O presente artigo tem como objetivo fazer uma análise dos eventuais conflitos entre a aplicação do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e o desenvolvimento econômico.
O direito fundamental ao ambiente sadio e ecologicamente equilibrado é um direito difuso, que se realiza por meio de normas-princípios e normas-regras dispostas no texto constitucional, e, por essa razão, pode ser compreendido como um feixe de princípios e regras que não apenas o estruturam como também lhe dão tessitura e dimensão. A compreensão das normas de direitos fundamentais vigentes no ordenamento e dos direitos subjetivos atribuíveis a legitimados encarta-se na teoria dos direitos fundamentais, na medida em que o direito ao meio ambiente é apenas uma das suas espécies.
No entanto, na prática tal direito fundamental tem demonstrado possuir uma difícil concretização. Com efeito, a eficácia concreta do direito fundamental muitas vezes leva a crer que seja um impedimento ao desenvolvimento econômico.
É preciso analisar alguns casos concretos para verificar tal direito fundamental sob outro prisma, como uma garantia para as gerações futuras.
Em primeiro lugar, o caso Samarco revela-se emblemático. Muitas empresas em nosso país investem milhões em atividades extremamente nocivas ao meio ambiente, gerando milhares de empregos.
Não obstante, a mesma preocupação que muitas empresas possuem em aumentar seus lucros não se tem verificado na adoção de investimentos com a finalidade de precaver ou minimizar danos ambientais.
No caso Samarco, a Justiça Federal de primeira instância havia deferido decisão liminar para que fosse apresentado e colocado em prática com urgência um plano de contingenciamento de desastres ambientais. Todavia, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região cassou a liminar, não levando em consideração o princípio da precaução. O resultado foi o desastre ambiental noticiado pela imprensa.
Assim sendo, a preocupação em proporcionar o desenvolvimento econômico sem aplicação concreta das leis ambientais pode ser perigosa e comprometer a qualidade de vida das gerações futuras e presentes.
Com efeito, o licenciamento ambiental, de maneira geral, tem sido negligenciado e flexibilizado pelas autoridades públicas, com a justificativa de que é necessário promover o desenvolvimento econômico.
Os fiscais ambientais são escassos e acabam não evitando os danos ambientais a tempo. Em Florianópolis, por exemplo, a construção em áreas de preservação permanente tem ocorrido com frequência alarmante, diminuindo espaços verdes com função ecológica prioritária.
Nesse sentido, a eficácia horizontal dos direitos fundamentais deve ser aplicada também no que diz respeito ao meio ambiente. A interpretação flexibilizada ou até mesmo irresponsável das normas ambientais pode inviabilizar um futuro com mais qualidade de vida.
A promoção do meio ambiente torna-se, desse modo, elemento fundamental do processo de desenvolvimento, pois toda forma de crescimento não sustentável é definitivamente contrária ao conceito de desenvolvimento em si, já que implica a redução das liberdades das gerações futuras. Essa é a advertência feita por Alexandra Albuquerque Maciel e Marcela Albuquerque Maciel, para quem
“(...) a superação da visão do sistema econômico isolado, que enxerga o meio ambiente como fonte inesgotável, visando à promoção do desenvolvimento sustentável, passa, com isso, pela necessária internalização, aos custos da produção, dos seus efeitos negativos externos não captados pelo sistema de preços. Tais efeitos são chamados externalidades negativas pela economia, a exemplo do lançamento de poluentes químicos em um rio, que não é contabilizado como custo do ponto de vista do empreendedor, mas que provoca diversos impactos ambientais negativos, que acabam sendo suportados pela coletividade e, inclusive, pelas gerações futuras.”(1)
Vislumbrando o desenvolvimento estabelecido como imperativo constitucional em uma tríplice dimensão – econômica, social e ambiental – como sendo o “desenvolvimento como crescimento econômico socialmente justo e benigno do ponto de vista ambiental, aí identificada a ideia de sustentabilidade, Daniel Ferreira destaca que o “patrimônio ambiental deve ser repassado às futuras gerações, assegurando-lhes a possibilidade de escolhas (no plural mesmo) para a satisfação de suas necessidades”, de sorte que o “crescimento econômico contemporâneo, seguido da minimização das desigualdades sociais (pela geração de empregos e melhor distribuição de riqueza e renda), não pode se mostrar empecilho para as escolhas futuras das futuras gerações, inclusive da própria sorte”.(2)
E conclui o autor que o desenvolvimento “não é um prêmio”, constituindo um direito fundamental reconhecido na Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, adotada pela Resolução nº 41/128 da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 1986.(3)
O desenvolvimento sustentável, assim concebido como aquele comprometido com os postulados éticos, sociais, econômicos e ambientais, traduz-se em um dever fundamental de trilhar o desenvolvimento limpo, justo e benigno para as presentes e futuras gerações. Identifica-se aí uma nova perspectiva, com ênfase não apenas nos efeitos presentes, mas, também, em uma lógica prospectiva, incorpora-se uma dimensão futura, intergeracional, que leve em conta a sustentabilidade das condutas que hoje se desenvolvem, a fim de não comprometer as gerações do porvir.
Como adverte Juarez Freitas, a sustentabilidade não é um princípio abstrato ou literário, de concretização remota e protelável. Trata-se de um direito fundamental que, na lição do jurista gaúcho,
“determina, independentemente de regulamentação legal, com eficácia direta e imediata, a responsabilidade do Estado e da sociedade pela concretização solidária do desenvolvimento material e imaterial, socialmente inclusivo, durável e equânime, ambientalmente limpo, inovador, ético e eficiente, no intuito de assegurar, preferencialmente de modo preventivo e precavido, no presente e no futuro, o direito ao bem-estar físico, psíquico e espiritual, em consonância homeostática com o bem de todos.”(4)
Cumpre, assim, ao Poder Judiciário ter em mente que suas decisões devem levar em consideração as consequências para as gerações futuras. Decisões que deixem de conferir eficácia ao direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado acabarão, por consequência, por comprometer a qualidade de vida das futuras gerações.
Tendo em vista o princípio da supremacia da Constituição, todas as leis devem ser interpretadas à luz da Constituição Federal, de sorte que a todas elas deve ser dada uma interpretação que seja compatível com os direitos, as garantias e os valores expressos na Constituição. É necessário, desse modo, promover uma interpretação conforme a Constituição. Segundo Eduardo García de Enterría, a supremacia da Constituição sobre todas as normas e o seu caráter central na construção e na validade do ordenamento em seu conjunto “obrigam a interpretar este (...) no sentido que resulta dos princípios e das regras constitucionais, tanto os gerais como os específicos da matéria de que se tratar, proibindo-se qualquer interpretação que conduza a um resultado direta ou indiretamente contraditório aos valores constitucionais”.(5)
Nesse sentido, vale citar a jurisprudência, que tem atuado de modo a impedir que o desenvolvimento econômico ocorra de forma insustentável, sem o respeito às normas ambientais vigentes, servindo de norte para a educação ambiental dos administradores públicos agirem de forma mais precavida:
“CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL, ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INSTALAÇÃO DE TERMINAL GRANELEIRO NO PORTO DE SANTARÉM (PA). LICENCIAMENTO AMBIENTAL CONDICIONADO À REALIZAÇÃO DE ESTUDO PRÉVIO DE IMPACTO AMBIENTAL. COMPETÊNCIA GERENCIAL-EXECUTIVA, COMUM E CONCORRENTE DA UNIÃO FEDERAL E DO ESTADO DO PARÁ A EXIGIR O EIA/RIMA DA EMPRESA EMPREENDEDORA. FISCALIZAÇÃO CONJUNTA DOS AGENTES DO PODER DE POLÍCIA AMBIENTAL DAS ENTIDADES FEDERADAS COMPETENTES. PODER NORMATIVO DO CONAMA E DE POLÍCIA ADMINISTRATIVA DO IBAMA. INVIABILIDADE DE ESTUDO PÓSTUMO DE IMPACTO AMBIENTAL, NA ESPÉCIE, ANTE A IRREVERSIBILIDADE DOS DANOS AO MEIO AMBIENTE. PRINCÍPIOS DA PRECAUÇÃO E DA PREVENÇÃO, NA INSTRUMENTALIDADE DA TUTELA PROCESSUAL-CAUTELAR DO MEIO AMBIENTE. LEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO FEDERAL, DO ESTADO DO PARÁ E DO IBAMA, POR FLAGRANTE OMISSÃO EM DEFESA DO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO. SENTENÇA CONFIRMATÓRIA DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA INIBITÓRIA DO RISCO AMBIENTAL, AVALIZADA POR ACÓRDÃO DO TRIBUNAL REVISOR (CPC, ART. 512), JÁ TRANSITADO EM JULGADO, DESDE OS IDOS DE 2003. EFEITO SOMENTE DEVOLUTIVO DAS APELAÇÕES INTERPOSTAS, PARA EFETIVIDADE DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA MANDAMENTAL, DEFERIDA NOS AUTOS, VISANDO PROTEGER O MEIO AMBIENTE SADIO E EQUILIBRADO PARA AS PRESENTES E FUTURAS GERAÇÕES. I – Na ótica vigilante da Suprema Corte, ‘a incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica, ainda mais se se tiver presente que a atividade econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege, está subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que privilegia a ‘defesa do meio ambiente’ (CF, art. 170, VI), que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral (...) O princípio do desenvolvimento sustentável, além de impregnado de caráter eminentemente constitucional, encontra suporte legitimador em compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro e representa fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia, subordinada, no entanto, a invocação desse postulado, quando ocorrente situação de conflito entre valores constitucionais relevantes, a uma condição inafastável, cuja observância não comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais: o direito à preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes e futuras gerações’ (ADI-MC nº 3540/DF – rel. Min. Celso de Mello – DJU de 03.02.2006). Nessa visão de uma sociedade sustentável e global, baseada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e em uma cultura de paz, com responsabilidades pela grande comunidade da vida, em uma perspectiva intergeneracional, promulgou-se a Carta Ambiental da França (02.03.2005), estabelecendo que ‘o futuro e a própria existência da humanidade são indissociáveis de seu meio natural e, por isso, o meio ambiente é considerado um patrimônio comum dos seres humanos, devendo sua preservação ser buscada, sob o mesmo título que os demais interesses fundamentais da nação, pois a diversidade biológica, o desenvolvimento da pessoa humana e o progresso das sociedades estão sendo afetados por certas modalidades de produção e consumo e pela exploração excessiva dos recursos naturais, a se exigir das autoridades públicas a aplicação do princípio da precaução nos limites de suas atribuições, em busca de um desenvolvimento durável’. II – A tutela constitucional, que impõe ao poder público e a toda a coletividade o dever de defender e preservar, para as presentes e futuras gerações, o meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida, como direito difuso e fundamental, feito bem de uso comum do povo (CF, art. 225, caput), já instrumentaliza, em seus comandos normativos, o princípio da precaução (quando houver dúvida sobre o potencial deletério de uma determinada ação sobre o ambiente, toma-se a decisão mais conservadora, evitando-se a ação) e a consequente prevenção (pois, uma vez que se possa prever que uma certa atividade possa ser danosa, ela deve ser evitada), exigindo-se, assim, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade (CF, art. 225, § 1º, IV). III – Se a Lei de Política Nacional do Meio Ambiente, no Brasil (Lei nº 6.938, de 31.08.81), inseriu como objetivos essenciais dessa política pública ‘a compatibilização do desenvolvimento econômico e social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico’ e ‘a preservação e a restauração dos recursos ambientais com vistas à sua utilização racional e disponibilidade permanente, concorrendo para a manutenção do equilíbrio ecológico propício à vida’ (art. 4º, incisos I e VI), a configurar, no plano fático, o verdadeiro desenvolvimento sustentável, deve ser mantida a suspensão do Alvará de Autorização nº 024/99, que possibilitava a realização de obras no Porto de Santarém (PA), bem assim da expedição de qualquer outro alvará que viabilize outras obras, potencialmente causadoras de degradação do meio ambiente, em face da instalação do referido porto, visível escoador de soja transgênica, na região amazônica, assim exposta ao desmatamento irresponsável e à disfarçada colonização alienígena, até que se realize, às expensas da empresa responsável pelo empreendimento, por competente equipe multidisciplinar, o Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EIA/Rima), observando-se a regulamentação das Resoluções nos 001/86 e 237/97-Conama, na dimensão do interesse difuso a ser, ali, protegido. Vencido, parcialmente, no ponto, o relator. IV – O poder de polícia ambiental, exercido pelo Ibama, tem a finalidade de executar a política de preservação, conservação e uso sustentável dos recursos naturais, visando ao planejamento e à fiscalização do uso dos recursos ambientais, bem assim à proteção dos ecossistemas, com a preservação de áreas representativas e a proteção de áreas ameaçadas de degradação (alteração adversa das características do meio ambiente), como, assim, determinam as Leis nos 4.771/65, art. 14, alíneas a e b, e 6.938/81, art. 2º, incisos III, IV, VII, IX, e art. 4º, inciso I, buscando, sempre, a compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico. V – Versando a controvérsia, como no caso, em torno de suposta emissão irregular de autorização e/ou licença ambiental, expedida, tão somente, pelo órgão ambiental estadual (Sectam/PA), deve o Ibama integrar a relação processual, na condição de responsável pela ação fiscalizadora decorrente de lei, a fim de coibir abusos e danos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, por eventuais beneficiários de licenças emitidas sem a sua participação, na condição de órgão executor da política nacional do meio ambiente, pois é da competência gerencial-executiva e comum da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios proteger as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, as paisagens naturais notáveis, os sítios arqueológicos e o meio ambiente e, ainda, preservar as florestas, a fauna e a flora (CF, art. 23, incisos III, VI e VII). VI – Se a discussão travada nos autos resulta na colidência de interesses entre o empreendimento questionado e órgãos da União Federal, notadamente em se tratando de temas ambientais, envolvendo área territorial constitucionalmente classificada como patrimônio nacional, afigura-se manifesta a sua legitimidade passiva ad causam, ante o objeto da ação, consistente na preservação do patrimônio nacional, competindo-lhe, por si e por intermédio dos respectivos órgãos federais regularmente estabelecidos, promover a sua defesa, em face da tutela cautelar constitucionalmente prevista no art. 225, § 1º, V e respectivo § 3º, da Constituição Federal, na linha autoaplicável de imposição ao poder público e à coletividade do dever de defender e preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado, como bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, para as presentes e futuras gerações (CF, art. 225, caput). Preliminar rejeitada, no ponto. VII – Se as obras de instalação do terminal graneleiro do Porto de Santarém (PA) estão dentro dos limites ecológicos da Floresta Amazônica, constitucionalmente classificada como patrimônio nacional (CF, art. 225, § 4º), cuja utilização subordina-se às disposições legais de regência, hão de observar, sempre, as condições que assegurem a preservação do meio ambiente, afigurando-se insuficiente, na espécie, a existência de licenciamento ambiental somente estadual e/ou municipal, visto que, em casos assim, o bem a ser tutelado é o meio ambiente ecologicamente equilibrado, em dimensão difusa e planetária, que não dispensa o inafastável estudo prévio de impacto ambiental, sob a fiscalização federal do Ibama, conforme determinam, em casos que tais, os arts. 23, incisos III, VI, VII, e 225, § 1º, IV, da Constituição Federal, o art. 10 da Lei nº 6.938/81 e as Resoluções nos 001/86 e 237/97-Conama, bem assim a norma expressa do art. 4º, § 1º, da Lei nº 8.630/93, no caso em exame. VIII – Se, nos termos cogentes da Carta Política federal, o estudo de impacto ambiental há de ser prévio, e não póstumo, como assim determinara a sentença recorrida, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, após o seu trânsito em julgado, não se deveria admitir a continuidade do terminal graneleiro, no Porto de Santarém (PA), em manifesta afronta ao acórdão do TRF/1ª Região, já transitado em julgado, há mais de 4 (quatro) anos, suspendendo o Alvará de Autorização nº 024/99 para a realização das obras no referido terminal portuário, bem assim quaisquer outros alvarás nesse sentido, sem a realização de estudo prévio de impacto ambiental, por meio de competente equipe multidisciplinar, de acordo com a Resolução nº 237/97-Conama. Vencido, no ponto, o relator. IX – Se a sentença recorrida condenou, indevidamente, o Estado do Pará a realizar o EIA/Rima, na espécie dos autos, há de submeter-se à remessa oficial, tida por interposta, a fim de que o tribunal revisor possa adequá-la aos comandos de seu acórdão mandamental, já transitado em julgado, nos idos de 2003, no qual ordenou-se à empresa CARGIL AGRÍCOLA S/A a realização do estudo prévio de impacto ambiental, como condição para o licenciamento das obras do terminal graneleiro no Porto de Santarém (PA), no que restou, afrontosamente, descumprido pela referida empresa. X – Se o acórdão do TRF/1ª Região, já transitado em julgado, desde o ano de 2003, confirmou a antecipação de tutela, deferida pelo juízo singular, no sentido de impedir a realização de qualquer obra, no aludido Porto Graneleiro de Santarém (PA), sem a realização do estudo prévio de impacto ambiental (EIA/Rima), não poderia, jamais, a sentença recorrida inibi-lo, em sua eficácia mandamental e plena, ordenando, agora, a realização daquele estudo, em termos póstumos, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, após o seu trânsito em julgado, recebendo-se as apelações contra ela interpostas, em ambos os efeitos devolutivo e suspensivo, em frontal violação à norma do art. 520, inciso VII, do CPC, que, no caso em tela, somente admite a apelação em seu efeito devolutivo, visando garantir a eficácia imediata da tutela de urgência, como no caso em exame, já deferida anos atrás, em defesa do meio ambiente ecologicamente equilibrado, para as presentes e futuras gerações. Rejeitou-se, contudo, a questão de ordem, suscitada pelo representante do Ministério Público Federal, no ponto, restando vencido o relator. XI – Apelação da União Federal e da empresa CARGIL AGRÍCOLA S/A, bem assim a remessa oficial, tida por interposta, desprovidas. Apelação do Estado do Pará parcialmente provida. Agravo regimental e pedido de reconsideração prejudicados.” (AC 00001626120004013902, Desembargador Federal Souza Prudente, TRF1 – Sexta Turma, DJ data: 18.10.2007, p. 61)
Vale também citar as palavras do ilustre jurista Antônio Herman Benjamin, hoje ministro, ao prolatar acórdão no Superior Tribunal de Justiça, sobre o papel dos juízes na aplicação do Direito Ambiental:
“PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. NATUREZA JURÍDICA DOS MANGUEZAIS E DAS MARISMAS. TERRENOS DE MARINHA. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. ATERRO ILEGAL DE LIXO. DANO AMBIENTAL. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. OBRIGAÇÃO PROPTER REM. NEXO DE CAUSALIDADE. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. PAPEL DO JUIZ NA IMPLEMENTAÇÃO DA LEGISLAÇÃO AMBIENTAL. ATIVISMO JUDICIAL. MUDANÇAS CLIMÁTICAS. DESAFETAÇÃO OU DESCLASSIFICAÇÃO JURÍDICA TÁCITA. SÚMULA 282/STF. VIOLAÇÃO DO ART. 397 DO CPC NÃO CONFIGURADA. ART. 14, § 1°, DA LEI 6.938/1981. 1. Como regra, não viola o art. 397 do CPC a decisão que indefere a juntada de documentos que não se referem a fatos novos ou não foram apresentados no momento processual oportuno, ou seja, logo após a intimação da parte para se manifestar sobre o laudo pericial por ela impugnado. 2. Por séculos prevaleceu entre nós a concepção cultural distorcida que enxergava nos manguezais lato sensu (= manguezais stricto sensu e marismas) o modelo consumado do feio, do fétido e do insalubre, uma modalidade de patinho feio dos ecossistemas ou antítese do Jardim do Éden. 3. Ecossistema-transição entre o ambiente marinho, o fluvial e o terrestre, os manguezais foram menosprezados, popular e juridicamente, e por isso mesmo considerados terra improdutiva e de ninguém, associados à procriação de mosquitos transmissores de doenças graves, como a malária e a febre amarela. Um ambiente desprezível, tanto que ocupado pela população mais humilde, na forma de palafitas, e sinônimo de pobreza, sujeira e párias sociais (como zonas de prostituição e outras atividades ilícitas). 4. Dar cabo dos manguezais, sobretudo os urbanos em época de epidemias, era favor prestado pelos particulares e dever do Estado, percepção incorporada tanto no sentimento do povo como em leis sanitárias promulgadas nos vários níveis de governo. 5. Benfeitor-modernizador, o adversário do manguezal era incentivado pela administração e contava com a leniência do Judiciário, pois ninguém haveria de obstaculizar a ação de quem era socialmente abraçado como exemplo do empreendedor a serviço da urbanização civilizadora e do saneamento purificador do corpo e do espírito. 6. Destruir manguezal impunha-se como recuperação e cura de uma anomalia da natureza, convertendo a aberração natural – pela humanização, pelo saneamento e pelo expurgo de suas características ecológicas – no Jardim do Éden de que nunca fizera parte. 7. No Brasil, ao contrário de outros países, o juiz não cria obrigações de proteção do meio ambiente. Elas jorram da lei, após terem passado pelo crivo do Poder Legislativo. Daí não precisarmos de juízes ativistas, pois o ativismo é da lei e do texto constitucional. Felizmente nosso Judiciário não é assombrado por um oceano de lacunas ou um festival de meias-palavras legislativas. Se lacuna existe, não é por falta de lei, nem mesmo por defeito na lei; é por ausência ou deficiência de implementação administrativa e judicial dos inequívocos deveres ambientais estabelecidos pelo legislador. 8. A legislação brasileira atual reflete a transformação científica, ética, política e jurídica que reposicionou os manguezais, levando-os da condição de risco à saúde pública ao patamar de ecossistema criticamente ameaçado. Objetivando resguardar suas funções ecológicas, econômicas e sociais, o legislador atribuiu-lhes o regime jurídico de área de preservação permanente. 9. É dever de todos, proprietários ou não, zelar pela preservação dos manguezais, necessidade cada vez maior, sobretudo em época de mudanças climáticas e aumento do nível do mar. Destruí-los para uso econômico direto, sob o permanente incentivo do lucro fácil e de benefícios de curto prazo, drená-los ou aterrá-los para a especulação imobiliária ou a exploração do solo, ou transformá-los em depósito de lixo caracterizam ofensa grave ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e ao bem-estar da coletividade, comportamento que deve ser pronta e energicamente coibido e apenado pela administração e pelo Judiciário. 10. Na forma do art. 225, caput, da Constituição de 1988, o manguezal é bem de uso comum do povo, marcado pela imprescritibilidade e pela inalienabilidade. Logo, o resultado de aterramento, drenagem e degradação ilegais de manguezal não se equipara ao instituto do acrescido a terreno de marinha, previsto no art. 20, inciso VII, do texto constitucional. 11. É incompatível com o Direito brasileiro a chamada desafetação ou desclassificação jurídica tácita em razão do fato consumado. 12. As obrigações ambientais derivadas do depósito ilegal de lixo ou resíduos no solo são de natureza propter rem, o que significa dizer que aderem ao título e se transferem ao futuro proprietário, prescindindo-se de debate sobre a boa ou má-fé do adquirente, pois não se está no âmbito da responsabilidade subjetiva, baseada em culpa. 13. Para o fim de apuração do nexo de causalidade no dano ambiental, equiparam-se quem faz, quem não faz quando deveria fazer, quem deixa fazer, quem não se importa que façam, quem financia para que façam e quem se beneficia quando outros fazem. 14. Constatado o nexo causal entre a ação e a omissão das recorrentes com o dano ambiental em questão, surge, objetivamente, o dever de promover a recuperação da área afetada e indenizar eventuais danos remanescentes, na forma do art. 14, § 1º, da Lei 6.938/81. 15. Descabe ao STJ rever o entendimento do tribunal de origem, lastreado na prova dos autos, de que a responsabilidade dos recorrentes ficou configurada, tanto na forma comissiva (aterro) quanto na omissiva (deixar de impedir depósito de lixo na área). Óbice da Súmula 7/STJ. 16. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido.” (REsp 200302217860, Herman Benjamin, STJ – Segunda Turma, DJE data: 02.12.2009)
Assim, não há como o Poder Judiciário se recusar à aplicação das normas ambientais que jorram do ordenamento jurídico, sob pena de haver sério comprometimento à qualidade de vida das gerações futuras.
Por conseguinte, a preocupação com a degradação do meio ambiente tem atingido índices alarmantes. As últimas décadas têm demonstrado que a ação inconsequente e a omissão do homem sobre a natureza comprometem não apenas as gerações futuras, haja vista que as nefastas consequências dessa ação humana já se fazem sentir por todos os presentes.
É preciso que haja uma séria reflexão, principalmente no que concerne à atuação dos agentes políticos, a fim de que a ideia de desenvolvimento econômico sem limites não venha a provocar catástrofes cada vez mais frequentes na vida da população, prejudicando sensivelmente a dignidade humana de nossos filhos e netos.
Bibliografia
FERREIRA. A licitação pública no Brasil e sua nova finalidade legal: a promoção do desenvolvimento nacional sustentável.
FREITAS. Sustentabilidade: direito ao futuro.
GARCÍA DE ENTERRÍA. La Constitución como norma y el Tribunal Constitucional.
MACIEL; MACIEL. A eficácia energética como caminho para as construções sustentáveis: uma análise dos cenários normativos brasileiro e europeu. In: BLIACHERIS; FERREIRA. Sustentabilidade na administração pública: valores e práticas de gestão socioambiental.
Notas:
1. MACIEL; MACIEL. A eficácia energética como caminho para as construções sustentáveis: uma análise dos cenários normativos brasileiro e europeu. In: BLIACHERIS; FERREIRA. Sustentabilidade na administração pública: valores e práticas de gestão socioambiental. p. 216.
2. FERREIRA. A licitação pública no Brasil e sua nova finalidade legal: a promoção do desenvolvimento nacional sustentável. p. 52-55.
3. FERREIRA. A licitação pública no Brasil e sua nova finalidade legal: a promoção do desenvolvimento nacional sustentável. p. 55.
4. FREITAS. Sustentabilidade: direito ao futuro. p. 39.
5. Tradução livre. No original: “obligan a interpretar éste (...) en el sentido que resulta de los princípios y reglas constitucionales, tanto los generales como los específicos referentes a la materia de que se trate” (GARCÍA DE ENTERRÍA. La Constitución como norma y el Tribunal Constitucional. p. 95).
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