Responsabilidade civil da administração pública em casos de nomeação tardia para o desempenho de cargos à luz da jurisprudência dos tribunais superiores

Bruno Risch Fagundes de Oliveira

Juiz Federal Substituto

publicado em 24.02.2017

A conferencista Weida Zancaner tratou do tema “Responsabilidade civil do Estado e relação de causalidade”, assunto de extrema importância teórica e com enorme incidência prática no âmbito da Justiça Federal.

A respeito da responsabilidade civil da administração pública, dispõe o art. 37, § 6º, da Constituição Federal:

“Art. 37 (...)

§ 6º – As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”

Maria Sylvia Zanella di Pietro, na sua obra Direito Administrativo, 24. ed., p. 642, a despeito do tema, assim leciona:

“Quando se fala em responsabilidade do Estado, está-se cogitando dos três tipos de funções pelas quais se reparte o poder estatal: a administrativa, a jurisdicional e a legislativa. Fala-se, no entanto, com mais frequência, de responsabilidade resultante de comportamentos da administração pública, já que, com relação aos Poderes Legislativo e Judiciário, essa responsabilidade incide em casos excepcionais.”

Assim, uma vez causado dano por parte da administração pública, independentemente da demonstração de culpa lato sensu, deve haver uma indenização a fim de compensar o lesado pelos prejuízos causados. Trata-se da chamada responsabilidade objetiva, a qual decorre da simples causalidade material.

Com efeito, expressa o art. 927 do Código Civil:

“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.”

Em casos de nomeação tardia para cargos públicos, o que pode ocorrer por diversas razões, muito se discute acerca da possibilidade ou não de indenização por danos materiais e/ou morais. Sobre o dano moral, por ser algo casuístico e, até certo ponto, improvável, não haverá uma análise mais detalhada neste texto.

Por outro lado, o dano material deve ser tema de debate, na medida em que é o mais plausível e recorrente em casos de atraso na nomeação e na posse em cargo público em face de ilegalidade da administração.

Cumpre salientar que não se trata a indenização de pagamento de subsídio ou vencimento pelo período não trabalhado, o que, por óbvio, é vedado, pois não houve contraprestação alguma por parte do requerente. Aliás, por muito tempo e diversas vezes, a jurisprudência pátria, de modo equivocado, fundamentou o decisum, quando desfavorável à responsabilização civil, exatamente na impossibilidade de percepção de verbas sem a devida contraprestação por meio do trabalho, esquecendo-se de que o pleito não é a percepção retroativa de remuneração, mas sim indenização por dano material.

Na verdade, a indenização eventualmente devida é reflexo da teoria da perda da chance, pois o prejudicado, com o ato, deixou de exercer e, por consequência, de perceber os valores atinentes ao cargo suprimido, sendo que o quantum deve guardar relação direta com a vantagem financeira não auferida, atentando sempre para o princípio da não acumulabilidade de cargos públicos ou outras incompatibilidades existentes no exercício da função.

Segundo o Superior Tribunal de Justiça, “a teoria da perda de uma chance aplica-se quando o evento danoso acarreta para alguém a frustração da chance de obter um proveito determinado ou de evitar uma perda”, assim como “não se exige a comprovação da existência do dano final, bastando prova da certeza da chance perdida, pois esta é o objeto de reparação”, conforme ficou decidido no REsp 1.291.247/RJ, julgado em 19.08.2014, de relatoria do Ministro Paulo de Tarso Sanseverino.

Quanto ao valor da indenização, segundo o art. 944 do Código Civil, mede-se pela extensão do dano. Por conseguinte, nos termos do acórdão abaixo transcrito, a indenização, quando devida, deve ser equivalente aos vencimentos e às demais vantagens inerentes ao cargo que teria percebido, caso não houvesse o óbice injustificado.

Veja-se:

“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO IMPEDIDO DE TOMAR POSSE POR ATO DA ADMINISTRAÇÃO RECONHECIDO COMO ILEGAL POR SENTENÇA TRANSITADA EM JULGADO. INDENIZAÇÃO DEVIDA.

(...)

5. O surgimento da responsabilidade civil do Estado decorre da conjugação de três elementos: o ato ilícito, o dano e o nexo de causalidade entre ambos. No caso em exame, o autor, em função de ato da administração reconhecido como ilegítimo por sentença judicial transitada em julgado, foi impedido de assumir o cargo para o qual fora aprovado em concurso público. Configurada, portanto, a responsabilidade do Estado pelos danos decorrentes.

6. Por força do princípio da restitutio in integrum, a indenização deve ser equivalente aos vencimentos e às demais vantagens inerentes ao cargo que teria percebido não fosse o ilegítimo óbice à sua posse, bem assim a determinação para o cômputo do tempo de serviço respectivo.

7. Recurso especial parcialmente conhecido e parcialmente provido.” (REsp 506.808/MG, rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em 29.06.2006, DJ 03.08.2006, p. 206)

Outro tema correlato é o direito adquirido à nomeação dentro do número de vagas. Sobre isso, já decidiu o STF no seguinte sentido:

“1. Os candidatos aprovados em concurso público têm direito subjetivo à nomeação para a posse que vier a ser dada nos cargos vagos existentes ou nos que vierem a vagar no prazo de validade do concurso. 2. A recusa da administração pública em prover cargos vagos quando existentes candidatos aprovados em concurso público deve ser motivada, e essa motivação é suscetível de apreciação pelo Poder Judiciário. 3. Recurso extraordinário ao qual se nega provimento.” (RE 227.480, relator(a) Min. Menezes Direito, relator(a) p/ acórdão Min. Cármen Lúcia, Primeira Turma, julgado em 16.09.2008, DJe-157, divulg. 20.08.2009, public. 21.08.2009, Ement. Vol-02370-06, PP-01116, RTJ VOL-00212, PP-00537, RMP n. 44, 2012, p. 225-242)

Disso conclui-se que, salvo motivação idônea, a administração pública deve nomear os candidatos, obviamente na ordem de classificação do certame, ficando impossibilitada de iniciar novo concurso até que sejam disponibilizadas as vagas a todos os aprovados. Caso contrário, havendo ilegalidade, haverá razão para nomeação judicial, com a possibilidade eventual de indenização pelo tempo não trabalhado, baseada na teoria da perda da chance.

Ainda sobre o tema da nomeação tardia e embasada em decisão judicial, recentemente, em 2015, o Supremo Tribunal Federal, em repercussão geral, no julgamento do RE 724.347, decidiu, em suma, que, “na hipótese de posse em cargo público determinada por decisão judicial, o servidor não faz jus à indenização sob fundamento de que deveria ter sido investido em momento anterior, salvo situação de arbitrariedade flagrante”, prevalecendo a posição defendida pelo Ministro Luís Roberto Barroso.

Sobre o julgamento, assim constou do site http://www.conjur.com.br/2015-fev-26/servidor-nomeado-decisao-judicial-nao-direito-indenizacao, referindo-se ao Ministro Barroso:

“Segundo o ministro, o processo nem sempre corre na velocidade esperada, mas o princípio da prudência judiciária impede a execução provisória da decisão que garante a nomeação dos candidatos. Ele citou ainda o artigo 2º-B da Lei 9.494 (considerada constitucional pelo STF), segundo o qual a inclusão de servidor em folha de pagamento só deve ocorrer com o trânsito em julgado da decisão judicial.

‘A postura de comedimento judiciário, além de prevenir gastos de difícil recuperação, impede que se consolidem situações cujo desfazimento pode assumir configuração dramática’, afirmou.”

A decisão supra se deu nos autos nos quais havia discussão sobre nomeação em concurso em que houve alargamento da quantidade de vagas para a segunda fase do certame, o que acarretou o alegado preterimento dos candidatos. Tratou-se de um grupo de auditores que participou da segunda fase do concurso devido à decisão judicial, mas somente após a conclusão do processo houve a nomeação.

O STF considerou que não houve óbice injustificado, pois a administração pública teria atuado dentro de sua esfera discricionária, restando vencidos os Ministros Marco Aurélio Mello (relator) e Luiz Fux.

O Ministro Celso de Mello, por sua vez, mencionou que atos da administração, reconhecidos como inconstitucionais, dariam ensejo à indenização (provavelmente por serem abrangidos no conceito de "arbitrariedade"), salientando ser essa a jurisprudência pacificada na Corte.

Aliás, nesse sentido há precedente do STF:

“AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONCURSO PÚBLICO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. DEMORA NA NOMEAÇÃO E NA POSSE DE CANDIDATO. 1. Nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, é cabível a indenização por danos materiais nos casos de demora na nomeação de candidatos aprovados em concursos públicos, quando o óbice imposto pela administração pública é declarado inconstitucional pelo Poder Judiciário. 2. Agravo regimental desprovido.” (RE 339.852 AgR, relator(a) Min. Ayres Britto, Segunda Turma, julgado em 26.04.2011, DJe-158, divulg. 17.08.2011, public. 18.08.2011, Ement VOL-02568-01, PP-00077)

Em suma, levando-se em conta que a discussão sobre a viabilidade ou não de pagamento de indenização perpassa, necessariamente, pela afronta ou não da Constituição Federal (art. 37, § 6º), a definição sobre o tema deve ser dada pelo Supremo Tribunal Federal, servindo, pois, o caso acima referido como parâmetro para os julgamentos vindouros.

Portanto, a análise acerca da responsabilidade civil do Estado por nomeação tardia e irregular demanda uma interpretação sobre a motivação da negativa. Caso seja considerada arbitrária flagrantemente (ou inconstitucional, conforme precedente mais antigo), cabível será a indenização por danos materiais; caso contrário, não haverá dano a ser reparado.

Por óbvio, há situações em que a arbitrariedade flagrante é latente, e não há qualquer dúvida acerca da procedência do pleito, como casos de discriminação em razão da raça ou do sexo, o que traria consigo um desrespeito ao princípio da igualdade, previsto no art. 5º da Constituição Federal. Nesses casos, haveria uma atuação arbitrária e, ao mesmo tempo, inconstitucional, algo que se amoldaria aos dois precedentes do STF acima citados.

Todavia, há casos em que a discussão acerca da arbitrariedade flagrante demandará interpretação do julgador, exatamente por serem situações limítrofes, casos que deverão ser submetidos ao egrégio STF para a definição sobre a possibilidade ou não de indenização por danos materiais.

Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023:2002/ABNT):
. . Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n., fev. 2017. Disponível em:
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Acesso em: .


REVISTA DE DOUTRINA DA 4ª REGIÃO
PUBLICAÇÃO DA ESCOLA DA MAGISTRATURA DO TRF DA 4ª REGIÃO - EMAGIS