Namoro e união estável: traços da realidade e seu enquadramento jurídico(1)

Autora: Rafaela Rojas Barros

Advogada, Associada do IBDFAM, Pós-graduanda em Direito de Família e Sucessões (PUCRS)

publicado em 29.02.2016



Sumário:
Introdução. 1 Contextualizando os conceitos. 1.1 Elementos identificadores da união estável. 1.2 Elementos identificadores do namoro. 2 Problematização jurídica das diferenças: uma análise a ser observada caso a caso. 3 O malfalado contrato de namoro e breves considerações sobre a realidade dos casais brasileiros. 4 As consequências patrimoniais do namoro e da união estável. 5 Defesa do contrato de namoro. Considerações finais. Referências bibliográficas.

Introdução

Reconhecida a importância de distinguir, enquadrar e dar nome às relações existentes entre os indivíduos, partir-se-á ao estudo de uma realidade presente no contexto da sociedade brasileira que, ainda, gera inúmeras dúvidas e necessita de uma resposta satisfatória do sistema jurídico.

Trata-se dos institutos namoro e união estável, tema atual no Direito de Família, cuja proximidade fático-conceitual acarreta dúvidas e questionamentos que, na porosidade do sistema aberto, culminam por gerar demandas judiciais a desafiar estudiosos e operadores a um efetivo enfrentamento.

Com o reconhecimento da união estável pela Constituição Federal como entidade familiar (§ 3º do artigo 226 da CF),(2) validando situação plenamente aceita pela sociedade atual, revela-se importante distinguir a linha tênue que separa namoro qualificado(3) de união estável, sob os aspectos social, jurídico e material.

Para garantir sistematização ao estudo, serão abordadas questões elementares à compreensão de ambos os conceitos, procedendo-se a enfoque sob a perspectiva da subjetividade, qual seja, a intenção(4) nas relações afetivas, bem como da liberdade de contratar, do instituto de boa-fé e da necessidade ou não de formalização do namoro frente à sua nova roupagem e à flexibilização dos requisitos legais caracterizadores da união estável.

Em seguida, analisados os elementos mínimos caracterizadores de ambos os  institutos, com a necessária distinção entre eles e as consequências advindas dessas relações, culmina-se por defender a possibilidade e a necessidade de tutelar o instituto namoro.

1 Contextualizando os conceitos

A par de a Constituição Federal de 1988 ter deixado de considerar o matrimônio como forma única de constituição da família, percebe-se, nitidamente, na sociedade contemporânea, a existência de múltiplas formas de relações interpessoais, estabelecidas em velocidade tal, que acabam por necessitar, atempadamente, de tutela, a fim de não gerar efeitos jurídicos indesejados.

É o caso do namoro, que, hodiernamente, possui contornos bem próximos aos da união estável, na medida em que os pressupostos para a configuração desta foram flexibilizados,(5) bem como pelo fato de o namoro não possuir as mesmas características de anos atrás, porquanto dotado atualmente de maior liberdade e espontaneidade.

Desse modo, alguma espécie de regramento ou formalização do namoro poderia representar uma indevida intromissão na esfera de individualidade dos envolvidos e resultar na perda de sua principal característica, a espontaneidade, ao passo que, na união estável, sua normatização consubstancia-se em elemento protetivo, já regulamentado e aceito socialmente.

Entretanto, deixando-se a descoberto o instituto namoro, poderão advir inúmeras consequências, tais como a falsa percepção de que seria união estável, podendo fragilizar esse relacionamento, que se pretende natural, e gerar, inclusive, o seu término. Ainda, poder-se-ia sobrecarregar o Judiciário com demandas muitas vezes de cunho patrimonial, tão somente. Por isso, evidencia-se complexa a atividade de proteção jurídica em casos tais:

“Se já é difícil ao magistrado averiguar questões materiais em um processo judicial, imagine-se a dificuldade de tentar-se provar – e decidir – a respeito de coisas abstratas; provar, por exemplo, (A) o carinho que não foi feito, e que ninguém viu que o foi; (B) provar a rejeição, que só ocorre na intimidade, e seria causa (ou consequência) de adultério, etc. [...].”(6)

Frente a essa realidade, faz-se necessária, para diferenciar um instituto do outro, a avaliação de cada caso concreto. Ausentes os elementos determinantes daquela, como o animus – genuína intenção de constituir família –, bem como o affectio maritalis, estar-se-á diante do instituto namoro.(7)

1.1 Elementos identificadores da união estável

O legislador constituinte, atento a mudanças sociais, introduziu o instituto da união estável no § 3º do artigo 226 da Constituição Federal de 1988,(8) equiparando-a ao casamento, e o Código Civil brasileiro de 2002, por sua vez, no artigo 1.723, conceituou o instituto.(9)

A união estável caracteriza-se pela composição de casais de indivíduos, sejam eles de qualquer sexo – haja vista posicionamento assentado na jurisprudência pátria(10) –, que se unem e se mantêm juntos ao longo do tempo, com a finalidade comum de formar um núcleo familiar baseado na afetividade, na lealdade, no respeito, na fidelidade, na mútua assistência, material e moral, não havendo necessidade de residência sob o mesmo teto ou de que da união resulte prole, e sem as formalidades do matrimônio, ainda que com o pressuposto do affectio maritalis.(11)

Ficam excluídas desse conceito, porém, as uniões adulterinas e aquelas que envolvem pessoas proibidas de casar entre si.(12) Desse modo, conforme leciona Helder Dalcol, caracteriza-se como união estável somente a relação entre pessoas com o intuito de constituir família e que não possuam impedimentos para casar entre si.(13)

1.2 Elementos identificadores do namoro

A doutrina enquadra o namoro em duas espécies: o simples e o qualificado. O namoro simples caracteriza-se como o relacionamento "sem compromisso", um costume social, que não necessariamente precisa seguir ordens de cunho moral, como o namoro casual e às escondidas. O namoro qualificado, de outro lado, ainda que se consubstancie em costume social, forja-se com a convivência contínua de casal que visa a compartilhar momentos, sejam eles de alegrias, sejam de tristezas, bem como acontecimentos diários, que testam a viabilidade de evolução desse relacionamento para noivado, união estável ou casamento.(14)

O namoro, por si só, não gera efeitos jurídicos, porquanto não existem normas legais expressas para a sua configuração.(15) Ou seja, são práticas próprias dos namoros da vida moderna(16) que namorados viajem, fiquem longos períodos unidos, participem intensamente da vida social e familiar um do outro, partilhem, por vezes, do mesmo teto e até mesmo relatem expectativas de vida juntos, de modo que tais elementos não são suficientes para a verificação do requisito imprescindível da affectio maritalis,(17) caracterizando-se, essencialmente, pela ausência de, ao menos, algum dos requisitos determinantes para a configuração da união estável.(18)

2 Problematização jurídica das diferenças: uma análise a ser observada caso a caso

Analisadas as características de cada um dos institutos, considerando-se que muitos requisitos anteriormente imprescindíveis à caracterização de união estável passaram a destoar do contexto social, nota-se que a confusão entre eles é cada vez mais recorrente e perigosa.(19)

Portanto, é pertinente a análise tópica e minuciosa de cada caso, haja vista o namoro possuir alguns requisitos idênticos aos da união estável, mais acentuadamente quando obedece a ordens de cunho moral e quando presentes os requisitos objetivos, tais como publicidade, fidelidade, lealdade, durabilidade e convivência contínua. Além disso, a legislação não foi expressa quanto à questão de se as pessoas unidas pelo vínculo de afeto teriam ou não de viver sob o mesmo teto, ou, até mesmo, quanto a haver um prazo estabelecido para a união ser caracterizada como união estável.(20) É imperioso detectar, nessa distinção, a presença ou não do elemento subjetivo, identificação sutil e delicada. Nesse sentido, conforme defende a lúcida jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

“O propósito de constituir família, alçado pela lei de regência como requisito essencial à constituição de união estável – a distinguir, inclusive, esta entidade familiar do denominado ‘namoro qualificado’ –, não consubstancia mera proclamação, para o futuro, da intenção de constituir uma família. É mais abrangente. Esta deve se afigurar presente durante toda a convivência, a partir do efetivo compartilhamento de vidas, com irrestrito apoio moral e material entre os companheiros. É dizer: a família deve, de fato, restar constituída.”(21)

Atente-se para o caso desses namoros longos ou de uniões estáveis frutos de uma relação muito curta. Um ou outro são estabelecidos em face de transformações naturais ocorridas no relacionamento, que podem ser interpretadas tão só por um dos envolvidos como união estável. Assim, leciona Helder Martinez Dal Col:

“[...] Aliás, nenhuma união nasce já estável. Ela se torna estável. Nenhuma união nasce duradoura, mas torna-se tal se persistir no tempo. Mesmo os namoros ‘moderninhos’, que já começam íntimos, regidos pelo sexo, possuem grande possibilidade de desfazimento, só se tornando efetivos, estáveis e duradouros com a superação dos desencontros naturais de personalidade dos parceiros, ao longo do tempo.”(22)

Assim, ainda que a Constituição Federal de 1988 tenha reconhecido a afetividade no mencionado artigo 226, § 3º,(23) quando elevou as uniões constituídas com vínculo de afeto à categoria de entidade familiar, os institutos abordados neste artigo apresentam efeitos jurídicos absolutamente diversos,(24) incumbindo aos operadores do Direito de Família o esforço para verificar a utilidade do contrato de namoro no contexto atual, bem como a possível intervenção jurídico-estatal no namoro qualificado.

Questão mais complexa que será abordada diz com a modalidade de segurança jurídica cabível, tendo em vista o mínimo de interferência do Direito na individualidade, pressuposto do princípio da dignidade humana.

3 O malfalado contrato de namoro e breves considerações sobre a realidade dos casais brasileiros

Falar do contrato de namoro é abrir brecha para polêmica, pois dificuldades e preocupações quanto ao nomear das relações surgiram com o advento do Código Civil e da Lei 9.278/1996, que flexibilizaram os requisitos para a caracterização da união estável e, dentre outras coisas, revogaram o prazo de cinco anos exigido na Lei 8.971/94 para a configuração de união estável, não mais se estabelecendo prazo mínimo de convivência.(25) Dispõe Camila Mendonça sobre o tema:

“O tema ganhou relevância na medida em que a união estável, em vez de trazer segurança ao cidadão, está lhe causando temor e insegurança. Atemorizadas, as pessoas evitam qualquer comprometimento afetivo mais profundo a fim de fugir da possibilidade de reconhecimento de união estável.”(26)

O namoro antigo, de regra, não envolvia relação sexual, e, normalmente, eram os pais que escolhiam as pessoas certas para os seus filhos. As relações eram vigiadas pelos familiares da moça, e esta não recebia mais do que toques nas mãos.(27)

Hoje, ainda que as características do namoro tenham mudado, ele permanece sem gerar consequência jurídica alguma,(28) de modo que, para nomear tais relações, portanto, e servir de indício de prova para algumas situações jurídicas,(29) vê-se a formalidade da estipulação do contrato de namoro como uma resposta satisfatória a todas essas mudanças.(30)

A realidade e a lei, por sua vez, podem descaracterizar esse contrato de uma hora para outra, à medida que o relacionamento vá ganhando forma e restem caracterizados os elementos do artigo 1.723 do CCB. Nesses casos, o contrato antes estipulado perde sua eficácia, prevalecendo a lei sobre ele,(31) sendo de  extrema relevância, porém, que se estipule, de antemão, o regime de bens desejado, restando, por conseguinte, assegurado documentadamente o regime escolhido.

Assim, se, por um lado, tal contrato possa parecer afrontoso, um não namoro, uma formalidade sem causa, e gerar desconfiança e desagradável surpresa para quem é convidado a firmá-lo, por outro, ele se mostra necessário, na medida em que essas relações restarão cobertas de lealdade, transparência e segurança jurídica, evitando, por fim, que sejam tidas erroneamente como uniões estáveis.(32)

Portanto, a partir do que foi exposto, salvo devido respeito às posições contrárias, o contrato de namoro tem servido como instrumento que acompanha as mudanças e protege os indivíduos, impedindo indevida e indesejada intervenção do Estado nessas questões.

4 As consequências patrimoniais do namoro e da união estável

Na união estável, os companheiros têm direito a alimentos,(33) direito real de habitação, meação, se o regime for o da comunhão parcial de bens,(34) e herança.(35) Diferentemente, no namoro, cada qual dos namorados assume com exclusividade sua vida patrimonial,(36) podendo haver ressarcimento somente no caso de ter havido algum investimento de cunho financeiro, gerando prejuízo a um ou a outro no momento do rompimento do namoro.(37) Não há, portanto, que se falar em regime de bens, partilha, direito real de habitação, fixação de alimentos ou qualquer direito sucessório a ex-namorados.(38)

Na hipótese de o casal, na união estável, estabelecer regime diverso da regra geral (artigo 1.725 do Código Civil),(39) como o da separação total de bens ou o da comunhão universal, o ex-companheiro não terá direito a nenhuma parte dos bens que não estiverem em seu nome ou terá direito à metade de todos os bens que estiverem em nome do outro, respectivamente.(40)

Em resumo, na união estável, vai-se deixando de lado uma união livre – característica do namoro –, para ser amarrada às regras impostas pelo legislador. Insta salientar, nesse contexto, o que dispõe o pós-doutor em Direito Civil Nelson Rosenvald(41)

“[...] apesar de o namoro ser desprovido de conotação familiar, cuida-se de um fato capaz de gerar eficácia obrigacional. A partir de uma união livre, será possível a formação de uma sociedade de fato, quando as partes envolvidas adquirirem patrimônio por esforço comum. Seria o exemplo de namorados que, em conjunto, resolvem prestar serviços no mercado informal, o que fatalmente projetará efeitos patrimoniais por colaboração recíproca. Ao cabo do relacionamento amoroso, caberá ação de dissolução de sociedade de fato, a ser ajuizada em vara cível, afastada, efetivamente, a competência da vara especializada de família. Assim, não é possível confundir essa demanda – lastreada na vedação ao enriquecimento sem causa do artigo 884 do CC – com a ação de dissolução de união estável, amparada na presunção absoluta de esforço comum, determinada pelo artigo 1.725 do Código Civil.”

Em outras palavras, os bens móveis, imóveis ou outros de qualquer natureza que cada um venha a adquirir no curso da relação não se comunicarão ao outro, mesmo no que respeita a frutos e rendimentos:

“[...] Na seara patrimonial, a legislação brasileira apresenta lacunas em face desses novos arranjos familiares, motivo pelo qual, embora se deva reconhecer os vários tipos de famílias, há necessidade ainda de buscar em outras áreas do direito civil e em outras áreas do direito o apoio necessário para o preenchimento das lacunas.”(42)

Por derradeiro, qualquer estudo somente fará sentido se viabilizar certa aplicação prática. Vale dizer: de nada adianta travar discursos se os operadores não contribuírem, de algum modo, para a efetivação dos direitos e das garantias individuais.

5 Defesa do contrato de namoro

Os estudos sobre a utilidade do também chamado contrato de amor são escassos e incipientes, evidenciando-se a necessidade de repensar, com cautela, os posicionamentos até então expressados. Assim, importante se faz a análise das diferentes vertentes a respeito do tema.

Os contrários ao seu estabelecimento na sociedade brasileira argumentam que o também chamado contrato de amor seria uma mercantilização da vida; que seria nulo, por importar em fraude à lei; ou que diminuiria a espontaneidade das relações.  Argumentam, ainda, que não haveria necessidade de declarar situação fática, bem como que se estaria beneficiando o patrimônio de um em detrimento do outro.

Os favoráveis, por outro lado, defendem que as desconfianças restariam afastadas; que evitaria litígios e demandas, não sobrecarregando o Judiciário; e que haveria preservação do princípio da autonomia privada e da dignidade da pessoa humana. Defendem, igualmente, a não intervenção estatal, por se tratar de assunto íntimo; a funcionalidade do contrato como instrumento de segurança jurídica e financeira; bem como sua utilidade prática atual e o não impedimento legal para a configuração do contrato (artigo 421 do Código Civil brasileiro).(43) Serviria, ainda, como importante instrumento para afastar as consequências provenientes da união estável.(44)

Em que pesem os diferentes posicionamentos sobre a sua utilidade, a sociedade clama por sua regulamentação, ao menos em situações excepcionais, pois diante da insegurança em que vivemos, sua formalização tem se apresentado como uma alternativa viável que demonstra a independência financeira do casal, bem como a mútua vontade de incomunicabilidade de seus bens. Vontade essa que deve ser respeitada, porquanto servir como instrumento, particular ou público, capaz de promover proteção patrimonial e, via de consequência, da própria relação que elegeu tal forma de convívio.

Sendo assim, a estipulação do contrato de namoro faz com que direitos constitucionais, como o de não constituir família, o do livre planejamento familiar, o da autonomia, o da dignidade da pessoa humana, sejam colocados em prática, de modo que essa manifestação de vontade deve ser respeitada. E, no caso de ambas as partes garantirem que aquela relação não é estável, conduzir-se-ia, naturalmente, a uma desistência tácita dos direitos que poderiam advir dessa relação continuada.(45)

Conclusão

A par de não ser essa a tendência acolhida na ordem jurídica brasileira, o objetivo do presente estudo é um convite à reflexão em torno da possibilidade de o contrato de namoro se tornar cada vez mais útil e reconhecido, quer pelo Legislativo, quer pelo Judiciário, pois não se pode mais ficar inerte, tampouco ser demasiadamente conservador, a ponto de não observar essa emergente realidade, sob os aspectos social e jurídico.

Para tanto, estabeleceu-se, ao longo do trabalho, a necessária distinção entre os institutos em virtude de sua similitude fática e conceitual, pretendendo-se encontrar elementos adequados a sanar e/ou amenizar as omissões legislativas frente a essas novas situações que deságuam no Poder Judiciário, além das expressamente reconhecidas pela Constituição.

Verifica-se que, apesar de o Judiciário nunca ter elevado o namoro ao patamar de uma união estável, deve cuidar o julgador para que, na difícil tarefa de "caminhar entre lacunas", não banalize esse instituto. Não se pode ignorar que o contrato pode servir, no mínimo, como instrumento de auxílio no combate a demandas de difícil aferição probatória – atentando-se que o Direito de Família é o direito do caso concreto –, e, também, naquelas baseadas em intenções meramente patrimoniais, revelando-se, ao menos, como forte indício probatório.

Nesse passo, o contrato de namoro deve ser estimulado, e não combatido! Em prol da liberdade de contratar, da intenção, da boa-fé e do desejo sincero, deve – e por que não – ser expresso, servindo como demonstração de lealdade e dignidade das relações, além de concretizar a máxima de que o contrato é lei entre as partes.

Integra o contrato a liberdade das pessoas de querer apenas se conhecer, estar junto, partilhar experiências e afetos, e apenas isto, sem gerar efeitos de nenhum aspecto, ainda que as características do namoro mudem,(46) devendo o instituto e o interesse genuíno das partes permanecer em paz.

Se desejarem casar, que assim o façam! Se tal relacionamento redundar em união estável, que firmem novo contrato estabelecendo novas regras! Mas, em princípio, que se permita seja regrado esse contrato de acordo com a autônoma vontade das partes, que não têm intenção de comunicação patrimonial, em vida ou pós-morte.

Não se ignora que, por meio dele, pessoas possam tentar burlar a união estável. Mas, ainda assim, o seu conteúdo deve ser presumido como verdadeiro, e não o contrário! A boa-fé tem de ser a tônica das relações, e, pelo menos a princípio, o contrato deve ser considerado válido. Não se pode sepultar o romantismo em uma crença que não é de todo verdadeira, qual seja, a de que um dos integrantes da relação estaria se utilizando de reserva mental. Para derrubar tal presunção, nos termos da lei civil,(47) exige-se prova contundente de algum vício de consentimento, para somente então ser considerado nulo o contrato. Tal ônus, no entanto, incumbiria à parte que alega a nulidade, cabendo ao juiz a ponderação em cada caso concreto.

Dessarte, defende-se como apropriada a feitura de contrato de namoro, inclusive naqueles casos em que as partes envolvidas são marcadas por contrastes culturais, sociais ou econômicos, sem prejuízo de o Judiciário ser provocado no caso de ser fraudulento e/ou abusivo. Tal se mostra útil para evitar dissabores de toda ordem.

Portanto, sabendo que essa falta de delineamento consolidado faz com que o Direito não consiga adequar-se aos fatos da vida, trazendo insegurança jurídica aos integrantes dessas relações, encerra-se a pesquisa e convida-se o leitor à seguinte reflexão: não se tornaria a relação mais leve, mais segura, sem marcas de dúvidas ou desconfiança com a feitura do contrato de namoro? Os dissabores advindos das dúvidas entre união estável e namoro não acarretam mais sofrimento nas pessoas sem a devida proteção jurídica?

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Notas

1. Artigo selecionado para o VII Congresso do Mercosul de Direito de Família – IBDFAM.

2. “Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. [...] § 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/
ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 27 jul. 2015.

3. POFFO, Mara Rúbia Cattoni. Inexistência de união estável em namoro qualificado.

4. Incorporado pelo STJ, em 03/2015, como elemento primordial para sutil diferenciação entre namoro e união estável.

5. A Súmula 328 do STF caracteriza a união estável pelo propósito de constituição de família, ainda que em tetos separados, sendo prescindível a convivência e o tempo.

6. BARROS, Clóvis Ricardo Fontoura. Em anotação própria. (No prelo).

7. "[...] Este traço distintivo é fundamental, dado o fato de que as formas modernas de relacionamento afetivo envolvem convivência pública, contínua, às vezes duradoura, com os parceiros, muitas vezes dormindo juntos, mas com projetos paralelos de vida, em que cada uma das partes não abre mão de sua individualidade e sua liberdade pelo outro. O que há é um eu e um outro, e não um nós. Não há nesse tipo de relacionamento qualquer objetivo de constituir família, pois, para haver família o eu cede espaço para o nós [...]" (MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação Cível. Relatora Desembargadora Maria Elza, julgado em 21 jan. 2009 ).

8. “Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. [...] § 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”.

9. “Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher,      configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”.

10. ADPF nº 132/RJ e ADI nº 4.277/DF.

11.. Affectio maritalis = afeição marital = visibilidade frente à sociedade de marido e mulher.

12. Artigo 1.521 do Código Civil brasileiro.

13. DALCOL, Helder Martinez. Contratos de namoro: união estável e contratos de namoro no NCCB. Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões, Porto Alegre, v. 6, n. 23, p. 126-157, abr./maio 2004.

14.RAVACHE, Alex. Diferença entre namoro e união estável. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/18383/diferenca-entre-namoroeuniao-estável>. Acesso em: 28 jul. 2015.

15. DAMASCENO, Antônio dos Santos. É possível fazer um “contrato de namoro”? Disponível em: <http://www.advocaciadamasceno.com.br/new/index.php/
leitura-recreativa/112epossivel-fazer-um-contrato-de-namoro>. Acesso em: 28 jul. 2015.

16. RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do RS. Apelação Cível nº 70057015596, Oitava Câmara Cível, relator Luiz Felipe Brasil Santos, julgado em 30 jan. 2014.

17. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.454.643/RJ, Terceira Turma, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, julgado em 03 mar. 2015.

18. Rosenveld, Nelson.  União livre ou comunhão de vida? Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões, Porto Alegre, nº 20, abr./maio 2015.

19. O que gera demandas desnecessárias, desgastes entre os envolvidos, etc.

20. Ainda que a maior parte da jurisprudência considere o prazo de 1 ano para caracterização de união estável, o tempo e demais requisitos passaram a ser relativizados.

21. RIO DE JANEIRO. Recurso Especial Nº 1.454.643/RJ, Terceira Turma, Superior Tribunal de Justiça, Relator: Ministro Marco Aurélio Bellizze, Julgado em 03/03/2015. DJe 10/3/2015.

22. COL, Helder Martinez Dal. Contrato de namoro. p. 142.

23. “Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. [...] § 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”.

24. GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Regime legal de bens no companheirismo. In: Questões controvertidas no novo Código Civil no Direito de Família e das Sucessões. v. 3. São Paulo: Método, 2005.

25. COL, Helder Martinez Dal. União estável e contratos de namoro no Código Civil de 2002. Jus Navigandi, ago. 2005. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/7100/uniao-estavel-e-contratos-
de-namoro-no-codigo-civil-de-2002/2#ixzz3hTiEQcrN>. Acesso em: 01 ago. 2015

26. MENDONÇA, Camila Ribeiro de. Contrato de namoro previne risco de casamento. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2011-jun-12/casais-
fazem-contrato-poder-namorar-risco-casamento>. Acesso em: 29 jul. 2015.

27. LIMA, Christiane. A evolução do namoro: da serenata aos computadores. Disponível em: <http://elo.com.br/portal/colunistas/ver/229154/a-evolucao-do-namoro-da-serenata-aos-computadores.html>. Acesso em: 30 jul.2015.

28. AMARO, Elisabete Aloia. O namoro nos dias de hoje. Jus Navigandi, 2014. Disponível em: <http://elisabeteamaro.jusbrasil.com.br/artigos/
121816589/o-namoro-nos-dias-de-hoje>. Acesso em: 24 jul. 2015.

29. Como, por exemplo, a de casais que já constituíram outra família anteriormente e pretendem evitar futuras demandas judiciais em razão da discussão entre os conceitos de namoro e união estável.

30. COL, Helder Martinez da. Contrato de namoro. Revista Brasileira de Direito de Família – IBDFAM, Porto Alegre, n. 23, p. 141, 01 abr. 2004.

31. SILVA, Thiago Amorim. Opinião: Namoro ou união estável? A preocupação de muitos casais. Douranews, 09 nov. 2012. Disponível em:
<http://www.douranews.com.br/opiniao/item/54058-opini%C3%A3o-
namoro-ou-uni%C3%A3o-est%C3%A1vel>. Acesso em: 02 ago. 2015.

32. PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Contrato de namoro estabelece diferença em relação a união estável. Consultor Jurídico, 10 maio 2015. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2015-mai-10/processo-familiar-contrato-namoro-estabelece-diferenca-relacao-uniao-estavel>. Acesso em: 02 ago. 2015.

33. Artigo 1.694 do Código Civil.

34. Artigo 1.725 c/c 1.658 e seguintes do Código Civil.

35. Artigo 1.791 do Código Civil brasileiro. (Planalto).

36. SÃO PAULO. Tribunal de Justiça de São Paulo, Apelação n. 994.07.121833-0, 4ª Câmara de Direito Privado, rel. Des. Teixeira Leite, j. 09 set. 2010, v.u.

37. VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direito de Família. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 61.

38. CABRAL, Maria. Namoro simples, namoro qualificado e a união estável: o requisito subjetivo de constituir família. Disponível em: <http://mariateixeiracabral.jusbrasil.com.br/artigos/135318556/namoro-simples-namoro-qualificado-e-a-uniao-estavel-o-requisito-subjetivo-de-constituir-familia>. Acesso em: 27 jul. 2015.

39. “Art. 1.725. Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens”.

40. SILVA, Regina Beatriz Tavares da. Namoro e união estável: distinções. Disponível em: <http://www.reginabeatriz.com.br/academico/artigos/artigo.aspx?id=129>. Acesso em: 31 jul. 2015.

41. ROSENVALD, Nelson. União livre ou comunhão de vida? Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões, Porto Alegre, n. 20, 5. v., p. 5, abr./maio 2015. Disponível em: <https://www.facebook.com/permalink.php?story_
fbid=1428458680805154&id=1407260712924951>. Acesso em: 23 jul. 2015.

42. BRITO. Conceito atual de família e suas repercussões patrimoniais. In: DIAS (org.). Direito das Famílias. p. 80.

43. Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato. BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/
2002/L10406.htm>. Acesso em: 03 ago. 2015.

44. VELOSO, Zeno. Contrato de Namoro. Disponível em: http://www.soleis.adv.br/artigocontratodenamorozeno.htm>. Acesso em: 03 ago. 2015.

45. DALCOL, Helder Martinez. Contratos de Namoro - União Estável e Contratos de Namoro no NCCB. In: Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões, Porto Alegre, v. 6, n. 23, p. 126-157, abr./maio 2004.il/Maio, 2004.

46. Desde que permaneçam sem o intuitu familiae.

47. “Art. 171. Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico:[...] II – por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores”.



Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023:2002/ABNT):
. . Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n., fev. 2016. Disponível em:
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Acesso em: .


REVISTA DE DOUTRINA DA 4ª REGIÃO
PUBLICAÇÃO DA ESCOLA DA MAGISTRATURA DO TRF DA 4ª REGIÃO - EMAGIS