Tempo de serviço especial no serviço público federal: limites à revisibilidade de atos pela administração pública, no âmbito dos regimes próprios de previdência social, em face da Súmula Vinculante nº 33 do Supremo Tribunal Federal

Autora: Simone Barbisan Fortes

Juíza Federal, Especialista em Proteção Multinível de Direitos Humanos, Mestre em Direito, Doutora em Ciências Sociais, Professora de Direito Previdenciário e Constitucional

publicado em 30.06.2016



Resumo

O presente artigo debruça-se sobre as repercussões da Súmula Vinculante 33 e de suas (re)leituras efetivadas pelo Supremo Tribunal Federal no tocante ao reconhecimento do direito de servidores públicos à contagem de tempo de serviço especial mediante utilização do regramento do RPPS (Lei 8.213/91), especialmente a partir da interpretação de que é incabível a conversão em tempo comum para obtenção de benefício comum. Busca iluminar, em leitura constitucional, a zona gris em que se situam atos de averbação de tempo especial já efetivados pela administração, estabelecendo limites materiais e temporais a sua revisibilidade.

Palavras-chave: Regimes próprios de previdência social. Aposentadoria especial. Tempo de serviço especial. Abono de permanência em serviço. Revisibilidade de atos administrativos. Mudança de critérios de interpretação. Decadência administrativa.

Sumário: Introdução. 1 Tempo de serviço especial no âmbito do RPPS federal: contextualização à luz da jurisprudência do STF e dos atos administrativos normativos. 2 Iluminando constitucionalmente a zona gris: limites à revisibilidade dos atos praticados pela administração pública por mudança no critério interpretativo relativo ao tempo de serviço especial. 2.1 Atos consolidados e seus efeitos: o tempo especial em face do abono de permanência. 3 Tempo e segurança jurídica: efeitos da decadência administrativa na revisibilidade de atos de averbação de labor especial. Linhas conclusivas: as situações objetivamente verificáveis e sua solução. Referências bibliográficas.

Introdução

O advento da Constituição Federal de 1988, é sabido, importou avanço significativo no que respeita à organização da Seguridade Social no Brasil e, em seu interior, da Previdência Social. Traçou-se um amplo sistema de proteção, em cujo desenho reservou-se também importante subsistema previdenciário reservado aos servidores públicos, no âmbito dos chamados regimes próprios de previdência social (RPPSs), ao lado daquele reservado aos trabalhadores da iniciativa privada, o Regime Geral de Previdência Social (RGPS).

Embora com disciplinas, na origem, parcialmente diferenciadas (diversidade essa que as reformas previdenciárias que se seguiram têm obrado por debelar), RGPS e RPPSs alinhavam-se no apontamento dos riscos sociais que deveriam ser cobertos pelo sistema previdenciário – e, dentre eles, os dois regimes apontavam o labor em condições especiais.

Nada obstante, embora a matéria tenha ganhado tratamento legislativo no RGPS desde a edição da versão originária de sua regulamentação (Lei 8.213/91), com a previsão tanto da aposentadoria especial quanto do direito à conversão de tempo de serviço especial em comum, para cômputo diferenciado no gozo de benefícios comuns, o mesmo não sucedeu no âmbito dos RPPSs (emblematicamente, é o que se nota na Lei 8.112/91, a primeira regulamentação do regime próprio em nível federal). Dessa disparidade derivou uma série de ações, em especial mandados de injunção, buscando o reconhecimento de direitos correlatos.

O debate que cerca as repercussões do labor em condições especiais – vale dizer, aquele que submete seu exercente a condições nocivas à saúde ou à integridade física – no âmbito dos regimes próprios de previdência social envolve, em síntese:

(1) a ausência de regulamentação infraconstitucional ao disposto no art. 40, § 4º, da Constituição Federal (que dispõe sobre a diferenciação entre as aposentadorias comuns e aquelas decorrentes do exercício de atividade laborativa sob condições nocivas à saúde ou à integridade física, para os servidores públicos, ou seja, no âmbito dos regimes próprios de previdência social – RPPSs);
(2) portanto, a existência (ou não) do direito à aposentadoria diferenciada (especial, conforme regramento da Lei nº 8.213/91 – Regime Geral de Previdência Social – RGPS) e/ou ao cômputo diferenciado para os que laboraram em tais condições (conversão de tempo especial em comum, pela utilização dos fatores utilizados no RGPS, conforme art. 57, § 5º, da Lei nº 8.213/91), para fins de concessão de aposentadoria por tempo de contribuição;
(3) na eventualidade de estar configurado o direito à aposentadoria especial ou à aposentadoria por tempo de contribuição (com acréscimos derivados da conversão do tempo especial em comum) em período anterior ao afastamento do servidor da atividade, a possibilidade (ou não) de que o acréscimo seja considerado para fins de concessão de abono de permanência desde a aquisição do direito à aposentação até sua efetiva concessão.

A discussão evoluiu até atingir uma primeira leitura do Supremo Tribunal Federal, enfrentando o primeiro ponto e parcialmente o segundo, a ponto de dar ensejo à Súmula  Vinculante nº 33 – no sentido de que se aplica a legislação regente do RGPS aos RPPSs no tocante à temática da aposentadoria especial. Em decorrência, em muitos casos, a administração já reconheceu e averbou tempos de serviço especiais, reconhecendo o direito à aposentadoria especial ou convertendo o tempo em comum (com acréscimo), todavia negando o direito ao abono de permanência.

Nada obstante, recentemente (dezembro de 2013), como adiante se verá, por conta da evolução jurisprudencial do STF a respeito do tema, observou-se clara revisão dessa tendência, no sentido da impossibilidade de conversão do tempo especial em comum. E, como repercussão automática, para além da reformulação dos normativos administrativos que dispunham sobre a matéria (e, portanto, do indeferimento dos pedidos de simples conversão), a administração – e aqui nos focamos na esfera federal – vem procedendo à revisão de seus atos administrativos que outrora haviam reconhecido tal direito. E essa nova orientação, outrossim, acabou também reforçando o óbice que anteriormente já se punha ao reconhecimento administrativo do direito ao abono de permanência com cômputo de tempo especial.

Paralelamente a essa discussão de fundo, põem-se como necessários dois focos de análise, o primeiro dizendo respeito às possibilidades e aos limites no exercício do poder-dever de autotutela por parte da administração pública (expresso aqui como revisão de benefícios já concedidos e averbações já efetivadas em prol de servidores públicos) – mormente quando geram efeitos favoráveis a terceiros de boa-fé –, e a segunda pertinente aos efeitos do tempo sobre os atos administrativos – significa dizer, sobre a operação dos institutos da prescrição e da decadência no campo do direito administrativo.

É disso que passamos a tratar, buscando delinear os contornos para uma interpretação constitucional que possa pautar a administração pública, por certo alinhada à jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal sobre o labor em condições especiais prestado no serviço público, mas que igualmente não desborde de outras premissas constitucionais, mormente a da segurança jurídica.

1 Tempo de serviço especial no âmbito do RPPS federal: contextualização à luz da jurisprudência do STF e dos atos administrativos normativos

O tratamento constitucional do labor em condições especiais, na esfera dos RPPSs, na redação original da Constituição Federal de 1988, era idêntico àquele conferido à matéria no RGPS, como se pode notar nos dispositivos pertinentes, quais sejam, os arts. 40, § 4º, e 201, § 1º. Ambos passaram por mudança de redação, por conta das reformas previdenciárias, todavia, no que diz respeito ao tema, não houve alteração: tanto no regime geral quanto nos regimes próprios, a diretriz constitucional impunha o tratamento diferenciado ao tempo de serviço prestado pelo trabalhador (fosse da iniciativa privada, fosse servidor público) em condições nocivas à saúde ou à integridade física.

Com a edição da Lei 8.213/91, a matéria ganhou disciplina infraconstitucional no Regime Geral de Previdência Social (arts. 57 e 58), com a criação do benefício de aposentadoria especial, com redução do tempo exigido para o jubilamento (15, 20 ou 25 anos) para o trabalhador que fosse submetido durante toda sua vida laborativa a condições nocivas. Mais do que isso, reconheceu-se no comando constitucional a diretriz de tratamento diferenciado aos lapsos de trabalho especial, prevendo-se a conversão do tempo especial em tempo comum (em uma relação de proporcionalidade), para fins de gozo de aposentadoria comum (antiga aposentadoria por tempo de serviço e, atualmente, aposentadoria por tempo de contribuição).

No âmbito dos regimes próprios de previdência social – particularmente aquele que aqui está em foco, o federal –, todavia, editada a Lei 8.112/91, que regulamentou o serviço público em nível federal (e, em seu interior, também o respectivo plano de proteção previdenciária), não dispôs ela, tampouco legislação superveniente, sobre a cobertura do risco social de trabalho em condições nocivas. A omissão perdurou a ponto de conduzir a discussão ao Poder Judiciário, culminando com a utilização da via do mandado de injunção, perante o Supremo Tribunal Federal (STF), a fim de buscar a efetividade do direito de índole constitucional.

É justamente esse caminhar na seara jurisdicional que, resultando da omissão legislativa, tem produzido decisões judiciais e administrativas ao longo do tempo, com repercussões ainda não plenamente definidas, que demandam enfrentamento por parte dos operadores jurídicos.

Inicialmente, no ano de 2007, o STF reconheceu o direito do servidor público à contagem diferenciada do tempo de serviço em atividade insalubre, após a implantação do regime estatutário, decidindo que, inexistindo disciplina específica na legislação infraconstitucional sobre a aposentadoria especial do servidor público sujeito a condições especiais de trabalho, a omissão deveria ser suprida mediante a aplicação do art. 57 da Lei nº 8.213/91, que trata do plano de benefício dos trabalhadores vinculados ao Regime Geral de Previdência Social – RGPS. Nesse sentido:

“MANDADO DE INJUNÇÃO – NATUREZA – Conforme disposto no inciso LXXI do artigo 5º da Constituição Federal, conceder-se-á mandado de injunção quando necessário ao exercício dos direitos e das liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. Há ação mandamental, e não simplesmente declaratória de omissão. A carga de declaração não é objeto da impetração, mas premissa da ordem a ser formalizada. MANDADO DE INJUNÇÃO – DECISÃO – BALIZAS. Tratando-se de processo subjetivo, a decisão possui eficácia considerada a relação jurídica nele revelada. APOSENTADORIA TRABALHO EM CONDIÇÕES ESPECIAIS PREJUÍZO À SAÚDE DO SERVIDOR INEXISTÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR – ARTIGO 40, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Inexistente a disciplina específica da aposentadoria especial do servidor, impõe-se a adoção, via pronunciamento judicial, daquela própria aos trabalhadores em geral – artigo 57, § 1º, da Lei nº 8.213/91.” (MI 721, rel. Min. Marco Aurélio, DJ 30.11.2007) (sem destaques no original)

Essa orientação foi mantida pelo STF em diversos julgados que se sucederam, no ano de 2009:

“MANDADO DE INJUNÇÃO. APOSENTADORIA ESPECIAL DO SERVIDOR PÚBLICO. ARTIGO 40, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. AUSÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR A DISCIPLINAR A MATÉRIA. NECESSIDADE DE INTEGRAÇÃO LEGISLATIVA. 1. Servidor público. Investigador da Polícia Civil do Estado de São Paulo. Alegado exercício de atividade sob condições de periculosidade e insalubridade. 2. Reconhecida a omissão legislativa em razão da ausência de lei complementar a definir as condições para o implemento da aposentadoria especial. 3. Mandado de injunção conhecido e concedido para comunicar a mora à autoridade competente e determinar a aplicação, no que couber, do art. 57 da Lei nº 8.213/91.” (MI 795, rel. Min. Cármen Lúcia, DJ 22.05.2009) (sem destaques no original)

Portanto, segundo o STF, ausente regulamentação tocante à disciplina diferenciada para concessão de aposentadorias quando desenvolvido, por servidores públicos, trabalho em condições nocivas à saúde ou à integridade física, dever-se-ia aplicar a disciplina pertinente ao Regime Geral de Previdência Social, que figura no art. 57 da Lei nº 8.213/91 (e, ao que tudo indica, também no art. 58, que dispõe sobre critérios técnicos para enquadramento da especialidade). O art. 57 da Lei nº 8.213/91, reiteradamente mencionado pela Corte, tem a seguinte redação:

“Art. 57. A aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei, ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a lei.
§ 1º A aposentadoria especial, observado o disposto no art. 33 desta lei, consistirá em uma renda mensal equivalente a 100% (cem por cento) do salário de benefício.
§ 2º A data de início do benefício será fixada da mesma forma que a da aposentadoria por idade, conforme o disposto no art. 49.
§ 3º A concessão da aposentadoria especial dependerá de comprovação pelo segurado, perante o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, do tempo de trabalho permanente, não ocasional nem intermitente, em condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante o período mínimo fixado.
§ 4º O segurado deverá comprovar, além do tempo de trabalho, exposição aos agentes nocivos químicos, físicos, biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, pelo período equivalente ao exigido para a concessão do benefício.
§ 5º O tempo de trabalho exercido sob condições especiais que sejam ou venham a ser consideradas prejudiciais à saúde ou à integridade física será somado, após a respectiva conversão ao tempo de trabalho exercido em atividade comum, segundo critérios estabelecidos pelo Ministério da Previdência e Assistência Social, para efeito de concessão de qualquer benefício.
§ 6º O benefício previsto neste artigo será financiado com os recursos provenientes da contribuição de que trata o inciso II do art. 22 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, cujas alíquotas serão acrescidas de doze, nove ou seis pontos percentuais, conforme a atividade exercida pelo segurado a serviço da empresa permita a concessão de aposentadoria especial após quinze, vinte ou vinte e cinco anos de contribuição, respectivamente.
§ 7º O acréscimo de que trata o parágrafo anterior incide exclusivamente sobre a remuneração do segurado sujeito às condições especiais referidas no caput.
§ 8º Aplica-se o disposto no art. 46 ao segurado aposentado nos termos deste artigo que continuar no exercício de atividade ou operação que o sujeite aos agentes nocivos constantes da relação referida no art. 58 desta lei.” (redação do art. 57, na totalidade, hoje vigente, com as alterações feitas pelas Leis 9.032/95 e 9.732/98) (sem destaques no original)

Dessa orientação colhia-se que, aplicada aos regimes próprios de previdência social (RPPSs) a disciplina existente para o Regime Geral de Previdência Social (RGPS), o tratamento diferenciado para os que laboram sob condições nocivas incluía tanto o direito à obtenção de aposentadoria especial (se laborado todo o período sob a influência nociva) quanto o direito à conversão do tempo especial em comum (se laborado somente parte do período), para obtenção de aposentadoria normal por tempo de contribuição (portanto, com menos tempo). Foi justamente ela que legitimou a administração a adotar tal postura – ou seja, uma linha de entendimento perfeitamente válida e em consonância com a jurisprudência do STF – a reconhecer direitos a aposentadorias especiais e à conversão de períodos laborados em condições especiais em tempo comum. Nada obstante, vedava, no caso da aposentadoria especial, a concessão de abono de permanência.

A propósito, a Orientação Normativa SRH/MPOG nº 06, de 21.06.2010, DOU de 22.06.2010, estabelecendo orientação aos órgãos e às entidades integrantes do Sipec quanto à concessão de aposentadoria especial aos servidores públicos federais amparados por mandados de injunção, dispunha:

“Art. 1º Esta orientação normativa uniformiza, no âmbito do Sistema de Pessoal Civil da União – Sipec, os procedimentos relacionados à concessão de aposentadoria especial prevista no art. 57 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, de que trata o Regime Geral de Previdência Social – RGPS, ao servidor público federal amparado por decisão em mandado de injunção julgado pelo Supremo Tribunal Federal.
§ 1º Farão jus à aposentadoria especial de que trata o caput deste artigo os servidores públicos federais contemplados por decisões em mandados de injunção, individualmente, e aqueles substituídos em ações coletivas, enquanto houver omissão legislativa.
§ 2º As decisões exaradas pelo Supremo Tribunal Federal nos autos de mandados de injunção tratam da concessão de aposentadoria especial e da conversão de tempo de serviço aos servidores públicos federais com base na legislação previdenciária.
DA APOSENTADORIA ESPECIAL
Art. 2º A aposentadoria especial será concedida ao servidor que exerceu atividades no serviço público federal, em condições especiais, submetido a agentes nocivos químicos, físicos, biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, pelo período de 25 anos de trabalho permanente, não ocasional nem intermitente.
(...)
Art. 7º Os servidores que atenderem os requisitos para a aposentadoria especial de que trata esta orientação normativa não fazem jus à percepção de abono de permanência.
(...)
DA CONVERSÃO DE TEMPO ESPECIAL EM TEMPO COMUM
Art. 9º O tempo de serviço exercido em condições especiais será convertido em tempo comum, utilizando-se os fatores de conversão de 1,2 para a mulher e de 1,4 para o homem.
Parágrafo único. O tempo convertido na forma do caput poderá ser utilizado nas regras de aposentadorias previstas no art. 40 da Constituição Federal, na Emenda Constitucional nº 41, de 19 de dezembro de 2003, e na Emenda Constitucional nº 47, de 5 de junho de 2005, exceto nos casos da aposentadoria especial de professor de que trata o § 5º do art. 40 da Constituição Federal.
Art. 10. O tempo de serviço especial convertido em tempo comum poderá ser utilizado para revisão de abono de permanência e de aposentadoria, quando for o caso. (sem destaques no original)

Na sequência, sobreveio a Orientação Normativa MPOG/SRH nº 10, de 05.11.2010, DOU de 08.11.2010, que dispunha sobre o tema na mesma linha, mas avançando no que diz respeito ao abono de permanência (permitindo sua concessão em se tratando de aquisição do direito à aposentadoria especial, desde que cumpridos determinados requisitos, que especifica):

“Art. 1º Esta orientação normativa uniformiza, no âmbito do Sistema de Pessoal Civil da União – Sipec, os procedimentos relacionados à concessão de aposentadoria especial prevista no art. 57 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, de que trata o Regime Geral de Previdência Social – RGPS, ao servidor público federal amparado por decisão em mandado de injunção julgado pelo Supremo Tribunal Federal.
§ 1º Farão jus à aposentadoria especial de que trata o caput deste artigo os servidores públicos federais alcançados por decisões em mandados de injunção, individualmente, ou substituídos em ações coletivas, enquanto houver omissão legislativa.
§ 2º As decisões a que se refere o parágrafo anterior, exaradas pelo Supremo Tribunal Federal nos autos de mandados de injunção, tratam da concessão de aposentadoria especial e da conversão de tempo de serviço aos servidores públicos federais com base na legislação previdenciária.
DA APOSENTADORIA ESPECIAL
Art. 2º A aposentadoria especial será concedida ao servidor que exerceu atividades no serviço público federal, em condições especiais, que prejudiquem a saúde ou a integridade física, exposto a agentes nocivos químicos, físicos, biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, pelo período de 25 anos de trabalho permanente, não ocasional nem intermitente.
(...)
DO ABONO DE PERMANÊNCIA
Art. 8º Os servidores que atenderem aos requisitos para a aposentadoria especial de que trata esta orientação normativa farão jus ao pagamento do abono de permanência, desde que atendidas as seguintes condições:
I – § 19 do art. 40 da Constituição Federal de 1988, incluído pela Emenda Constitucional nº 41/2003:
a) tempo mínimo de dez anos de efetivo exercício no serviço público e cinco anos no cargo efetivo em que se dará a aposentadoria;
b) sessenta anos de idade e trinta e cinco anos de tempo de contribuição, se homem, e cinquenta e cinco anos de idade e trinta anos de contribuição, se mulher.
II – § 5º do art. 2º da Emenda Constitucional nº 41/2003:
a) cinquenta e três anos de idade, se homem, e quarenta e oito anos de idade, se mulher;
b) cinco anos de efetivo exercício no cargo em que se der a aposentadoria;
c) tempo de contribuição mínima de trinta e cinco anos, se homem, e trinta anos, se mulher; e
d) período adicional de contribuição equivalente a vinte por cento do tempo que, na data de publicação da Emenda Constitucional nº 20, de 1998, faltaria para atingir o limite de tempo constante da alínea a deste inciso.
III – § 1º do art. 3º da Emenda Constitucional nº 41/2003:
a) atendimento aos requisitos para a aposentadoria com base nos critérios da legislação vigente até 31 de dezembro de 2003, data da publicação da Emenda Constitucional nº 41, de 2003; e
b) tempo de contribuição mínima de vinte e cinco anos, se mulher, ou trinta anos, se homem.
DA CONVERSÃO DE TEMPO ESPECIAL EM TEMPO COMUM
Art. 9º O tempo de serviço exercido em condições especiais será convertido em tempo comum, utilizando-se os fatores de conversão de 1,2 para a mulher e de 1,4 para o homem.
Parágrafo único. O tempo convertido na forma do caput poderá ser utilizado para a aposentadoria prevista no art. 40 da Constituição Federal, na Emenda Constitucional nº 41, de 19 de dezembro de 2003, e na Emenda Constitucional nº 47, de 5 de junho de 2005, exceto nos casos da aposentadoria especial de professor de que trata o § 5º do art. 40 da Constituição Federal.
Art. 10. O tempo de serviço especial convertido em tempo comum poderá ser utilizado para revisão de abono de permanência e de aposentadoria, quando for o caso.”

Todavia, no ano de 2013, houve avanço na jurisprudência da Corte Constitucional, que, adentrando mais detalhadamente a discussão, acabou por posicionar-se pela inadmissibilidade de conversão de períodos especiais em comuns, entendendo que o art. 40, § 4º, da Constituição da República não garante a contagem de tempo de serviço diferenciada ao servidor público, mas, tão somente, o efetivo gozo da própria aposentadoria.

É o que foi decidido pelo plenário do STF, em 06.03.2013, no julgamento conjunto de agravos regimentais e embargos declaratórios interpostos nos Mandados de Injunção 2.123/DF, 2.370/DF, 2.394/DF, 2.508/DF, 2.591/DF, 2.801/DF, 2.809/DF, 2.847/DF, 2.914/DF, 2.965/DF, 2.967/DF, 1.208/DF e 2.140/DF, quando se assentou que o servidor público não poderá converter o tempo especial usando os índices de conversão previstos para os trabalhadores em geral (não se aplicaria aos servidores o § 5º do art. 57 da Lei 8.213/91), mas, apenas, fará jus à aposentadoria especial.
Nessa linha, seguiram-se julgados:

“Ementa: MANDADO DE INJUNÇÃO. APOSENTADORIA ESPECIAL DE SERVIDOR PÚBLICO. ART. 40, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, APLICAÇÃO DAS NORMAS DO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL. AGRAVO IMPROVIDO. 1. Segundo a jurisprudência do STF, a omissão legislativa na regulamentação do art. 40, § 4º, da Constituição deve ser suprida mediante a aplicação das normas do Regime Geral de Previdência Social previstas na Lei 8.213/91 e no Decreto 3.048/99. Não se admite a conversão de períodos especiais em comuns, mas apenas a concessão da aposentadoria especial mediante a prova do exercício de atividades exercidas em condições nocivas. Ainda, a jurisprudência do STF também reconhece o direito à aposentadoria especial dos servidores públicos portadores de deficiência. Fundamentos observados pela decisão agravada. 2. Agravo regimental improvido.” (MI 1596 AgR, relator Min. Teori Zavascki, j. em 16.05.2013, DJ 31.05.2013) (sem destaques no original)

“AGRAVO REGIMENTAL. MANDADO DE INJUNÇÃO. APOSENTADORIA ESPECIAL DO SERVIDOR PÚBLICO. ART. 40, § 4º, III, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. APLICAÇÃO DO ART. 57 DA LEI 8.213/1991. PRECEDENTES. EXAME DE CONDIÇÕES FÁTICAS E JURÍDICAS. COMPETÊNCIA DA AUTORIDADE ADMINISTRATIVA. CONTAGEM DIFERENCIADA. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. I – A concessão de aposentadoria aos servidores públicos em razão de atividade exercida exclusivamente sob condições que prejudiquem a saúde ou a integridade física deverá ser concretamente analisada pela administração pública mediante a aplicação integrativa do art. 57 da Lei 8.213/91, que dispõe sobre os planos de benefícios da Previdência Social. II – Incumbe apenas à autoridade administrativa competente perquirir sobre as condições de fato e de direito previstas no ordenamento jurídico pátrio. III – O art. 40, § 4º, da Carta Magna não garante a contagem de tempo de serviço diferenciada ao servidor público, mas, tão somente, o efetivo gozo da própria aposentadoria. IV - Agravo regimental a que se nega provimento.” (MI 2139 AgR, relator Min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, julgado em 17.10.2013, DJ 07.11.2013) (sem destaques no original)

Com base nesse novo entendimento do STF, foi editada a Orientação Normativa nº 16 da Secretaria de Gestão Pública do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (norma originária datada de 24.12.2013, posteriormente modificada pela Orientação Normativa nº 05/2014, DOU de 23.07.2014), cujo objeto foi assim definido:

“Esta orientação normativa estabelece orientações aos órgãos e às entidades integrantes do Sistema de Pessoal Civil da Administração Federal (Sipec) quanto aos procedimentos administrativos necessários à instrução e à análise dos processos que visam ao reconhecimento do direito à aposentadoria especial com fundamento no art. 57 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, aplicável por força da Súmula Vinculante nº 33 ou por ordem concedida em mandado de injunção. (Ementa alterada pela Orientação Normativa nº 05/2014 – DOU 23.07.2014)”

A modificação da orientação normativa teve como fundamento a edição da Súmula Vinculante nº 33, do Supremo Tribunal Federal, que assim resumiu o debate:

Súmula Vinculante nº 33 – Aplicam-se ao servidor público, no que couber, as regras do Regime Geral da Previdência Social sobre aposentadoria especial de que trata o artigo 40, § 4º, inciso III, da Constituição Federal, até a edição de lei complementar específica.” (Divulgada em 23.04.2014 e publicada no DJe do STF de 24.04.2014)

O ato normativo mencionado, revogando as orientações anteriores, especificou normas acerca dos requisitos para formação do direito à aposentadoria especial, bem como para concessão do correlato abono de permanência, de forma mais abrangente. Transcrevo alguns dos dispositivos pertinentes (redação atual, posterior à Súmula Vinculante nº 33):

“Art. 1º Ficam estabelecidas orientações aos órgãos e às entidades integrantes do Sistema de Pessoal Civil da Administração Federal (Sipec) quanto aos procedimentos administrativos necessários à instrução e à análise dos processos que visam ao reconhecimento do direito à aposentadoria especial com fundamento no art. 57 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, aplicável por força da Súmula Vinculante nº 33 ou por ordem concedida em mandado de injunção. (Nova redação dada pela Orientação Normativa MP nº 5, de 2014)
Parágrafo único. A Súmula Vinculante nº 33 ou a ordem concedida em mandado de injunção não asseguram, por si sós, ao servidor público federal o direito à aposentadoria especial, com fundamento no art. 57 da Lei nº 8.213, de 1991, impondo tão somente à autoridade administrativa competente o dever de analisar o efetivo preenchimento de todos os requisitos que, se cumpridos, serão suficientes à concessão. (Nova redação dada pela Orientação Normativa MP nº 5, de 2014)
CAPITULO II
DOS CRITÉRIOS PARA A CONCESSÃO DE APOSENTADORIA ESPECIAL COM BASE EM DECISÃO EM MANDADO DE INJUNÇÃO
Art. 2º Até que lei complementar federal discipline o disposto no inciso III do § 4º do art. 40 da Constituição Federal, a concessão da aposentadoria especial ao servidor público federal com fundamento no art. 57 da Lei nº 8.213, de 1991, por força da Súmula Vinculante nº 33 ou por ordem concedida em mandado de injunção, será devida desde que cumpridos os requisitos de que trata esta orientação normativa, notadamente a comprovação do exercício de atividades em condições especiais no serviço público, conforme a legislação em vigor à época do exercício das atribuições do cargo ou emprego público. (Nova redação dada pela Orientação Normativa MP nº 5, de 2014)
(...)”

O ponto mais relevante do referido ato normativo, no entanto, é a circunstância de que, de forma absolutamente inovadora, dispôs textualmente sobre a vedação de conversão de tempo de serviço exercido em condições especiais em tempo comum, tanto na redação originária quanto na que se seguiu à edição da Súmula Vinculante nº 33, do STF:

“Art. 24. É terminantemente vedada a conversão do tempo de serviço exercido em condições especiais em tempo comum para obtenção de aposentadoria e abono de permanência, salvo expressa disposição em contrário da decisão judicial no caso concreto e respectivo parecer de força executória.” (redação original)

“Art. 24. É vedada a conversão do tempo de serviço exercido em condições especiais em tempo comum para obtenção de aposentadoria e abono de permanência. (Artigo alterado pela Orientação Normativa nº 05/2014 – DOU 23.07.2014)”

Diante dessa orientação, claramente põem-se duas questões relevantes, não plenamente esclarecidas pelo Supremo Tribunal Federal em sua Súmula Vinculante nº 33, tampouco nos julgados que se seguiram e que modificaram sua visão acerca da (im)possibilidade de conversão de tempo especial em comum: uma delas refere-se ao alcance retroativo da nova interpretação conferida à matéria pela Corte Constitucional, ligada portanto aos limites do exercício do poder-dever de autotutela pela administração pública quanto a atos já praticados, vale dizer, da revisibilidade de seus atos administrativos.

2 Iluminando constitucionalmente a zona gris: limites à revisibilidade dos atos praticados pela administração pública por mudança no critério interpretativo relativo ao tempo de serviço especial

O lento caminho para uma construção judicial, mormente na Corte Constitucional, de solução para a temática da omissão legislativa relativa ao tempo de serviço especial no serviço público, dadas suas idas e vindas, acabou engendrando uma espécie de zona gris na matéria. Efetivamente, na medida em que o Supremo Tribunal Federal revê interpretação anterior e, com isso, promove um movimento de realinhamento da leitura da administração pública federal sobre a matéria, como tratar os atos administrativos já praticados e ancorados no entendimento anterior?

Em outros termos, estarão sujeitos à revisão administrativa automática, decorrente do poder-dever de autotutela da administração pública, os atos administrativos pretéritos que reconheceram direito de servidores públicos ao cômputo do tempo de serviço especial?

A questão comporta, ainda, um desdobramento, pois há situações em que o tempo especial foi utilizado para concessão de aposentadorias por tempo de serviço/contribuição – gerando, portanto, direito a um benefício previdenciário já concedido – e outras em que foi efetivada simplesmente sua averbação para uso futuro. Devem elas ser tratadas de modo diverso?

Busca-se, aqui, iluminar, a partir de premissas constitucionais, essa zona gris, traçando os limites para a revisibilidade desses atos administrativos que engendraram direitos a servidores públicos. Tudo isso partindo, porém, claramente, da inafastável premissa de que o STF adotou a discutível orientação de que o art. 40, § 4º, da Constituição da República não garante a contagem de tempo de serviço diferenciada ao servidor público, mas, tão somente, o efetivo gozo da própria aposentadoria.

Vale rememorar que o ordenamento jurídico pátrio diferencia tempos de aposentadoria de maneira correspondente às também diversas condições de labor, nos termos dos arts. 40 e 201 da Constituição da República (RPPS e RGPS), com redação praticamente idêntica. Veja-se a atual redação dos dispositivos (recordando que, em ambos, a diferenciação do tempo de trabalho em condições nocivas à saúde ou à integridade física constava na carta constitucional desde a redação original):

“Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003)
(...)
§ 4º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos abrangidos pelo regime de que trata este artigo, ressalvados, nos termos definidos em leis complementares, os casos de servidores: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 47, de 2005)
I – portadores de deficiência; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 47, de 2005)
II – que exerçam atividades de risco; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 47, de 2005)
III – cujas atividades sejam exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 47, de 2005)
(...)
Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
(...)
§ 1º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos beneficiários do regime geral de previdência social, ressalvados os casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física e quando se tratar de segurados portadores de deficiência, nos termos definidos em lei complementar. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 47, de 2005)” (sem destaques no original)

Assim, o direito à aposentadoria com tempo diferenciado decorre da submissão do trabalhador a agentes nocivos à sua saúde ou à sua integridade física.

Evidentemente, a intenção é evitar dano à saúde do trabalhador, de modo que, se este laborou exposto a condições nocivas, é razoável que o tempo seja computado a maior em seu favor (pois é diferenciado em relação ao tempo comum).

Significa dizer que a diretriz constitucional, desenhada de modo idêntico tanto para o Regime Geral de Previdência Social quanto para os regimes próprios de previdência social, no que diz respeito ao ponto, adota a clara teleologia de retirar, com a brevidade adequada e possível, do mercado de trabalho nocivo o trabalhador exposto a tais agentes, evitando, assim, seus deletérios e nocivos efeitos. E isso, nos moldes constitucionais, pode ser cumprido de duas formas: 1) mediante concessão de aposentadoria diferenciada (antecipada, com exigência de menos tempo de serviço em comparação com a aposentadoria paradigma, chamada por tempo de contribuição); 2) mediante política de estímulo ao trabalhador para que evite permanecer trabalhando sob condições nocivas, dando-lhe a possibilidade de computar de forma diferenciada o tempo de exposição, quando, tendo migrado para atividade comum, venha a gozar de uma aposentadoria por tempo de contribuição (ou seja, autorizando a conversão do tempo especial – por diferenciado – em tempo comum, com acréscimo proporcional, levando em conta a relação de proporção entre o tempo exigido para uma aposentadoria especial e o tempo exigido para uma aposentadoria por tempo de contribuição, o que redunda justamente nos fatores indicados no âmbito do RGPS).

Trata-se simplesmente da subsunção do axioma jurídico de que, onde houver a mesma razão, aplica-se o mesmo direito.

Em verdade, os artigos 40, § 4º, III, e 201, § 1º, todos da Constituição Federal, assim como outros preceitos infraconstitucionais nesse sentido, devem ser interpretados à luz dos princípios constitucionais da igualdade e da razoabilidade, entre outros. E, nesse sentido, restringir a aplicabilidade do direito à conversão do tempo de serviço exercido em condições especiais em tempo comum, alijando-a dos que laboram no serviço público, constitui interpretação colidente com a própria Constituição Federal.

Partindo dessa premissa é que o próprio STF já manifestou entendimento no sentido de que, ausente a regulamentação no tocante à aposentadoria especial nos RPPSs, é aplicável, para integração, a legislação regente da matéria no RGPS (que inclui a possibilidade de conversão de tempo especial em tempo comum).

Essa afigura-se a tese jurídica mais condizente e adequada com a ideia de uma Seguridade Social de caráter universal e igualitário, preconizada pela Carta Constitucional. Ampara-se ela na lógica de que o sistema constitucional oferece proteção ampliada aos exercentes de labor em condições nocivas à saúde ou à integridade física, adotando mecanismos que desestimulam sua permanência nesse mercado de trabalho – aposentadoria diferenciada (especial), com menos tempo que a aposentadoria por tempo de contribuição paradigma, e, na mesma exata proporção, cômputo diferenciado do tempo laborado em tais condições (vale dizer, na mesma relação entre o tempo especial e o tempo comum, em regra de proporcionalidade matemática).

Por outro lado, muito embora recentemente o STF tenha, de fato, decidido pela impossibilidade de conversão do tempo de serviço exercido em condições especiais em tempo comum para servidor público – o que resultou na edição de ato normativo para determinar a revisão por parte da administração –, posição essa que deve ser prestigiada em face do papel daquela Corte (de emprestar a leitura constitucional ao ordenamento infraconstitucional), não se pode olvidar que:

1) em verdade, a matéria ainda não encontra respaldo firme na orientação da própria Corte, já que não constou no texto da acima transcrita Súmula Vinculante nº 33 (que se limita a reconhecer a aplicabilidade da disciplina do Regime Geral de Previdência Social – aposentadoria especial – aos servidores públicos, até ulterior regulamentação da matéria);
2) mesmo que se tome a tese como consolidada, é imperioso reconhecer que houve mudança na orientação do STF, uma vez que, de seus julgados anteriores ao ano de 2013, extrai-se a possibilidade de aplicação integral do art. 57 da Lei 8.213/91, no que diz respeito ao tempo de serviço especial, aos servidores públicos (incluído, pois, seu § 5º, que trata da conversão de tempo especial em tempo comum). É certo que, claramente, a partir desse marco, a Corte Constitucional avançou na análise do tema, e então, de forma cabal, acabou por construir o entendimento de que tal parágrafo não alcançava os RPPSs, mas é igualmente certo que se perpetrou alteração nos critérios de interpretação, e isso produz um importante reflexo no que tange aos efeitos da postura administrativa adotada anteriormente;
3) de fato, sendo assim, os atos normativos anteriores que dispuseram sobre a matéria, Orientação Normativa SRH/MPOG nº 06, de 21.06.2010, DOU de 22.06.2010 e Orientação Normativa MPOG/SRH nº 10, de 05.11.2010, DOU de 08.11.2010, ao permitirem a conversão de tempo de serviço especial em comum, o fizeram de forma absolutamente pertinente, adotando um critério válido de interpretação – o de que o art. 57 da Lei nº 8.213/91, regulamentando o tópico referente à diferenciação do serviço prestado em condições especiais no RGPS, deveria ser aplicado na íntegra aos RPPSs, como indicavam os julgados do STF na época, inclusive no tocante a seu § 5º. A adoção da tese da vedação da possibilidade de conversão, indicada pela Orientação Normativa SRH/MPOGH nº 16 (de 24.12.2013, modificada pela ON nº 05/2014, DOU de 23.07.2014), portanto, implicou alteração nos critérios de interpretação, que, adotada pela administração a partir da mudança de orientação do STF (a despeito de não estar cabalmente obrigada a isso, por não constar em súmula vinculante), não pode retroagir para alcançar atos praticados anteriormente, sob o manto de fundamentos outros adotados pela própria Corte Suprema.
Ora, a interpretação vigente no momento em que averbado e convertido o tempo especial era pela possibilidade de conversão de tempo especial em tempo comum, haja vista a ausência de regulamentação tocante à aposentadoria especial nos RPPSs, de maneira que seria aplicável, para integração, a legislação regente da matéria no RGPS.
Não se deve admitir a modificação de ato que pode gerar efeitos favoráveis ao administrado por conta de uma mudança posterior de interpretação, retirando-lhe direito já reconhecido pela própria administração, sob pena de ofensa, ainda, à segurança jurídica em detrimento do administrado.
Nessa linha, mutatis mutandis,pode-se invocar a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello, segundo o qual a ideia de segurança jurídica, no âmbito do direito administrativo, está iluminada pelos influxos da publicidade informacional acerca da orientação da administração pública:

“(...) as orientações firmadas pela administração em dada matéria não podem, sem prévia e pública notícia, ser modificadas em casos concretos para fins de sancionar, agravar a situação dos administrados ou denegar-lhes pretensões, de tal sorte que só se aplicam aos casos ocorridos depois de tal notícia.” (MELLO, 2001, p. 84)

Por outro lado, não se pode descurar que à administração pública incumbe o dever de manter os atos praticados em decorrência de um padrão de ação normativo, que outorga aos administrados um direito à segurança e expressa sua previsibilidade. A propósito, Heleno Taveiro Torres pontua que “a confiança legítima na atuação dos órgãos do Estado, porém, tem sua fonte baseada não bem na manifestação de vontade, mas na própria condição de previsibilidade da ação daqueles órgãos” (TORRES, 2011, p. 212).
Quando se verifica um "estado de confiança legítima" – e é o que se verifica na hipótese em debate, em que a orientação normativa da administração decorria da orientação da própria Corte Constitucional –, a administração deve respeitá-lo, ficando absolutamente vedada a revisibilidade dos atos administrativos praticados com base nele. É o que argumenta Heleno Taveiro Torres:

“O princípio da proteção da confiança legítima garante o cidadão contra modificações substanciais inesperadas, mas também naqueles casos em que a permanência de certas situações jurídicas, pelo decurso do tempo ou pela prática continuada da administração, já não autoriza a revogação ou a anulação do ato administrativo, para fazer valer uma legalidade incongruente com a confiabilidade adquirida. A administração deve respeitar esse ‘estado de confiança legítima’ e, ao mesmo tempo, controlar os seus atos em conformidade com o respeito à confiança dos indivíduos na ação dos órgãos estatais.” (TORRES, 2011, p. 216-217)

Na mesma senda, Juarez Freitas leciona que a proteção à confiança constitui princípio fundamental no âmbito do direito administrativo, estatuindo, ao lado da boa-fé, "o poder-dever de o administrador público zelar pela estabilidade decorrente de uma relação timbrada por uma autêntica fidúcia mútua, no plano institucional” (FREITAS, 2004, p. 60).

Nesse ponto, cabe ressaltar a inexistência de distinção entre as situações em que já se reconheceu direito a uma aposentadoria comum, com cômputo de tempo especial, e aquelas em que houve simples averbação do tempo de serviço especial para utilização futura. Isso pelo fato de que o cômputo diferenciado do tempo de serviço especial constitui-se como direito em si, à parte do direito à aposentação, cujo exercício, pragmaticamente, operacionaliza-se com seu reconhecimento e sua averbação procedidos pela administração. Portanto, ao reconhecer e averbar lapsos de tempo especial, a administração praticou atos administrativos que geraram direitos – efeitos favoráveis – a servidores públicos de boa-fé, que devem estar ao abrigo da segurança jurídica (protegida que deve estar a confiança dos administrados – servidores públicos – nos atos legítimos praticados pela administração em dado período de tempo).

Segundo Giacomuzzi, o princípio constitucional da moralidade administrativa, expresso no art. 37 da Constituição Federal, conduzindo à boa-fé administrativa, exige a proteção da confiança que os administrados depositam nos atos da administração pública, a quem incumbem assim os deveres de lealdade e de respeito àqueles que foram praticados anteriormente (GIACOMUZZI, 2002). Vale lembrar, com José Joaquim Gomes Canotilho (1998), que segurança jurídica e proteção da confiança andam tão intimamente relacionadas que muitos autores consideram esta como subprincípio ou dimensão daquela.

Configura-se, pois, ofensiva à garantia constitucional do ato jurídico perfeito – e mais, grave violação à segurança jurídica (dever de previsibilidade, derivado do estado de confiança legítimo oriundo da orientação do STF e dos atos administrativos dela derivados) – a decisão que, sem ponderar as circunstâncias do caso concreto, desconsidera a validez e a eficácia de interpretação aplicável no momento em que averbado e convertido o tempo especial em favor do administrado.
Nesse sentido:

“EMENTA: ADMINISTRATIVO. REVOGAÇÃO DO ATO ADMINISTRATIVO. LIMITES. MUDANÇA DE ENTENDIMENTO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. FATOR TEMPO NA RELAÇÃO ADMINISTRATIVA. PRINCÍPIOS DA BOA-FÉ E DA SEGURANÇA JURÍDICA. DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA. 1. É ponto pacífico na doutrina e na jurisprudência que a mudança de critério na interpretação da norma jurídica não autoriza a anulação ou a revogação do ato administrativo fundado em interpretação anterior. Com efeito, é reconhecido à administração pública o poder-dever de anular os próprios atos quando editados em contrariedade à Constituição ou à própria lei. Tais princípios, de há muito, encontram-se consagrados na jurisprudência consolidada do eg. Supremo Tribunal Federal, com a edição das Súmulas nos 346 e 473, condensando julgamentos seus, amparados na melhor doutrina. Contudo, quando se trata de interpretação da lei, que não contraria a sua letra ou o seu espírito, o fato de a administração ter adotado interpretação que, posteriormente, considere menos correta ou conveniente não legitima a anulação dos atos anteriores. É o princípio da continuidade do serviço público, sobre o qual não pode pairar a dúvida da legitimidade. Tal exegese concilia-se com a melhor doutrina, pois, se assim não fosse, a ordem jurídica perderia a estabilidade necessária e as relações entre a administração pública e os administrados não teriam nenhuma segurança, visto que desapareceria a certeza do direito do particular diante das possíveis variações de interpretação de cada funcionário público e de cada nova administração que discordasse da anterior. Embora se reconheça o poder-dever da administração em anular seus próprios atos quando eivados de ilegalidade, porquanto da inteira submissão da atuação administrativa ao princípio da legalidade, o certo é que essa prerrogativa precisa ser compatibilizada com outro princípio próprio do Estado Democrático de Direito, qual seja, o da segurança jurídica. Mesmo considerando que ‘a administração pode anular seus próprios atos quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos’, tal prerrogativa somente pode ser levada a efeito no limite temporal insculpido no art. 54 da Lei nº 9.784/99. Ultrapassado o prazo decadencial da norma referida sem que o ato impugnado fosse expurgado do universo jurídico, prevalece a segurança jurídica em detrimento da legalidade da atuação administrativa. 2. Precedentes do STF e do STJ. 3. Agravo de instrumento provido.” (TRF4, AG 5012366-17.2012.404.0000, Terceira Turma, relator p/ acórdão Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, juntado aos autos em 13.09.2012)” (sem destaques no original)

Em suma, tem-se que:

1) as averbações de tempo especial, efetivadas à luz da Orientação Normativa SRH/MPOG nº 06, de 21.06.2010, e da Orientação Normativa MPOG/SRH nº 10, de 05.11.2010, com concessão de aposentadoria especial e/ou abono de permanência, bem como as respectivas conversões de tempo especial em tempo comum (com concessão de aposentadorias por tempo de contribuição), constituem ato jurídico perfeito, por terem se constituído validamente mediante adoção de critério de interpretação plenamente razoável, e, na época, não destoante da orientação do STF, de modo que não podem ser revisadas ou canceladas por força da superveniência da Orientação Normativa SRH/MPOGH nº 16, de 24.12.2013, nem mesmo dentro de eventual prazo decadencial (pois não se constituíram em atos ilegais);
2) as averbações de tempo especial efetivadas já na vigência da Orientação Normativa SRH/MPOGH nº 16, de 24.12.2013, devem estar adequadas aos comandos e à respectiva regulamentação do art. 57 da Lei nº 8.213/91, afastada a aplicação de seu § 5º (conversão de tempo especial em comum), conforme orientação mais recente do STF.

2.1 Atos consolidados e seus efeitos: o tempo especial em face do abono de permanência

Admitida a possibilidade de situações pretéritas já consolidadas (não sujeitas à revisão administrativa), é necessário adentrar o campo dos efeitos da averbação do tempo de serviço especial para aqueles que, já tendo direito à aposentadoria (seja ela especial, seja ela comum considerando no somatório o lapso especial), optam por permanecer em atividade: vale dizer, tocante às repercussões do tempo especial para a aquisição do direito ao abono de permanência.

É pertinente pontuar, nessa perspectiva, que, em qualquer das duas situações acima apontadas – configurado direito à aposentadoria especial ou à aposentadoria por tempo de contribuição (com acréscimo de tempo especial convertido em comum, anteriormente permitido) –, é devido abono de permanência a partir do atingimento dos requisitos pertinentes.

E isso pela óbvia razão de que, reconhecido o direito à averbação do tempo de serviço especial – e sua irreversibilidade ou impossibilidade de ser revisado pela administração –, devem-se emprestar os efeitos que lhe são próprios, quais sejam, ou a formatação de um benefício antecipado (aposentadoria especial), ou o cômputo diferenciado, a maior em relação ao tempo comum. Se o tempo especial é somado ao tempo comum, deve sê-lo na proporção de sua especialidade, e dessa forma diferenciada agregar tanto para a obtenção de aposentadoria por tempo de contribuição quanto para a do abono de permanência.

A propósito, veja-se que o § 19 do art. 40 da Constituição Federal garante ao servidor público que tenha completado as exigências para a aposentadoria voluntária, quando permanecer em atividade, o pagamento de um abono de permanência equivalente ao valor de sua contribuição previdenciária até o efetivo afastamento pela aposentação. Sendo assim:

(1) não há nenhum óbice a que o servidor em cujo favor tenha sido reconhecido tempo especial, com conversão em comum, e que, somado este ao tempo efetivamente comum laborado, satisfaça os requisitos para obtenção de aposentadoria por tempo de contribuição, nos moldes do regramento permanente da Constituição ou mesmo das regras de transição das ECs 20/98, 41/2003 ou 47/2005, faça jus ao abono de permanência, pois se trata de direito adquirido a uma aposentadoria voluntária;
(2) no caso de configuração do direito à aposentadoria especial (sem conversão de tempo especial em comum), embora não haja ainda regulamentação, deve-se considerar que o benefício é do tipo voluntário, pois a norma constitucional que trata da diferenciação do trabalho exercido em condições nocivas à saúde ou à integridade física (art. 40, § 4º) não estabelece compulsoriedade para o retiro. E, dessa forma, igualmente se verifica o direito ao abono de permanência.

Tal direito, a propósito, foi claramente reconhecido pela administração, quando da edição da Orientação Normativa SRH/MPOGH nº 16, de 24.12.2013, cujo art. 23 assim dispôs:

“Art. 23. Os servidores beneficiados pela aposentadoria especial nos estritos termos desta orientação normativa poderão fazer jus ao abono de permanência.” (redação original)

“Art. 23. Os servidores beneficiados pela aposentadoria especial, com fundamento no art. 57 da Lei nº 8.213, de 1991, nos estritos termos desta orientação normativa, poderão fazer jus ao abono de permanência. (Artigo alterado pela Orientação Normativa nº 05/2014 – DOU 23.07.2014)”

Como mencionado anteriormente, trata-se aqui de garantir a proteção à confiança legítima que os administrados (no caso, servidores públicos) depositaram na atuação da administração, expressa em atos de reconhecimento de tempo de serviço especial, com todos os seus corolários. Afinal, como bem pondera Marçal Justen Filho, "as expectativas e os direitos derivados de atividades estatais devem ser protegidos, sob o pressuposto de que os particulares têm a fundada confiança em que o Estado atua segundo os princípios da legalidade, da moralidade e da boa-fé" (JUSTEN FILHO, 2010, p. 122-123).

Portanto, adquirido direito à aposentadoria especial ou à aposentadoria por tempo de contribuição com acréscimo de tempo especial (quando ainda era possível a conversão), o servidor público que permanecer em atividade faz jus ao respectivo abono de permanência, até que lhe seja concedida a respectiva aposentação.

3 Tempo e segurança jurídica: efeitos da decadência administrativa na revisibilidade de atos de averbação de labor especial

Para além da temática relativa à possibilidade de revisão de atos administrativos por mudança de critério interpretativo, põe-se aquela relativa ao limite temporal ao  cancelamento dos atos administrativos dos quais resultaram efeitos favoráveis aos administrados de boa-fé – ou seja, acerca dos efeitos do instituto da decadência sobre a revisibilidade dos lapsos de serviço especial já averbados.

É importante, a propósito, frisar que a respectiva abordagem ou solução independe da aderência ou não à primeira tese. Significa dizer, ainda que se entenda que aquele limite material (mudança de critério interpretativo) não tenha pertinência para obstaculizar a revisão de atos administrativos que averbaram tempo de serviço especial em favor de servidores públicos, por certo, no mínimo, impõe-se o limite temporal da decadência. Dada essa circunstância, o tema ganha, aqui, espaço próprio.

A revisão generalizada dos atos administrativos decorrente das inovações trazidas pela Orientação Normativa nº 16, relativa a eventuais concessões de aposentadorias especiais (quando conflitantes com os novos critérios) ou de atos de conversão do tempo especial em comum (anteriormente permitidos e, agora, negados), está especificada em seus arts. 27 e 28:

“Art. 27. Os órgãos e as entidades integrantes do Sipec deverão rever todos os atos praticados com base na Orientação Normativa SRH nº 6, de 21 de junho de 2010, publicada em 22 de junho de 2010, que contrariem as disposições desta orientação normativa, respeitado o direito ao contraditório e à ampla defesa, observando o rito estabelecido na Orientação Normativa Segep nº 4, de 21 de fevereiro de 2013, que dispõe sobre os procedimentos para regularização cadastral no Siape.
Parágrafo único. Não serão objeto de revisão os atos de aposentadoria ou pensão que se encontram registrados pelo Tribunal de Contas da União.
Art. 28. Os órgãos e as entidades integrantes do Sipec deverão rever todos os atos praticados com base na Orientação Normativa SRH nº 10, de 05 de novembro de 2010, publicada em 08 de novembro de 2010, que deferiram a conversão do tempo de serviço exercido em condições especiais em tempo comum para obtenção de aposentadoria e abono de permanência, respeitado o direito ao contraditório e à ampla defesa, observando o rito estabelecido na Orientação Normativa Segep nº 4, de 21 de fevereiro de 2013, que dispõe sobre os procedimentos para regularização cadastral no Siape.” (sem destaques no original)

Nada obstante, quanto à aplicabilidade do instituto da decadência à hipótese, não parece haver grande contenda, já que a própria administração pública federal tem recorrido a ele para pautar suas revisões. Nessa linha, tendo em vista a superveniência da nova Orientação Normativa, de nº 16/2013, a administração tem, em juízo,(1) informado que, em respeito ao prazo decadencial de 5 (cinco) anos da Lei nº 9.784/91, irá rever todos os atos praticados desde novembro de 2007.

Como é sabido, a revisão do ato administrativo, quando cabível, está sujeita ao prazo decadencial de 5 (cinco) anos, estatuído no art. 54 da Lei nº 9.784/99. Segundo o dispositivo, "o direito da administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários" está tolhido pela fluência do tempo, decaindo em "cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé".

Registra-se, sobre o tema, precedente do Supremo Tribunal Federal esclarecendo que atos administrativos que ensejaram direitos em prol dos administrados, aí incluídos os servidores públicos, somente podem ser revisados em tal lapso:

“Mandado de segurança. 2. Cancelamento de pensão especial pelo Tribunal de Contas da União. Ausência de comprovação da adoção por instrumento jurídico adequado. Pensão concedida há vinte anos. 3. Direito de defesa ampliado com a Constituição de 1988. Âmbito de proteção que contempla todos os processos, judiciais ou administrativos, e não se resume a um simples direito de manifestação no processo. 4. Direito constitucional comparado. Pretensão à tutela jurídica que envolve não só o direito de manifestação e de informação, mas também o direito de ver seus argumentos contemplados pelo órgão julgador. 5. Os princípios do contraditório e da ampla defesa, assegurados pela Constituição, aplicam-se a todos os procedimentos administrativos. 6. O exercício pleno do contraditório não se limita à garantia de alegação oportuna e eficaz a respeito de fatos, mas implica a possibilidade de ser ouvido também em matéria jurídica. 7. Aplicação do princípio da segurança jurídica, enquanto subprincípio do Estado de Direito. Possibilidade de revogação de atos administrativos que não se pode estender indefinidamente. Poder anulatório sujeito a prazo razoável. Necessidade de estabilidade das situações criadas administrativamente. 8. Distinção entre atuação administrativa que independe da audiência do interessado e decisão que, unilateralmente, cancela decisão anterior. Incidência da garantia do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal ao processo administrativo. 9. Princípio da confiança como elemento do princípio da segurança jurídica. Presença de um componente de ética jurídica. Aplicação nas relações jurídicas de direito público. 10. Mandado de segurança deferido para determinar observância do princípio do contraditório e da ampla defesa (CF, art. 5º, LV).” (STF, MS 24268/MG, relator para o acórdão Min. Gilmar Mendes, DJ 17.09.2004)

Nada obstante a indicação administrativa de observância ao prazo decadencial, cabe pontuar que o marco indicado nas informações acima mencionadas parece encontrar-se equivocado, na medida em que, tendo sido a orientação normativa em comento publicada no DOU de 24.12.2013, o marco decadencial deve ser 25.12.2008 (cinco anos, contados retroativamente, a partir da publicação do ato normativo que determinou a revisão).

Em se entendendo, portanto, que é cabível a revisão em comento – conversão do tempo especial em tempo comum, no âmbito do serviço público, já efetivada administrativamente –, é certo que ela só poderia atingir atos praticados a partir de 25.12.2008, de modo que inviabilizada estaria a discussão em relação a eventuais averbações efetivadas anteriormente.

Linhas conclusivas: das situações objetivamente verificáveis e sua solução

Diante da evolução normativo-administrativa na matéria, cotejada com a orientação jurisprudencial consolidada no Supremo Tribunal Federal, e das premissas acima apontadas para a solução dos pontos gris (em relação aos quais ainda não há definição da Corte Superior), quais sejam, os limites materiais à revisibilidade dos atos de averbação de tempo especial já efetivados pela administração, parece-nos de relevo apontar, à guisa de conclusão, em perspectiva muitíssimo pragmática, três quadros concretamente possíveis, nos termos a seguir indicados:

1) Servidores que contam com lapsos de tempo de serviço especial entremeados com tempo comum, reconhecidos antes do advento da Orientação Normativa SRH/MPOGH nº 16, de 24.12.2013:
1.1) computando lapsos pequenos de tempo especial, tiveram a conversão efetivada em tempo comum, sendo que, de tal acréscimo, resultaria direito à aposentadoria por tempo de contribuição, com abono de permanência negado ou deferido – em tais casos, o tempo de serviço especial já averbado e convertido em tempo comum não pode ser revisado, devendo ser reconhecido e/ou mantido o direito ao abono de permanência, cujo pagamento deve perdurar desde a aquisição do direito até a efetiva aposentadoria por tempo de contribuição (em cujo cômputo deve ser considerado o tempo especial convertido em comum);
1.2) computando lapsos significativos de tempo especial, mas ainda sem atingimento do direito à aposentadoria especial, fariam jus de imediato somente à aposentadoria por tempo de contribuição, com abono de permanência negado ou deferido – em tais casos, o tempo especial já reconhecido deve ser mantido, assistindo ao servidor o direito de optar por:
a) manutenção da conversão do tempo especial em comum, fazendo jus à preservação ou ao reconhecimento do abono de permanência até a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição (em cujo cômputo deve ser considerado o acréscimo de tempo de serviço especial); ou
b) manutenção exclusivamente do reconhecimento do tempo especial, para fins de gozo futuro de aposentadoria especial, e, após o cumprimento dos requisitos para tanto, configuração do direito ao abono de permanência.
2) Servidores que contam com lapsos de tempo especial reconhecidos após o advento da Orientação Normativa SRH/MPOGH nº 16, de 24.12.2013:
2.1) computando pequenos lapsos de tempo especial – em tais situações, na medida em que a nova orientação encontra-se em conformidade com o atual entendimento do STF na matéria e, somente com o reconhecimento do tempo especial, o servidor não fará jus à aposentadoria especial, não se verifica a possibilidade jurídica da averbação do período, seja administrativa, seja judicialmente;
2.2) computando lapsos significativos de tempo especial, mas ainda sem atingimento do direito à aposentadoria especial – em tais casos, ainda que não verificado o direito imediato à aposentadoria especial, deve ser mantida a averbação já efetivada, uma vez que se coloca a possibilidade futura de que o servidor, computando somente o tempo especial (sem conversão em comum), possa gozar de aposentadoria especial e/ou abono de permanência (a partir do cumprimento dos requisitos para aquisição do direito à aposentadoria).
3) Servidores que argumentam ter laborado exclusivamente sob condições especiais, todavia não tiveram o tempo especial reconhecido, seja antes, seja após o advento da Orientação Normativa SRH/MPOGH nº 16, de 24.12.2013 – nesses casos, na linha de orientação do STF vigente desde 2007, hoje consolidada na Súmula Vinculante nº 33, deve-se fazer a avaliação do respectivo enquadramento previdenciário (condições nocivas à saúde ou à integridade física), nos termos da Lei nº 8.213/91 e das suas respectivas regulamentações, sendo que, atendidos os requisitos, o direito à averbação do tempo especial se verifica tanto para os que já computam o tempo exigido para aposentadoria especial quanto para os que ainda não totalizaram o suficiente para tanto, desde que constatada a possibilidade futura de gozo do benefício. Nesses casos, porém, o reconhecimento do direito passa pela verificação prévia das condições especiais, como mencionado, em conformidade com a legislação regente do RGPS. Outrossim, concluindo-se pela existência do direito, também se configura o direito ao abono de permanência, desde o momento em que completados os requisitos para aposentadoria especial e até o momento de sua efetiva concessão.

Por fim, resta reafirmar que, para além dos limites materiais, de modo inafastável, impõe-se à administração pública o limite temporal à revisibilidade de seus atos que, averbando tempo de serviço especial, geraram efeitos favoráveis (reconhecimento de direitos) em face dos servidores públicos. Ainda que se admita ser cabível a revisão aqui discutida, é certo que ela está sujeita ao prazo de decadência de 5 (cinco) anos, de modo que somente poderia atingir atos praticados a partir de 25.12.2008, inviabilizada a discussão em relação a eventuais averbações efetivadas anteriormente.

O presente artigo, mais do que propor uma teorização sobre o problema posto, teve o fundamental propósito de buscar soluções pragmáticas, alinhadas às diretrizes e aos propósitos constitucionais no campo do direito administrativo e previdenciário e cotejando as construções jurisprudenciais já consolidadas, para contribuir no avanço das discussões na seara judicial. Nesse mister, as conclusões acima apontadas foram construídas como indicativos de caminhos que pudessem contemporizar proteção social, segurança jurídica e interesse público.

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Notas

1. É o que se observa, ilustrativamente,nas diversas ações que, sobre a temática, tramitam perante a 1ª Vara Federal da Subseção Judiciária da Justiça Federal de Florianópolis - SC, v.g. informação constante no Evento 7, OFIC2, anexado ao processo n. 5001593-70.2014.404.7200/SC - Ofício n. 256/2014/DAP, datado de 17/03/2014



Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023:2002/ABNT):
. . Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n., jun. 2016. Disponível em:
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REVISTA DE DOUTRINA DA 4ª REGIÃO
PUBLICAÇÃO DA ESCOLA DA MAGISTRATURA DO TRF DA 4ª REGIÃO - EMAGIS