Breves apontamentos sobre temas essenciais ao Direito Constitucional norte-americano

Autora: Thais Helena Della Giustina Kliemann

Juíza Federal

publicado em 29.04.2016



Resumo


O presente artigo aborda sinteticamente aspectos relevantes da Constituição norte-americana, com especial destaque para seu histórico, sua interpretação, teoria dos poderes implícitos, modelo de controle de constitucionalidade das leis adotado em contraposição ao modelo europeu e utilização do sistema de precedentes, que assume atual destaque no meio jurídico pátrio por ter servido de inspiração a alguns institutos do novel Código de Processo Civil que passará a viger em março de 2016.*

Palavras-chave: Common Law. Constituição norte-americana. Histórico. Interpretação. Poderes implícitos. Controle de constitucionalidade das leis. Precedentes.

Sumário: Introdução. 1 Constituição norte-americana. 1.1 Breve histórico. 1.2 Interpretação da Constituição norte-americana. 1.3 A teoria dos poderes implícitos (Implied Powers Doctrine). 1.4 Controle de constitucionalidade norte-americano: similitudes e diferenças. 1.5 Precedentes vs. direito legislado. Considerações finais. Referências bibliográficas.                                      

Introdução 

Este estudo tem por desiderato trazer a lume um breve panorama sobre o Direito Constitucional norte-americano, tendo em vista o vindouro Código de Processo Civil brasileiro de 2015 que introduzirá conceitos e sistemáticas utilizadas pelos estadunidenses no meio jurídico brasileiro.

Serão desenvolvidos alguns temas de especial relevância que permeiam o Direito Constitucional norte-americano em perspectiva mais histórica, com exemplificações de casos emblemáticos e estruturais daquele sistema e ponderações.

Também será dedicada atenção ao controle de constitucionalidade norte-americano, que, ainda que guarde algumas similitudes em relação ao utilizado no Brasil, possui inúmeras diferenças que impendem ser pontuadas.

1 Constituição norte-americana

Para os norte-americanos, a Constituição(1) é um documento sagrado, pois estabelece que cada presidente americano, antes de assumir seu posto, precisa solenemente jurar que irá preservá-la, protegê-la e defendê-la:  

“(...) I will (...) to the best of my ability, preserve, protect and defend the Constitution of the United States.”(2)

Ainda que seus artigos tenham sido escritos há mais de 200 anos, a Carta Magna americana apresenta pouquíssimas emendas ao seu conteúdo, diferentemente, por exemplo, do que ocorreu com a Carta brasileira, que possui atualmente 90 emendas, sendo a última  recentemente publicada em 16 de setembro de 2015.

Na Convenção da Filadélfia de 1787, quando elaborada a Constituição norte-americana, os “Framers(3) (constituintes) quiseram resguardar as futuras gerações americanas e providenciaram para que tal se realizasse mediante a adoção de mecanismos de proteção dos direitos fundamentais e princípios básicos de existência e constituição do Estado. Daí surge o grande traço diferencial de tal documento. É uma Constituição com um texto curto e simples, propício à contínua modernização por meio de novas interpretações conferidas pela Suprema Corte. Os constituintes do passado respeitaram a sabedoria do tempo e guardaram espaço para que os futuros americanos utilizassem a Constituição para seus propósitos, resguardando evidentemente os princípios básicos motivadores da Independência em 1776(4) e da constituição histórica do povo e do Estado norte-americano.

O “Preamble”,(5) por exemplo, não é uma mera introdução, mas uma das mais importantes passagens da própria Constituição norte-americana, pois descreve tanto a base do governo como a razão de sua existência:

“Nós, o povo dos Estados Unidos da América, com o intuito de formar uma união mais perfeita, estabelecemos justiça, asseguramos a tranquilidade doméstica, provemos a defesa comum, promovemos a saúde geral, defendemos a bênção da liberdade para nós mesmos e nossa posteridade, para ordenar e estabelecer esta Constituição para os Estados Unidos da América.” (Preamble)(6)

a) A base: A Constituição foi estabelecida para formar uma “união mais perfeita”, delegando certos poderes dos estados para um governo nacional, e toda a sua base está fixada no povo americano. A Constituição é fruto da vontade do povo, sendo criada, ordenada e promovida para o seu benefício.

b) As razões: O povo americano estabeleceu sua Constituição com o objetivo de estabelecer justiça (que o imperialismo britânico lhes negava), assegurar tranquilidade doméstica (que revoltas e protestos ameaçavam, como “Shays’s Rebellion in Massachusetts 1786”), prover a defesa comum (Revolução Americana), promover a saúde político-econômica geral (acabar com a inflação e as rivalidades entre estados) e, finalmente, defender a abençoada liberdade não apenas para o presente, mas para toda a posteridade.

Ressalta-se aqui o caráter evidente e de fácil entendimento característico deste documento constitucional. Os princípios fundamentais dos Estados Unidos da América que estão incutidos no texto de lei da sua Carta Maior são claramente perceptíveis  e podem ser facilmente interpretados. A base e a razão da existência do Estado norte-americano, por exemplo, estão explícitos no “Preamble” da Constituição, e essa carta introdutória é de largo conhecimento popular. Os jovens americanos aprendem o texto e o sentido do “Preamble” ainda dentro das escolas primárias e secundárias. Desde logo, o povo americano sabe que sua Constituição é um documento inviolável (com mais de dois séculos), escrito por consagrados heróis da sua história e, acima de tudo, alicerçado na vontade dele mesmo, povo.

1.1 Breve histórico

A Constituição norte-americana de 1787 foi a primeira escrita do país, dando sequência à introdução de novos temas ao constitucionalismo norte-americano, como o do federalismo, ardorosamente defendido por James Madison(7) como uma forma de fortalecer a democracia em um país de grande dimensão territorial como os Estados Unidos;  o da separação de poderes, influenciado pelas obras de Locke e Montesquieu; e o do controle judicial de constitucionalidade (judicial review), que, ainda que não conste do texto daquele documento, foi objeto de amplo debate na Convenção da Filadélfia e de defesa por parte de James Madison, que não logrou êxito ao tentar introduzi-lo na Constituição. Segundo James Madison, o controle da constitucionalidade não poderia ser realizado pelo Judiciário, órgão técnico desprovido de representatividade popular, mas por um órgão político; vários outros presentes à convenção tinham entendimento diverso, e, portanto, nada restou definido a respeito da questão naquele momento histórico.

O governo que sobreveio à Constituição de 1787 foi o do primeiro presidente americano, George Washington, de 1789 a 1797, cujo gabinete era formado por Alexander Hamilton, secretário do Tesouro, e Thomas Jefferson, secretário de Estado, assessorado juridicamente por James Madison. Na época, todos os framers integravam o Partido Federalista, situação essa que perdurou  até a ruptura havida entre Hamilton e Jefferson,(8) o qual deixou o governo para formar o Partido Democrata-Republicano.

O segundo presidente americano, também federalista, foi John Adams, que esteve à frente do governo americano no período de 1797 a 1801. O secretário do Tesouro continuou sendo Hamilton, e o de Estado, John Marshall. Contudo, antes de passar o mandato ao democrata-republicano Thomas Jefferson,  aprovou o controverso Alien and Sediction Act (Leis de Sedição e de Estrangeiros), que permitia a censura prévia em manifesta violação à 1ª Emenda da Constituição americana, bem ainda, nomeou inúmeros federalistas para o Judiciário, como ocorreu com John Marshall, alçado à posição de presidente da Suprema Corte, em janeiro de 1801, onde  permaneceu até 1935.

Em 17 de fevereiro de 1801, a House of Representatives elegeu Thomas Jefferson como terceiro presidente americano, cuja posse, no entanto,  se daria  somente em 04 de março de 1801. Diante da premente perda de força política no Executivo e no Legislativo, evidenciada com a derrota nas eleições presidenciais para os democrata-republicanos, os federalistas tentaram assegurar ao partido o Judiciário, mediante a aprovação da lei Circuit Court Act, em 13 de fevereiro de 1801, em que foram criados 16 cargos de juiz federal de apelação, sucedida pela aprovação, em 27 de fevereiro do mesmo ano, do Organic Act of the District of Columbia, que autorizou o presidente Adams a nomear 42 juízes de paz para o Distrito de Columbia, todos ocupados por membros do partido, dentre os quais William Marbury.  Tão logo assumiu o cargo, em 04 de março de 1801, Thomas Jefferson nomeou James Madison ao lugar de secretário de Estado antes ocupado por Marshall, então Chief Justice da Suprema Corte norte-americana, e manifestou-se contrariamente à posse dos juízes de paz nomeados por Adams às vésperas do término do governo deste.

Assim, Marbury e outros ingressaram, ainda no ano de 1801, na Suprema Corte contra o secretário de Estado, James Madison, a fim de que este lhes entregasse os termos de nomeação para que pudessem tomar posse nos cargos de juiz de paz.  A controvérsia Marbury vs. Madison(9) veio a ser apreciada pelo então Chief Justice John Marshall(10) em 1803, tornando-se a pioneira e mais citada decisão sobre controle de constitucionalidade no sistema jurídico norte-americano.

1.2 Interpretação da Constituição norte-americana

Fruto de comprovada experiência, os juristas norte-americanos enraizaram na Constituição os princípios doutrinários do povo americano, dentro de um admirável sistema de liberdade e garantia dos direitos humanos.

É o que estatui, por exemplo, a 1ª Emenda(11) (“First Amendment”) dos “Bill of Rights”(12) da Constituição Americana:

“O Congresso não deve fazer lei a respeito de estabelecimento religioso, ou proibindo o seu livre exercício; ou reduzindo a liberdade de expressão, de imprensa; ou o direito das pessoas de pacificamente se reunirem em assembleia, e requerer do governo a retificação de direitos ofendidos.” (1ª Emenda, Constituição dos Estados Unidos)

Nesse diapasão, a regra primordial e fundamental na interpretação de uma Constituição é fazê-la de acordo com o sentido dos termos e a intenção das partes. Estima-se na Constituição americana não somente o texto em si, mas, sobretudo, a vontade popular que anima a tarefa constitucional e se reflete permanentemente sobre o documento como sua inspiração básica e primordial.

Por exemplo, as cortes americanas sempre tiveram dificuldade para decidir quais os limites na liberdade de expressão e de imprensa, pelo que têm se utilizado de uma fórmula instituída pela Suprema Corte(13) no caso Schenck vs. Estados Unidos (1919). O julgamento ganhou repercussão porque Charles Schenck,(14) na condição de secretário-geral do Partido Socialista, na Filadélfia, confeccionara folhetos instando os jovens a resistirem ao serviço militar obrigatório. O Governo dos EUA sustentou que a resistência incentivada por Schenck em tempos de 1ª Guerra Mundial era perigosa à segurança nacional, e este foi preso sob a Lei de Espionagem de 1917, que proibia atos "desleais".

Na ocasião, a Corte ponderou que, quando houvesse um “perigo presente e claro”, em que palavras pudessem trazer malefícios substantivos, limitar-se-ia tal liberdade. O expediente utilizado pela Suprema Corte, nesse caso, consistiu em analisar a Constituição de modo global, a fim de que suas cláusulas particulares se fizessem indissociáveis, recebendo luz, significado e vida da finalidade conjunta e comum, corporificada no instrumento máximo, ou seja, nas ideias e nos princípios essenciais da Carta Magna. 

O caso teve relevância ímpar para definir os limites da First Amendment. Na opinião do Justice Oliver Mendel Holmes, que esteve na Suprema Corte de 1902 a 1932, os atos de Schenck eram comparáveis a gritar fogo no meio de um teatro causando pânico – falsely shouting fire in the theatre and causing a panic –, expressão essa que ainda é utilizada como exemplo dos limites das palavras.

A liberdade de expressão e de imprensa deveria ser limitada então quando danosa à existência e à perpetuação de outros princípios proclamados pela Constituição, como a segurança da tranquilidade doméstica, a defesa do bem comum e a promoção da saúde pública, por meio da ordem social, política e econômica tão fundamental ao desenvolvimento do país. Tudo com a ressalva de que, mesmo assim, tal entendimento poderia não ser uniformemente seguido e aplicado, tendo em vista as diferenças sociais, culturais e econômicas existentes entre os diversos estados.

Desse modo, a regra de interpretação prestigiada pelas cortes americanas é aquela que emprega as luzes e os recursos da história contemporânea, voltadas para a natureza e os objetivos dos direitos, dos deveres e das competências específicas, dando às palavras que os exprimem força e função compatíveis com seu legítimo significado, de modo que se possa justamente assegurar e lograr os fins propostos.

A Constituição é, sobretudo, um instrumento de governo, ou seja, de governo nos limites da lei. Lei que limita o poder no legítimo interesse da sociedade e se conduz segundo princípios superiores e tutelares da liberdade e do respeito à pessoa humana.

Existe assim, no caso da interpretação da Carta Magna dos Estados Unidos da América, uma relação íntima entre o texto e os fins da Constituição, com prevalência destes:

“Nenhuma corte de justiça poderá interpretar uma cláusula constitucional em ordem a frustrar-lhe os óbvios fins, se do mesmo passo couber outra interpretação que, acordando com o texto e o sentido da Constituição, venha a observá-los e protegê-los.” (Joseph Story, jurista americano)(15)

Cita-se, a exemplo, o julgamento Furman vs. Georgia(16) (1972), em que a Suprema Corte decidiu que a pena de morte era inconstitucional na Georgia porque, em que pese cometessem crimes similares, estavam sendo executados mais afro-americanos do que americanos. Baseou-se a Suprema Corte na 7ª  Emenda,(17) que diz:

“Fiança excessiva não deve ser requerida, nem excessivas penas impostas, nem cruéis e raras punições impostas.”

Na oportunidade, a Suprema Corte, contudo, não declarou que a pena de morte deveria ser abolida porque era uma punição cruel e rara. A interpretação dos juízes da Suprema Corte foi além do texto constitucional e apoiou-se nos princípios de igualdade e proporcionalidade, “equal protection of the laws”,(18)  para decidir que a pena de morte era uma punição injusta especificamente na Georgia, em face da ausência de imparcialidade(19) dos corpos de jurados nos julgamentos realizados (altamente discriminatórios).

É importante assinalar que a pena de morte é aplicada pelas cortes de vários estados americanos, uma vez que estes gozam de certa independência, como declara  a 10ª Emenda da Constituição americana:

“Os poderes não delegados para os Estados Unidos pela Constituição, nem proibidos por ela em relação aos estados, são reservados aos estados respectivamente, ou para o povo.” (American Constitution, Amendment X)

No entanto, ao julgar o caso Furman vs. Georgia, a Suprema Corte interpretou a 8ª Emenda e os fins por esta objetivados à luz de outros princípios básicos inseridos na Constituição como um todo e sem restringir-se a uma análise puramente literal. A pena de morte foi considerada inconstitucional naquele estado. Apesar de a Constituição primar pela tranquilidade e pela paz social, e de o Estado ter que punir aqueles que põem em perigo o bem comum e a ordem geral, a pena de morte, no Estado da Georgia, não estava sendo imparcialmente aplicada, malferindo direitos individuais de grande relevância próprios da essência da nação americana. Os meios empregados pelo Estado não eram justos e ofendiam a Constituição, apesar de os fins estarem em consonância com ela.

Ressalte-se, assim, ser cabível que se dê uma interpretação lógica à Constituição norte-americana, de sua linguagem e de seus poderes, porém tendo sempre em vista os objetivos e os propósitos para os quais foram estes conferidos.

A propósito, explica Story:

“No caso de palavras suscetíveis de duas acepções distintas – uma estrita, outra ampla –, adota-se de preferência a que seja mais consentânea com os desígnios e os objetivos evidentes da Constituição, a que lhe confere força e eficácia de governo, e não a que lhe dificulta as funções ou a reduz a um estado de anormalidade.”(20)

A Constituição americana é baseada em uma inspiração liberal que enumera poderes e traça limites ao seu exercício. É essencial à tarefa interpretativa analisar as supremas motivações do povo ao instituir a forma constitucional de governo. Essas motivações é que devem inspirar o intérprete na compreensão do texto e guiá-lo, para determinar o verdadeiro caráter e o espírito de uma constituição.

A tendência, ao interpretar-se a Carta Magna dos Estados Unidos da América, é, portanto, a exaltação de princípios cardeais: a União indissolúvel, a justiça, o bem-estar geral, a liberdade perpétua. É por isso que se deve invalidar toda interpretação literal que tenda a frustrar a importância atribuída àqueles fundamentos espirituais da realidade constitucional. Joseph Story alerta para a não desvinculação entre o espírito e a palavra da Carta, ambos, declara o célebre jurista, devem andar abraçados.(21)

O célebre e já mencionado Juiz Marshall considera como verdadeiramente importante, com respeito a uma legítima interpretação da Constituição, descer com veracidade ao tema, ao contexto, às verdadeiras intenções do povo. Dizia Marshall que “As Constituições foram feitas para durar e tolher crises resultantes de negócios humanos”.

1.3 A teoria dos poderes implícitos (implied powers doctrine)

O artigo I, seção 8, da Constituição dos Estados Unidos da América atribui poderes inerentes ao Congresso Nacional.

Um dos poderes mais polêmicos e contraditórios ali enumerados é o direito do Congresso “(...) de regular o comércio”.(22) Na verdade, o que os “Framers” (criadores) da Constituição americana pretendiam por “regular” e por “comércio” é totalmente incerto.

No caso Gibbons vs. Ogden(23) (1824), a Suprema Corte dos Estados Unidos disciplinou o exercício de monopólio pelos estados. Na ocasião, Marshall declarou que o poder do Congresso sobre o comércio “deve ser muito bem restrito aquele comércio que interessa a mais estados do que a um” ou “comércio interestadual”.

No entanto, o chief justice americano também percebeu que transações comerciais que ocorressem inteiramente em um estado poderiam influenciar o comércio existente entre outros estados. Desde 1930, a Corte tem adotado aquela linha de pensamento de Marshall, permitindo ao Congresso regular o comércio de forma mais ampla. A título de exemplo, a Corte interpretou a cláusula “comércio” a fim de que abrangesse não só a regulação de estradas de ferro, oleodutos e outras claras atividades interestaduais, como também navegação, salário mínimo, proibições de mão de obra infantil, etc.

Ainda no caso National Labor Relations Board vs. Jones and Laughlin Corp. (1937), a Corte declarou que o “Wagner Act”(24) de 1934 era constitucional. O Justice Benjamin Cardozo(25) assinalou que o poder de regular comércio era “tão amplo como a necessidade que ele evoca”. A decisão endossou a autoridade do Congresso para proteger o direito dos funcionários de se auto-organizarem e de selecionarem os  seus representantes para efetuarem negociação coletiva.

Outro exemplo diz respeito ao artigo 1º, 8ª seção, parág. 18, da Constituição, que reza ter o Congresso poder para

 “(...) fazer todas as leis que devem ser necessárias e próprias para validarem os poderes escritos, e todos os outros abrangidos por esta Constituição no governo dos Estados Unidos da América, ou (...)”

O sentido desta cláusula “necessárias e próprias” (ou cláusula elástica) era ser a linha divisória entre a interpretação ampliada (liberal) e a estrita.(26)

A primeira disputa, tendo essa cláusula acima citada como tema, ocorreu após Alexander Hamilton, secretário do Tesouro Americano, defender a criação de um Banco Nacional em 1790, cujo objetivo seria fomentar desenvolvimento econômico e comercial dos estados. O secretário de Estado, Thomas Jefferson, aliado a James Madison, alertou ao então presidente norte-americano, George Washington, que, como a Constituição não conferia poderes ao Congresso para criar um banco, isso era insustentável, além de uma notória ameaça à autonomia dos estados federados. Contudo, o projeto de lei foi aprovado pelo Congresso, ao que sobreveio a criação do First National Bank.(27)

A Suprema Corte, posteriormente,  também pelas mãos do Chief Justice John Marshall, em McCulloch vs. Maryland(28) (1819), analisou tais argumentos, conferindo-lhes interpretação liberal, uma vez que ao Governo teriam sido conferidos largos poderes “para o exercício adequado do qual a felicidade e a prosperidade da nação tão vitalmente dependem”.

A controvérsia levada desta vez à Suprema Corte originou-se do fato de James William McCulloch, operador de caixa da filial de Baltimore do Banco dos Estados Unidos (Bank of the United States), ter emitido notas bancárias sem obedecer à lei estadual de Maryland que vedava sua emissão por bancos privados, determinando que fossem substituídas por papel selado, cuja emissão estava condicionada ao pagamento de taxas ao estado. McCulloch foi processado pelo Estado de Maryland, que se sagrou vencedor na Corte Estadual, vindo a reverter a situação na Suprema Corte. 

Marshall,(29) partindo da análise do “Preamble” da Constituição, consignou:

“O governo da União é enfaticamente e verdadeiramente um governo do povo. Em forma e substância ele emana do povo, seus poderes são confiados pelo povo, e devem ser exercitados, para o seu benefício.”

Depois concluiu: “Ao Governo devem ser confiados amplos meios para executar seus fins”.

Nessa linha de raciocínio, observa-se que a teoria dos poderes implícitos confere à Carta da Filadélfia a assombrosa plasticidade e longevidade de que é dotada.

Por outro lado, na interpretação de um determinado poder, não se consentirá a invalidação ou o prejuízo dos seus confessados objetivos. Se as palavras de um texto forem suscetíveis de duas interpretações, de conformidade com o uso e o senso comum, é de rejeitar-se aquela que colide com um ou com todos os objetivos estabelecidos pela norma e a cuja realização ela se propunha, adotando-se, ao revés, a interpretação tendente a promover e a preservar os sobreditos interesses em toda a sua inteireza.

A Constituição americana, por exemplo, outorga ao Congresso competência para declarar a guerra. Como bem considera o  jurista Story:

 “(...) a palavra declarar tem várias acepções. Pode significar tanto proclamar como publicar. É evidente que se deve interpretá-la na acepção em que a frase, quando aplicada a tal assunto, se usa entre as nações. O poder de declarar a guerra é um poder de fazer e empreender a guerra. Não é o mero poder de tornar conhecida uma coisa existente, senão o de dar vida e efeito à própria coisa.”

Portanto, de acordo com a teoria dos poderes implícitos, os agentes da autoridade pública, quando na execução prática do governo, devem fruir de liberdade para exercer os poderes que a Constituição e as leis lhes cometeram. Devem ainda ter uma larga margem discricionária quanto à escolha dos meios; e o único limite a essa esfera de discrição há de consistir na adequação dos meios ao fim. Se o fim objetivado for legítimo e estiver dentro no escopo da Constituição, todos os meios apropriados e claramente ajustados àquele fim, e não proibidos, podem ser constitucionalmente empregados para levá-lo a bom termo.

A teoria dos poderes implícitos, oriunda da hermenêutica constitucional do Estado Liberal, representa, sem dúvida, um dos mais formosos produtos da razão que o liberalismo introduziu no direito.

1.4 Controle de constitucionalidade norte-americano e europeu: similitudes e diferenças

Segundo o modelo norte-americano,(30) inaugurado formalmente em 1803, por ocasião do julgamento de Malbury vs. Madison, o controle de constitucionalidade pode ser exercido por qualquer autoridade judicial, tanto no âmbito da jurisdição ordinária quanto no da constitucional. Ou seja, quem controla a legalidade também está habilitado a exercer o controle da constitucionalidade (teoria monista). A propósito do ponto, é salutar que se sublinhe que os juízes da Justiça Federal e da Suprema Corte são indicados pelo presidente da República, tendo seus nomes submetidos à apreciação do Senado Federal, o mesmo ocorrendo no âmbito estadual,(31) de modo que resta evidenciada a legitimidade político-democrática necessária para que, além da jurisdição ordinária,  também exerçam a jurisdição constitucional.

Diversamente, o modelo europeu restringe tal apreciação a órgão próprio,  em geral Tribunal Constitucional, diverso dos demais que exercem jurisdição ordinária (dualista), a cujos membros, designados por autoridade do Estado, é atribuída legitimidade para analisar questões que demandem aptidão jurídico-política ímpar, que transbordam a mera técnica de que são dotadas as autoridades judiciárias atuantes na jurisdição ordinária. Ainda que introduzida a via difusa de controle de constitucionalidade, esta não suprime a regra de que o juízo  de inconstitucionalidade de uma lei só poder ser emitido pela Corte Constitucional em abstrato. 

Outro ponto de contato que indica certa similitude e ao mesmo tempo assinala diferenças entre um modelo e o outro ocorre quando cotejado o stare decisis(32) do modelo estadunidense com a eficácia erga omnes do modelo europeu. Ainda que o stare decisis sirva de orientação à solução de outros casos análogos pelo Poder Judiciário (precedentes), não obsta que outros tribunais possam desenvolver interpretações diversas das então fixadas, com superação dos precedentes (overruling).(33)

A eficácia erga omnes, ao revés, é dotada de rigidez, pois não admite qualquer flexibilidade aos demais órgãos judiciais, que devem atentar à decisão proferida pela Corte Constitucional.

O jurista Hans Kelsen,(34) ardoroso defensor do modelo europeu, assinalava também que, no modelo norte-americano de controle de constitucionalidade, a judicial review só poderia ser efetivada se suscitada no âmbito de um processo desenvolvido entre os particulares, ou seja, surgir incidentalmente quando um dos ocupantes dos polos da relação invocasse a inconstitucionalidade de determinada lei, o que restringia em demasia sua utilização. Argumentava que a constitucionalidade ou não das leis transcendia o mero interesse privado, assumindo a feição de interesse público que demandava procedimento próprio para ser abordado.(35)

Acresce o autor:

“As desvantagens resultantes da ausência de tal processo são amplamente reconhecidas na literatura jurídica americana. A lei de 24 de agosto de 1937, ‘dispondo quanto a intervenções por parte dos Estados Unidos, apelos diretos à Suprema Corte dos Estados Unidos e regulação da prolação de medidas cautelares em certos casos envolvendo a constitucionalidade de atos do Congresso, além de outras matérias’, reconhece também o interesse público na revisão  judicial da legislação, porém diz respeito apenas a leis federais.  Essa lei confere ao governo federal o direito de intervir em qualquer ação entre particulares, a fim de apresentar provas e argumentos sempre que estiver em questão a constitucionalidade de algum ato do Congresso que envolva o interesse público. A mesma lei confere ainda ao governo o direito de apelar à Suprema Corte de uma decisão que declare inconstitucional uma lei federal, objetivando também em tais casos acelerar as decisões finais da Suprema Corte. A lei de 1937, por fim, busca impossibilitar a concessão, por um juiz isolado, de medidas cautelares que restrinjam a aplicação de uma lei do Congresso com base na sua alegação de inconstitucionalidade. Tudo isso, porém, é estabelecido apenas para defender a validade de leis promulgadas pelo Congresso, para tornar mais difícil uma decisão judicial que declare inconstitucional uma lei federal, e não para promover a anulação de leis inconstitucionais.”

1.5 Precedentes vs. direito legislado (statutory law)

A fonte primordial do direito nos EUA é a jurisprudência (precedente), por meio da qual os conceitos jurídicos vão se modificando com o passar do tempo à medida que os fatos trazidos a julgamento vão sendo apreciados pelos juízes. Trata-se da Common Law mista em que o direito do juiz prepondera sobre o direito do legislador, o qual, no entanto, encontra espaço no mundo jurídico e é utilizado em diversas situações, diversamente do que ocorre na Inglaterra, que adota a Common Law pura, em que prevalece o precedente.

O precedente vincula as instâncias inferiores ao já decidido em hipótese análoga pelas instâncias superiores, desde que pertencentes à mesma jurisdição (prisma vertical do stare decisis), bem como as instâncias superiores ao decidido por si (prisma horizontal do stare decisis).

Exemplificando, um juiz deve obrigatoriamente obedecer às decisões da corte de apelação a que está subordinado como às proferidas pela Suprema Corte – binding precedents.(36) Todavia, não está obrigado a fazê-lo em relação à decisão tomada por tribunal de outro estado, tampouco este à de um juiz que lhe é inferior, servindo apenas, se for de sua vontade, à formação de seu convencimento – persuasive precedents.

De plano, observa-se que o sistema de precedentes proporciona igualdade no julgamento de casos semelhantes, previsibilidade às partes acerca do seu futuro, visto que terão sua lide solucionada consoante caso similar, economia de tempo às cortes e às partes, que receberão a prestação jurisdicional com mais celeridade, e respeito à sabedoria dos julgadores que antevieram.

Na esteira do sustentado por Jonh P. Dawson,(37) a teoria dos precedentes não atribui tamanha rigidez ao sistema a ponto de que o precedente, quer vinculativo, quer persuasivo, não possa ser superado ou adequado ao tempo.

Existem técnicas para afastar a utilização do precedente. Dentre estas, abreviadamente, faz-se menção à possibilidade de qualquer juiz de qualquer instância constatar que o caso trazido a julgamento não se identifica com a situação fática consubstanciada  naquele, ao que se chama distinguishing. As diferenças entre os casos cotejados devem ser relevantes a ponto de legitimar a não utilização do precedente. A inobservância da técnica de distinção é conhecida como inconsistent distinguishing.

Outra hipótese dá-se quando verificado que o precedente não se serve mais a regrar determinado caso, pois está em desacordo com a evolução da sociedade, dos  costumes, etc. Entretanto, a adoção dessa técnica, denominada overruling,  é mais rígida e demanda minuciosa análise e fundamentação robusta por parte da corte inferior, que reconhecera o precedente como tal, ou pela Suprema Corte, para que venha a ser substituído por outra orientação que assumirá idêntica relevância.

Um exemplo do esposado ocorreu no instante do julgamento do caso Roper vs. Simmons(38) (2003), em que a decisão que condenara Christopher Simmons, com 17 anos à época do assassinato de Shirley Crook,  à pena de morte com base no precedente Stanford vs. Kentucky(39) (1989), julgado pela Suprema Corte dos Estados Unidos  anteriormente, foi revertida por esta para anular a pena de morte aplicada a menores de 18 anos, substituindo-a pela prisão perpetua.

Já a statutory e a regulatory law são as leis escritas elaboradas pelo Poder Legislativo e pelo Executivo, que têm ganhado corpo nos Estados Unidos. À realidade, o processo se intensificou depois da Guerra Civil de 1861, com o desenvolvimento alcançado por certas cidades e por setores da indústria e do comércio que demandavam um sistema jurídico estável, sobretudo na área social, a fim de solucionar inúmeras controvérsias que antes inexistiam em matéria trabalhista, previdenciária, fiscal, etc. 

No entanto, a doutrina dos precedentes, dadas as técnicas apuradas de renovação que, com o passar dos anos, continuam a ser introduzidas e revisitadas pelos americanos, revela que ainda é enormemente prestigiada pelo direito norte-americano, justamente pela feição menos rígida que a diferencia da utilizada no Common Law inglês, sempre atento à dinamicidade das relações que o compõem.  

Considerações finais

Às vésperas da vigência do novo Código de Processo Civil, estimada para ocorrer em março de 2016, impende fazer-se um reflexão acerca da maturidade auferida pelo direito norte-americano, que, partindo de um sistema rígido, como o inglês, inclina-se, gradualmente, no sentido de adotar práticas utilizadas pelo Civil Law europeu. Merece destaque o fato de que um sistema jurídico tão sensível às transformações sociais e de tamanha influência sobre os de outros países, como o norte-americano,  tem-se socorrido sem soberba ou arrogância de métodos outros, além dos comumente adotados, como o direito legislado (statutory law), para propiciar maior celeridade e segurança jurídica aos seus cidadãos.

Nessa esteira de pensamento, a conclusão não pode ser outra senão a de que o caminho inverso também deve ser seguido pelos operadores do direito do Brasil, a fim de que estes deem efetividade aos profícuos modelos norte-americanos, que gradativamente também adentram o ordenamento jurídico brasileiro, como com as súmulas vinculantes e inclusive por meio do Código de Processo Civil alhures mencionado, para amenizar mazelas que permeiam o sistema jurídico, como, exemplificadamente, as inúmeras decisões conflitantes, os recursos desnecessários e as injustiças decorrentes da ausência de qualquer previsibilidade e estabilidade na solução das controvérsias levadas ao Judiciário, em total violação dos princípios da isonomia.

Neste ponto, é imprescindível que, concomitantemente ao advento do novo Código de Processo Civil,  as Cortes superiores também assumam o compromisso de respeitar sua própria jurisprudência, cuja potencialização é proposta pela novel codificação, sobretudo quando contemplar teses repetitivas.

Referências bibliográficas

ALENCAR, Carlos Higino Ribeiro de. Controle de constitucionalidade nos sistemas norte-americano, austríaco e alemão: análise comparada e a tendência de convergência. Direito Público, v. 7, n. 32, p. 175-192, mar.-abr. 2010.

BARBOSA, Adriana Villa–Forte de Oliveira; LIMA NETO, Francisco Vieira. Anotações acerca do contempt of court no Direito norte-americano. Revista de Processo, v. 192, p. 129-165, fev. 2011.

BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1998.

______. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito (o triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil). Revista de Direito Constitucional e Internacional, v. 58, p. 129-173, jan.-mar. 2007.

BASTOS, Celso Ribeiro. Controle da constitucionalidade das leis. In: CLÈVE, Clèmerson Merlin; BARROSO, Luís Roberto (org.). Direito Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. (Doutrinas essenciais). p. 111-121. v. 5: Defesa da Constituição.

______. Curso de Direito Constitucional. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2000.

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2000.

CAMBI, Eduardo. Casuísmos judiciários e precedentes judiciais. Revista de Processo, v. 248, p. 311-330, out. 2015.

COMMAGER, Henry Steele; NEVINS, Allan. História dos EUA. Rio de Janeiro: Bloch, 1967.

DANTAS, Ana Carolina de Sá. Reflexões acerca das técnicas utilizadas para afastar o uso do precedente: overruling e distinguishing. Publicações da Escola da AGU, Brasília, n. 12, p. 37-62, set.-out. 2011.

DAWSON, John P. As funções do juiz. In: BERMAN, Harold (org.). Aspectos do Direito americano. Rio de Janeiro: Forense, 1963. Tradução de: Talks on American Law.

FINE, Toni M. O judiciário americano e o direito internacional: o novo debate. Revista Brasileira de Estudos Constitucionais – RBEC, Belo Horizonte, a. 3, n. 12, out.-dez. 2009.

GIFIS, Steven H. Dictionary of legal terms. 4. ed. Barron’s, 2008.

GOUVEIA, Ana Carolina Miguel. Common Law no sistema jurídico americano: evolução, críticas e crescimento do direito legislado. Publicações da Escola da AGU, Brasília, n. 12, p. 9-35, set.-out. 2011.

GUSMÃO, Paulo Dourado de. Manual de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1957.

KISSINGER, Henry. Diplomacia. São Paulo: Saraiva, 2012.

KLAUTO FILHO, Paulo. A primeira decisão sobre o controle de constitucionalidade: Marbury vs. Madison (1803). Revista Brasileira de Direito Constitucional, n. 2, p. 255-275, jul.-dez. 2003.

LEAL, Roger Stiefelmann. A convergência dos sistemas de controle de constitucionalidade: aspectos processuais e institucionais. Revista de Direito Constitucional e Internacional, v. 57, p. 62-81, out.-dez. 2006.

MARINONI, Luiz Guilherme. Aproximação crítica entre as jurisdições de civil law e de common law e a necessidade de respeito aos precedentes no Brasil. Revista Brasileira de Direito Processual, Belo Horizone, a. 17, n. 68, out.-dez. 2009.

MOREIRA, Eduardo Ribeiro. Neoconstitucionalismo e Teoria da Interpretação. Revista de Direito Constitucional e Internacional, v. 63, p. 64-80, abr.-jun. 2008.

NUNEZ, Cláudio Felipe Alexandre Magioli; QUINTANA, Fernando. Repúblicas em conflito: a separação dos poderes made in America. Disponível em: <http://www.unirio.br/ccjp/cienciapolitica/arquivos-1/republicas-em-conflito>.

OLIVEIRA, Daniel Almeida de. O controle judicial de constitucionalidade nos Estados Unidas na lição de Stephen Griffin. Publicações da Escola da AGU, Brasília, n. 12, p. 109-137, set.-out. 2011.

PEIXOTO, Davi. O sistema de precedentes desenvolvido pelo CPC/2015: uma análise sobre a adaptabilidade da distinção (distinguishing) e da distinção inconsistente (inconsistent distinguishing). Revista de Processo, v. 248, p. 331-355, out. 2015.

PERTENCE, José Paulo Sepúlveda. Controle concentrado e difuso no Direito Constitucional: a eficácia temporal das decisões. Revista de Direito Administrativo, Belo Horizonte, a. 2007, n. 246, set.-dez. 2007.

RE, Edward D. Stare decisis. Traduzido por Ellen Gracie Northfleet. Revista de Informação Legislativa, Brasília, a. 31, n. 122, p. 281-287, maio-jul. 1994. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/176188>.

SCHETINNO, José Gomes Riberto. Controle judicial de constitucionalidade e ativismo judicial processual. Rio de Janeiro: PUC-Rio, 2008. Dissertação (Mestrado em Direito), Departamento de Direito, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2008. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/teste/arqs/cp077197.pdf>.

SOUZA, Léa Émile M. Jorge de. Noções gerais sobre o funcionamento do sistema de precedentes vinculantes no Common Law. Publicações da Escola da AGU, Brasília, n. 12, p. 213-240, set.-out. 2011.

WEDY, Gabriel; FREITAS, Juarez. O legado dos votos vencidos na Suprema Corte dos Estados Unidos. Consultor Jurídico, São Paulo, 26 mar. 2015. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2015-mar-26/legado-votos-vencidos-suprema-corte-estados-unidos#author>.

WILLOUGHBY, Westel Woodbury. Constitutional Law of the United States. New York: Baker, Voorhis & Company.

Notas

*O presente artigo foi redigido em 2015.

1.  Constituição dos Estados Unidos. Lei orgânica que constituiu o sistema de governo americano; princípios originais e fundamentais do direito pelo qual um sistema de governo é criado e de acordo com os quais um país é governado. Representa um mandato, para os vários segmentos do governo, diretamente emanado do povo agindo na sua capacidade de soberania. A Constituição norte-americana é formada de um “preâmbulo”, um corpo de VII artigos e 26 emendas. Instituiu o Estado federativo e o presidencialismo, bem como estabeleceu que o governo é composto dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Acolheu o sistema bicameral, sendo o “Congresso” – o nome dado ao Parlamento – composto da “Câmara dos Representantes” e do “Senado” (Paulo Dourado de Gusmão, Manual de Direito Constitucional, p. 200).

2.  American Constitution, Article II, Section 1.

3. Termo que denomina aqueles que estiveram presentes na Convenção de Filadélfia de 1787 e que se distingue dos Founding Fathers, atribuível a personalidades que lideraram a Revolução Americana de 1776, contra a autoridade da Coroa Britânica, como John Adams, Tom Paine e Thomas Jefferson. Muitas vezes o termo também é utilizado, de forma mais estreita, para identificar os que firmaram a Declaração da Virgínia de 1776 e participaram, na condição de delegados, da Convenção da Filadélfia de 1787.

4. Declaração da Independência dos Estados Unidos da América. Documento por meio do qual as Treze Colônias declaram a independência da Coroa Britânica, sendo ratificado pelo Congresso em 04 de julho de 1776.

5.  Preamble. Uma cláusula introdutória da Constituição Americana; declaração inicial ou explicação ou a busca dos fatos pelo poder constituinte, procurando os fins, as razões, ou as ocasiões pelas quais foi criada a Constituição à qual está prefixada.

6.  The Constitution of  the United States: “We the People of the United States, in Order to form a more perfect Union, establish Justice, insure domestic Tranquility, provide for the common defence, promote the general Welfare, and secure the Blessings of Liberty to ourselves and our Posterity, do ordain and establish this Constitution for the United States of America”.

7. Atuou na confecção da primeira constituição escrita, sendo conhecido por Father of the Constitution, bem ainda, na das dez primeiras emendas à Constituição norte-americana e, portanto, é também chamado de Father of the Bill of Rights. Foi o quarto presidente americano, tendo sucedido Thomas Jefferson, no período de 1809-1817. Era do Partido Democrata-Republicano.

8. Henry Steele Commager e Allan Nevins, in História dos EUA, destacam que “o grande objetivo de Hamilton era dar ao país uma organização  mais eficiente; o de Jefferson era dar aos indivíduos maior liberdade. Os Estados Unidos precisavam dessas duas influências. Precisavam de um governo nacional mais forte e também da liberdade de seus cidadãos. O país teria sofrido se possuísse apenas Hamilton ou apenas Jefferson. Foi muita sorte o fato de possuir esses dois homens e poder fundir e, até certo ponto, conciliar os credos característicos de cada um deles”

10. Segundo se depreende de excerto do artigo Controle judicial de constitucionalidade e ativismo judicial processual, de José Gomes Riberto Schettino,

“ao lavrar seu voto – que exprimiu a decisão da Suprema Corte no caso −,  Marshall tinha então diante de si, como dito antes, uma controvérsia jurídica cuja solução, notadamente se favorável a Marbury, poderia acarretar sérias consequências à independência e ao próprio funcionamento do Poder Judiciário americano como um todo, porquanto havia forte movimento político no Congresso dos Estados Unidos, que contava com o aval de Jefferson, em favor da deflagração de processo de impeachment tanto de Marshall quanto de outros juízes considerados ideologicamente ligados ao Partido Federalista. Por conseguinte, Marshall sabia que não poderia enfrentar os demais poderes.

Entretanto – e aqui se mostrou plenamente a astúcia de Marshall −, se, por um lado, não lhe seria possível resistir à pressão política de Jefferson e do Congresso de maioria republicana, por outro, ele poderia fazer de Marbury um precedente em que a Suprema Corte firmaria o Judiciário como o órgão por excelência de revisão da adequação constitucional dos atos dos demais poderes.

E foi exatamente o que ele fez. Marshall, assim, começa seu voto formulando três perguntas, às quais responde de forma concatenada ao longo de sua fundamentação: 1) Marbury tem direito ao cargo por ele pleiteado? Se afirmativa essa indagação, tendo sido seu direito violado, o ordenamento jurídico dos Estados Unidos lhe confere algum meio de reparação? Se afirmativa também essa, teria a Suprema Corte americana competência para apreciar seu writ of mandamus?

Após responder afirmativamente às duas primeiras perguntas; portanto, depois de reputar que Marbury teria, sim, direito à sua Commission de juiz de paz,  bem como que o writ of mandamus seria demanda juridicamente adequada ao fim proposto, Marshall, ao se deter sobre a última questão, expõe então o argumento que fixaria o postulado do judicial review e tornaria o referido caso notório pelos próximos duzentos anos.

Sua indagação sobre se seria a Suprema Corte competente para apreciar o mandamus proposto por Marbury levou-o a interpretar o Artigo III da Constituição americana de maneira estrita, de modo que não pôde deixar de concluir que não teria sido dado pelo constituinte originário ao Congresso dos Estados Unidos o poder de ampliar os limites da competência originária da Corte, fora os já previstos pela própria Lei Fundamental, dentre os quais não figura o conhecimento de writs of mandamus contra autoridades públicas, o que somente veio a ser posteriormente prescrito por lei ordinária do Congresso (o Judiciary Act de 1789), a qual, portanto, por alargar a competência originária da Suprema Corte sem o respaldo da Constituição, seria, por isso mesmo, inconstitucional.”

Ou seja, ainda que ilegal a recusa de Madison, a Corte Suprema não tinha autoridade para forçá-lo a entregar o termo de nomeação a Marbury. O caso somente veio a ser reanalisado cinquenta anos depois em Dred Scott v. Sandford (1857). Da decisão, ressai que o escravo Dred Scott foi adquirido por seu dono no Estado do Missouri, levado ao Illinois, que era um estado em que não havia escravidão, retornando, posteriormente, ao Missouri. Com a morte do proprietário, Scott ingressou com ação a fim de que fosse reconhecida sua condição de homem livre porque assim se tornara depois de ter residido em um estado em que era proibida a escravidão. É bom lembrar que à época o país experimentava profundo conflito sobre a escravidão, pelo que o juiz deu a Dred Scott ganho de causa, o que foi revertido por Sandford, irmão da viúva, na Corte Estadual, sendo o caso levado por Dred à Suprema Corte. Nessa oportunidade, restou decidido que o Congresso não tinha poderes para proibir a escravidão em determinados estados, tendo em vista  o disposto na 5th Amendment que assegurava o direito das pessoas a seus bens, sob pena de violação ao direito constitucional à propriedade. Em razão do então decidido, o Compromisso de Missouri (1820), firmado por escravocratas e abolicionistas para disciplinar o trabalho escravo no oeste, foi considerado inconstitucional (http://www.history.com/topics/missouri-compromise).

11. AMENDMENT (I): “Congress shall make no law respecting an establishment of religion, or prohibiting the free exercise thereof; or abridging the freedom of speech, or of the press; or the right of the people peaceably to assemble, and to petition the Government for a redress of grievances”.

12. Bill of Rights. As primeiras dez emendas da Constituição dos Estados Unidos; parte da Constituição que articula os direitos fundamentais de cidadania. É a declaração dos direitos que são substancialmente imunes de interferência governamental e ainda reservam limitada autoridade individual. É claro, contudo, que, como uma limitação ao poder político, os “Bill of Rights” não oferecem proteção contra a interferência com certos direitos por indivíduos privados. Apesar de terem a mais alta proteção constitucional, esses direitos podem não ser absolutos. Cortes irão necessariamente balanceá-los e limitá-los quando chocarem-se uns com os outros ou quando entrarem em conflito com outros valores sociais de igual ou maior importância. A Primeira Emenda, por exemplo, que garante a liberdade de expressão e publicação, tem em alguns casos se chocado com a Sexta Emenda, que garante a todo cidadão um julgamento justo; como resultado, a  Suprema Corte tem balanceado esses dois valores (Steven H. Gifis, Law Dictionary, p. 52). 

13.  A Suprema Corte dos Estados Unidos é a mais alta no sistema federal de cortes. Ela é expressamente estabelecida pela Constituição, que veste o poder judicial em uma Corte Suprema e várias inferiores que o Congresso deve estabelecer (U.S. Constitution, Art. III, Sec. 1). A Suprema Corte consiste em um Chefe de Justiça e oito juízes associados apontados pelo presidente com o aviso e o consentimento do Senado. Seis juízes da Corte são necessários para constituir um quórum. A Constituição dos Estados Unidos e leis especiais dão à Suprema Corte jurisdição especial tanto em casos que afetam embaixadores, ministros e cônsules, como em todos os casos em que o Estado é parte, além de apelações provenientes de Cortes inferiores envolvendo temas de lei federal (U.S. Constitution, Art. III, Sec. 2, Cl. 2; 28 U.S.C. §§ 1251 et seq).

14. “Charles Schenck was a Socialist Party leader who believed that war benefitted the rich at the expense of poor men who were sent to fight. He opposed the draft and claimed that it violated the Constitution” (http://landmarkcases.c-span.org/Case/5/Schenck-v-United-States).

15.  Story, apud W.W. Willoughby, The Constitutional Law of the United States, ob. cit., p. 33.

16. William Henry Furman, afro-americano com 26 anos, foi condenado à pena de morte em longo julgamento realizado em Chatam County, Georgia, porque, ao tentar fugir da residência que invadira em Savannah levando uma arma, matou acidentalmente seu proprietário, William Joseph Micke. No entanto, o julgamento realizado na Georgia foi permeado de injustiças, pois durou apenas um dia sem que fossem observados os direitos mínimos de réu, diante da condição de afro-americano, pobre, sem instrução e mentalmente instável.

17. AMENDMENT (VIII): “Excessive bail shall not be required, nor excessive fines imposed, nor cruel and unusual punishments inflicted”.

18.  Equal Protection of the Laws: garantia constitucional corporificada na Décima-Quarta Emenda da Constituição dos Estados Unidos da América, que estatui em relevante parte que “Nenhum estado deve (...) negar para qualquer pessoa dentro da sua jurisdição a igual proteção das leis”. Todos os cidadãos possuem os mesmos direitos sob as mesmas circunstâncias, é a balança da justiça, a uniformidade (Steven H. Gifis, Law Dictionary, p. 171).

19. AMENDMENT (VI): “Em todos os processos criminais, o acusado deve gozar do direito de um rápido e público julgamento, por um júri imparcial do Estado e do distrito em que o crime supostamente foi cometido (...)” (American Constitution).

20.  Story, Commentaries, ob. cit., p. 321.

21. Story, Commentaries, ob. cit., p. 326.

22. Art. I, Section 8. “The Congress shall have power to (...) regulate Commerce with foreign Nations, and among the several States, and with the Indian Tribes;”.

23. Aaron Ogden ingressou no Tribunal de Chancery de New York postulando que Thomas Gibbons  fosse impedido de operar sobre as águas de Nova York. O argumento principal do advogado de  Ogden era de que os estados aprovavam leis relativas a questões interestaduais e que tinham poder simultâneo com o Congresso no que toca ao comércio interestadual. O advogado de Gibbons argumentou que o Congresso tinha poder  exclusivo para disciplinar o comércio interestadual de acordo com o artigo I, seção 8, da Constituição. O Tribunal de Nova York deferiu liminar para que Gibbons fosse proibido de operar seus barcos naquelas águas.  O caso foi levado à Suprema Corte Americana, que reverteu a decisão em favor de Gibbons, mediante a ampliação do conceito de comércio para abranger a navegação, o que consequentemente acarretou o fim do monopólio instituído pelo legislativo estadual de Nova York sobre navios a vapor (http://www.britannica.com/event/Gibbons-v-Ogden).

24.  O Wagner Act foi proposto pelo Senador Robert Wagner, de Nova York, em 1934 e recebeu o apoio do então presidente americano Franklin D. Roosevelt. Fazia parte do 2º “New Deal” (novas medidas do governo Roosevelt), para escapar da Grande Depressão de 1929. Esse ato garantia o direito dos trabalhadores de unir-se em sindicatos e de negociarem coletivamente, além de estabelecer o “National Labour Relation Board” (NLRB) ou  Conselho Nacional das Relações de Trabalho, órgão responsável por supervisionar as eleições pelas quais os trabalhadores iriam decidir qual união, se alguma, iria barganhar por eles.

25. Benjamin Nathan Cardozo foi um jurista norte-americano, que integrou a Corte de Apelação de Nova York e depois a Suprema Corte, no período de 1932 a 1938, tendo participado ativamente do desenvolvimento do Common Law norte-americano no século XX.

26.  Interpretação liberal: uma interpretação liberal expande o sentido de uma norma para dar-lhe efeito amplo aos seus fins, para que assim englobe circunstâncias claramente de acordo com o espírito, e não com a letra da norma.

Interpretação estrita: uma interpretação estrita de uma norma está de acordo com sua letra, não deixando que haja interferência; uma interpretação literal de uma norma a qual aceita uma precisa linguagem no seu senso exato e técnico, não dando efeito para considerações liberais. As normas penais geralmente necessitam de uma interpretação estrita que se conduza claramente de acordo com alcance da norma criminal (Steven H. Gifis, Law Dictionary, p. 101).

27. O argumento utilizado por Hamilton para defender a proposta de criação de um banco nacional foi  mostrar ao presidente George Washington “que todos os poderes do governo central não poderiam ser fixados em palavras explícitas, pois isso compreenderia detalhes intoleráveis. Um grande grupo de poderes estava implícito nas cláusulas gerais, e um destes autorizava o Congresso a fazer todas as leis que considerasse necessárias e próprias para pôr em prática os outros poderes assegurados” (COMMAGER, op. cit., p. 124).

28. A discussão travou-se em torno da existência de supremacia do Governo em relação aos estados da federação; mais especificamente,  se a Constituição americana teria conferido ao Congresso o poder de criar um banco federal e se este estava obrigado a pagar as taxas instituídas pelos estados (https://www.law.cornell.edu/supremecourt/text/17/316).

29. Marshall, apud W.W. Willoughby, The Constitutional Law of the United States, ob. cit., p. 59. “Pode-se com assaz de razão sustentar que um governo, ao qual se cometeram tão amplos poderes (como o dos Estados Unidos), para cuja execução a felicidade e a prosperidade da nação dependem de modo tão vital, deve dispor de largos meios para sua execução. Jamais poderá ser de seu interesse, tampouco se presume haja sido sua intenção, paralisar e dificultar-lhe a execução, negando para tanto os mais adequados meios”.

30. Mauro Capeletti, citado por Carlos Higino Ribeiro de Alencar, in Controle de constitucionalidade nos sistemas norte-americano, austríaco e alemão: análise comparada e a tendência de convergência, registra que “o sistema americano, antes ‘norte-americano’, de judicial review encontra-se sobretudo em muitas das ex-colônias inglesas, como Canadá, Austrália, Índia, e em outras partes: e nós procuramos no capítulo precedente explicar o aparente paradoxo pelo qual o Direito inglês, que, decididamente, exclui na pátria, por força do princípio da fundamentação da ‘supremacy of the Parliament’, a possibilidade de controle judicial da legislação, fez-se, ao contrário, promotor, nas colônias, desse controle”.

31. “A Justiça Estadual norte-americana não é uniforme como a do Brasil. Cada um dos 50 estados tem autonomia para regular a sua própria Justiça. São as Constituições Estaduais que definem a forma, os tribunais, o ingresso, as custas, tudo enfim. E não há um órgão de controle nacional, nos moldes do nosso Conselho Nacional de Justiça. Há somente um elo de união dos tribunais, chamado Conference of State Court Administrators (COSCA), criado em 1955, que busca aperfeiçoar o funcionamento dos Tribunais Estaduais” (A Justiça Estadual nos Estados Unidos, por Vladimir Passos de Freitas, ex-presidente do TRF 4ª Região, professor doutor da PUC/PR e presidente do Ibrajus, in http://www.ibrajus.org.br/revista/artigo.asp?idArtigo=159).

32.  Edward D. Re, professor na Faculdade de Direito da St. John’s University – NY, discorre sobre a doutrina do stare decisis em artigo que leva esse nome, traduzido por Elle Gracie Northfleet. Para o docente e juiz presidente emérito da Corte de Comércio Internacional dos EUA, “a doutrina, cuja formulação é stare decisis et non quieta movere (mantenha-se a decisão e não se disturbe o que foi decidido), tem raízes na orientação do common law, segundo a qual um princípio de direito deduzido por meio de uma decisão judicial será considerado e aplicado na solução de um caso semelhante no futuro. Na essência, essa orientação indica a probabilidade de que uma causa idêntica ou assemelhada que venha a surgir no futuro seja decidida da mesma maneira. No sistema do common law, onde o direito é enunciado e desenvolvido por meio das decisões judiciais, a doutrina do stare decisis é absolutamente essencial. Ela era indispensável nos primórdios da common law quando as provisões legislativas eram poucas e, geralmente, limitavam-se ao campo do direito público” (p. 282).

33. Nas palavras de Leal, in A convergência dos sistemas de controle de constitucionalidade: aspectos processuais e institucionais, “são toleradas práticas que admitem insubordinada superação dos precedentes pelas instâncias inferiores do Poder Judiciário. Embora se fale em vinculação dos precedentes (binding precedentes), cabe aos juízes inferiores, mediante técnicas decisórias específicas – tais como a superação antecipada (antecipatory overruling) ou a superação implícita –, divergirem dos precedentes da Suprema Corte e pronunciarem-se de maneira diversa. Em face de um precedente aplicável, pode o juiz competente, frente a determinadas circunstâncias, revogá-lo e criar uma nova regra para resolver o caso que a priori estava por ele disciplinado”.

34. O jurista participou ativamente da confecção da Constituição da Áustria de 1920, à qual teria sido acrescido, em total inovação em relação às precedentes, o controle concentrado da constitucionalidade das leis.

35. KELSEN, Hans. O controle judicial da constitucionalidade: um estudo comparado das Constituições austríaca e americana, in Jurisdição constitucional. 2. ed.  São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 301 e seguintes.

36. A propósito, Jonh P. Dawson pontua, em As funções do juiz (In: BERMAN, Harold [org.]. Aspectos do Direito Americano), que “uma Corte não pode julgar um caso obedecendo à tendência do momento, sem primeiramente agir em coerência com as decisões judiciais, que antecederam aquele caso. Assim, pois, uma decisão do passado, cujas razões foram expostas, deve ser aplicada em casos similares e futuros onde caibam as mesmas razões, e somente novas e persuasivas razões poderão ditar uma decisão que não seja similar às decisões antecedentes”.

37. As funções do juiz. In: BERMAN, Harold (org.). Aspectos do Direito  Americano. Rio de Janeiro, Forense: 1963. Tradução de Talks on American Law.

38. Majority Opinion: By a vote of 5-4, the U.S. Supreme Court on March 1, 2005 held that the Eighth and Fourteenth Amendments forbid the execution of offenders who were under the age of 18 when their crimes were committed. Justice Kennedy, writing for the majority (Kennedy, Breyer, Ginsburg, Souter, and Stevens, JJ.) stated:When a juvenile offender commits a heinous crime, the State can exact forfeiture of some of the most basic liberties, but the State cannot extinguish his life and his potential to attain a mature understanding of his own humanity” (http://www.deathpenaltyinfo.org/u-s-supreme-court-roper-v-simmons-no-03-633).

39. Nesta decisão, a Suprema Corte Norte-Americana, ainda que de forma não unânime, manifestou-se pela constitucionalidade da pena de morte que fora aplicada a Kevin Stanford, o qual, aos 17 anos e 4 meses e juntamente com um cúmplice, estuprou e depois assassinou brutalmente Barbel Poore durante roubo em loja de conveniência de um posto de gasolina em que esta trabalhava como atendente.

 



Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023:2002/ABNT):
. . Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n., abr. 2016. Disponível em:
<>
Acesso em: .


REVISTA DE DOUTRINA DA 4ª REGIÃO
PUBLICAÇÃO DA ESCOLA DA MAGISTRATURA DO TRF DA 4ª REGIÃO - EMAGIS