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publicado em 30.06.2016
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Palavras-chave: Suspeição por motivo de foro íntimo. Críticas. Intangibilidade. Irretratabilidade. Impossibilidade de arguição pela parte. Abstract Keywords: Judicial disqualification. Criticism. Inviolability. Irreversibility. Impossibility of complaint. Introdução O Código de Processo Civil de 1939, na disciplina normativa de seu art. 119, §§ 1º e 2º, in verbis, autorizava o julgador a considerar-se suspeito, por razões de ordem íntima, sem necessitar justificar o despacho. Obrigava-o, todavia, a comunicar os motivos ao órgão disciplinar competente, sujeitando o magistrado à pena de advertência caso não procedesse à comunicação ou caso os motivos (que eram apreciados pela corregedoria em segredo de justiça) fossem entendidos como improcedentes. A legislação processual civil que se seguiu em 1973 – muito embora mantendo os fundamentos básicos da hipótese de suspeição por motivo de foro íntimo elencados no Código de Processo Civil de 1939 – acabou por aperfeiçoar o dispositivo, não constando do art. 135, parágrafo único, in verbis, a obrigatoriedade da comunicação pelo magistrado dos seus motivos de ordem íntima, ao órgão disciplinar competente (Corregedoria, Conselho da Justiça Federal – CJF, Conselho Superior da Justiça do Trabalho – CSJT ou Conselho Nacional de Justiça – CNJ, conforme o caso). O novo dispositivo (CPC/73) mereceu, por parte de alguns doutrinadores, críticas, em parte, pouco lisonjeiras, como a de barbi (1983, p. 567), verbis: “(...) O Código de 1939 previa esse motivo de suspeição, e, nos parágrafos do art. 119, determinava que o juiz não justificaria o despacho, mas comunicaria os motivos ao órgão disciplinar competente. Este apreciaria o caso em segredo de justiça. A falta de comunicação, ou a improcedência dos motivos, sujeitava o magistrado à pena de advertência. O Código de 1973 nada dispõe sobre esse procedimento, o que é inconveniente, porque a falta de controle dos motivos de abstenção, pelo órgão disciplinar, pode ensejar abuso por parte de juízes menos amigos do trabalho. Terão eles um cômodo expediente para se afastarem dos volumosos e complexos casos de ação de divisão ou de prestação de contas. Sem texto legal expresso, não será fácil aos órgãos disciplinares da Magistratura exigir dos juízes a comunicação do motivo íntimo para seu controle (...).” Não obstante, a redação do Código de Processo Civil de 1973 é considerada, sob a ótica de parcela amplamente majoritária da doutrina e também da própria jurisprudência, representativa de grande avanço na disciplina processual, considerando, sobretudo, que o julgador não deve, em nenhuma hipótese, julgar nem realizar qualquer processamento (inclusive a execução da causa) para o qual não entenda estar na absoluta plenitude das condições objetivas (impedimento) e subjetivas (suspeição), na medida em que cabe, em última análise, ao próprio magistrado velar pela completa imparcialidade e independência em seus julgamentos, como condição básica e fundamental para assegurar a inequívoca presença dos preceitos e das garantias relativos ao processo – e à prestação jurisdicional de modo geral – consagrados na Constituição Federal. “Dissemos já que, entre os elementos mínimos imprescindíveis à garantia do devido processo legal, se inclui a dada imparcialidade e independência do julgador, sem o que a jurisdicionalidade do processo inexiste substancialmente, para se tornar algo só formal e nominalmente judicial.” (CALMON DE PASSOS, 1982) Ademais, as principais críticas que eram feitas ao dispositivo – como, por exemplo, a possibilidade de este (aparentemente) permitir que o juiz avesso ao trabalho pudesse afastar-se do julgamento da causa – não podem ser consideradas verdadeiras, visto que, a cada processo em que, o magistrado declina sua condição de suspeito por qualquer motivo (incluindo a razão de natureza íntima), outro processo automaticamente lhe é distribuído, em face do instituto da compensação(1). “O interesse, direto ou indireto, do juiz, no tocante ao caso que lhe é oferecido para julgamento, fá-lo juiz ilegítimo e acarreta a invalidade de quanto decidir. Processo sem juiz imparcial não é processo jurisdicional e, nesses termos, não é devido processo legal, e sim processo no qual foi violada a garantia do due process.” (CALMON DE PASSOS, 1982) É importante lembrar que, muitas vezes, durante a vigência do Código de Processo Civil de 1939, o magistrado despreparado para julgar determinada demanda – sob o prisma da efetiva ausência da necessária equidistância das paixões que naturalmente nutrem as causas judiciais ou mesmo em face da presença de determinadas circunstâncias que o juiz não devesse ou mesmo não pudesse revelar – acabava temeroso ou mesmo simplesmente constrangido pela obrigatoriedade de ter de divulgar tais razões (ainda que de forma reservada ao órgão disciplinar) – e vir a ser julgado pelo motivo exposto – e optava por prosseguir no julgamento da causa, de forma parcial e comprometida, em sinérgico e lamentável prejuízo dos jurisdicionados e da própria credibilidade do Poder Judiciário. “(...) é possível que o legislador tenha agido bem no suprimir a exigência da lei anterior, em que podia haver quebra de sigilo da apreciação dos motivos, causando irreversível dano ao magistrado.” Também o já mencionado barbi, em grande parte refletindo melhor sobre sua posição anteriormente registrada, acabou, mais tarde, por ceder à doutrina mais abalizada sobre a questão. “Mas é de se esperar que os casos em que a escusa legal for indevidamente usada não serão numerosos. Por isso, é possível que o legislador tenha andado bem no suprimir a exigência da lei anterior, em que podia haver quebra do sigilo da apreciação dos motivos, causando dano ao magistrado. Por outro lado, resta afirmar que o projeto do Código de Processo Civil de 1973, na redação do parágrafo único do art. 140 (que, na versão definitiva, tomou o numeral 135), chegava mesmo a qualificar as razões de ordem íntima caracterizadoras da suspeição sob essa rubrica – como aquele motivo cuja revelação causasse ao juiz grave dano moral –, mas essa parte acabou por ser suprimida no Congresso, permitindo o atual alcance do dispositivo, que em nenhuma hipótese pode ensejar a obrigatoriedade da revelação do motivo íntimo por quem quer que seja ou mesmo qualquer tipo de controle jurisdicional por parte de qualquer órgão da hierarquia do Poder Judiciário. 1 Das tentativas do Conselho Nacional de Justiça de retornar à disciplina normativa do CPC/39 Não obstante algumas tentativas isoladas (e igualmente frustradas) de retornar à disciplina normativa vigente no CPC/39, por meio de atos administrativos normativos – como, por exemplo, o Provimento nº 26/1993, da Corregedoria do TRF2(4) –, o próprio Conselho Nacional de Justiça – CNJ, com a edição de sua Resolução nº 82, de 09 de junho de 2009, tentou, mais uma vez (ao arrepio da lei), mitigar o alcance da regra processual prevista no art. 135, parágrafo único, do CPC/73, buscando, em certa medida, restabelecer a disciplina legal anteriormente consignada no CPC/39, verbis: "O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, no uso de suas atribuições, CONSIDERANDO que, durante inspeções realizadas pela Corregedoria Nacional de Justiça, foi constatado um elevado número de declarações de suspeição por motivo de foro íntimo; CONSIDERANDO que todas as decisões dos órgãos do Poder Judiciário devem ser fundamentadas (art. 93, IX, da CF); CONSIDERANDO que é dever do magistrado cumprir com exatidão as disposições legais (art. 35, I, da LC 35/1979), obrigação cuja observância somente pode ser aferida se conhecidas as razões da decisão; CONSIDERANDO que, no julgamento do relatório da inspeção realizada no Poder Judiciário Estadual do Amazonas foi aprovada a proposta de edição de resolução, pelo Conselho Nacional de Justiça, para que as razões da suspeição por motivo íntimo, declarada pelo magistrado de primeiro e de segundo graus, e que não serão mencionadas nos autos, sejam imediatamente remetidas pelo magistrado, em caráter sigiloso, para conhecimento pelo Tribunal ao qual está vinculado; CONSIDERANDO que a sistemática de controle é adotada, com êxito, há vários anos, por alguns Tribunais do país. RESOLVE: Art. 1º No caso de suspeição por motivo íntimo, o magistrado de primeiro grau fará essa afirmação nos autos e, em ofício reservado, imediatamente exporá as razões desse ato à Corregedoria local ou a órgão diverso designado pelo seu Tribunal. Art. 2º No caso de suspeição por motivo íntimo, o magistrado de segundo grau fará essa afirmação nos autos e, em ofício reservado, imediatamente exporá as razões desse ato à Corregedoria Nacional de Justiça. Art. 3º O órgão destinatário das informações manterá as razões em pasta própria, de forma a que o sigilo seja preservado, sem prejuízo do acesso às afirmações para fins correcionais. Art. 4º Esta resolução entrará em vigor na data de sua publicação." A mencionada empreitada, todavia, acabou por receber enérgica reprimenda por parte do Supremo Tribunal Federal, que, em louvável decisão, sepultou, por completo, qualquer possibilidade de se perquirir ao julgador as razões pelas quais declarou sua suspeição por motivo íntimo, verbis: "DECISÃO: Trata-se de mandado de segurança, com pedido de liminar, (...) em face da Resolução nº 82/2009 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que determina, aos magistrados de 1º e 2º graus, que comuniquem os motivos quando se declararem impedidos por foro íntimo para julgar determinado processo. O próprio STF, em ocasião pretérita – é oportuno registrar –, já se havia pronunciado sobre o tema, no mesmo sentido, verbis: “Impõe-se considerar, neste ponto, que a declaração de suspeição, pelo juiz, desde que fundada em razões de foro íntimo, não comporta a possibilidade jurídica de qualquer medida processual destinada a compelir o magistrado a revelá-las, pois, nesse tema – e considerando-se o que dispõe o art. 135, parágrafo único, do CPC –, o legislador ordinário instituiu um espaço indevassável de reserva, que torna intransitivos os motivos subjacentes a esse ato judicial.” (STF, MI 642-DF, rel. Min. Celso de Mello, DJ 14.08.2001) Também se há de destacar que medida provisória destinada a alterar a redação do art. 135, parágrafo único, do CPC/73 foi, no passado recente, rejeitada pelo Congresso Nacional. 2 Do Novo Texto Legal Inaugurado com o CPC/2015 De certa forma, – após toda a sorte de considerações expostas –, o novo CPC consignou expressamente a desnecessidade de o juiz declinar as razões de sua suspeição por motivo de foro íntimo, na expressa disposição de seu art. 145, §1º, verbis: “Art. 145. Há suspeição do juiz: Tal dispositivo refletiu a reiterada jurisprudência, mansa, pacífica e tranquila, a respeito do tema, corroborando o lamentável fato de que a jurisprudência, – mesmo quando oriunda de nossos tribunais superiores e da própria Suprema Corte –, revela-se como uma fonte constantemente negligenciada do direito brasileiro, quando não simplesmente desprezada, quer pelo fato de seu simples desconhecimento, quer pelo fato de uma persistente desobediência judiciária. 3 Da absoluta intangibilidade da declaração de suspeição por motivo de foro íntimo É importante frisar, em tom sublime, impedindo margem a qualquer dúvida a respeito do tema, que a declaração de suspeição do magistrado, por razões de ordem íntima, se caracteriza, à luz da doutrina tradicional e amplamente majoritária (se não unânime) e de pronunciamento definitivo de nossa Suprema Corte, em efetivo direito subjetivo próprio, outorgado ao juiz, para que este possa, em sua completa inteireza, velar pela absoluta imparcialidade e independência em seus julgamentos, como condição básica e fundamental à garantia constitucional do devido processo legal. “A regra inscrita no caput do art. 135 do Código de Processo Civil, em relação aos casos de suspeição de parcialidade do juiz, é exaustiva, porque atende a determinada casuística legal. Todavia, na hipótese do parágrafo único, em que a suspeição é jurada pelo próprio juiz, ela se torna exemplificativa e inadmite impugnação pelas partes.” (Ac. unân. da 1ª Câm. do 1º TA-RJ de 04.05.1982, na exc. de susp. 106, rel. Juiz Júlio da Rocha Almeida; RT, v. 585, p. 211). (destaques nossos) “Não cabe a juiz do mesmo grau, ou sequer ao órgão apto a conhecer de eventual conflito de competência, aquilatar da procedência ou não dos motivos pelos quais outro magistrado jurou suspeição de natureza íntima.” (Ac. 2ª CCTA-RS, C.N. de C. 26/777/Santiago (U.), rel. Juiz Adroaldo Furtado Fabrício, JB n. 119, Juruá, p. 79) “A afirmativa de suspeição por motivo íntimo é de exclusivo arbítrio do juiz, senhor único da sua conveniência, porque, assim não fosse, o motivo íntimo se enquadraria em uma das hipóteses dos incisos do art. 135 e dependeria de prova.” (Ac. unân. da 8ª Câm. do 1º TA-RJ de 04.10.1983, na exc. de susp. 104, rel. Juiz José Edvaldo Tavares) “A suspeição por motivo íntimo, declarada pelo juiz, é sempre respeitada.” (Ac. unân. da 2ª Câm. do TA-RS de 16.03.1982, no CC 26.777, rel. Juiz Adroaldo Furtado Fabrício; JTA-RS 43/197) Por outro lado, é importante lembrar que, em nenhuma hipótese, cabe à parte ou a quem quer que seja, inclusive ao novo juiz a quem for redistribuída a causa, discutir os motivos que levaram o magistrado à declaração de suspeição, por motivo de foro íntimo, consoante a doutrina e a jurisprudência clássicas e mais abalizadas sobre o assunto. “Do ato do juiz, declarando-se suspeito por motivo íntimo e passando a causa ao seu substituto, não cabe qualquer recurso das partes, nem é lícito ao substituto discutir os motivos da suspeição, que o juiz não está obrigado a declarar, nem mesmo ao Tribunal.” (DE PAULA, 1988, p. 606) Resta também dizer que a faculdade de se declarar suspeito, por motivo íntimo, é um efetivo direito, embora também se constitua em inexorável dever,(7) conferido ao magistrado, pelo que não é necessário produzir provas. “Ao juiz confere o art. 135, parágrafo único, o direito (não só a faculdade) de se declarar suspeito, 'por motivo íntimo'. Motivo íntimo é qualquer motivo que o juiz não quer revelar, talvez mesmo não deva revelar. A lei abriu brecha ao dever de provar o alegado, porque se satisfez com a alegação e não exigiu a indicação do motivo. A intimidade criou a excepcionalidade da permissão: alega-se o motivo de suspeição, sem se precisar provar.” (PONTES DE MIRANDA, 1995, p. 408) (destaques nossos) 4 Irretratabilidade da declaração de suspeição por motivo de foro íntimo Muito embora a doutrina defenda o ponto de vista da ampla irretratabilidade da declaração de suspeição, independentemente do motivo elencado, a declaração por razões de ordem íntima – por se constituir na hipótese reputada entre os estudiosos como a de maior aspecto subjetivo, dentre as previstas na legislação processual civil em vigor – se apresenta como a mais característica do fenômeno em questão. “A imparcialidade do juiz é princípio básico do processo, pressuposto para que a relação processual se instaure validamente. O juiz que se declara suspeito por motivos de natureza íntima, fica afastado definitivamente do processo e não mais pode retornar a ele.” (Ac. da 1ª Câm. do TA-RS de 06.09.1983, Ap. 183.023.969, rel. Juiz Lio Cézar Schmitt, JTA-RS, v. 48, p. 443) “O juiz, uma vez que se declara suspeito, fica impedido definitivamente de prosseguir no processo, ainda quando ao seu substituto pareça infundado o motivo da suspeição jurada. Não importa que, ao declarar-se suspeito, o magistrado tenha agido certa ou erradamente.” (Ac. 1ª T./TRF – 3ª R., Ap. 91.03.04179/SP (U.), rel. Juiz Jorge Scartezzini, Rev. Adcoas, BJA 25 (10.09.1991), 133.337, p. 384). Todavia, não podemos deixar de registrar, por dever de ofício, algumas vozes discordantes, particularmente na jurisprudência processual penal.(8) "As causas ensejadoras da declaração de suspeição por motivo de foro íntimo podem ser reavaliadas pelo magistrado, a quem compete averiguar se elas persistem ou não.” (STJ, REsp 1.109.148/RJ, 2ª Turma, rel. Min. Eliana Calmon, DJe de 03.09.2010) “As razões da declaração de suspeição por motivo de foro íntimo não podem ser aferidas objetivamente. Apenas o magistrado que a declarou pode reconhecer que ainda persiste, ou que não mais subsiste. (...)” (STJ, REsp 785939/ES, 2ª Turma, rel. Min. Humberto Martins, DJe 28.09.2009) 5 Impossibilidade de arguição, pela parte, de suspeição do juiz por motivo de foro íntimo Consoante entendimento praticamente unânime da doutrina, inexiste a arguição, pela parte, da suspeição fundada em razão de foro íntimo, isto porque, como o próprio nome sugere, foro íntimo possui natureza de cunho estritamente pessoal. Ademais, a afirmativa de suspeição pelo magistrado, por razões íntimas, é facultas de seu exclusivo arbítrio (e, em grande medida, dever indeclinável de sua consciência zeladora da imperativa e absoluta isenção de seus julgamentos), condicionado apenas e tão somente a sua irrestrita defesa pela permanente presença, na sua atividade jurisdicional, dos elementos mínimos imprescindíveis à garantia do devido processo legal. “(...) É obvio que a parte não pode arguir suspeição do juiz por foro íntimo, pois isto só o magistrado pode fazer. (...)” (TRF2, REO 200202010349629, 2ª T., rel. Desembargador Federal Antonio Cruz Netto, DJU 14.10.2003) Sob o mesmo diapasão, a jurisprudência também aparenta ser unânime em afirmar a efetiva impossibilidade de arguição de exceção de suspeição do juiz fundada em motivação de foro íntimo, concluindo pela possibilidade apenas nas demais hipóteses expressamente contempladas na lei processual. “As hipóteses em que a parte pode arguir a suspeição do juiz são as taxativamente enumeradas no CPC.” (Ac. unân. da Câm. Esp. do TJ-SP de 15.10.1981, na exc. de susp. 1.000-0, rel. Des. Dalmo do Valle Nogueira; RT, v. 565, p. 95) “Os dispositivos referentes à suspeição, por constituírem normas de exceção, não admitem interpretação extensiva, e as causas que a justificam são exclusivamente as enumeradas em lei.” (Ac. unân. da 1ª Câm. do TJ-MT de 22.08.1983, na exc. de susp. 87, rel. Des. Carlos Avalone, RT, v. 590, p. 232) “A exceção de suspeição é matéria de direito estrito. Assim, só podem ser invocadas, para a recusa do Julgador, as hipóteses previstas em lei.” (Ac. unân. da 2ª Câm. Crim. do TJ-GO de 27.05.1980, na exc. de susp. 128, rel. Des. Arinan de Loyola Fleury; Rev. Goiana de Jurisp., v. 16, p. 9) Conclusões Conforme afirmado, o magistrado não deve, em nenhuma hipótese, julgar nem realizar qualquer processamento para qual não entenda estar na absoluta plenitude das condições objetivas (impedimento) e subjetivas (suspeição), na exata medida em que cabe ao próprio juiz velar pela completa imparcialidade e independência em seus julgamentos, como condição básica e fundamental para assegurar a inequívoca presença dos preceitos e das garantias relativos ao processo, consagrados na Constituição Federal. Notas
1. Muito embora a previsão normativa da compensação de distribuição considere apenas o aspecto quantitativo, evitando que os diversos juízes de uma determinada comarca (Justiça Estadual) ou seção judiciária (Justiça Federal) tenham para si um número diferente de processos distribuídos em determinado período, não é verdade que o julgador avesso ao trabalho possa – de forma segura – “trocar” o eventual processo complexo, originariamente distribuído ao seu juízo – por meio da prática distorcida de declaração leviana de suspeição por motivo de foro íntimo –, por outro processo de maior simplicidade, uma vez que o sorteio – implícito na distribuição –, se não considera o aspecto qualitativo das demandas a serem distribuídas uniformemente para os diversos juízos, não deixa de permitir, por considerações de ordem probabilística, que um outro processo – muito mais complexo que o primeiro – seja distribuído, por compensação, ao juiz que se julgou suspeito para decidir a demanda originária. 2. Não é por outra razão que o processo de seleção do magistrado deve ser constantemente aperfeiçoado e perseguido em sua própria plenitude. O julgador deve – além da efetiva comprovação de conhecimentos técnico-jurídicos – demonstrar durante o processo de recrutamento a necessária aptidão para o exercício da função, o que corresponde, em outras palavras, à presença de qualidades tais como a moralidade, a ética, a firmeza de caráter, a consciência reta (não perplexa, a hesitar ante as dificuldades dos textos e a contradição entre as alegações e as provas), a serenidade, o domínio absoluto sobre as paixões, a coragem moral e a permanente disposição de enfrentamento diante das contínuas pressões políticas. 3. Apesar de ambas as situações – a do magistrado que, ante as pressões que envolvem o julgamento de uma demanda determinada, se acovarda e se utiliza levianamente do expediente da declaração de suspeição por motivo íntimo e a do juiz que simplesmente julga parcialmente, com ausência de isenção e independência, a demanda em favor daquela parte que se apresenta como “pessoa poderosa do meio”, em face de seu incontestável prestígio e de sua capacidade político-econômica – se constituírem em motivos igualmente ensejadores de veemente repulsa, sem a menor sombra de dúvida, em uma situação de inexorável opção, deve ser preferível a primeira situação – caracterizadora do juiz covarde – à segunda – evidenciadora da prestação jurisdicional completamente exposta à plena ausência de sua própria legitimidade –, até porque a absoluta isenção, imparcialidade e independência do juiz (e do julgamento conduzido por ele) se constitui em condição sine qua non para o efetivo exercício da função judicante. 4. Não obstante a exegese interpretativa do art. 135, parágrafo único, do CPC/73, bem como a conotação de absoluta intangibilidade da declaração de suspeição do magistrado por motivo de foro íntimo, a egrégia Corregedoria do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (Rio de Janeiro e Espírito Santo) entendeu por bem editar o Provimento nº 26/93, aparentemente ressuscitador – por meio de ato administrativo normativo – do preceito legal registrado no art. 119, §§ 1º e 2º, do CPC de 1939, verbis: “Provimento nº 26, de 25.10.1993 Vale registrar que, em face de veementes críticas ao aludido provimento, a própria Corregedoria, à época, reconheceu o equívoco e a inadequação de sua iniciativa, revogando, prontamente, o mencionado provimento. 5. Em essência, as razões, - e a consequente motivação (fundamentação) –, da decisão em que o juiz declara-se suspeito por motivo de foro íntimo encontram-se exatamente na própria natureza do “foro íntimo” consignado expressa e obrigatoriamente pelo julgador, revelando-se, desta feita, uma verdadeira impropriedade técnica a expressão registrada no novo texto legal, “sem necessidade de declarar suas razões”, uma vez que estas estão implicitamente declaradas na própria expressão legal “por razões de foro íntimo”. Tanto é assim que, caso o julgador venha a, voluntariamente, declinar o conteúdo do “foro íntimo” alegado, o poder discricionário que lhe permite, em última análise, a autêntica facultas de se declarar suspeito por motivo de foro íntimo sem ter de justificar sua conduta se descaracteriza, transmutando em autêntico poder vinculado, passível, por efeito, de julgamento pelo grau jurisdicional superior. 6. É importante frisar que muitas Faculdades de Direito do Brasil sequer possuem, em seus respectivos currículos escolares, a disciplina hermenêutica jurídica, relegando essa importantíssima matéria de formação interpretativa a simples conteúdos de Introdução ao Estudo do Direito. Nesse sentido, tivemos a grata satisfação de, na qualidade de Professor Titular da Universidade Veiga de Almeida (UVA), no Rio de Janeiro, ter introduzido a mencionada disciplina na grade obrigatória do curso de Direito daquela instituição de ensino. 7. É importante esclarecer que, para parcela significativa da doutrina, não é correto afirmar que o magistrado possui simplesmente o direito derradeiro de se afastar do processo por motivo de foro íntimo (ou por qualquer outro que lhe deixe em posição de suspeição). Em essência, o juiz possui, na verdade, o dever, a obrigatoriedade de assim proceder, especialmente quando não se sinta plenamente livre para atender as condicionantes constitucionais de um julgamento absolutamente isento, impessoal e independente, como exige a nossa Lei Maior. 8. É importante registrar que, diferentemente da disciplina processual civil – na qual a possibilidade de o magistrado declarar-se suspeito por razões íntimas é previsão expressa do Código em questão e resultado de uma incontestável evolução do instituto em relação, sobretudo, à anterior previsão do vício no Código de Processo Civil de 1939 –, a matéria normativa da espécie, no processo penal, se encontra consignada, acima de tudo, em algumas leis de organização judiciária, não obstante a maior parte dos doutrinadores defender o ponto de vista segundo o qual é possível, in casu, a utilização da analogia – como fator de integração (e não simples interpretação) da norma –, para permitir a aplicação do dispositivo legal expresso no art. 135, parágrafo único, do Código de Processo Civil/73 e, agora, da nova previsão legal ínsita no art. 145 §1º, do CPC/2015 no Direito Processual Penal.
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Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023:2002/ABNT): |
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