Da compatibilidade do art. 57, § 8º, da Lei 8.213/91 com a Constituição Federal
Valores contrapostos: liberdade de trabalho e proteção à saúde

Autora: Luciane Merlin Clève Kravetz

Juíza Federal

publicado em 29.04.2016



Resumo

O trabalho avalia se a restrição veiculada pelo art. 57, § 8º, da Lei 8.213/91, que exige do segurado a quem é concedida aposentadoria especial que se afaste do ambiente de risco ocupacional, é compatível com a Constituição Federal. A partir da ideia de princípio como mandamento de otimização, o estudo examina a constitucionalidade da norma legal por intermédio das três etapas do teste de proporcionalidade, assim sopesando os princípios da liberdade de trabalho e da proteção à saúde, em face das peculiaridades do caso, o que exige o descarte de qualquer valoração apriorística.

Palavras-chave: Aposentadoria especial. Liberdade de trabalho. Proteção à saúde. Colisão de princípios. Proporcionalidade.

Sumário: Introdução. 1 A aposentadoria especial, a regra restritiva do art. 57, § 8º, da Lei 8.213/91 e os valores contrapostos. 2 Finalidade da aposentadoria especial. 3 Teste da proporcionalidade. Conclusão. Referências bibliográficas.

Introdução

A ideia de Estado democrático de direito vincula-se à de direitos fundamentais, assim entendidos como normas jurídicas que, dizendo de perto com a dignidade da pessoa humana, legitimam todo o ordenamento jurídico. Em uma sociedade plural, que deve consagrar diferentes valores e considerar igualmente os interesses de seus diversos segmentos, é natural esperar pela interferência de um princípio em outro, o que gera um conflito a ser resolvido.

Este estudo trata da colisão entre os valores do trabalho e da saúde, contemplados em princípios constitucionais, havida por meio da regra do art. 57, § 8º, da Lei 8.213/91, que condiciona a concessão de aposentadoria especial, prevista com tempo reduzido de serviço para o trabalhador submetido a condições que prejudiquem sua saúde ou sua integridade física, ao afastamento da atividade que motivou o reconhecimento do direito ao benefício.

O tema é de grande interesse porque, depois de alguma celeuma em doutrina e jurisprudência, está agora sob análise do STF, que reconheceu a repercussão geral da matéria.

Será feita uma alusão às diferentes compreensões já exteriorizadas no mundo jurídico, após o que se pretende chegar à melhor solução possível para resolver o conflito, mediante a ponderação entre o fim buscado pelo legislador e o meio restritivo por ele adotado. O raciocínio seguirá a técnica da proporcionalidade, em sua tríplice divisão (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito), o que implicará desvendar a finalidade do instituto da aposentadoria especial para sopesar os interesses em jogo.

1 A aposentadoria especial, a regra restritiva do art. 57, § 8º, da Lei  8.213/91 e os valores contrapostos

A aposentadoria especial é prevista no art. 57(1) da Lei 8.213/91, com redação dada pelas Leis 9.032/95 e 9.732/98, para o segurado que tenha trabalhado em condições especiais que prejudiquem sua saúde ou sua integridade física. Cuida-se de benefício que diminui o tempo de contribuição necessário para o trabalhador se aposentar para 15, 20 ou 25 anos, conforme o caso, afastando, assim, a regra geral de 35 anos para o homem e de 30 anos para a mulher. O tratamento excepcional é expressamente autorizado pela Constituição Federal, no art. 201, § 1º.(2)

Tem havido interessante discussão, na doutrina e na jurisprudência, a respeito da constitucionalidade do art. 57, § 8º,(3) da Lei 8.213/91, que veda ao segurado que recebe aposentadoria especial a permanência no exercício do trabalho considerado prejudicial à saúde ou à integridade física. Na hipótese em que o aposentado continue a desempenhar atividade especial, a norma prevê, como sanção, a cessação automática do benefício, a partir da data do retorno.

De um lado, há aqueles que entendem que a regra é incompatível com a Constituição Federal, sob o argumento de que a liberdade de trabalho, direito fundamental e inalienável, não pode sofrer restrição pela lei infraconstitucional. Essa compreensão foi adotada pelo TRF/4ª Região em julgamento que garantiu o direito do segurado à percepção de aposentadoria especial independentemente do afastamento de atividade em condições nocivas, com o reconhecimento da inconstitucionalidade do art. 57, § 8º, da Lei 8.213/91, nos termos a seguir:

“PREVIDENCIÁRIO. CONSTITUCIONAL. ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. § 8º DO ARTIGO 57 DA LEI Nº 8.213/91. APOSENTADORIA ESPECIAL. VEDAÇÃO DE PERCEPÇÃO POR TRABALHADOR QUE CONTINUA NA ATIVA, DESEMPENHANDO ATIVIDADE EM CONDIÇÕES ESPECIAIS.
1. Comprovado o exercício de atividade especial por mais de 25 anos, o segurado faz jus à concessão da aposentadoria especial, nos termos do artigo 57 e § 1º da Lei 8.213, de 24.07.1991, observado, ainda, o disposto no art. 18, I, d c/c 29, II, da LB, a contar da data do requerimento administrativo.
2. O § 8º do artigo 57 da Lei nº 8.213/91 veda a percepção de aposentadoria especial por parte do trabalhador que continuar exercendo atividade especial.
3. A restrição à continuidade do desempenho da atividade por parte do trabalhador que obtém aposentadoria especial cerceia, sem que haja autorização constitucional para tanto (pois a Constituição somente permite restrição relacionada à qualificação profissional), o desempenho de atividade profissional e veda o acesso à previdência social ao segurado que implementou os requisitos estabelecidos na legislação de regência.
4. A regra em questão não possui caráter protetivo, pois não veda o trabalho especial, ou mesmo sua continuidade, impedindo apenas o pagamento da aposentadoria. Nada obsta que o segurado permaneça trabalhando em atividades que impliquem exposição a agentes nocivos sem requerer aposentadoria especial; ou que aguarde para se aposentar por tempo de contribuição, a fim de poder cumular o benefício com a remuneração da atividade, caso mantenha o vínculo; como nada impede que, aposentando-se sem a consideração do tempo especial, peça, quando do afastamento definitivo do trabalho, a conversão da aposentadoria por tempo de contribuição em aposentadoria especial. A regra, portanto, não tem por escopo a proteção do trabalhador, ostentando mero caráter fiscal e cerceando de forma indevida o desempenho de atividade profissional.
5. A interpretação conforme a Constituição não tem cabimento quando conduz a entendimento que contrarie sentido expresso da lei.
6. Reconhecimento da inconstitucionalidade do § 8º do artigo 57 da Lei nº 8.213/91.” (Arguição de Inconstitucionalidade nº 5001401-77.2012.404.0000 – Corte Especial – maioria – j. 24.05.2012 – Rel. Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira)

De outro lado, estão aqueles que afirmam a constitucionalidade da regra, na medida em que busca, por meio do afastamento do segurado de atividade laboral sob condições especiais, satisfazer o direito fundamental à saúde, sendo justificada, nesse caso, a restrição à liberdade de trabalho. Expressão desse entendimento é encontrada na doutrina, como mostra trecho do artigo de Flavia Malavazzi Ferreira(4):

“O beneficiário da aposentadoria especial é livre para exercer qualquer trabalho, exceto as atividades que, aos olhos da legislação previdenciária, comprometem a sua saúde.
Seria um contrassenso permitir que a pessoa se aposente mais cedo porque ficou exposta de maneira habitual e permanente a agentes nocivos à saúde e, ao mesmo tempo, autorizar que ela continue a desempenhar essas mesmas atividades.
Ora, a Constituição permitiu que o segurado se aposentasse prematuramente nos casos de trabalho exposto a condições desfavoráveis à sua saúde justamente para que ele pudesse se afastar antes do trabalho e, com isso, ter preservada sua integridade física. Se ele retorna ou continua a exercer atividade que é prejudicial à sua saúde, o privilégio que lhe concedeu a Carta Maior deixa de ser justificável, tornando-se vantagem descabida em relação aos demais segurados que exercem atividades comuns e que somente poderão se aposentar após 30 ou 35 anos de tempo de contribuição ou com 60 ou 65 anos de idade, conforme se trate de mulher ou homem.”

A situação apresentada no debate não se subordina a um único princípio constitucional. Diversamente, evidencia a colisão entre dois princípios que asseguram valores caros a uma vida com dignidade: trabalho e saúde. A contraposição impõe a busca da melhor solução possível, não do ponto de vista puramente lógico, mas a partir das peculiaridades do caso, mediante a avaliação dos efeitos das alternativas que se mostram.

Os valores em jogo na aplicação da regra do art. 57, § 8º, da Lei 8.213/91 são, portanto, o direito ao trabalho e o direito à saúde.

O trabalho é previsto na Constituição Federal de maneira bastante explícita(5) no art. 5º, XIII, que assegura o direito fundamental ao seu livre exercício, e no art. 6º, que o garante como direito fundamental social. Menos que como um fator de produção, concepção própria do capitalismo, o trabalho deve ser entendido como expressão da dignidade humana e também, nas palavras de Leonardo Vieira Wandelli,(6) como “o direito a uma sociedade em que haja a efetiva possibilidade de obter com autonomia, pelas próprias capacidades, com cooperação e solidariedade, a reprodução e o desenvolvimento da vida”.
        
A saúde é, como o trabalho, uma das condições essenciais da vida humana digna. A OMS define a saúde como “um estado completo de bem-estar físico, mental e social, e não somente ausência de afecções e enfermidades”. Trata-se de valor previsto como direito fundamental social nos arts. 6º e 196 da Constituição Federal, além de constituir dever do Estado, que implementará políticas públicas com o fim de proteger e promover a saúde.  A proteção contempla a prevenção de riscos, medida prevista no art. 198, II, da Constituição Federal(7) como prioritária e cuja relevância é ressaltada por Arthur Bragança de Vasconcellos Weintraub(8):

“Como diria São Jerônimo, sancta simplicitas: é melhor prevenir do que remediar. E remediar faz mais sentido quando se trata de saúde. Previnam-se as doenças, mantendo-se o atendimento para os já enfermos. Tal prevenção envolve um conceito amplo de saúde, associado com o equilíbrio físico, o psicológico e o social (…). Essas diretrizes (as do art. 200 da CF/88) confirmam o alcance de um conceito amplo de saúde, associado com o equilíbrio físico, o psicológico e o social. O meio ambiente do trabalho e a saúde do trabalhador, v.g., são interesses difusos, pois causam impacto social.”

O debate sobre a colisão dos valores fundamentais chegou ao STF, que, no Recurso Extraordinário 788.092/SC, reconheceu a repercussão geral do tema, em face do envolvimento de preceitos constitucionais e do alcance de inúmeras relações jurídicas:

“DIREITO PREVIDENCIÁRIO E CONSTITUCIONAL. CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 57, § 8º, DA LEI Nº 8.213/91. DISCUSSÃO ACERCA DA POSSIBILIDADE DE PERCEPÇÃO DO BENEFÍCIO DA APOSENTADORIA ESPECIAL INDEPENDENTEMENTE DO AFASTAMENTO DO BENEFICIÁRIO DAS ATIVIDADES LABORAIS NOCIVAS À SAÚDE. MATÉRIA PASSÍVEL DE REPETIÇÃO EM INÚMEROS PROCESSOS, COM REPERCUSSÃO NA ESFERA DE INTERESSE DE BENEFICIÁRIOS DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. PRESENÇA DE REPERCUSSÃO GERAL.” (RE 788092 – rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 27.03.2014)

Não é possível obter uma solução para o problema apenas com a análise das normas em abstrato e de forma isolada do caso concreto. Há necessidade de um raciocínio que  leve à melhor resposta sobre qual valor deve prevalecer e qual deve ceder, atividade que desafia o exame dos interesses em jogo, das circunstâncias do caso e das alternativas possíveis.

A busca de uma solução convincente exige, então, a ponderação de bens, a partir das informações obtidas do caso específico e com suporte argumentativo que leve ao melhor juízo para a questão, sabendo-se que não há, de antemão, a prevalência de algum princípio sobre outro, mesmo porque ambos têm assento constitucional e se situam, assim, no mesmo nível hierárquico, sem que exista, “no sistema constitucional brasileiro, espaço para o reconhecimento de prioridades absolutas entre normas constitucionais”.(9)

Dessa maneira, e com os olhos voltados para o problema a ser resolvido, é preciso pesquisar uma solução para a colisão que harmonize os valores ali refletidos, de maneira a promover, se e na medida do possível, a mais acentuada concretização de todos eles. Nas palavras de George Marmelstein(10):

“Esse fenômeno – a colisão de direitos fundamentais – decorre da natureza principiológica dos direitos fundamentais, que são enunciados quase sempre por meio de princípios. Como se sabe, os princípios, ao contrário das regras, em vez de emitirem comandos definitivos, na base do ‘tudo ou nada’, estabelecem diversas obrigações (dever de respeito, proteção e promoção) que são cumpridas em diferentes graus. Logo, não são absolutos, pois o seu grau de aplicabilidade dependerá das possibilidades fáticas e jurídicas que se oferecem concretamente, conforme assinalou o jurista alemão Robert Alexy.
O que se deve buscar é a máxima otimização da norma. O agente concretizador deve efetivá-la até onde for possível atingir ao máximo a vontade constitucional sem sacrificar os outros direitos igualmente protegidos.
(…) Serão as peculiares circunstâncias de cada caso que fornecerão as bases argumentativas para descobrir qual direito fundamental é, naquele caso concreto, mais importante do que o outro, mediante um exercício de ponderação.”

Fixada a necessidade da ponderação, passa-se, antes de mais nada, a especular a finalidade do benefício de aposentadoria especial, informação que importa para se saber se a restrição imposta pelo art. 57, § 8º, da Lei 8.213/91 é justificável e adequada para alcançar o objetivo a que se propõe.

2 Finalidade da aposentadoria especial

A aposentadoria especial surgiu com a Lei 3.807/60 (Lops) e, desde então, vem sofrendo significativas transformações. No início, constituía benefício devido a quem, de forma presumida (pelo mero exercício de determinada profissão) ou comprovada (por qualquer meio probatório), laborava em situação de periculosidade, insalubridade ou penosidade, conforme a conceituação do direito do trabalho. Hoje, a aposentadoria especial tem assento constitucional. A hipótese, como já se referiu, é prevista no art. 201, § 1º, da Constituição Federal, que permite a adoção de critérios diferenciados de aposentadoria para o trabalhador que exerça suas atividades sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física.

Não se deve pensar a aposentadoria especial como um benefício de natureza indenizatória, cujo objetivo precípuo seja compensar o trabalhador pelos danos sofridos durante sua vida laboral. Isso porque sua concessão independe da existência de prejuízos, estando atrelada, isto sim, à comprovação da existência de riscos ocupacionais, ainda que não venham a se concretizar e, assim, causar impacto na saúde do segurado. Cuida-se essencialmente de um benefício de caráter protetivo, que busca estimular o trabalhador a deixar, antes do tempo estipulado para a generalidade dos segurados, a atividade considerada prejudicial à saúde ou à integridade física, prevenindo a ocorrência de maiores efeitos deletérios.

É claro que o desejável seria que todo ambiente laboral fosse salubre e seguro, de modo a não constituir ameaça à saúde ou à integridade física do trabalhador, o que por certo tornaria dispensável a previsão da aposentadoria especial. Isso (ainda) não acontece, situação que, além de tornar necessária a existência de uma regra de exceção que contemple a aposentadoria mais precoce, faz da segurança do trabalho um objetivo a ser incessantemente perseguido, mediante adoção e implementação de políticas públicas que venham a diminuir cada vez mais os riscos à saúde do homem. É uma expectativa compartilhada na doutrina(11):

“Hoje, a segurança e a medicina do trabalho, como meios de proteção do homem no trabalho, na garupa do intervencionismo estatal, penetram cada vez mais nas cidadelas do direito da propriedade e da liberdade de trabalho, para exigir maior respeito, maior cuidado com a saúde daqueles que movimentam as máquinas e dão vida às nossas empresas.
(…) Pouco a pouco, o Estado moderno reforça as defesas do essencial à dignidade da pessoa humana, não porque os princípios desta ou daquela ideologia lhe inspirem a ação, mas porque no mundo moderno surgiram forças assaz poderosas que precisam ser contidas para que o homem não seja o meio para isto ou para aquilo. Aqui, recordamos as palavras de Inácio de Loyola: ‘Todas as coisas da terra foram criadas para o homem, a fim de o ajudar a atingir a finalidade para que foi criado’ (Exercises spirituels).
Estamos na crença de que, em futuro próximo, todas as nações do globo ordenarão sua economia de conformidade com o que se inscreve no art. 41 da Constituição italiana: ‘Não se admite o desenvolvimento da economia privada à custa da saúde do trabalhador’.
Alimentamos a esperança de que, em breve, qualquer pessoa considerará fato normal a proibição de determinadas atividades fabris, porque se sabe serem elas nocivas à saúde dos trabalhadores.”

Enquanto a expectativa não se torna realidade, apesar de todos os avanços da ciência e da tecnologia, e o trabalho ainda pode constituir, na sociedade contemporânea, ameaça à saúde e à integridade física do homem, é necessária a existência de instituto como o da aposentadoria especial, que servirá como um estímulo à saída precoce do trabalhador do ambiente ocupacional deletério, de modo a preservar sua saúde.

Sabe-se que a norma jurídica traduz um modelo de conduta e, nesse passo, veicula um padrão de orientação de como as pessoas devem agir. Sabe-se, também, e isto é uma máxima em economia, que as pessoas respondem a incentivos.(12) Assim sendo, é uma boa estratégia a lei prever medidas concretas para fomentar a proteção de direitos fundamentais. É o que acontece no caso em análise. Ao estabelecer o direito daquele que trabalhe em condições prejudiciais à saúde ou à integridade física à aposentadoria com tempo reduzido de contribuição, a lei encoraja o segurado a fazer a escolha que se entende mais apropriada, ou seja, a de preservar sua saúde, retirando-se do ambiente nocivo. É uma técnica de incentivo, como tantas outras que são arquitetadas pelo Estado para alcançar fins legítimos, como mostram Cass Sunstein e Richard Thaler(13):

“As autoridades públicas podem, não menos que as autoridades do setor privado, encaminhar as pessoas em direções que tornarão sua vida melhor e, ao mesmo tempo, insistir que a escolha final é dos indivíduos, e não do Estado. A complexidade da vida moderna e o ritmo surpreendente das mudanças tecnológicas e globais erodem os argumentos a favor de regras rígidas ou do laissez-faire dogmático. Os novos desdobramentos devem fortalecer, a um só tempo, o compromisso com os princípios da liberdade de escolha e o argumento a favor da moderada orientação de escolhas.”
        
Por tais razões, conclui-se que o fim último da aposentadoria especial é a proteção da saúde do trabalhador, estimulado a deixar o ambiente de trabalho de risco antes dos demais. Trata-se de concepção encontrada na doutrina(14):

"À vista do seu perfil constitucional, pode-se afirmar que hoje a aposentadoria especial pode ser tida como técnica legislativa diferenciada de proteção à saúde e à integridade física do segurado. O benefício, no entanto, não exige efetiva afetação da capacidade laborativa e, por isso, não pode ser tomado como reparação financeira por conta das condições especiais de trabalho. Tampouco se prontifica a evitar que a exposição aos agentes nocivos ao longo da vida laboral cause qualquer prejuízo ao segurado, na medida em que o risco é ínsito ao exercício de qualquer trabalho. Quer parecer, pois, que a aposentadoria especial objetiva tão só estabelecer a proporção entre a perda da capacidade laborativa decorrente do exercício de labor em condições normais e aquela havida sob condições ditas ‘especiais’, o que exigirá, por consequência, tempo de labor inferior.”

A partir da compreensão da finalidade do benefício de aposentadoria especial, segue-se para a análise da compatibilidade da regra do art. 57, § 8º, da Lei 8.213/91 com as normas constitucionais, em especial aquelas que consagram os valores da liberdade de trabalho e da proteção à saúde. Passa-se, assim, para a ponderação de bens, por intermédio do teste da proporcionalidade.

3 Teste da proporcionalidade

O direito é formado por uma pluralidade de princípios, que se interconectam e, não poucas vezes, colidem. Quanto isso acontece, é preciso alcançar uma solução, por meio da ponderação entre os diferentes princípios afetados e a partir das circunstâncias fáticas e jurídicas do caso concreto. É um processo intelectual que se dá mediante a adoção da regra da proporcionalidade,(15) que descarta uma ponderação precipitada e abstrata e se concentra na análise do caso concreto. Esse caminho exige que se pesquise, dentre as alternativas, a solução mais satisfatória em face de determinada situação real, e não da perspectiva estritamente lógico-abstrata.

Virgílio Afonso da Silva(16) afirma que um princípio, como um mandamento de otimização que é, “expressa uma tendência expansiva”, ou seja, “é, prima facie, ilimitado”. É uma noção de princípio como uma norma que exige que algo seja realizado na maior medida do possível, em face de uma determinada situação. Como não existem direitos absolutos, a concretização de um princípio pode sofrer restrição por outros princípios colidentes. E aí está a distinção entre o direito prima facie e o direito definitivo, este último a ser delimitado no caso concreto, e não aprioristicamente.

É importante atentar para o que se entende aqui por caso concreto, que pode passar longe da acepção comum de um conflito ocorrente em uma situação real e específica, como adverte Afonso da Silva(17):

“Em face de algumas incompreensões, é importante esclarecer o que significa caso concreto. A expressão ‘caso concreto’ pode significar duas coisas distintas: (1) caso concreto pode significar, na forma como pode ser compreendida  também em sua acepção não técnica, a decisão de um caso específico por parte do Judiciário (o exemplo mais usual é a colisão entre a liberdade de imprensa e o direito à privacidade, à honra ou à imagem); (2) mas caso concreto pode também significar algo menos concreto ou, pelo menos, mais distante daquilo que usualmente se costuma entender por isso, já que aponta, nessa segunda acepção, a uma decisão do legislador acerca da colisão entre direitos fundamentais. Uma tal decisão legislativa, se, por um lado, é mais abstrata que uma decisão judicial, não deixa de ter também sua dimensão concreta, já que o legislador não se preocupa, nesses casos, com a importância geral e abstrata de dois direitos fundamentais, mas com sua importância relativa, em uma situação hipotética. Exemplo dessa acepção seria, entre outros, a atividade legislativa que cria um tipo penal de calúnia (CP, art. 138). O ‘concreto’, nesse ponto, não é um caso específico que acontece na realidade, mas a situação hipotética, descrita e ‘resolvida’ pelo legislador em um certo sentido – a favor da honra, em detrimento da liberdade de expressão –, que pressupõe uma decisão acerca de um direito e de suas restrições.”

Como dito, o art. 57, § 8º, da Lei 8.213/91 prevê que a aposentadoria especial somente possa ser usufruída por aqueles que se afastem da atividade nociva à saúde ou à integridade física. A lei afeta a liberdade de trabalho e acaba, então, por vedar uma conduta permitida prima facie por um direito fundamental. Há o que se chama de “restrição por meio de regras”.(18) 

Entretanto, a liberdade de trabalho, como todo princípio, apresenta aptidão para ser sopesada. E, na expressão de Virgílio da Silva,(19) “o sopesamento é exatamente aquilo que liga – e fundamenta – o caráter inicial e prima facie de cada princípio com o dever-ser definitivo nos casos concretos”.

No caso em estudo, uma restrição a um direito fundamental foi levada a cabo por meio de uma regra veiculada na legislação infraconstitucional, regra essa que consubstancia o resultado de um processo de sopesamento entre princípios efetuado pelo próprio legislador,(20) que atribuiu peso maior ao direito à saúde ao exigir que o trabalhador que escolheu receber aposentadoria especial deixasse o trabalho de risco.

Resta, agora, investigar se a medida adotada pela lei justifica a restrição ao direito fundamental atingido, ou seja, se passa no teste da proporcionalidade, que será feito sob uma tripla dimensão, de larga aceitação na doutrina. Trata-se de uma formulação de três etapas subsidiárias,(21) em que serão analisadas a adequação, a necessidade e a relação custo-benefício da medida (proporcionalidade em sentido estrito), nessa ordem.

As fases sucessivas da técnica tripartida são postas de forma clara por Walter Claudius Rothenburg(22):

“Os momentos da proporcionalidade variam em número e sequência, segundo entendimentos ligeiramente divergentes. A formulação mais conhecida apresenta três momentos sucessivos:
1º) Adequação (idoneidade, conformidade) – a capacidade de proporcionar, ou pelo menos contribuir para, o objetivo pretendido. Não se exige aptidão para alcançar efetivamente os objetivos previstos (idoneidade essa que uma prognose dificilmente consegue assegurar com certeza), bastando a possibilidade de promover ou fomentar o objetivo, ou seja, a provável idoneidade da restrição para proporcionar a finalidade almejada. (…)
2º) Necessidade (exigibilidade, indispensabilidade, menor ingerência possível, intervenção mínima) – o meio utilizado deve trazer o menor sacrifício possível para se alcançar com semelhante eficácia o objetivo pretendido. Perceba-se que a averiguação da necessidade do meio em relação ao fim é complexa, pois reclama o exame concomitante de dois aspectos: a menor restrição ao direito e a maior eficácia de resultado. (…)
3º) Proporcionalidade em sentido estritodeve ser razoável, proporcionada, a restrição imposta, em relação ao objetivo pretendido, exigindo-se ‘um sopesamento entre a intensidade da restrição ao direito fundamental atingido e a importância da realização do direito fundamental que com ele colide e que fundamenta a adoção da medida restritiva’, sopesamento que ‘busca atingir um grau ótimo de realização para todos’ (LUÍS VIRGÍLIO AFONSO DA SILVA); trata-se do 'princípio da justa medida' (WILSON ANTÔNIO STEINMETZ), que visa ao ‘equilíbrio da intervenção estatal em determinado direito fundamental’ (ANDRÉ DE CARVALHO RAMOS).”

Esclarecidos os parâmetros da técnica utilizada, passa-se ao exame da proporcionalidade da regra que contém restrição a um valor constitucional, segundo as três etapas subsidiárias.

O primeiro passo é avaliar se o meio escolhido é adequado para fomentar a finalidade perseguida. A resposta é afirmativa. A concessão de aposentadoria especial, de forma precoce, com a exigência de que o segurado se afaste do ambiente ocupacional insalubre (esse é o meio, que restringe a liberdade de trabalho), tem aptidão para alcançar o fim de proteger a saúde do trabalhador (esse é o fim). Sim, porque o abandono do exercício de atividade especial prevenirá a ocorrência de danos à saúde daquele que escolheu aderir ao incentivo legal e se aposentou de forma mais precoce que a regra.

O segundo passo é investigar se a medida é a menos gravosa entre as alternativas existentes para promover o direito fundamental à saúde. A resposta, mais uma vez, é positiva. Se se considerou que o segurado trabalhava em condições especiais, prejudiciais à saúde e à integridade física, é porque, no meio ambiente de trabalho, havia agentes nocivos e, em contrapartida, não existia tecnologia de proteção, seja individual, seja coletiva, eficaz. Nesse cenário, não se evidencia outro meio que não o afastamento do ambiente laboral insalubre para proteger a saúde do trabalhador. Logo, a concessão de aposentadoria especial como forma de encorajar o segurado a deixar prematuramente o ambiente de trabalho de risco é uma medida indispensável para concretizar o direito à saúde.

O terceiro passo é efetuar o sopesamento e analisar se a concretização da medida trará mais benefícios que prejuízos. O exame demonstra que sim, o proveito compensa o custo. A restrição na liberdade de trabalho é mínima. Primeiro, porque se trata de uma escolha pessoal e voluntária. Ninguém está obrigado a requerer a aposentadoria especial, de modo que a autonomia de vontade é preservada. Porém, se o segurado escolher aderir ao incentivo e se aposentar prematuramente, deve abandonar a atividade prejudicial à saúde.(23) Segundo, porque a ingerência na esfera da liberdade de trabalho é ínfima, na medida em que o aposentado poderá trabalhar em qualquer ocupação lícita, exceto aquele ofício que vinha exercendo em condições insalubres. E ainda se deve levar em conta o fato de que a remuneração advinda do trabalho será substituída pela prestação do benefício, que, além de ser concedido com tempo reduzido de contribuição, é calculado em termos mais vantajosos, porque está fora do campo de incidência do fator previdenciário.(24) Por tais razões, tem-se que a restrição à liberdade de trabalho é suportável frente ao proveito obtido com a medida, que protege e incrementa a qualidade de saúde e de vida do trabalhador. Em suma, as vantagens do fim têm peso suficiente para compensar as desvantagens do meio.

Logo, a regra restritiva do art. 57, § 8º, da Lei 8.213/91 passa no teste de proporcionalidade, razão pela qual se pode afirmar sua constitucionalidade.

Como dito anteriormente, a matéria está em julgamento no RE 788.092/SC, no qual o STF reconheceu a repercussão geral da questão constitucional que envolve a restrição da liberdade de trabalho em favor da proteção à saúde. A Procuradoria-Geral da República já se manifestou na causa e opinou pela constitucionalidade da medida restritiva, resultado a que chegou mediante o exame de proporcionalidade em suas três etapas sucessivas:

“Já que a regra em apreço põe em rota de colisão direitos de envergadura constitucional – de um lado, a liberdade de ofício, emprego ou profissão, e, de outro, o direito fundamental à saúde em geral e todo o sistema constitucional de proteção ao trabalhador em particular –, a verificação da validade dessa medida restritiva passa pela análise de sua compatibilidade em face do princípio da proporcionalidade (ou do devido processo legal substantivo) em suas três submáximas: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.
Sob o prisma da adequação, nota-se que a regra que impede a percepção do benefício da aposentadoria especial pelos segurados que permaneçam em contato com os agentes nocivos à sua saúde se mostra apta a cumprir a finalidade a que se propõe – a proteção da saúde do trabalhador –, na medida em que consiste em incentivo a que o aposentado se mantenha afastado das condições especialmente nocivas de trabalho que ensejaram sua aposentação precoce.
No tocante à necessidade da medida, observa-se que a norma em questão não é dotada de nenhum reprovável excesso. Com efeito, extrai-se do texto legal reputado inconstitucional pelo tribunal a quo que o exercício da atividade nociva à saúde do trabalhador não é sequer vedado pela Lei de Benefícios, que apenas impede a simultaneidade entre a realização de afazeres laborais nas condições que provocaram a aposentadoria especial e a percepção do benefício.
Quanto à proporcionalidade em sentido estrito, constata-se que a medida em apreço promove restrição de pequena monta no âmbito da liberdade de profissão. Isso porque, não obstante condicione a percepção do benefício à cessação dos afazeres laborais nocivos, permite ao trabalhador o exercício de todas as atividades que não ensejem especial prejuízo à sua saúde e à sobrevida do segurado ao incentivá-lo a deixar aquele ambiente de trabalho especialmente prejudicial à sua higidez física e mental.
Logo, a ligeira restrição que a regra inscrita no art. 57, § 8º, da Lei 8.213/91 causa no âmbito do direito fundamental à liberdade de profissão, por consistir em medida proporcional de defesa ao direito fundamental à saúde, não tem o condão de eivar de inconstitucionalidade esse dispositivo legal.”

A adesão do segurado ao incentivo legal trazido pela aposentadoria especial autoriza, portanto, que se lhe exija o afastamento do trabalho que ensejou a concessão do benefício. O pequeno sacrifício havido na liberdade individual de trabalho do aposentado é suportado pelo peso robusto da prevenção de danos à sua saúde. Porque a regra passa pelo exame da proporcionalidade e traz, ao fim e ao cabo, mais benefícios que prejuízos, mostra-se compatível com a Constituição.

Conclusão

A partir da ideia de princípio como mandamento de otimização, ou seja, como norma que exige que algo se realize na maior medida possível, é natural esperar a colisão entre princípios. Quando isso ocorre, deve-se buscar a melhor solução dentre as alternativas que se apresentam, o que se faz pelo sopesamento, medida sempre possível, dado que os princípios não são absolutos.

O sopesamento é um processo intelectual que não acontece precipitada e aprioristicamente, mas sempre em face das peculiaridades do caso que se apresenta, pelas etapas do teste de proporcionalidade, que revelará se a restrição havida a determinado princípio é adequada, necessária e razoável.

A restrição à liberdade de trabalho veiculada pelo art. 57, § 8º, da Lei 8.213/91 é justificada porque protege a saúde do trabalhador. A lei busca, por intermédio da aposentadoria precoce, estimular o obreiro a se afastar do ambiente de trabalho que coloca em risco sua saúde ou integridade física. A medida é adequada e necessária para fomentar a proteção da saúde, finalidade que não seria alcançada com igual eficácia por  outro meio que não o afastamento do segurado do exercício da atividade especial.  Por outro lado, o benefício com a promoção da saúde é maior do que o custo trazido à liberdade de trabalho, sempre garantida, já que o trabalhador não é obrigado a se aposentar precocemente. Assim, a restrição passa pelas fases do juízo de proporcionalidade, o que leva à conclusão de que é compatível com a Constituição Federal.

Referências bibliográficas

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Notas

1.  “Art. 57. A aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta lei, ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a lei.
§ 1º A aposentadoria especial, observado o disposto no art. 33 desta lei, consistirá numa renda mensal equivalente a 100% (cem por cento) do salário de benefício.
§ 2º A data de início do benefício será fixada da mesma forma que a da aposentadoria por idade, conforme o disposto no art. 49.
§ 3º A concessão da aposentadoria especial dependerá da comprovação, pelo segurado, perante o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, do tempo de trabalho permanente, não ocasional nem intermitente, em condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante o período mínimo fixado.
§ 4º O segurado deverá comprovar, além do tempo de trabalho, exposição aos agentes nocivos químicos, físicos, biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, pelo período equivalente ao exigido para a concessão do benefício.
§ 5º O tempo de trabalho exigido sob condições especiais que sejam ou venham a ser consideradas prejudiciais à saúde ou à integridade física será somado, após a respectiva conversão, ao tempo de trabalho exercido em atividade comum, segundo critérios estabelecidos pelo Ministério da Previdência e Assistência Social, para efeito de concessão de qualquer benefício.
§ 6º O benefício previsto neste artigo será financiado com os recursos provenientes da contribuição de que trata o inciso II do art. 22 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, cujas alíquotas serão acrescidas de doze, nove ou seis pontos percentuais, conforme a atividade exercida pelo segurado a serviço da empresa permita a concessão de aposentadoria especial após quinze, vinte ou vinte e cinco anos de contribuição, respectivamente.
§ 7º O acréscimo de que trata o parágrafo anterior incide exclusivamente sobre a remuneração do segurado sujeito às condições especiais referidas no caput.
§ 8º Aplica-se o disposto no art. 46 ao segurado aposentado nos termos deste artigo que continuar no exercício de atividade ou operação que o sujeite aos agentes nocivos constantes da relação referida no art. 58 desta lei.”

2.  O art. 201, § 1º, da Constituição Federal tem a seguinte redação: “é vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos beneficiários do regime geral de previdência social, ressalvados os casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física e quando se tratar de segurados portadores de deficiência, nos termos definidos em lei complementar”.

3. O art. 57, § 8º, faz alusão ao art. 46 da Lei 8.213/91, que dispõe: “o aposentado por invalidez que retornar voluntariamente à atividade terá sua aposentadoria automaticamente cancelada, a partir da data de retorno”.

4. FERREIRA, Flavia Malavazzi. A aposentadoria especial e o retorno do aposentado ao trabalho. Conteúdo Jurídico, Brasília, 22 dez. 2014. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.51644 &sep=1>.  Acesso em: 22 out. 2015.

5. Como adverte George Marmelstein, referindo-se à cláusula de abertura, ou de expansão, prevista constitucionalmente, “se não bastasse a existência de um elenco tão extenso, o constituinte brasileiro adotou um rol não exaustivo (ou seja, aberto) de direitos fundamentais. De fato, por força do art. 1º, inc. III, somado com o art. 5º, § 2º, da Constituição de 88, podem-se encontrar direitos fundamentais fora do Título II e até mesmo fora da Constituição” (MARMELSTEIN, George. Curso de direitos fundamentais. São Paulo: Atlas, 2008. p. 23).

6. WANDELLI, Leonardo Vieira. O direito fundamental ao trabalho na ordem jurídica brasileira. In: CLÈVE, Clèmerson Merlin (coord.) Direito constitucional brasileiro. v. 1, Teoria da Constituição e direitos fundamentais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 1018.

7. O art. 198, II, da CF/88 estabelece que as ações e os serviços públicos de saúde constituem um sistema único que tem por uma das diretrizes o “atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais”.

8. WEINTRAUB, Arthur Bragança de Vasconcellos. Direito à saúde no Brasil e princípios da seguridade social. Revista de Direito Social, 20:58, 2005. Apud BARROSO, Luís Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde, fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial. Revista Jurídica Unijus, Uberaba-MG, v. 1, n. 1, 1998. p. 29.

9. SOUZA NETO, Claudio Pereira de; SARMENTO, Daniel. Direito constitucional: teoria, história e métodos de trabalho. Belo Horizonte: Fórum, 2012. p. 505.

10. MARMELSTEIN, George. Curso de direitos fundamentais. São Paulo: Atlas, 2008. p. 63.

11. SAAD, Eduardo Gabriel. Consolidação das Leis do Trabalho: comentada. 42. ed. São Paulo: LTr, 2009. p. 249.

12. Porque toda escolha implica uma perda, as pessoas na média comportam-se de forma a ponderar os custos e os benefícios das possibilidades que se apresentam e, se há incentivos para que adotem determinada conduta, reagem a tais estímulos, como explica Ivo Gico Jr.: “como escolhas devem ser realizadas, os agentes econômicos agem normalmente como se ponderassem os custos e os benefícios de cada alternativa, adotando a conduta que, dadas as suas condições e circunstâncias, traz-lhes mais bem-estar. Dizemos, então, que a conduta dos agentes econômicos é racional maximizadora. (…) A grande implicação desse postulado para a juseconomia é que, se os agentes econômicos ponderam custos e benefícios na hora de decidir, então, uma alteração em sua estrutura de incentivos poderá levá-los a adotar outra conduta, a realizar outra escolha. Em resumo, pessoas respondem a incentivos” (GICO JR., Ivo. Introdução ao direito e economia. Direito e economia no Brasil. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 20). In: TIMM, Luciano Benetti (org.)

13. THALER, Richard; SUNSTEIN, Cass R. Nudge: o empurrão para a escolha certa: aprimore suas decisões sobre saúde, riqueza e felicidade. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. p. 276.

14. WEBER, Aline Machado. Aposentadoria especial: perfil constitucional. Revista Jus Navigandi, Teresina, a. 18, n. 3834, 30 dez. 2013. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/26235>. Acesso em: 19 out. 2015.

15.  Apesar da existência de divergências sobre a terminologia da exigência da proporcionalidade (princípio, regra, postulado, máxima, critério), bem como da sua justificativa no cenário nacional, há, como nota Daniel Sarmento, “um razoável consenso sobre a aplicabilidade da proporcionalidade no ordenamento brasileiro”. Ensina Sarmento que “a proporcionalidade originou-se no Direito Administrativo alemão (prussiano) do século XIX, sendo empregada inicialmente para controle do exercício do poder de polícia. Após a II Guerra Mundial, no cenário de crise do legalismo jurídico que então se instaurou, o princípio foi transplantado, na Alemanha, do campo administrativo para o constitucional, onde passou a ser utilizado também para o controle da constitucionalidade dos atos legislativos, sobretudo dos que importam restrições a direitos fundamentais. Com o passar do tempo, a jurisprudência constitucional germânica foi consolidando três parâmetros – ou subprincípios – que estruturam a aplicação do princípio da proporcionalidade: a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito, que serão adiante examinadas. A experiência germânica no uso do princípio exerceu grande influência no mundo todo, e a proporcionalidade foi sendo paulatinamente incorporada à jurisprudência constitucional de inúmeros outros países, e até mesmo de órgãos jurisdicionais supranacionais, como a Corte Europeia de Direitos Humanos, o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias e a Organização Mundial do Comércio”. No Brasil, prossegue o autor, “o desenvolvimento do princípio da proporcionalidade vem ocorrendo após o advento da Constituição de 88, sob forte influência da teoria constitucional germânica. É até possível encontrar, antes da Carta de 88, decisões judiciais que invalidaram medidas restritivas de direitos tidas como excessivas. Porém, essas decisões, além de raras, não invocavam o princípio da proporcionalidade, nem se pautavam por critérios bem definidos, iguais ou similares àqueles relacionados ao princípio da proporcionalidade. Até porque o regime político autoritário então vigente não se afeiçoava ao ideário garantista subjacente ao princípio da proporcionalidade. Sob a égide da Constituição de 88, o STF passou a aludir à proporcionalidade no exercício do controle de constitucionalidade com frequência cada vez maior. Inicialmente, a Corte não se valia dos subprincípios acima referidos, limitando-se a destacar o caráter arbitrário ou desarrazoado do ato normativo invalidado. Mas, ao longo da última década, a proporcionalidade tem sido empregada de forma mais analítica, o que tende a ampliar a previsibilidade da atuação do Judiciário no uso desse princípio” (SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel. Direito constitucional: teoria, história e métodos de trabalho. Belo Horizonte: Fórum, 2012. p. 469).

16.  AFONSO DA SILVA, Virgílio. Direitos fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 140.

17. Idem.

18.  Como esclarece Afonso da Silva, em uma hipótese assim, “a regra impõe uma restrição à liberdade, não colide com ela; a colisão ocorre, antes, entre os princípios mencionados, cuja solução se expressa na regra”. Ibidem, p. 142.

19. Ibidem, p. 165.

20. Ibidem, p. 142.

21. Virgílio Afonso da Silva explica a exigência do desenvolvimento do raciocínio, de forma lógica, em suas três fases ordenadas: “a regra da proporcionalidade no controle das leis restritivas de direitos fundamentais surgiu por desenvolvimento jurisprudencial do Tribunal Constitucional alemão e não é uma simples pauta que, vagamente, sugere que os atos estatais devem ser razoáveis, nem uma simples análise da relação meio-fim. Na forma desenvolvida pela jurisprudência constitucional alemã, tem ela uma estrutura racionalmente definida, com subelementos independentes – a análise da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito –, que são aplicados em uma ordem pré-definida e conferem à regra da proporcionalidade a individualidade que a diferencia, claramente, da mera exigência da razoabilidade” (AFONSO DA SILVA, Virgílio. O proporcional e o razoável. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 798, p. 23-50, 2002).

22. ROTHENBURG, Walter Claudius. O tempero da proporcionalidade no caldo dos direitos fundamentais. In: OLIVEIRA NETO, Olavo de; LOPES, Maria Elizabeth de Castro (coord.) Princípios processuais civis na Constituição. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008. p. 283-319.

23. Como afirma Ivo Gico Jr., “toda escolha pressupõe um custo, um trade off, que é exatamente a segunda alocação factível mais interessante para o recurso, mas que foi preterida. A esse custo chamamos custo de oportunidade. Assim, por exemplo, se decidimos comprar caças para fortalecer nossa Aeronáutica, abdicamos de outra alocação que esses recursos poderiam ter (e.g., construir escolas). Se você opta por ler este capítulo, deixa de realizar outras atividades, como estar com seus filhos, passear com sua namorada ou assistir à televisão. A utilidade que cada um gozaria com uma dessas atividades é o seu custo de oportunidade, i.e., o preço implícito ou explícito que se paga pelo bem. Note que dizer que algo tem um custo não implica afirmar que tem valor pecuniário. Agora você sabe que há muita sabedoria no dito popular 'tudo na vida tem um preço', basta olhar para o lado” (GICO JR., Ivo. Introdução ao direito e economia. In: TIMM, Luciano Benetti (org.). Direito e economia no Brasil. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 19-20).

24. O fator previdenciário foi instituído pela Lei 9.876/99 com o intuito de desestimular aposentadorias precoces e é, conforme o art. 29, § 7º, da Lei 8.213/91, resultado de uma fórmula que leva em conta a idade, a expectativa de sobrevida e o tempo de contribuição do segurado, ao se aposentar, e que, no mais das vezes, impacta negativamente o valor da renda mensal inicial do benefício. O art. 29, I, da Lei 8.213/91 exclui a aposentadoria especial do campo de incidência do fator previdenciário.



Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023:2002/ABNT):
. . Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n., out. 2015. Disponível em:
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Acesso em: .


REVISTA DE DOUTRINA DA 4ª REGIÃO
PUBLICAÇÃO DA ESCOLA DA MAGISTRATURA DO TRF DA 4ª REGIÃO - EMAGIS