emanadas deste, para o tribunal hierarquicamente superior.

Enfim, para fins de realizar um panorama geral, considera-se apresentada a Justiça Desportiva para que se possa dar continuidade ao tema central do presente trabalho.

4 A Justiça Desportiva como equivalente jurisdicional em conflito com o monopólio estatal da Justiça

4.a Inafastabilidade da jurisdição como garantia (absoluta e posterior): a efetividade da prestação jurisdicional em primeiro lugar

Neste tópico buscaremos demonstrar que a obrigatoriedade de se solucionar conflitos pelo meio estatal não é saudável em aspecto algum. O poder público deve ser sim o principal meio para tanto, mas não o único, e muito menos compulsório, por diversas razões. Dessa forma, o princípio da inafastabilidade da jurisdição deve ser visto como uma garantia, e não como um dever.

Não há razão plausível que fundamente a não utilização dos meios alternativos quando estes forem compatíveis com a natureza da lide e forem evidentemente benéficos a todos os sujeitos envolvidos em torno desta de alguma forma. E isso já tem sido aceito pelos operadores do direito, principalmente por aqueles que prezam pela ideia da efetividade do processo acima de tudo – algo muito presente no novo Código de Processo Civil.

O professor Arruda Alvim sinaliza essa ideia quando trata da arbitragem em seu Manual de Direito Processual Civil:

“A Lei 9.307/1996 (Lei da Arbitragem) é um reflexo da mudança de paradigma nos estudos que envolvem os métodos de solução de conflitos, pois sinaliza novas possibilidades para a aplicação do direito aos litígios, alternativas à via judicial. O que se preconiza atualmente é que o Estado não é o único – e, algumas vezes, sequer o mais adequado – ente vocacionado para essa função, que pode muito bem ser exercida por particulares, algumas vezes com resultados mais proveitosos do que aqueles obtidos no âmbito do Judiciário.”(36) (destaques nossos)

Isso se aplica também à Justiça Desportiva, de forma análoga.

As próprias partes, stricto sensu, se beneficiam do uso dos meios alternativos, aqui especificamente da Justiça Desportiva, quando se trata da rapidez na resolução dos litígios e de ter uma decisão de maior qualidade técnica em função da especialidade dos meios alternativos em julgar as causas competentes a estes.

O Poder Judiciário, com a existência dos meios alternativos de solução de litígios, acaba por receber menos processos, e, consequentemente, pode dar mais qualidade àquelas que necessariamente devem ser julgadas nesse âmbito. Além disso, se exime de julgar causas que necessitam de extrema urgência e especialidade, como as da Justiça Desportiva.

Os jurisdicionados, de maneira geral, também recebem inúmeras vantagens com a instauração e a utilização dos meios equivalente de solução de litígios. Principalmente porque, ao contrário do que pode parecer, estes não podem ser considerados obstáculos ao acesso à justiça, mas sim outras formas de favorecer justamente o acesso à tutela de direitos. Os meios alternativos criam um maior leque de possibilidades de acesso à justiça; não há mais aquela submissão absoluta ao Poder Judiciário, o que poderia por muitas vezes inibir o jurisdicionado em função da sua burocracia e da sua complexidade; além disso, a Justiça Desportiva é capacitada para resolver os conflitos a ela direcionados, justamente em função da matéria específica de que cuida.

O Poder Judiciário não pode pretender regular todas as esferas da vida social. Há muitas causas que ele não se mostra adequado para julgar, seja pela especialidade, seja pelo acúmulo de trabalho. Dessa forma, não há por que impedir que outros meios surjam para dividir essa função com o Judiciário – remetendo à ideia já citada da jurisdição compartilhada. Desde que isso não infrinja nenhuma garantia constitucional, como a do contraditório, a do devido processo legal, etc., não se identifica nenhum fundamento concreto e convincente para concentrar todas as tutelas de direitos no Poder Judiciário, enquanto existem outros meios completamente aptos a dividir essa tarefa com este.

Dessa forma, torna-se necessário analisar o princípio da inafastabilidade da jurisdição como uma garantia, ou seja, que o Poder Judiciário nunca se eximirá de apreciar a causa a ele direcionada. Quanto à Justiça Desportiva, o Poder Judiciário poderá ser normalmente acionado quando esgotadas as instâncias desportivas – condição imposta pelo próprio constituinte originário, como uma exceção extremamente benéfica para o âmbito jusdesportivo. Conclui-se, portanto, que em momento algum não será dada a chance ao jurisdicionado de se utilizar da máquina estatal para solucionar sua lide – a oportunidade sempre estará ali, contudo, com outras alternativas em torno dela, sejam compulsórias, com a chance de acionar a Justiça Comum no final, como na Justiça Desportiva, sejam até facultativas, como na arbitragem. As possibilidades de posterior apreciação da causa pelo Judiciário serão trazidas mais adiante.

Novamente, seguindo os ensinamentos de Arruda Alvim:

“Não se trata de destituição do poder estatal para solucionar conflitos e, menos ainda, de inobservância ao princípio da inafastabilidade da apreciação jurisdicional; o poder-dever do Estado remanesce, facultando-se às partes a utilização da arbitragem para os litígios patrimoniais e entre as partes que sejam maiores e capazes.”

Com relação à Justiça Desportiva, da mesma forma, não se trata de destituição do poder estatal para solucionar conflitos, há apenas uma condição imposta pela própria Constituição para que isso possa acontecer.

Com relação à Justiça Desportiva, a inafastabilidade da jurisdição deve se mostrar como uma garantia, em momento algum vedada ou afastada, porém, condicionada – de acordo com a própria Constituição Federal. Paulo Schmitt traz em seu artigo, diversas vezes citado no presente trabalho, um excerto de jurisprudência (infelizmente sem a fonte) que retrata muito bem essa ideia:

“A regra é a inafastabilidade do controle de lesões ou de ameaças de lesões a direitos pelo Poder Judiciário (art. 5º, XXXV, da Constituição Federal), regra que pode ser limitada ou condicionada, como ocorre com o art. 217, § 3º, da Constituição Federal, quanto ao prévio exaurimento da instância desportiva, mas não afastada.”(37)

Dessa forma, fica evidente que o princípio da inafastabilidade, quando se trata da Justiça Desportiva, deve ser analisado como garantia posterior (e não como dever), pois quem o condicionou, nesse caso, foi a própria Constituição, configurando uma exceção, justificada por diversas razões que serão trazidas posteriormente, grande parte delas diretamente relacionadas à especificidade do esporte em relação a outras áreas.

Assim, portanto, procura-se fazer entender que a inafastabilidade da jurisdição não pode ser vista como um princípio absoluto, ou, seja, como um dever do jurisdicionado. Analisá-la dessa forma, sem uma visão do todo, gera risco de trazer severos prejuízos a todos aqueles que compõem o funcionamento da jurisdição: as partes do processo, o próprio Poder Judiciário e, inclusive, os jurisdicionados de um modo geral, sejam eles partes ou não. Inclusive, cabe ressaltar que a Justiça Desportiva tem um âmbito muito reduzido no que diz respeito às partes litigantes: o “jurisdicionado”, na Justiça Desportiva, deve ser visto como um conceito diferente, uma vez que há, como dito, a procuradoria, que denuncia, e a defesa (clube, atleta ou entidade de administração), não se destinando, por exemplo, a tutelar interesses do torcedor. No entanto, o princípio deve ser impreterivelmente visto como uma garantia absoluta (contrapondo-se à ideia de dever), ou seja, traduzindo a ideia de que o Judiciário estará, necessariamente, sempre disposto a receber e julgar uma lesão ou ameaça de lesão a direito – o que não significa que obrigatoriamente essas causas devem ser direcionadas a ele, quando existem diversos outros meios especializados, céleres e modernos aptos a realizar a mesma tarefa. Utilizando-se dessa leitura, o princípio da inafastabilidade da jurisdição deve ser interpretado, portanto, não como absoluto, muito menos como dever, mas sim como um verdadeiro direito do cidadão, ou seja, uma garantia de que, quando for preciso, o Poder Judiciário jamais se eximirá de apreciar uma causa a ele levada – o que não se pode confundir com a ideia errônea de que a inafastabilidade da jurisdição obrigaria o Judiciário a julgar todos os conflitos da sociedade, impossibilitando a emergência e o desenvolvimento de meios alternativos à solução desses conflitos. Todo esse raciocínio acima exposto (sobre a análise da inafastabilidade da jurisdição como garantia absoluta e posterior) repousa, principalmente, na efetividade da Justiça, escopo maior de todo processo. Acredita-se que, acima de tudo, acima de qualquer princípio processual, está o objetivo maior de toda processualística, que é a concretização da prestação jurisdicional. Esse é o objetivo precípuo, que deve ser balizado e conduzido pelos princípios, sejam eles constitucionais ou não. Portanto, entende-se que o mais importante não é o meio, mas sim o fim; seja pelo Estado ou por meios equivalentes, o principal é que se dê a prestação jurisdicional esperada no caso concreto. Nas palavras de Rosane Cachapuz e Michelle Bazo: “Diante da realidade em que se encontra hoje o Poder Judiciário, sufocado com a imensa quantidade de processos que diariamente são ajuizados e acomodados aos já existentes, é necessário buscar soluções a dar efetividade à atividade estatal. Isso porque o escopo maior do processo é a efetivação concreta da justiça; logo, o Estado, como detentor do poder de solucionar os conflitos, deve proporcionar aos cidadãos o acesso à justiça, à ordem jurídica justa, ainda que tenha que criar novos instrumentos paralelos à atividade jurisdicional tradicional, para garantir a efetividade.”(38)

Dessa forma, o entendimento que se pretende transmitir é que a efetividade do processo é mais importante do que qualquer detalhe quanto à forma de obtenção da prestação jurisdicional; o importante é obtê-la, seja por meios estatais, seja por meios extraestatais, desde que respeitada a lei. É a base para a construção de um forte argumento em favor dos meios equivalentes de solução de conflitos.

Algo que deve ficar claro, desde já, é que nenhum dos meios alternativos de soluções de conflitos irá configurar obstáculo ao acesso à justiça. Se por acaso fossem, certamente não seriam legítimos e tão largamente utilizados como são hoje. A possibilidade de posterior apreciação da causa pelo Poder Judiciário impede que eles sejam um óbice ao acesso à justiça. E isso não é diferente na Justiça Desportiva.

E há uma razão, simples e direta, para isso: as decisões dos meios alternativos de soluções de litígios em comento estão sujeitas, dentro de certas circunstâncias, a posterior apreciação pelo Judiciário. Isso porque, acima de tudo, está o respeito aos direitos fundamentais e às garantias legais do nosso direito, que, quando desrespeitadas, possibilitam exame da causa pelo Judiciário.

Quanto à Justiça Desportiva, prega-se uma maior autonomia dela em relação ao Estado, ou seja, os pontos de contato entre ela e o Judiciário são menores. Principalmente porque as causas julgadas pela Justiça Desportiva muitas vezes são simples e não geram muita controvérsia a ponto de vermos sucessivas decisões sendo atacadas e levadas ao Judiciário. No entanto, em hipótese alguma pode-se negar a correção do Judiciário de decisão jusdesportiva que tenha supostamente desrespeitado determinado dispositivo legal, como, por exemplo, o caso Portuguesa, que, mesmo após ter tido decisão no Pleno do STJD, ganhou os tribunais durante semanas.

Mas o que se pretende trazer aqui são as possibilidades de interferência ou de atuação do poder estatal nos meios alternativos de solução de conflitos objeto deste trabalho, para demonstrar que o cidadão jamais estará desamparado da atuação estatal quando se tratar de tutela de direitos. E essas possibilidades todas se resumem em um ponto convergente entre a arbitragem e a Justiça Desportiva: o limite da lei.

Toda decisão da Justiça Desportiva está sujeita a controle jurisdicional, quando infringir algum dispositivo legal em seu trâmite ou em sua fundamentação, ou configurar alguma hipótese de nulidade. O Poder Judiciário estará então, subsidiariamente, disposto e apto a corrigir essa falha detectada na resolução de litígios por meios alternativos. No entanto, caso nenhum desrespeito à lei seja encontrado, ou seja, caso o procedimento desportivo seja realizado de acordo com suas respectivas normas, e não se detecte nenhuma incongruência na decisão, não há a possibilidade de se rediscutir na Justiça Comum o mérito por mero inconformismo da parte perdedora – o que transformaria o Judiciário em um órgão recursal.

A decisão proveniente de tribunal desportivo é passível de impugnação no Poder Judiciário, de acordo com o art. 52 da Lei Pelé:

“Art. 52. Os órgãos integrantes da Justiça Desportiva são autônomos e independentes das entidades de administração do desporto de cada sistema, compondo-se do Superior Tribunal de Justiça Desportiva, funcionando junto às entidades nacionais de administração do desporto; dos tribunais de justiça desportiva, funcionando junto às entidades regionais da administração do desporto, e das comissões disciplinares, com competência para processar e julgar as questões previstas nos Códigos de Justiça Desportiva, sempre assegurados a ampla defesa e o contraditório.
§ 1º Sem prejuízo do disposto neste artigo, as decisões finais dos tribunais de justiça desportiva são impugnáveis nos termos gerais do direito, respeitados os pressupostos processuais estabelecidos nos §§ 1º e 2º do art. 217 da Constituição Federal.
§ 2º O recurso ao Poder Judiciário não prejudicará os efeitos desportivos validamente produzidos em consequência da decisão proferida pelos tribunais de justiça desportiva.” (destaques nossos)

Tal prerrogativa do jurisdicionado não deve ser levada como um desprestígio à Justiça Desportiva, mas sim como um mecanismo de manutenção do Estado de Direito,(39) ou, em outras palavras, do exercício do sistema de freios e contrapesos na separação dos poderes, uma vez que estaríamos diante de um controle judicial de decisões exaradas por um órgão do Poder Executivo (visto que a Justiça Desportiva compõe o Ministério dos Esportes, e não o Poder Judiciário). Além disso, deve ser a chance para que aqueles que não são legitimados dentro da Justiça Desportiva (torcedores, por exemplo) busquem a tutela de seus interesses.

O § 2º do referido artigo tem como objetivo justamente manter a razão de ser da Justiça Desportiva: a celeridade. Há quem diga que esse dispositivo criaria uma preponderância das decisões desportivas em relação às da Justiça Comum. No entanto, o que ele pretende é evitar que uma simples propositura de ação na Justiça Comum invalide de pronto os efeitos validamente produzidos pela Justiça Desportiva, o que atrapalharia e muito os campeonatos em curso. Dessa forma, até que o Judiciário se manifeste no caso, os efeitos da decisão da Justiça Desportiva, por força desse dispositivo, devem permanecer intactos, para que haja o regular prosseguimento das competições.(40)

Ensina Alcírio Carvalho:

“A regra inscrita no § 2º do artigo tem bons fundamentos; quer o dispositivo significar, em última análise, que o apelo ao Poder Judiciário não tem efeito suspensivo, isto é, que o apelo não prejudica os efeitos da decisão proferida pelos tribunais de justiça desportiva. Assim, suspenso um atleta por decisão da Justiça Desportiva, o apelo ao Judiciário, por ele ensaiado, não suspende a execução da pena, que há de fazer-se normalmente, ou melhor, como se o apelo não tivesse existido.”(41)

Há um consenso doutrinário em admitir que o Judiciário deve exercer controle sobre aquelas decisões que apresentam vícios e irregularidades formais no processamento feito pelas instâncias desportivas,(42) justamente em cumprimento ao princípio da legalidade. Assim, qualquer desrespeito a garantias constitucionais do processo – tais quais o contraditório, a ampla defesa e o devido processo legal –, verificação de irregularidades formais na composição dos tribunais desportivos, dentre outros vícios, enseja a possibilidade de anulação da decisão no âmbito do Judiciário. Essa constatação corrobora a ideia de que a Justiça Desportiva não é óbice ao acesso ao Judiciário, uma vez que é plenamente garantida, inclusive pela Constituição Federal, a apreciação da causa desportiva pelo Judiciário, desde que atendidos os requisitos processuais insculpidos no art. 217 da CF.

É aí que reside a questão polêmica: até que ponto pode o Poder Judiciário rever as decisões da Justiça Desportiva? São diversos os argumentos. O certo é que o controle judicial deve ser exercido quando as decisões da Justiça Desportiva são eivadas de vício ou irregularidade,(43) como já dito; no entanto, não se pode dizer o mesmo quando elas são validamente proferidas pelos tribunais desportivos, ou seja, sem qualquer falha quanto à legalidade na formulação da decisão. Há grande divergência doutrinária quanto à possibilidade da rediscussão do mérito da questão.

Expõe essa preocupação o professor Álvaro Melo Filho:

“Exsurge desses parágrafos (art. 217, § 1º e § 2º, da CF) uma dúvida persistente que assalta os operadores da Justiça Desportiva quanto ao acesso ao Poder Judiciário: se há clareza quanto ao momento da apreciação judicial, a Constituição Federal – nem a Lei Pelé – nada diz quanto ao seu alcance. Ou seja, a norma constitucional fixa restrição temporal ao reexame judicial que exige prévia exaustão das instâncias desportivas, mas silencia quanto ao conteúdo do reexame judicial. Em resumo, indaga-se, estará o juiz ordinário, de algum modo, vinculado à decisão final proferida na Justiça Desportiva, ou terá o recurso da parte prejudicada pleno efeito devolutivo, cabendo à Justiça ordinária reexaminar o mérito da causa desportiva?”(44)

Por um lado, existe a ideia de que as decisões da Justiça Desportiva têm natureza administrativa, pelo fato de os tribunais desportivos não comporem o Poder Judiciário, mas sim fazerem parte da estrutura do Ministério dos Esportes, ligados cada um à confederação máxima de seu respectivo esporte. Assim sendo, o controle jurisdicional de decisões da Justiça Desportiva se equipararia ao controle jurisdicional de atos administrativos de modo geral, o qual se destina, exclusivamente, à correção/manutenção da legalidade destes.(45) Dessa forma, portanto, o mérito das decisões da Justiça Desportiva nunca poderia ser revisto pelo Judiciário, uma vez que é da natureza dos atos administrativos ter apenas o aspecto da legalidade analisado por aquele, sob risco de invasão de competência e desrespeito à separação de poderes. Os adeptos desta corrente reputam que a Justiça Desportiva atue como filtro de acesso ao Judiciário, não havendo a necessidade de se adentrar o mérito de novo.(46)

Além disso, uma possível revisão do mérito desprestigiaria completamente a instituição desportiva. Na visão de Luis Geraldo Sant’ana Lanfredi, ex-auditor do STJD da CBF, seria um enorme contrassenso conceber um contencioso único e especial como a Justiça Desportiva e, ao mesmo tempo, não lhe outorgar qualquer deferência para impor suas decisões, ou seja, alguma eficácia, desde que respeitados tenham sido os trâmites, princípios e prazos previstos no ordenamento jurídico para obtenção de uma decisão justa e equilibrada.(47) Acrescenta o autor que seria um verdadeiro desprestígio à instituição desportiva, visto que sua razão de ser reside justamente na especialidade técnica de seus membros para julgar situações peculiares, que são as infrações disciplinares desportivas e as causas atinentes às competições. Para ele, enfim, “a coisa julgada material desportiva deve ser encarada como uma realidade intangível”.(48)

Paulo Marcos Schmitt, por sua vez, concorda com a impossibilidade da análise do mérito, mas com fulcro na autonomia da Justiça Desportiva:

“(...) o controle jurisdicional em matéria de competições e disciplina, em regra, deve restringir-se à análise da observância dos princípios que orientam a Justiça Desportiva e do devido processo legal, e não quanto ao mérito das demandas julgadas pelas instâncias desportivas. Comprometeria sobremaneira a autonomia e a independência decisória dos órgãos da Justiça Desportiva submeter ao crivo do Poder Judiciário a aplicação de determinada penalidade pela prática de infração disciplinar definida em código visando, por exemplo, à minoração da pena.”(49)

Do outro lado, existem argumentos também sólidos a favor da possibilidade de análise do mérito da decisão desportiva pela Justiça Comum. O que mais tem força é o do respeito à inafastabilidade do controle jurisdicional. Não se poderia conceber um Judiciário incapacitado de rever o mérito de decisões de um tribunal cuja natureza não se define como administrativa e muito menos judiciária.

Primeiramente, esse ponto de vista teria fulcro na ideia de que os princípios da administração pública não se enquadrariam perfeitamente à Justiça Desportiva, assim como acontece com outras instâncias administrativas, pelo fato de que seus órgãos não seriam tipicamente administrativos (não se regem pelos princípios da administração pública nem pelo direito administrativo).(50) Isso derrubaria o argumento de que as decisões desportivas, ao serem equiparadas a decisões administrativas, só poderiam sofrer no Judiciário análise quanto a suas questões formais de legalidade, o que efetivamente ocorre com os verdadeiros atos administrativos discricionários.

Com essa brecha, seria legítima a análise do mérito, uma vez que as decisões da Justiça Desportiva não se igualariam aos atos administrativos, e, por isso, não estariam limitadas à analise somente da sua legalidade – como ocorre com os atos da administração. No entanto, a questão acerca da natureza da Justiça Desportiva, ou seja, se é de cunho administrativo ou não, ainda não tem resposta certa, o que deixa aberta a discussão.

Utilizando-se dos ensinamentos brilhantes de Felipe Branco Bogdan, citado diversas vezes neste ponto da pesquisa, a análise, pelo Judiciário, do mérito das decisões dos tribunais desportivos não seria

“demérito ou desprestígio à Justiça Desportiva (...). Admitir esse argumento seria o mesmo que retirar o prestígio e a importância dos magistrados de primeiro grau, pois convivem constantemente com o ‘risco’ de terem suas decisões reformadas pelos órgãos ad quem. Essa possibilidade de nova apreciação é admitida como mecanismo normal, aceitável e necessário para o bom funcionamento de todo o sistema jurisdicional.”(51)

Para contrapor o argumento da autonomia das instâncias desportivas, o próprio Paulo Schmitt expõe o outro lado, ao reputar que a sua autonomia não coincide com a independência absoluta, ou soberania.(52) A constitucionalização da Justiça Desportiva não significa o escape ao controle jurisdicional, muito menos justificativa para contrariar o ordenamento jurídico vigente.(53)

Felipe Bogdan finaliza suas ponderações sobre o argumento ao qual é favorável, reputando que

“a negação do reexame do mérito pela Justiça Comum traduz-se em conferir definitividade às decisões da Justiça Desportiva, o que também já se demonstrou inadmissível. Proferir decisões definitivas é uma prerrogativa que o Poder Judiciário detém com exclusividade, de modo que, assim como ocorre em qualquer outra espécie de lide, as questões desportivas devem poder ser postas ao seu conhecimento.”(54)

Expostos ambos os lados da divergência doutrinária, opto pelo primeiro a ter sido explanado, com ressalvas. A mim me parece que a criação da Justiça Desportiva se deu justamente em função da sua especialidade, ou seja, justamente para julgar situações relacionadas a infrações disciplinares e competições desportivas. A especificidade e a dinamicidade do esporte exigem um órgão julgador rápido e especializado; não se concebe um campeonato com inúmeras disputas em uma semana em que uma suspensão de atleta vá a julgamento pela Justiça Comum, para rediscutir seu mérito. Não trago nem a questão de ser decisão administrativa ou não, pois não considero isso efetivamente relevante para a definição da controvérsia. A questão é que a Justiça Desportiva já é uma exceção escancarada pela Constituição Federal, ao ser uma instância obrigatória; portanto, qual seria a razão de criar mais um óbice ao seu pleno funcionamento, ou seja, um óbice para a solução que a instauração da Justiça Desportiva pretendeu dar à especificidade dos conflitos desportivos? Creio que, já que foi criada como exceção, por ser específica e qualificada para tanto, não haja necessidade de submeter suas decisões – repito, fruto de uma exceção estabelecida na Constituição – aos padrões de normalidade, já que nem mesmo a própria Justiça Desportiva se encaixa nestes.

No entanto, construo este raciocínio pensando em uma Justiça Desportiva perfeita, desprovida de defeitos, na qual seus auditores/julgadores são todos especializados na matéria, e em que não haja qualquer espécie de interesses secundários ou possíveis favorecimentos de partes. Dessa forma, pugno pela impossibilidade de revisão do mérito na Justiça Comum, mas com um custo: que haja uma significativa melhora na escolha de auditores – que, na minha visão, não pode mais seguir o sistema praticamente hereditário que vem seguindo nos últimos tempos –, uma melhor organização, profissionalização e aperfeiçoamento dos tribunais como um todo, e isso passa diretamente pela remuneração de seus membros – algo que não se vê hoje, e que efetivamente impede que haja melhorias.

Por meio dessas longas explanações sobre as possibilidades de interferência ou participação do Judiciário nas causas levadas à Justiça Desportiva, conclui-se que, efetivamente, o acesso à justiça não pode ser visto como prejudicado em função da sua existência. Primeiramente, porque nada que esses meios alternativos façam que desrespeite a lei é definitivo; toda e qualquer falha está sujeita a controle jurisdicional, este, por sua vez, submetido a determinadas condições claramente expostas na lei (Lei Pelé, art. 52). No entanto, o que deve ser salientado é que deve haver constantes melhorias e um consequente aumento na confiança em relação à Justiça Desportiva – muito criticada atualmente em função de decisões questionáveis e de seus duvidosos critérios para indicação de membros – para que cheguemos ao momento em que nem se cogite mais o posterior acesso ao Judiciário, de forma que ela seja autossuficiente. Obviamente, essa suposição é praticamente utópica, mas é sempre nessa direção que os operadores do direito desportivo devem caminhar: para o dia em que não seja mais necessário discutir se sua utilização é óbice ou não ao acesso à justiça, visto que esse acesso nem será mais necessário.

4.b A especificidade da Justiça Desportiva em benefício dos seus destinatários

Outra razão relevante para legitimar a existência da Justiça Desportiva é a sua especialidade para resolver os casos de sua seara. Em outras palavras, é saudável para o jurisdicionado que tem um conflito desportivo se utilizar desse meio, porque ele existe justamente para essas situações, e é capaz de solucioná-las, em princípio, da melhor forma possível.

É inconcebível que o Poder Judiciário seja o julgador de demandas desportivas relativas a campeonatos dinâmicos e muitas vezes muito mais curtos do que o tempo que o Judiciário leva para julgar uma causa. Um Judiciário congestionado é incompatível com a dinamicidade das competições desportivas, que exigem resultados rápidos em seus conflitos e demandas; a resolução de conflitos desportivos pelo Judiciário certamente prejudicaria o andamento das competições. Como bem diz o mestre Álvaro Melo Filho:

“O congestionamento do Judiciário não permite que as demandas e os conflitos desportivos tenham uma tramitação célere, o que, na prática desportiva, prejudica o normal andamento das competições e perturba a dinâmica das disputas sucessivas constantes de calendários inadiáveis que não podem ficar condicionados à morosidade e às soluções tardias de decisões judiciais.”(55)

Da mesma forma, assevera Paulo Schmitt:

“A intentio legis desportiva é tão somente assegurar a continuidade das atividades no ambiente desportivo. Essencialmente em razão de que um litígio incidente em um torneio ou campeonato, por descumprimento de normas ou prática de infrações disciplinares, impetrado diretamente no Poder Judiciário, poderia paralisar as atividades de interesse da comunidade desportiva.”(56)

Além da questão do tempo, é importante ressaltar o despreparo do Poder Judiciário para lidar com causas tão específicas como as do direito desportivo:

“Há um evidente despreparo do Judiciário para o trato das questões jurídico-desportivas que exigem dos julgadores o conhecimento e a vivência de normas, práticas e técnicas desportivas a que, normalmente, não estão afeitos e familiarizados, criando, desse modo, um perigo extraordinário em termos de denegação de justiça, pois há peculiaridades da codificação desportiva compreendidas e explicadas somente por quem milita nos desportos.”(57)

Concorda com a ideia o atual procurador-geral do STJD do futebol, Paulo Schmitt:

“Portanto, é inafastável a apreciação do Poder Judiciário, quando sua tutela é legitimamente provocada, a teor do princípio do direito de ação. Todavia, para dirimir o conflito de princípios do devido processo legal, acesso à Justiça e esgotamento de instância administrativa ao desporto, a Constituição fixou plexo de competência em razão da matéria. (...) A doutrina é assente em afirmar que o esgotamento da instância desportiva visa, de um lado, propiciar a análise de matéria desportiva – estritamente descumprimento de normas relativas à disciplina e às competições desportivas – por uma instância administrativa especializada e, de outro, desafogar o Judiciário.”(58)

5 Art. 217 da Constituição Federal: a Justiça Desportiva como uma exceção possibilitada pelo poder constituinte originário

A Justiça Desportiva brasileira é a única do mundo prevista constitucionalmente. A Constituição Federal de 1988 deu destaque a essa instituição inovadora em seu art. 217, § 1º e § 2º. O primeiro dispositivo é que enseja toda a discussão até agora apresentada, ou seja, o embate da Justiça Desportiva com os princípios processuais constitucionais – “§ 1º O Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem-se as instâncias da justiça desportiva, regulada em lei”.

A inconstitucionalidade desse dispositivo já foi ventilada diversas vezes, pois estaria ele impedindo que o cidadão tivesse sua lide apreciada pelo Poder Judiciário, o que é direito de todos. No entanto, como já foi exaustivamente explanado no presente trabalho, existem diversos argumentos que invalidam essa colocação e legitimam a existência da Justiça Desportiva. Dentre eles, está o da vontade do constituinte, legitimado pela força do poder constituinte originário.

Tal constatação, portanto, tem fulcro no direito constitucional, mais especificamente no âmbito do poder constituinte originário. A Constituição, ao contrário do que ocorre com normas infraconstitucionais, não enxerga nenhum diploma legal acima dela, justamente porque ela é a norma superior de todo o sistema legal – dessa forma, a elaboração de uma Constituição atende, ao invés de a legislações hierarquicamente superiores, a elementos que concedem muito mais espaço para novas criações – justamente pelo fato de o poder constituinte originário não estar amarrado a nenhum limite legal – tais quais a vontade da sociedade, as circunstâncias políticas da época, os valores éticos e culturais, etc.

Nas palavras de Gilmar Mendes e Paulo Gonet Branco:

“(...) se trata de um poder que tem na insubordinação a qualquer outro a sua própria natureza; dele se diz ser absolutamente livre, capaz de se expressar pela forma que melhor lhe convier, um poder que se funda sobre si mesmo, onímodo e incontrolável, justamente por ser anterior a toda normação, e que abarca todos os demais poderes; um poder permanente e inalienável; um poder que depende apenas da sua eficácia. (...) O direito anterior não o alcança nem limita a sua atividade. Pode decidir o que quiser.”(59)

O poder constituinte originário, portanto, não está sujeito a controle de constitucionalidade, uma vez que ele está “na origem do ordenamento jurídico”, ou seja, é “o ponto de começo do Direito”.(60) Nesse sentido já se manifestou o Supremo Tribunal Federal, no AgRg em ADIn 4.097, de relatoria do ex-Ministro Cézar Peluso:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ADI. Inadmissibilidade. Art. 14, § 4º, da CF. Norma constitucional originária. Objeto nomológico insuscetível de controle de constitucionalidade. Princípio da unidade hierárquico-normativa e caráter rígido da Constituição brasileira. Doutrina. Precedentes. Carência da ação. Inépcia reconhecida. Indeferimento da petição inicial. Agravo improvido. Não se admite controle concentrado ou difuso de constitucionalidade de normas produzidas pelo poder constituinte originário.”(61) (destaques nossos)

A Justiça Desportiva nada mais é do que uma expressão concreta do poder constituinte originário. Uma inovação que certamente não veio em vão – o constituinte não resolveu pô-la em patamar constitucional sem razões fundadas. Não se cria uma exceção dessas sem motivos que verdadeiramente a justifiquem. A constitucionalização da Justiça Desportiva evidentemente foi resultado de muitas discussões, que acabaram por concluir que isso traria vantagens ao exercício da jurisdição, vantagens essas já explanadas ao longo do trabalho.

Nos ensinamentos de Rafael Teixeira Ramos:

“A nós incumbe reafirmar que a existência da Justiça Desportiva é tão constitucional quanto quaisquer outras previsibilidades da Lei Maior brasileira, pois a ratio constituendo do constituinte foi autorizar uma Justiça do Desporto às margens do Poder Judiciário, perfazendo uma exceção, excepcionalmente veiculada pelo poder constituinte originário aos princípios da inafastabilidade do Poder Judiciário e do juiz natural, que representam a monopolização da atividade jurisdicional do Estado. Constate-se que, por viabilidade oriunda do poder constituinte originário, o constituinte autoriza, outorga a instituição de uma Justiça dotada de atipicidade jurisdicional, fora do Poder Judiciário e em feição emprestada aos entes despersonificados de Justiça Desportiva (tribunais de justiça desportiva).”(62)

O Supremo Tribunal Federal, inclusive, já se pronunciou a respeito dessa exceção, ao se mostrar de acordo com a especificidade da natureza da Justiça Desportiva. No MS 25.938, pelos dizeres da Min. Cármen Lúcia:

“Não se pode deixar de reconhecer que, conquanto não componha a administração pública, a Justiça Desportiva tem a peculiar condição de ser constitucionalmente prevista. Norma constitucional põe, impõe e dispõe sobre a sua atuação, a qual vincula órgãos e entes estatais, incluído o próprio Judiciário, que somente pode conhecer das matérias controvertidas submetidas à sua apreciação em condição de subsidiariedade. (...) Daí se poder concluir que, tal como está na legislação infraconstitucional vigente, a Justiça Desportiva desempenha função quase estatal, ou, no jargão mais contemporâneo, pública não estatal, distinguindo-se ela da perfeita natureza de atividade privada, mas também não se confundindo com atividade estatal.”(63)

A Justiça Desportiva deve, portanto, ser entendida como uma exceção veiculada pelo constituinte, possibilitada pelo poder constituinte originário, e dotada, portanto, de uma especificidade que foi resultado de uma necessidade: a necessidade de se ter uma justiça especializada para julgar as infrações disciplinares ou as lides relacionadas a competições desportivas, muito em função da necessidade de celeridade que estas impõem. Ela não é uma instância administrativa, muito menos um órgão judicial. A Justiça Desportiva é algo, pode-se dizer, sui generis, que tem sua razão de ser na especificidade intrínseca ao desporto.

Conclusão

A conclusão inevitável a ser extraída de tudo que foi dito é que toda e qualquer manifestação a respeito da inconstitucionalidade da Justiça Desportiva, com fulcro em um suposto desrespeito aos princípios constitucionais do acesso à justiça e da inafastabilidade da jurisdição, deve ser prontamente afastada.

Foram expostas razões adotadas por doutrinadores das áreas, assim como dados que demonstram que a efetividade da justiça se mostra como justificativa para a existência desses meios. Seria, talvez, excesso de positivismo não se descolar desses princípios de modo a prejudicar o jurisdicionado, que, com eles, é evidentemente beneficiado, pelos motivos já expostos.

A especificidade em razão da matéria dos litígios levados a esses meios os torna adequados; a posterior apreciação do Poder Judiciário em caso de desrespeito à lei impede que esses meios sejam considerados acesso à justiça, sendo reputados, isso sim, condição, no caso da Justiça Desportiva.

Com este trabalho, portanto, pugna-se por uma abordagem distinta dos princípios processuais em prol de maior efetividade da justiça, mais especificamente da inafastabilidade da jurisdição como garantia e do acesso à justiça descolado do monopólio estatal. Apegar-se a princípios é evidentemente importante para o direito, mas, quando estes não se mostram eficientes, ou seja, quando, em determinadas situações, acabam atrapalhando o que na verdade deveriam estar ajudando, devem-se considerar outras possibilidades, em nome de algo maior: da efetiva prestação jurisdicional.

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Notas

1. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 1996. p. 261.

2. VASCONCELOS, Rita de Cássia Corrêa. Princípio da fungibilidade: hipóteses de incidência no processo civil contemporâneo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 31.

3. MENDES, Gilmar Ferreira; GONET BRANCO, Paulo Gustavo. Curso de Direito Constitucional. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 386.

4. WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de processo civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. 15. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. v. 1. p. 68.

5. WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Op. cit., p. 69.

6. VASCONCELOS, Rita de Cássia Corrêa. Op. cit., p. 38.

7. WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Op. cit., p. 65.

8. DIDIER, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 16. ed. Salvador: JusPodivm, 2014. v. 1. p. 47.

9. VASCONCELOS, Rita de Cássia Corrêa. Op. cit., p. 44.

10. WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Op. cit., p. 114.

11. CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 1943. v. II. p. 11.

12. CAMBI, Eduardo. Jurisdição no Processo Civil: compreensão crítica. Curitiba: Juruá, 2002. p. 17.

13. CHIOVENDA, Giuseppe. Op. cit., p. 55.

14. CAMBI, Eduardo. Op. cit., p. 26.

15. CAMBI, Eduardo. Op. cit., p. 30.

16. CALAMANDREI, Piero. O conceito de “lide” no pensamento de Francesco Carnelutti. Rivista di diritto processuale civile, 1928. p. 4-5.

17. CAMBI, Eduardo. Op. cit., p. 37.

18. COUTURE, Eduardo J. Fundamentos del derecho procesal civil. Buenos Aires: Depalma, 1981. p. 34.

19. COUTURE, Eduardo J. Op. cit., p. 40.

20. O Direito tem a força de reconhecer, produzir e resolver conflitos por meio da complexidade do sistema jurídico. Deveras, sob esse prisma, o direito é um sistema normativamente fechado e cognitivamente aberto. PEREIRA, Geailson Soares. O Direito como sistema autopoiético. p. 6. Disponível em: <http://jf.jus.br>.

21. MANCUSO, Rodolfo de Camargo. A imbricação entre Justiça Desportiva e Justiça estatal: o caso da Associação Portuguesa de Desportos no campeonato brasileiro de futebol de 2013 – contribuição para o deslinde técnico-jurídico da controvérsia. Separata da Revista dos Tribunais, a. 103, v. 944, jun. 2014. p. 47.

22. MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Op. cit., p. 46.

23. MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Op. cit., p. 48.

24. MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Op. cit., p. 50.

25. VIANNA, Ricardo dos Santos. Do Direito Desportivo e a modernização das relações jurídico-desportivas. Mestrado em Direito Empresarial na Faculdade de Direito Milton Campos, Nova Lima, 2006. p. 34.

26. DELBIN, Gustavo; COSTA SILVA, Rodrigo Ferreira da; GRAICHE, Ricardo. Elementos de Direito Desportivo Sistêmico. São Paulo: Quartier Latin, 2008. p. 11.

27. DELBIN, Gustavo; COSTA SILVA, Rodrigo Ferreira da; GRAICHE, Ricardo. Elementos de Direito Desportivo Sistêmico. São Paulo: Quartier Latin, 2008. p. 12.

28. KRIEGER, Marcílio. Revista Brasileira de Direito Desportivo, São Paulo, v. I, p. 40.

29. DELBIN, Gustavo; COSTA SILVA, Rodrigo Ferreira da; GRAICHE, Ricardo. Op. cit., p. 14.

30. ALTHOFF DECAT, Scheyla. Direito Processual Desportivo. Belo Horizonte: Del Rey, 2014. p. 40.

31. ALTHOFF DECAT, Scheyla. Op. cit., p. 64.

32. SCHMITT, Paulo Marcos et al. Código Brasileiro de Justiça Desportiva comentado. São Paulo: Quartier Latin, 2006. p. 18.

33. MELO FILHO, Álvaro. Novo Código Brasileiro de Justiça Desportiva. São Paulo: Executiva, 2010. p. 15.

34. DELBIN, Gustavo; COSTA SILVA, Rodrigo Ferreira da; GRAICHE, Ricardo. Op. cit., p. 26.

35. DELBIN, Gustavo; COSTA SILVA, Rodrigo Ferreira da; GRAICHE, Ricardo. Op. cit., p. 33.

36. ARRUDA ALVIM. Manual de Direito Processual Civil. 16. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 209.

37. SCHMITT, Paulo Marcos. Regime jurídico e princípios do Direito Desportivo. p. 13.

38. CACHAPUZ, Rozane da Rosa; BAZO, Michelle Cristina. Sentença arbitral e a sua natureza jurídica. Scientia Iuris, Londrina, v. 9, 2005. p. 206.

39. BOGDAN, Felipe Branco. A Justiça Desportiva e o Poder Judiciário: uma análise à luz do princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional. Monografia apresentada no Curso de Direito da UFSC, 2009, p. 63.

40. BOGDAN, Felipe Branco. Op. cit., p. 65.

41. CARVALHO, Alcírio Dardeau de. Comentários à Lei sobre Desportos: Lei 9.615, de 24 de março de 1998. Rio de Janeiro: Destaque, 2000. p. 153.

42. BOGDAN, Felipe Branco. Op. cit., p. 66.

43. BOGDAN, Felipe Branco. Op. cit., p. 67.

44. MELO FILHO, Álvaro. Princípios desportivos em sede constitucional. Revista Brasileira de Direito Desportivo, São Paulo, a. 11, v. 21, 2012. p. 53.

45. É adepto desse ponto de vista administrativo o professor Rodolfo de Camargo Mancuso, em seu artigo A inafastabilidade do controle jurisdicional e suas exceções: estudo quanto à aplicação do tema à Justiça Desportiva no âmbito do futebol. Revista de Processo, São Paulo, v. 7, n. 31, 1983. p. 54.

46. MELO FILHO, Álvaro. Princípios desportivos em sede constitucional. Revista Brasileira de Direito Desportivo, São Paulo, a. 11, v. 21, 2012. p. 53.

47. LANFREDI, Luis Geraldo Sant’ana. Jurisdição desportiva, comum e do trabalho: (inter)relações inexoráveis. II Encontro Nacional sobre Legislação Esportivo-Trabalhista. Dourados: Siriema, 2009. p. 221.

48. LANFREDI, Luis Geraldo Sant’ana. Op. cit., p. 221.

49. SCHMITT, Paulo Marcos. Curso de Justiça Desportiva. São Paulo: Quartier Latin, 2007. p. 46.

50. BOGDAN, Felipe Branco. Op. cit., p. 71.

51. BOGDAN, Felipe Branco. Op. cit., p. 71.

52. SCHMITT, Paulo Marcos. Curso de Justiça Desportiva. São Paulo: Quartier Latin, 2007. p. 38.

53. BOGDAN, Felipe Branco. Op. cit., p. 71.

54. BOGDAN, Felipe Branco. Op. cit., p. 72.

55. MELO FILHO, Álvaro. Nova Lei Pelé: avanços e impactos. Rio de Janeiro: Maquinária, 2011. p. 238.

56. SCHMITT, Paulo Marcos. Op. cit., p. 13.

57. MELO FILHO, Álvaro. Op. cit., p. 238.

58. SCHMITT, Paulo Marcos. Op. cit., p. 12-13.

59. MENDES, Gilmar Ferreira; GONET BRANCO, Paulo Gustavo. Curso de Direito Constitucional. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 104.

60. MENDES, Gilmar Ferreira; GONET BRANCO. Op. cit., p. 104.

61. AgRg em ADIn 4.097/DF. Rel. Min. Cézar Peluso, STF, Tribunal Pleno, julgado em 08.10.2008, DJe 06.11.2008. p. 401-404.

62. RAMOS, Rafael Teixeira. Os princípios constitucionais desportivos. DELBIN, Gustavo; SANTORO, Luiz Felipe Guimarães (coords.). Revista Brasileira de Direito Desportivo, São Paulo, a. 9, v. 17, 2010. p. 75.

63. MS 25938, Rel. Min. Cármen Lúcia, STF, Tribunal Pleno, julgado em 24.04.2008, DJe-172, divulg. 11.09.2008.



Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023:2002/ABNT):
. . Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n., fev. 2016. Disponível em:
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REVISTA DE DOUTRINA DA 4ª REGIÃO
PUBLICAÇÃO DA ESCOLA DA MAGISTRATURA DO TRF DA 4ª REGIÃO - EMAGIS