Em palestra realizada no curso Currículo Permanente – Módulo V – Direito Constitucional 2012, o então Desembargador Federal Néfi Cordeiro teceu interessantes considerações ao abordar a prova ilícita no Direito Constitucional brasileiro.
Apresentou aos participantes seus estudos relativos ao tema, expondo a evolução histórica das abordagens a respeito, notadamente no âmbito do Supremo Tribunal Federal. Realizou importantes comparativos com decisões de tribunais constitucionais de outros países, dando especial enfoque ao tratamento dispensado pela Suprema Corte dos Estados Unidos da América. Trouxe questões atualizadas e passíveis de conhecimento por todos os juízes constitucionais.
Em linhas gerais, o Ministro Néfi Cordeiro demonstrou que o tratamento jurisprudencial dado às provas ilícitas acompanha um movimento oscilatório pendular e é derivado do contexto histórico verificado ao tempo em que se toma a decisão. Tal qual um pêndulo, as concepções legais, doutrinárias e jurisprudenciais variam ao longo dos anos, de modo legítimo, conforme o grau de preocupação da sociedade com a aplicação da Justiça e a proteção dos direitos individuais.
Especialmente no âmbito do processo penal, há uma antiga, mas recorrente discussão em que ora se busca maximizar a eficiência do sistema processual penal, ora se pretende a proteção extrema dos direitos dos acusados.
Na esfera do processo civil, é pouco controvertida a noção de que o procedimento tem um caráter publicístico destacado, não havendo muito dissenso quanto à ideia de que tem por fim a implantação da pacificação social. Nessa conjuntura, não se atribui tanta importância ao interesse exclusivo dos participantes da relação processual, dado que eventual medida serviria primeiro à proteção primordial de interesses privados. Já no âmbito do processo penal, a elevação extrema das salvaguardas de defesa dos acusados pode tornar o procedimento um instrumento precipuamente voltado para assegurar interesses privados, e isso é comumente defendido por parte significativa da doutrina e da jurisprudência, que se atribui o indicativo de garantista dos direitos e das garantias fundamentais. Ocorre que, dependendo do grau de proteção que o ordenamento jurídico oferece aos indivíduos em razão disso, o caráter publicístico do processo ficará em segundo plano.
O equilíbrio necessário entre os rigores e a necessidade de aplicação do direito punitivo estatal, observadas as garantias individuais do cidadão, é a meta a ser alcançada. É preciso que o sistema processual penal seja eficiente sem descurar dos direitos individuais, mesmo porque é inadmissível se apregoar a superelevação sem critérios destes se isso ocorre ao custo da ineficácia da atuação estatal. Se é óbvio que o Estado deve agir em consonância com regras preestabelecidas, observando os referidos direitos dos cidadãos, por outro lado é inegável que também deve cumprir as funções justificadoras até de sua existência.
Excessos dos dois lados são indevidos. A busca pela aplicação eficiente da lei penal não pode ser irrefreada, cabendo mesmo ser contida por garantias que assegurem aos cidadãos a realização de um processo justo. Mas é evidente que de modo algum seria admissível um garantismo exagerado que pudesse configurar um papel de precedência absoluta dos direitos dos acusados em detrimento do interesse estatal na concretização da lei penal.
Uma das frequentes questões derivadas dessa discussão diz respeito ao cerceamento a um dos maiores valores que as sociedades modernas reconhecem ao ser humano, qual seja, a liberdade. A propósito, no curso de um processo penal sempre devem ser feitas ponderações, e é inegável que há casos concretos em que deve ser aceita a restrição à liberdade. Durante o processo, a pergunta é constante: até que ponto a busca pela eficiência deve ser aceita ou em que medida o processo deve ser tratado como algo privado, no exclusivo interesse do acusado?
A solução pelo equilíbrio não deve partir apenas da reforma das leis penais e processuais, mas da reformulação da interpretação em voga.
Com o advento da Constituição Federal de 1988, foi positivada em nosso ordenamento jurídico a regra que diz que “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos” (art. 5º, LVI).
Diante do momento histórico em que foi promulgada a Constituição, seria natural que houvesse à época um realce maior à afirmação irrestrita das garantias individuais, encontrando terreno fértil para a adoção de teorias doutrinárias voltadas a evitar qualquer tipo de abuso por agentes estatais. A regra constitucional expressou o entendimento derivado da recente saída de um longo período em que o regime militar regulou e comandou as atividades jurídico-políticas do país. Naquele cenário, seria esperado um destaque normativo à proteção dos particulares, já que havia pouco se estava diante da vivência de uma época em que eram praticados diversos atos ilegais de violência, repressão e desrespeito aos direitos humanos e às liberdades e garantias individuais.
Estabelecida a previsão de inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos, logo se optou por especificar que a expressão empregada servia para ressaltar o descabimento da prova sob dois planos: material e processual. Assim, com uma espécie de ligação entre esses dois planos, a regra já seria suficiente para impedir a repetição de situação fática comum no antigo regime brasileiro, qual seja, a de que a inexistência de regra expressa de sanção processual para a violação de regra de direito material acabava por tornar possível o conhecimento e a valoração de uma prova ilícita no ambiente processual.
Antes, não havia propriamente uma sanção processual para evitar condutas ilícitas dos agentes estatais e dissuadir o abuso. Os órgãos encarregados da obtenção da prova podiam investigar livremente e, caso verificado algum abuso, corria-se apenas o risco de eventual prova colhida irregularmente ser retirada do processo. Daquele modo, considerando a permanência do restante do conjunto probatório, não parecia desinteressante ao investigador cometer o abuso. Se isso fosse feito sempre e apenas uns poucos casos de irregularidades fossem descobertos, haveria consequências mínimas ao violador.
É certo que a prova ilícita era negada pelo Supremo Tribunal Federal antes mesmo da Constituição de 1988. Porém, funcionava assim: se descoberta a realização de uma confissão em interrogatório sob tortura, por exemplo, não era admitida; mas, se a pessoa torturada declarasse algo que desse ensejo a uma busca domiciliar, esta outra medida era considerada válida e admitida. Vale dizer: as provas consequentes tinham valor.
Com a nova regra escrita, adotou-se uma solução extrema e mais radical: descoberta a ilicitude na colheita da prova, tudo seria anulado, o que decerto teria efeito dissuasório aos investigadores que porventura praticassem abusos.
Em acréscimo, a prova ilícita sequer poderia ser juntada ao processo. Não poderia ser conhecida. Estabeleceu-se uma consequência muito mais forte que o mero decreto de nulidade, pois esta é uma cláusula de valor, diversamente da inadmissibilidade, que é uma cláusula de conhecimento.
Essa concepção acerca das consequências da produção da prova ilícita em um processo penal, com amparo em vasta construção doutrinária e jurisprudencial de países estrangeiros, recebeu do Supremo Tribunal Federal uma pronta acolhida. Com uma ou outra particularidade, o modelo das decisões adotado por nós acabou por repetir o padrão estadunidense de recusa à prova ilícita.
Nos Estados Unidos, inicialmente o tema foi tratado com rigor, sendo reiteradamente afirmada a referida consequência processual derivada da violação de um direito material.
No entanto, em que pese a firme posição da jurisprudência estadunidense reiterada por longo tempo, com o passar dos anos, diversas foram as exceções admitidas pela Suprema Corte à vedação à prova ilícita. No Brasil, nosso tribunal constitucional não copiou a possibilidade de adoção dessas soluções excepcionais.
Lá, a primeira e das mais conhecidas é praticamente uma questão de nexo causal. Foi denominada teoria da fonte independente e é baseada na ideia de que acaba se verificando que uma prova ilícita pode ter origem diversa, seja simultânea, seja mesmo exclusiva, em fundamento lícito. O exemplo maior está em um caso em que a policia já tinha indícios para obter um mandado, mas não o requereu ao juiz; entrou indevidamente no imóvel e constatou que havia droga no local; então se retirou e foi requerer o mandado para o juiz, que o deferiu; os agentes policiais retornaram ao local com o mandado e fizeram as apreensões cabíveis. Na situação, a Suprema Corte entendeu que a fonte do mandado era independente, ou seja, havia duas fontes (uma delas lícita e válida).
Outra exceção é a que ficou conhecida como teoria da descoberta da prova inevitável, apregoada quando, a despeito da ilicitude, sabia-se da existência de uma investigação válida que certamente levaria àquela prova. Um caso hipotético seria o da descoberta de um cadáver após a tortura de alguém, mas com a anterior investigação regular na qual se tem um juízo de certeza de que se chegaria à descoberta do mesmo cadáver.
A terceira exceção é a chamada doutrina da descontaminação ou do nexo causal atenuado. Nesse entendimento, há um largo espaço de tempo entre a ilicitude e a obtenção da prova, ou há a intervenção de fatores independentes e adicionais, ou ainda um grau menor de ilicitude do agente policial faz com que a prova seja purgada. A prova inicialmente era ilícita, mas adveio um fato como um dos três indicados, que foi relevante para tornar a prova não mais irregular. Um exemplo seria o de um preso sem legítimo motivo que indicou o comparsa do crime, que também foi preso em razão da delação; em seguida, este segundo acabou sendo solto e, algumas semanas depois, voltou à polícia e confessou o crime. Embora a segunda prisão tenha sido inicialmente irregular, a soltura e o decurso do tempo purgaram a ilicitude da prova.
Mais uma hipótese de exceção é a limitação da boa-fé. Baseia-se no primeiro fim da prova ilícita, que é exatamente impedir a autoridade policial de praticar abusos. A teoria parte do pressuposto de que, se há evidência de que a autoridade policial está de boa-fé e acredita estar agindo conforme o direito, não há motivo relevante para a prova ser considerada ilícita, pois não existe a função dissuasória da autoridade policial.
Uma quinta exceção localizada na jurisprudência da Suprema Corte diz respeito à expectativa legítima e pessoal da vítima, verificada quando esta não teve a expectativa do direito violado. Suponha-se a hipótese de certa proteção a um direito de alguém. Se esse alguém acha que os agentes estatais estão agindo corretamente e não estão a ofender direito seu, inexiste motivo para se declarar a ilicitude da prova. Nessas condições, a prova é mantida.
Mais uma exceção identificada é a que se adotou em situação em que se apurou que a prova serviu para a destruição do álibi. Cuidou-se de um caso em que o réu mentiu. Para destruir seu álibi, considera-se possível a prova ilícita. Justifica-se uma ilicitude como viável porque voltada a corrigir um erro.
Também já se entendeu pelo cabimento da prova, ainda que ilícita, em caso de encontro casual da prova, ou aproveitamento do excesso. Na primeira, pode-se exemplificar em uma invasão de domicílio (ilícita), na qual são encontradas drogas ou mercadorias de contrabando já no momento final da diligência, ao tempo em que os invasores estão saindo do local em que ingressaram indevidamente. Entendimento similar é aplicável se os agentes estatais estiveram realizando atividades completamente alheias àquelas indevidas.
Por fim, uma oitava exceção a ser citada é a que se refere à colheita da prova ilícita em favor do réu. Nesse caso, trata-se de uma situação que poderia ser tida como semelhante a uma legítima defesa processual. Nos casos de prova ilícita em favor do réu, e até mesmo se colhida pelo próprio acusado, a ilicitude é tida por eliminada em razão de causa de justificação legal da antijuridicidade. Seria um mal tolerado pelo ordenamento.
Com exceção de hipóteses como a deste último exemplo, a jurisprudência brasileira tem sido reticente em aplicar doutrinas que admitem o uso das provas ilícitas em casos pontuais. Em uma explicação mais simplista, pode-se dizer que o Supremo Tribunal Federal manifesta o entendimento de que a Constituição Federal já fez a valoração de princípios: deu mais valor à liberdade do que à verdade. Não importa se a prova é boa para demonstrar dado fato e ensejar a aplicação da Justiça, pois há de prevalecer a dicção constitucional no sentido de que há vedação absoluta à prova.
Nesse sentido:
"A ação persecutória do Estado, qualquer que seja a instância de poder perante a qual se instaure, para revestir-se de legitimidade, não pode apoiar-se em elementos probatórios ilicitamente obtidos, sob pena de ofensa à garantia constitucional do due process of law, que tem, no dogma da inadmissibilidade das provas ilícitas, uma de suas mais expressivas projeções concretizadoras no plano do nosso sistema de direito positivo. A Exclusionary Rule consagrada pela jurisprudência da Suprema Corte dos Estados Unidos da América como limitação ao poder do Estado de produzir prova em sede processual penal. A CR, em norma revestida de conteúdo vedatório (CF, art. 5º, LVI), desautoriza, por incompatível com os postulados que regem uma sociedade fundada em bases democráticas (CF, art. 1º), qualquer prova cuja obtenção, pelo poder público, derive de transgressão a cláusulas de ordem constitucional, repelindo, por isso mesmo, quaisquer elementos probatórios que resultem de violação do direito material (ou, até mesmo, do direito processual), não prevalecendo, em consequência, no ordenamento normativo brasileiro, em matéria de atividade probatória, a fórmula autoritária do male captum, bene retentum. Doutrina. Precedentes (...). Ninguém pode ser investigado, denunciado ou condenado com base, unicamente, em provas ilícitas, quer se trate de ilicitude originária, quer se cuide de ilicitude por derivação. Qualquer novo dado probatório, ainda que produzido, de modo válido, em momento subsequente, não pode apoiar-se, não pode ter fundamento causal nem derivar de prova comprometida pela mácula da ilicitude originária. A exclusão da prova originariamente ilícita – ou daquela afetada pelo vício da ilicitude por derivação – representa um dos meios mais expressivos destinados a conferir efetividade à garantia do due process of law a tornar mais intensa, pelo banimento da prova ilicitamente obtida, a tutela constitucional que preserva os direitos e prerrogativas que assistem a qualquer acusado em sede processual penal. Doutrina. Precedentes. A doutrina da ilicitude por derivação (teoria dos 'frutos da árvore envenenada') repudia, por constitucionalmente inadmissíveis, os meios probatórios que, não obstante produzidos, validamente, em momento ulterior, acham-se afetados, no entanto, pelo vício (gravíssimo) da ilicitude originária, que a eles se transmite, contaminando-os, por efeito de repercussão causal. Hipótese em que os novos dados probatórios somente foram conhecidos, pelo poder público, em razão de anterior transgressão praticada, originariamente, pelos agentes estatais, que desrespeitaram a garantia constitucional da inviolabilidade domiciliar. Revelam-se inadmissíveis, desse modo, em decorrência da ilicitude por derivação, os elementos probatórios a que os órgãos estatais somente tiveram acesso em razão da prova originariamente ilícita, obtida como resultado da transgressão, por agentes públicos, de direitos e garantias constitucionais e legais, cuja eficácia condicionante, no plano do ordenamento positivo brasileiro, traduz significativa limitação de ordem jurídica ao poder do Estado em face dos cidadãos. Se, no entanto, o órgão da persecução penal demonstrar que obteve, legitimamente, novos elementos de informação a partir de uma fonte autônoma de prova – que não guarde qualquer relação de dependência nem decorra da prova originariamente ilícita, com esta não mantendo vinculação causal –, tais dados probatórios revelar-se-ão plenamente admissíveis, porque não contaminados pela mácula da ilicitude originária." (HC 93.050, rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 10.06.2008, Segunda Turma, DJE de 01.08.2008)
Adotando uma posição extremada, porém, o Supremo Tribunal Federal certamente deixou de fazer um necessário balanceamento entre os custos e os benefícios das regras de exclusão probatória.
Ao firmar a validade de teorias radicais que vedam absolutamente a prova ilícita, decide desconsiderando ensinamentos de doutrinas intermediárias que, apesar de proibirem tal prova, sopesam-na com princípios como o da proporcionalidade, dando destaque a outros valores constitucionais, ou o da razoabilidade, na qual se poderiam empregar critérios da adequação e da necessidade da providência no caso concreto.
Nessa linha, também deixa de acolher valorosas lições da jurisprudência alemã, que diferencia a possibilidade de exclusão conforme afete uma das seguintes três esferas de interesse: a da intimidade, que é inviolável sempre; a dos contatos pessoais, que pode ser violada com ordem judicial; e a dos contatos sociais, cuja violação prescinde até de prévia ordem judicial.
Julgados isolados, contudo, parecem indicar que há algum espaço para se dizer que a Constituição Federal não veda toda e qualquer prova ilícita. Aparentemente, a doutrina da fonte independente foi considerada viável pelo Supremo Tribunal Federal, conforme se vê na seguinte ementa:
"A questão da prova ilícita, decorrente da não observância de formalidade na execução de mandado de busca e apreensão, foi debatida e rejeitada pela maioria, prevalecendo o voto divergente no sentido de preservar a denúncia respaldada em prova autônoma, independente da que foi impugnada." (HC 84.679-ED, rel. Min. Eros Grau, julgamento em 30.08.2005, Primeira Turma, DJ de 30.09.2005)
No mesmo sentido: HC 92.467, rel. p/ o ac. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 26.10.2010, Segunda Turma, DJE de 15.02.2011.
De outra parte, mais recentemente foi considerada válida a utilização da prova em conformidade com a teoria da descoberta inevitável, cuja adoção pelo ordenamento jurídico processual foi, pois, tida por constitucional:
"Suposta ilegalidade decorrente do fato de os policiais, após a prisão em flagrante do corréu, terem realizado a análise dos últimos registros telefônicos dos dois aparelhos celulares apreendidos. Não ocorrência. Não se confundem comunicação telefônica e registros telefônicos, que recebem, inclusive, proteção jurídica distinta. Não se pode interpretar a cláusula do art. 5º, XII, da CF, no sentido de proteção aos dados como registro, depósito registral. A proteção constitucional é da comunicação de dados, e não dos dados. Art. 6º do CPP: dever da autoridade policial de proceder à coleta do material comprobatório da prática da infração penal. Ao proceder à pesquisa na agenda eletrônica dos aparelhos devidamente apreendidos, meio material indireto de prova, a autoridade policial, cumprindo o seu mister, buscou, unicamente, colher elementos de informação hábeis a esclarecer a autoria e a materialidade do delito (dessa análise logrou encontrar ligações entre o executor do homicídio e o ora paciente). Verificação que permitiu a orientação inicial da linha investigatória a ser adotada, bem como possibilitou concluir que os aparelhos seriam relevantes para a investigação. À guisa de mera argumentação, mesmo que se pudesse reputar a prova produzida como ilícita e as demais, ilícitas por derivação, nos termos da teoria dos frutos da árvore venenosa (fruit of the poisonous tree), é certo que, ainda assim, melhor sorte não assistiria à defesa. É que, na hipótese, não há que se falar em prova ilícita por derivação. Nos termos da teoria da descoberta inevitável, construída pela Suprema Corte norte-americana no caso Nix x Williams (1984), o curso normal das investigações conduziria a elementos informativos que vinculariam os pacientes ao fato investigado. Bases desse entendimento que parecem ter encontrado guarida no ordenamento jurídico pátrio com o advento da Lei 11.690/2008, que deu nova redação ao art. 157 do CPP, em especial o seu § 2º." (HC 91.867, rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 24.04.2012, Segunda Turma, DJE de 20.09.2012)
Assim, embora o Supremo Tribunal Federal guarde reservas à análise de situações similares com base em princípios como o da proporcionalidade ou o da razoabilidade, de algum modo parece ter a compreensão – ao menos em alguns casos – de que, conforme preconizado pelo Ministro Néfi Cordeiro, qualquer caminho extremado é ruim, seja diante do risco de se cair em uma justiça desacreditada por ineficiente, seja, em sentido diametralmente oposto, pela possibilidade de a abolição de garantias necessárias resultar no risco de abusos dos agentes estatais.
É sabido que o Brasil ingressou em um caminho jurisprudencial aparentemente na contramão do escolhido por outros tribunais. Por exemplo: os Estados Unidos contemplam várias possibilidade de admissão da prova ilícita, como antes relacionados; a Espanha veda a prova ilícita e a que assim é considerada por derivação, mas aceita o princípio da proporcionalidade; a Alemanha utiliza-se de critérios de proporcionalidade e da citada teoria das três esferas; a Argentina admite tal prova em situações excepcionais, mediante a análise de valores fundamentais, bem como acolhendo a regra da fonte independente; os julgados dos tribunais portugueses admitem teorias de admissão da prova conforme o caso concreto; a Corte Europeia de Direitos Humanos adota a proporcionalidade.
Nota-se que se aceita atualmente, em diversos outros países, a incidência de teorias e teses visando à adequação da regra constitucional à realidade social.
No Brasil, conquanto não se note uma tendência do Supremo Tribunal Federal, parece que também é possível imaginar uma revisão da extensão e dos limites da admissão da prova ilícita no âmbito do processo penal, notadamente após a sinalização dada em julgados que, embora isolados, admitiram teorias excludentes da concepção absoluta da inadmissibilidade.
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