Sumário: Introdução. 1 Da mudança climática causada por fatores antrópicos. 2 Da frágil Política Nacional Sobre Mudança do Clima brasileira e da sua necessária atualização. Conclusão. Referências bibliográficas.
Introdução
O objetivo no presente artigo é realizar uma breve avaliação sobre o fenômeno da mudança climática e a Política Nacional do Clima instituída pela Lei 12.187/2009. A abordagem ocorrerá de modo crítico, outrossim se fará uma sintética exposição das falhas e das inconsistências da legislação brasileira, apontando-se para soluções defendidas no seio da legislação e da moderna doutrina do chamado direito das mudanças climáticas.
1 Da mudança climática causada por fatores antrópicos
A temperatura média do planeta aumentou 0,74% desde o final de 1800. De acordo com pesquisa realizada nos Estados Unidos pela National Oceanic Atmospheric Administration, a média da temperatura dos 394 meses que antecederam o ano de 2016 foi mais alta do que a média do século XX. E o ano de 2016 foi o mais quente desde 1880, superando inclusive o ano de 2015, que registrava até então as temperaturas mais elevadas dos últimos 136 anos. É importante grifar que os dez anos de maior calor no período analisado ocorreram posteriormente ao ano de 1997. Em estudo independente, a Nasa chegou à mesma conclusão.(1)
Previsões dos cientistas sobre os aumentos de temperatura variam entre 1,8º C e 4º C até o ano de 2100. Ainda que as temperaturas aumentem apenas 1,8º C, esse aumento será superior a qualquer variação positiva destas nos últimos 10.000 anos. O nível médio do mar subiu de 10 a 20 centímetros durante o século XX, e um aumento adicional de 18 a 59 centímetros deve ocorrer até o ano de 2100.(2)
A industrialização pós-Revolução Industrial, dependente dos combustíveis fósseis como fonte de energia, o desmatamento e os processos produtivos insustentáveis na agricultura, como monoculturas, são as causas principais das emissões de gases de efeito estufa.
A mudança climática causada pela retenção desses gases na atmosfera causa impactos negativos sobre a saúde humana, a infraestrutura, as reservas de água, os ecossistemas e os oceanos.(3)
Na COP 21, em Paris, realizada em 2015, as nações decidiram adotar metas mais rigorosas do que as previstas em Quioto para o corte das emissões de gases de efeito estufa e acordaram no sentido da transferência de recursos financeiros das nações ricas para as nações pobres para combater a mudança do clima e os seus efeitos. Pacto esse que restou fortalecido pela COP 22, ocorrida em Marraquexe.
O Brasil, obviamente, está inserido no contexto global marcado pela preocupação com a sustentabilidade e com o aumento das temperaturas. É importante, contudo, referir que o país está na 77ª posição no ranking mundial da sustentabilidade geral e na 115ª posição no quesito de proteção de florestas e desmatamento.(4) Entre agosto de 2014 e julho de 2015, por exemplo, o desmatamento na Floresta Amazônica aumentou 215%.(5)
2 Da frágil Política Nacional Sobre Mudança do Clima brasileira e da sua necessária atualização
Existe no Brasil legislação específica sobre mudança do clima, a Lei nº 12.187/2009, que instituiu a Política Nacional Sobre Mudança do Clima – PNMC. Embora imperfeita e omissa em alguns aspectos, é um avanço e um marco no combate às mudanças climáticas e ao aquecimento global. Nitidamente incorporou conceitos dos antigos diplomas internacionais que protegem o meio ambiente.
A Lei nº 12.187/2009 está regulamentada pelo Decreto 7.390/2010, que dispõe, entre outros pontos importantes, que as emissões de gases de efeito estufa devem ser reduzidas entre 36,1% e 38,9% até o ano de 2020. O Brasil, no entanto, comprometeu-se, perante a Conferência das Nações Unidas para a Agenda de Desenvolvimento Pós-2015, realizada em Nova York, em setembro de 2015, a atingir reduções de 37% até 2025 e de 43% até 2030,(6) superando o previsto no decreto. A grande dúvida é se o Brasil possuirá estrutura, capacidade técnica e vontade política para cumprir essa meta com seriedade. A falta de estrutura para fiscalizar as fontes emissoras de gases de efeito estufa, o desmatamento crescente da Floresta Amazônica, o transporte dependente de combustíveis fósseis,(7) a falta de educação ambiental nas escolas e a corrupção(8) são sérios obstáculos a serem enfrentados para que essa meta possa ser alcançada.
A lei dispõe, entre outros objetivos, que deve haver a compatibilização do desenvolvimento econômico e social com a proteção do sistema climático (art. 4º, inc I). Observa-se aí um vínculo fundamental entre economia, ser humano e meio ambiente, no que tange ao desenvolvimento, que deve ser planejado e implementado sempre com reduzidas emissões de carbono.
A PNMC estabelece como diretriz que todos os compromissos assumidos pelo Brasil na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima e nos demais documentos internacionais sobre a matéria dos quais o país vier a ser signatário devem ser cumpridos (art. 5º, inc. I). O governo brasileiro, portanto, precisa obedecer o estabelecido na COP 21 no sentido de alcançar o objetivo global de diminuição das emissões de gases de efeito estufa para que o aumento de temperatura do planeta fique limitado em patamares bem abaixo de 2o C, buscando a meta de 1,5o C, até 2100, considerando o período pré-industrial. É fundamental que o Brasil, assim que aprovados novos documentos internacionais sobre mudança do clima, adote-os imediatamente como diretriz, principalmente quando neles constar a previsão de medidas de resiliência e de adaptação, que sempre são compatíveis com o dever fundamental de proteção ambiental, previsto no art. 225 da Constituição Federal.
Importante medida foi a previsão, no art. 8º, de que as “instituições financeiras oficiais disponibilizarão linhas de crédito e financiamento para a produção e o incentivo à energia limpa”. Urge, de fato, a expansão dos parques eólico e solar brasileiros.
Princípios, objetivos, diretrizes, instrumentos das políticas públicas e programas governamentais deverão sempre ser compatíveis com os princípios, os objetivos, as diretrizes e os instrumentos da Política Nacional sobre Mudança do Clima (art. 10).
A lei vincula a PNMC ao princípio do desenvolvimento sustentável. Medidas para a implementação da PNMC deverão considerar “o desenvolvimento sustentável como condição para enfrentar as alterações climáticas e conciliar o atendimento às necessidades comuns e particulares das populações e comunidades” que vivem no território nacional (art. 3º, inc. IV).
Os objetivos da PNMC deverão estar de acordo com “o desenvolvimento sustentável a fim de buscar o crescimento econômico, a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais” (art. 4º, parágrafo único).
Seria melhor empregado na lei o termo desenvolvimento econômico, e não crescimento; o simples crescimento da economia não significa necessariamente desenvolvimento. Pode ser um crescimento desigual, poluente, desordenado e concentrador de renda, que só beneficia os mais ricos e os grandes poluidores,(9) incompatível com o princípio do desenvolvimento sustentável previsto na Constituição do Brasil.
Faltou o Poder Legislativo inserir na lei, como um dos seus objetivos, a governança.(10) O Brasil enfrenta altos índices de ineficiência estatal na implementação de suas políticas públicas por falta de expertise técnico, transparência e democracia no processo de tomada de decisão e, especialmente, pelos altos índices de corrupção, que infelizmente está entranhada em setores da administração pública. A corrupção enfraquece a credibilidade das instituições democráticas perante os cidadãos e prejudica a imagem do país na comunidade internacional, afastando importantes investimentos estrangeiros em energia limpa.
Faltou a lei priorizar, até com a elaboração de um artigo autônomo, os dois mecanismos mundialmente considerados como os mais efetivos no combate às emissões de gases de efeito estufa: a tributação sobre o carbono(11) e a adoção do comércio de autorizações das emissões ao estilo cap-and-trade. É de se grifar que a tributação sobre o carbono traz a vantagem de tornar a sua emissão mais cara para todos; é difícil para o poluidor fugir dessa tributação. O cap-and-trade, por sua vez, como ocorre em todo o mercado, apresenta as suas falhas e imperfeições. A tributação sobre o carbono pode atingir todas as fontes emissoras, o sistema de cap-and-trade atinge diretamente apenas o emissor inserido no mercado específico. O ideal, portanto, seria a implementação combinada dessas medidas.
O Poder Legislativo, embora de modo muito tímido, fez constar um arremedo desses importantes mecanismos na lei. Primeiro quando a lei dispõe, no seu art. 9º, que o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões – MBRE “será operacionalizado em bolsas de mercadorias e futuros, bolsas de valores e entidades de balcão organizado, autorizadas pela Comissão de Valores Mobiliários – CVM, onde se dará a negociação de títulos mobiliários representativos de emissões de gases de efeito estufa certificadas”. Como se observa, passados anos da publicação da lei, esse mercado, no Brasil, é inexistente, não saiu do papel. Estamos distantes dos mercados de cap-and-trade que se encontram em pleno funcionamento na União Europeia e em parte dos Estados Unidos e do Canadá. Esses serão adotados em regiões da China até o final de 2016.(12)
A grande vantagem desse mercado é o estímulo ao corte de emissões pelas empresas, pois estas buscam afastar custos. Quanto menores as emissões e maior o emprego de energia limpa, maiores serão os lucros. Com o aumento das emissões, as empresas terão que recorrer ao mercado para comprar mais autorizações de emissões, aumentando os seus custos e diminuindo os seus lucros.
Em relação à tributação do carbono, em específico, o mais efetivo meio de combate à mudança climática, nada foi mencionado na lei. Houve mera previsão genérica da utilização de impostos para o combate às emissões. O Congresso perdeu a oportunidade de criar o tributo sobre o carbono no ano de 2009, preferiu adiar essa responsabilidade para o momento de criação de nova lei, que até agora não foi criada, passados mais de 6 anos.
Conclusão
O Brasil precisa promover o desenvolvimento sustentável e avançar no combate às causas da mudança climática. É importante estimular uma economia, movida por energia renovável, especialmente eólica e solar, que possa atender as necessidades das presentes e futuras gerações. O Estado e a sociedade brasileira têm o dever constitucional fundamental, previsto no art. 225 da Constituição de 1988, de proteção do meio ambiente.
É fundamental que o Brasil adote uma legislação moderna para tributar o carbono e criar um consistente sistema de cap-and-trade com o objetivo de cortar as emissões de gases de efeito estufa e combater o aquecimento global e as suas nefastas consequências.
Referências bibliográficas:
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SACHS, Jeffrey. The age of sustainable development. New York: Columbia University, 2015.
SEN, Amartya. Development as freedom. New York: Random House, 1999.
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Notas:
2. Ver GORE, Al. An inconvenient truth. Emmaus: Rodale, 2006; SACHS, Jeffrey. The age of sustainable development. New York: Columbia University, 2015.
3. GERRARD, Michael. Introduction and overwiew. In: GERRARD, Michael; FREEMAN, Jody (ed.). Global climate change and U.S. law. 2.ed. Chicago: American Bar Association, 2014. p. 15-16.
4. Os dados do Environmental Perfomance Index da Yale University são de 2014 e podem ser conferidos no site http://epi.yale.edu/.
5. DESMATAMENTO na Amazônia cresce 215% em um ano. O Globo , 05 dez. 2015. Disponível em:
<http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2015/03/desmatamento-na-amazonia-cresce-215-em-um-ano-segundo-o-imazon.html.> Acesso em: 05 dez. 2015.
6. BRAZIL pledges to cut carbon emssions 37% by 2025 and 43% by 2030. The Guardian, 28 set. 2015. Disponível em:
<www.theguardian.com/environment/2015/sep/28/brazil-pledges-to-cut-carbon-emissions-37-by-2025> Acesso em: 30 out. 2015.
7. Sobre transporte movido por combustíveis fósseis e uso da terra, ver: NOLON, John R. Transportation and land use. In: GERRARD, Michael; FREEMAN, Jody (ed.). Global climate change and U.S.law. 2. ed. Chicago: American Bar Association, 2014. p. 505-542.
9. Ver STIGLITZ, Joseph. The great divide: unequal societies and what we can do about them. New York: W.W. Norton & Company, 2015; SEN, Amartya. Development as freedom. New York: Random House, 1999.
10. Sachs entende que, no processo do desenvolvimento sustentável, para se atingir os objetivos ambientais, sociais e econômicos, é fundamental a boa governança (SACHS, Jeffrey. The age of sustainable development. New York: Columbia University, 2015. p. 3).
11. Ver FREEMAN, Jody; KONSCHNIK, Kate. U.S. Climate Change Law and Policy: possible paths forward. In: GERRARD, Michael; FREEMAN, Jody (ed.). Global climate change and U.S. law. 2. ed. Chicago: American Bar Association, 2014. p. 795-840.
12. McALLISTER, Lesley K. Cap-and-trade. In: GERRARD, Michael; FREEMAN, Jody (ed.). Global climate change and U.S. law. 2 ed. Chicago: American Bar Association, 2014. p. 341-374. p. 341.
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