Em 2008, a partir do fundamento estruturante de que ninguém pode ser deixado para trás, defendi a minha livre-docência, na PUC-SP, com a tese do capitalismo humanista,(1) que, em apertada síntese, significa uma perspectiva de capitalismo com observância dos direitos humanos, superando o mito da neutralidade ontológica entre essas duas categorias.
A propósito, no Brasil, existe uma proposta de emenda constitucional (PEC 383/2014) para inserir na Constituição Federal que a ordem econômica esteja sob o regime do capitalismo humanista, com observância dos direitos humanos, explicitando o que já se encontra implicitamente consagrado, na medida em que o artigo 170 da Carta Magna brasileira é claro ao dispor que a nossa ordem econômica, que é capitalista, tem por fim assegurar a todos existência digna.
Não é à toa que a cidade de São Paulo – maior metrópole do Brasil, principal centro financeiro, corporativo e comercial da América do Sul, reconhecida entre as metrópoles globais, com mais de 12 milhões de habitantes, com um produto interno bruto de R$ 628.064.882.000,00 (seiscentos e vinte oito bilhões, sessenta e quatro milhões, oitocentos e oitenta e dois mil reais), apurado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística em 2014,(2) equivalente, de acordo com o Banco Central do Brasil,(3) na cotação do dia 1º de fevereiro de 2017, a US$ 199.518.690.000,00 (cento e noventa e nove bilhões, quinhentos e dezoito milhões, seiscentos e noventa mil dólares) –, cujo lema consignado em seu brasão é “non ducor, duco”, que significa “não sou conduzido, conduzo”, por força da Lei Municipal nº 16.578, de 21 de novembro de 2016, de proposição do vereador Professor Eduardo Tuma, atual vice-presidente da Câmara de Vereadores da cidade, incluiu em seu calendário oficial o “Dia do Capitalismo Humanista”, a ser comemorado, anualmente, no dia 28 de junho.
Tudo isso porque, apesar da crise do capitalismo global, deflagrada em 2008, o neoliberalismo ainda prevalece na economia mundial, estabelecendo para o planeta a globalização econômica capitalista. Em sua formatação original, tal processo se estrutura juridicamente em uma concepção antijudicialista, antropocêntrica, individualista e hedonista, apoiada no pensamento clássico de Adam Smith e David Ricardo, que está a determinar a postura individualista da humanidade perante si mesma e o planeta.
Para a humanidade, em sua casa comum, que é o planeta, o regime capitalista e a economia de mercado são realmente necessários, eficientes e recomendáveis, mas não há como desconsiderar suas principais implicações negativas, inaceitáveis, consubstanciadas na exclusão do circuito econômico, político, social e cultural de parcela substancial dela própria – humanidade –, chegando ao ponto crítico de colocá-la à mercê dos inaceitáveis flagelos da fome, da miséria, da subjugação, da morte e da doença; assim como no potencial esgotamento planetário.
Ipso facto, a fim de conformar o capitalismo às exigências da atualidade em favor do homem, de todos os homens e do planeta, formulou-se em 2008 a teoria jus-humanista do capitalismo humanista, de regência jurídica da economia e do mercado, que, sem abominar este último e, pelo contrário, recomendando-o, que se propõe a estruturar um direito planetário imanente, consagrador do Planeta Humanista de Direito.
Daí, não obstante o caráter individualista das poderosas forças do mercado que excluem as pessoas e esgotam o planeta, se contemplará a efetivação multidimensional dos direitos humanos com vistas à satisfação universal da dignidade da humanidade e da Terra, tendo por plataforma a ideia de um futuro comum.
É a partir dos anos 80, por meio do célebre documento “Our Common Future”, também conhecido como Relatório Brundtland, que uma comissão constituída pela Organização das Nações Unidas resolve enfrentar o tema e o problema do desenvolvimento a partir de dúplice enfoque: o da sustentabilidade e o do meio ambiente.(4)
Tal desenvolvimento será aquele que “atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem às suas próprias necessidades”.(5)
Sob essa perspectiva, foi proclamada a Declaração do Milênio das Nações Unidas de 2000, pela qual o mínimo concreto para a humanidade e para o planeta seria a consecução dos oito Objetivos Gerais do Milênio: (1) erradicar a extrema pobreza e a fome; (2) atingir o ensino básico universal; (3) promover a igualdade de gênero e a autonomia das mulheres; (4) reduzir a mortalidade infantil; (5) melhorar a saúde materna; (6) combater o HIV/Aids, a malária e outras doenças graves; (7) garantir a sustentabilidade ambiental; e (8) estabelecer uma parceria mundial para o desenvolvimento.
Passado o prazo dos quinze anos no que tange à verificação dos resultados das Metas do Milênio, as Nações Unidas, por meio do Relatório dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio 2015, revelou que os esforços para alcançar os oito objetivos estabelecidos na Declaração do Milênio, em 2000, foram bem-sucedidos em todo o mundo, embora existam deficiências.
Quanto ao aludido relatório, o então secretário-geral da Organização das Nações Unidas, Ban Ki-moon, declarou que, “após ganhos profundos e consistentes, agora sabemos que a extrema pobreza pode ser erradicada dentro de uma geração”; e, ainda, que “os objetivos de desenvolvimento do milênio têm contribuído grandemente para esse progresso e nos ensinaram como os governos, empresas e sociedade civil podem trabalhar juntos para conseguir avanços transformacionais”.(6)
Em decorrência, as Nações Unidas concluíram o que já defendia em 2008, de que ninguém pode ser deixado para trás; e, assim, deliberaram dar um passo ambicioso adiante para proclamar os novos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável Globais, em torno de uma agenda de desenvolvimento, que está conhecida como Agenda 2030, a qual foi oficialmente adotada pelos chefes de Estado e de governo e altos representantes do mundo todo, dentre eles o do Brasil, na Cúpula das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável de 2015.
Concluídas, em agosto de 2015, as negociações multilaterais da Agenda 2030, foi formalizada uma declaração(7) ambiciosa que propõe 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável e 169 metas correspondentes, mercê do consenso entre os delegados dos Estados-membros da Organização das Nações Unidas, dentre os quais está o Brasil, assinalando que a respectiva implementação ocorrerá no período entre 2016 e 2030.
Como esclarece a referida declaração,
“os objetivos e as metas são o resultado de mais de dois anos de consulta pública intensiva e envolvimento com a sociedade civil e outras partes interessadas em todo o mundo, prestando uma atenção especial às vozes dos mais pobres e mais vulneráveis. Essa consulta incluiu o valioso trabalho realizado pelo Grupo de Trabalho Aberto sobre Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Assembleia Geral e pelas Nações Unidas.”
Em nome dos povos que servem, aqueles chefes de Estado e de governo e altos representantes adotaram “uma decisão histórica sobre um conjunto de objetivos e metas universais e transformadores que é abrangente, de longo alcance e centrado nas pessoas”.
Comprometeram-se “a trabalhar incansavelmente para a plena implementação desta Agenda em 2030”. Reconheceram “que a erradicação da pobreza em todas as suas formas e dimensões, incluindo a pobreza extrema, é o maior desafio global e um requisito indispensável para o desenvolvimento sustentável”. Declararam-se “empenhados em alcançar o desenvolvimento sustentável nas suas três dimensões – econômica, social e ambiental – de forma equilibrada e integrada”. Assumiram, também, que seus Estados vão “dar continuidade às conquistas dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio e buscar atingir suas metas inacabadas”.
Eles resolveram que, entre 2016 e 2030, pretendem
“acabar com a pobreza e a fome em todos os lugares; combater as desigualdades dentro dos e entre os países; construir sociedades pacíficas, justas e inclusivas; proteger os direitos humanos e promover a igualdade de gênero e o empoderamento das mulheres e meninas; e assegurar a proteção duradoura do planeta e dos seus recursos naturais.”
Resolveram, também, “criar condições para um crescimento sustentável, inclusivo e economicamente sustentado, prosperidade compartilhada e trabalho digno para todos, tendo em conta os diferentes níveis de desenvolvimento e capacidades nacionais”.
Declararam esses chefes de Estado e de governo e altos representantes que embarcaram “nessa grande jornada coletiva”; e comprometeram-se “que ninguém será deixado para trás”. Reconheceram “a dignidade da pessoa humana como fundamental”; e querem “ver os objetivos e as metas cumpridos para todas as nações e povos e para todos os segmentos da sociedade”. Eles afirmaram que será feito “o possível para alcançar, em primeiro lugar, aqueles que ficaram mais para trás”.
Proclamaram que “esta é uma agenda de alcance e significado sem precedentes”. Ela é aceita por todos os países e é aplicável a todos, levando em conta diferentes realidades nacionais, capacidades e níveis de desenvolvimento e respeitando as políticas e prioridades nacionais.
Esses são objetivos e metas universais que envolvem todo o mundo, igualmente os países desenvolvidos e os em desenvolvimento. Eles são integrados e indivisíveis, e equilibram as dimensões do desenvolvimento sustentável, formadores de uma única singularidade de desenvolvimento mercê da consubstancialidade quântica dos institutos jurídicos.(8)
Pelos olhos desses chefes de Estado e de governo e altos representantes, foi materializado que, nesses objetivos e metas, se está “estabelecendo uma visão extremamente ambiciosa e transformadora”, para se prever “um mundo livre da pobreza, da fome, da doença e da penúria, onde toda a vida pode prosperar”.
Na declaração, se prevê, ainda, “um mundo livre do medo e da violência. Um mundo com alfabetização universal. Um mundo com o acesso equitativo e universal à educação de qualidade em todos os níveis, aos cuidados de saúde e proteção social, onde o bem-estar físico, mental e social estão assegurados”.
Um mundo em que esses chefes de Estado e de governo e altos representantes reafirmam os “compromissos relativos ao direito humano à água potável e ao saneamento e onde há uma melhor higiene; e onde o alimento é suficiente, seguro, acessível e nutritivo. Um mundo onde hábitats humanos são seguros, resilientes e sustentáveis, e onde existe acesso universal à energia acessível, confiável e sustentável”.
A Declaração da Agenda 2030, formalizada pelos líderes mundiais ou por seus altos representantes, expressamente faz a previsão de
“um mundo de respeito universal dos direitos humanos e da dignidade humana, do Estado de Direito, da justiça, da igualdade e da não discriminação; do respeito pela raça, pela etnia e pela diversidade cultural; e da igualdade de oportunidades que permita a plena realização do potencial humano e contribua para a prosperidade compartilhada. Um mundo que investe em suas crianças e em que cada criança cresce livre da violência e da exploração. Um mundo em que cada mulher e menina desfruta da plena igualdade de gênero e no qual todos os entraves jurídicos, sociais e econômicos para seu empoderamento foram removidos. Um mundo justo, equitativo, tolerante, aberto e socialmente inclusivo em que sejam atendidas as necessidades das pessoas mais vulneráveis.”
E, como não poderia deixar de ser, arremata prevendo
“um mundo em que cada país desfrute de um crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável e de trabalho digno para todos. Um mundo em que os padrões de consumo e produção e o uso de todos os recursos naturais – do ar à terra; dos rios, lagos e aquíferos aos oceanos e mares – são sustentáveis. Um mundo em que a democracia, a boa governança e o Estado de Direito, bem como um ambiente propício em níveis nacional e internacional, são essenciais para o desenvolvimento sustentável, incluindo crescimento econômico inclusivo e sustentado, desenvolvimento social, proteção ambiental e erradicação da pobreza e da fome. Um mundo em que o desenvolvimento e a aplicação da tecnologia sejam sensíveis ao clima, respeitem a biodiversidade e sejam resilientes. Um mundo em que a humanidade viva em harmonia com a natureza e em que animais selvagens e outras espécies vivas estejam protegidos.”
Parece um sonho, uma utopia, mas não é; pois corresponde a um sério compromisso firmado pelos chefes de Estado e de governo e altos representantes dos países do mundo todo, dentre os quais está incluído o Brasil, que, perante a Organização das Nações Unidas, não estavam a brincar.
Aqueles chefes de Estado e de governo e altos representantes dos países do mundo todo, dentre os quais está incluído o Brasil, estavam absolutamente cientes da realidade mundial naquele momento; tanto que consignaram na Declaração da Agenda 2030 que a humanidade se encontra
“em um momento de enormes desafios para o desenvolvimento sustentável. Bilhões de cidadãos continuam a viver na pobreza, e a eles é negada uma vida digna. Há crescentes desigualdades dentro dos e entre os países. Há enormes disparidades de oportunidades, riqueza e poder. A desigualdade de gênero continua a ser um desafio fundamental. O desemprego, particularmente entre os jovens, é uma grande preocupação. Ameaças globais de saúde, desastres naturais mais frequentes e intensos, conflitos em ascensão, o extremismo violento, o terrorismo e as crises humanitárias relacionadas e o deslocamento forçado de pessoas ameaçam reverter grande parte do progresso do desenvolvimento feito nas últimas décadas.”
Consignam na referida declaração que
“o esgotamento dos recursos naturais e os impactos negativos da degradação ambiental, incluindo a desertificação, as secas, a degradação dos solos, a escassez de água doce e a perda de biodiversidade, acrescentam e exacerbam a lista de desafios que a humanidade enfrenta. A mudança climática é um dos maiores desafios do nosso tempo, e seus efeitos negativos minam a capacidade de todos os países de alcançar o desenvolvimento sustentável. Os aumentos na temperatura global, o aumento do nível do mar, a acidificação dos oceanos e outros impactos das mudanças climáticas estão afetando seriamente as zonas costeiras e os países costeiros de baixa altitude, incluindo muitos países menos desenvolvidos e os pequenos Estados insulares em desenvolvimento. A sobrevivência de muitas sociedades, bem como dos sistemas biológicos do planeta, está em risco.”
Com efeito, a Declaração da Agenda 2030 estabeleceu os seguintes 17 objetivos e respectivas metas, sendo dezesseis de natureza material e apenas um, o de nº 17, de natureza processual, a saber:
“Objetivo 1. – Acabar com a pobreza em todas as suas formas, em todos os lugares;
Objetivo 2. – Acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e a melhoria da nutrição e promover a agricultura sustentável;
Objetivo 3. – Assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em todas as idades;
Objetivo 4. – Assegurar a educação inclusiva e equitativa e de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos;
Objetivo 5. – Alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas;
Objetivo 6. – Assegurar a disponibilidade e a gestão sustentável da água e o saneamento para todos;
Objetivo 7. – Assegurar o acesso confiável, sustentável, moderno e a preço acessível à energia para todos;
Objetivo 8. – Promover o crescimento econômico constante, inclusivo e sustentável, produtivo e pleno emprego e trabalho digno para todos;
Objetivo 9. – Construir infraestruturas sólidas, promover a industrialização inclusiva e sustentável e fomentar a inovação;
Objetivo 10. – Reduzir a desigualdade dentro dos países e entre eles;
Objetivo 11. – Tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, estruturadas e sustentáveis;
Objetivo 12. – Assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis;
Objetivo 13. – Tomar medidas urgentes para combater a mudança do clima e seus impactos;(9)
Objetivo 14. – Conservação e uso sustentável dos oceanos, dos mares e dos recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável;
Objetivo 15. – Proteger, recuperar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerir de forma sustentável as florestas, combater a desertificação, deter e reverter a degradação da terra e deter a perda de biodiversidade;
Objetivo 16. – Promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis; e, finalmente,
Objetivo 17. – Fortalecer os meios de implementação e revitalizar a parceria global para o desenvolvimento sustentável.”
Percebe-se que todos os objetivos declarados são alusivos ao conceito de desenvolvimento sustentável, que é indissociável da questão econômica, a qual, então, é inequivocamente um pilar transversal de toda a Agenda 2030.
Tanto que um dos princípios da Agenda 2030, expressamente consagrado pela Organização das Nações Unidas na respectiva declaração, é a prosperidade, tendo em vista que, como está declarado, os chefes de Estado e governo e altos representantes dos países do mundo estão “determinados a assegurar que todos os seres humanos possam desfrutar de uma vida próspera e de plena realização pessoal, e que o progresso econômico, social e tecnológico ocorra em harmonia com a natureza”.
Com esse atual modo de ver, está declarado pelos chefes de Estado e governo e altos representantes dos países do mundo que o preconceito contra os direitos humanos que dominava a questão do desenvolvimento se vê vencido pela visão humanista que há de imperar, consubstancialmente à economia, quanto ao compromisso social, cultural, ambiental, civil e político com os povos do planeta e com o próprio planeta.
Esse que está lançado pela Agenda 2030 é um verdadeiro programa de ação humanista por parte da Organização das Nações Unidas, de desenvolvimento sustentável, inclusivo e emancipador, para que, ao fim e ao cabo, seja alcançado o objetivo geral representado pela conquista da dignidade universal da pessoa humana e do planeta.
É significativo que o atual conceito de desenvolvimento adotado na Agenda 2030 compreenda ele ser sustentável, inclusivo e emancipador na questão econômica, a assegurar a prosperidade geral, que, em ultima ratio, é a dignidade universal da pessoa humana e do planeta, o que confirma institucionalmente, por parte da entidade mais importante do mundo – a ONU –, que há de ser globalmente reconhecido e praticado o regime juriseconômico do capitalismo humanista, que, repita-se, corresponde, estritamente, à não neutralidade entre capitalismo e direitos humanos; ou seja, o capitalismo humanista propõe que a humanidade, em sua casa comum – o planeta –, seja regida pelo regime econômico do capitalismo com a observância aos direitos humanos, ao afirmar que eles não são incompatíveis como muitos sustentam. De inimigos antagônicos, o capitalismo humanista entende que, sob seu regime, o capitalismo e os direitos humanos são irmãos aliados.
A propósito, para se entender o capitalismo humanista, Garcia de Lima debruçou-se sobre o tema da não neutralidade e sedimentou a premissa de que “não se cogita, portanto, de que a economia esteja imune ao ordenamento jurídico vigente, embora existam autores, fundados no pensamento liberal, que sustentam a neutralidade entre direito e economia, limitando o direito tão somente ao revestimento jurídico do fenômeno econômico”, e, sob a referida premissa, o citado doutrinador conclui que, “ao contrário deste pensamento liberal, o presente estudo, a partir de um novo olhar, com percepção da complexidade e apoiado em uma visão holística, fundada no direito quântico, sustenta a não neutralidade entre a economia capitalista e os direitos humanos e fundamentais”.(10)
Assim sendo, é de se deduzir que a implementação da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas depende do reconhecimento global do capitalismo humanista como sendo o regime de regência econômica mundial, tendo em vista que dá a resposta oportuna ao ideal de desenvolvimento sustentável que prestigie, a um só tempo, o crescimento econômico e os direitos humanos, para a atual e as futuras gerações, nas suas peculiaridades, sem as culpas do passado, tampouco impõe sacrifícios imerecidos ao porvir.
Os ODSs, sob o enfoque do capitalismo humanista, têm assegurada a respectiva baliza jurídica de um regime econômico, que, por meio da Lei Universal da Fraternidade, dentro do ambiente capitalista, se revele apto a conduzir a Humanidade, em sua casa comum – o planeta –, com liberdade e igualdade, na marcha para a democracia e a paz.
Todavia, salienta-se que, basicamente pelo modo de tratamento aos direitos de propriedade, não se deve confundir o capitalismo humanista com o socialismo. Conforme ensina Matteis de Arruda, “o capitalismo humanista não é o socialismo, em nenhuma das suas modalidades, mas são sistemas totalmente diversos, principalmente pelos fundamentos filosóficos divergentes e pelo não reconhecimento dos direitos humanos em todas as suas dimensões no socialismo e, por via reflexa, nos aspectos econômicos”.(11)
Para tanto, sob a perspectiva da dimensão econômica capitalista dos direitos humanos, sob o contexto desse espírito objetivo da humanidade, sintetizado pela máxima de que ninguém pode ser deixado para trás, que é uma verdadeira reviravolta em prol do homem, de todos os homens e do planeta, pelos ODSs, tendo como base o humanismo, consagra-se um Planeta Capitalista Humanista de Direito.
Hartmann, conforme os estudos de Adeodato, afirmou que
“é ao espírito objetivo que se deve submeter todo o direito positivado em leis e outras instituições jurídicas; e apenas na medida em que essa relação é defendida por ele, como espírito vivo, são a lei e as decisões dos tribunais justas. Sem o espírito vivo em que se radicam, as normas jurídicas não correspondem a valores e têm que ser necessariamente julgadas injustas. Sem ele, elas são apenas expressão de um poder que não repousa no direito ou simplesmente um poder usurpado. Isso significa que as decisões e a lei são, sem ele, mera expressão da violência, e quem a elas se sujeita vê-se violentado.”(12)
Assim, para a concretização universal dos direitos humanos em suas três dimensões subjetivas – liberdade, igualdade e fraternidade –, em consubstancialidade quântica constitutiva de uma única singularidade que corresponde ao Planeta Capitalista Humanista de Direito, os ODSs lançam um novo olhar jus-humanista transformador sobre o planeta e seu capitalismo mundial, elevando a Terra e o mercado, de suas conhecidas e míticas condições de ambientes selvagens e desumanos, a um planeta com uma economia de mercado humanista para satisfação universal do direito objetivo inato, correspondente à dignidade da pessoa humana em suas dimensões objetivas de democracia e paz, extensivo. Como afirma Marques da Silva, “a dignidade decorre da própria natureza humana”.(13)
Logo se vê que os ODSs são importantíssimos e indispensáveis, e que o conteúdo de cada um deles e suas respectivas metas são concretos e determinados, superando o mito de uma romântica retórica humanista e mirando para a respectiva consecução prática de seu alvo de concretização dos direitos humanos por todo o planeta, para toda a humanidade, de modo que ninguém fique para trás.
O simples fato do documento das Nações Unidas ser conhecido por “Agenda 2030”, em vez de “declaração” ou coisa do gênero, demonstra que se trata realmente de, embora ambicioso, um concreto planejamento realista e pragmático a ser implementado por todos os povos civilizados do planeta, em razão do compromisso assumido pelos chefes de Estado e de governo e altos representantes.
Definitivamente, a Agenda 2030 não é uma carta de diretrizes e propósitos. Pela Agenda 2030, que estabelece datas certas, os povos da Terra esperam que se concretizem no mundo, de uma vez por todas, os termos da Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948.
Porém, nada acontecerá e a Agenda 2030 será uma peça meramente retórica se não houver um esforço global em torno da necessidade vital da realização de cada um dos ODSs.
Esse esforço global não acontecerá pela imposição entre os países, que são soberanos política e juridicamente; muito menos ocorrerá pela guerra, pois a paz é fundamental à consecução dos ODSs e à respectiva concretização universal dos direitos humanos.
Nesse contexto de conexão humanista planetária, conforme Jeffrey Sachs afirma, “a consecução dos objetivos de desenvolvimento do milênio requer uma parceria global apropriada a um mundo interconectado. O mundo realmente compartilha um destino comum”.(14)
Daí a significativa importância do Objetivo 17, que corresponde a “fortalecer os meios de implementação e revitalizar a parceria global para o desenvolvimento sustentável”. Note-se que é o único ODS processual, os demais dezesseis são materiais. O ODS 17 é a amarração de toda a Agenda 2030, ou seja, o segredo de seu sucesso.
Por sua vez, esse esforço global a que se refere o ODS 17 pressupõe o engajamento pelo esforço comum entre todos os países em adotar o capitalismo humanista, sendo um significativo desserviço haver o respectivo distanciamento de qualquer nação da Terra e, muito mais, a exclusão dessa aliança mundial de quem quer que seja.
Então, esse esforço comum requer uma parceria global em torno do capitalismo humanista como regência econômica da humanidade que habita o nosso planeta, sua casa comum, tendo, para tanto, sido eleitas pelas Nações Unidas cinco perspectivas de ação no que tange ao ODS 17, quais sejam: (1) – Finanças; (2) – Tecnologia; (3) – Capacitação; (4) – Comércio; e (5) – Questões sistêmicas: a) – Coerência de políticas e institucional; e b) – As parcerias multissetoriais.
Veja-se que, pelo teor da Agenda 2030, quanto ao ODS 17, realmente não se trata propriamente de metas, como ocorre com os demais dezesseis ODSs, mas, sim, de verdadeiros procedimentos de ação, pelos quais os ODSs de nos 1 a 16 serão concretizados sob essas perspectivas, daí a tal amarração que citei há pouco.
Via de consequência, conquanto não seja dono da verdade, não tenho dúvidas de que, em razão da natureza dessas cinco perspectivas, é o consenso global em torno da assunção do capitalismo humanista como regime econômico da humanidade, de todos os povos civilizados da Terra, que dará ensejo à referida parceria global.
Como haver solidariedade e compartilhamento nas perspectivas de finanças; tecnologia; capacitação; e comércio; sem se aderir ao capitalismo humanista que defendo junto com o Prof. Titular de Direitos Humanos – Dr. Wagner Balera? A resposta é simples, não há como, pela própria natureza patrimonial dessas perspectivas. Sem a adoção do capitalismo humanista em um consenso global, a Agenda 2030 das Nações Unidas fica utópica e fadada ao insucesso. Enfim, o capitalismo humanista é a chave, por ser o centro de gravidade da parceria global que é o pressuposto edificador da concretude da Agenda 2030 das Nações Unidas.
Nessas circunstâncias, o Objetivo 17 da Agenda 2030 correspondente a “fortalecer os meios de implementação e revitalizar a parceria global para o desenvolvimento sustentável”, desdobra-se nas metas, que na verdade são procedimentos, a saber:
“Finanças – 17.1 – Fortalecer a mobilização de recursos internos, inclusive por meio do apoio internacional aos países em desenvolvimento, para melhorar a capacidade nacional para arrecadação de impostos e outras receitas;
17.2 – Países desenvolvidos implementarem plenamente os seus compromissos em matéria de assistência oficial ao desenvolvimento [AOD], inclusive fornecer 0,7% da renda nacional bruta [RNB] em AOD aos países em desenvolvimento, dos quais 0,15% a 0,20% para os países menos desenvolvidos; provedores de AOD são encorajados a considerar definir uma meta para fornecer pelo menos 0,20% da renda nacional bruta em AOD para os países menos desenvolvidos;
17.3 – Mobilizar recursos financeiros adicionais para os países em desenvolvimento a partir de múltiplas fontes;
17.4 – Ajudar os países em desenvolvimento a alcançar a sustentabilidade da dívida de longo prazo por meio de políticas coordenadas destinadas a promover o financiamento, a redução e a reestruturação da dívida, conforme apropriado, e tratar da dívida externa dos países pobres altamente endividados para reduzir o superendividamento; e
17.5 – Adotar e implementar regimes de promoção de investimentos para os países menos desenvolvidos.
Tecnologia – 17.6 – Melhorar a cooperação Norte-Sul, Sul-Sul e triangular regional e internacional e o acesso à ciência, à tecnologia e à inovação, e aumentar o compartilhamento de conhecimentos em termos mutuamente acordados, inclusive por meio de uma melhor coordenação entre os mecanismos existentes, particularmente no nível das Nações Unidas, e por meio de um mecanismo de facilitação de tecnologia global;
17.7 – Promover o desenvolvimento, a transferência, a disseminação e a difusão de tecnologias ambientalmente corretas para os países em desenvolvimento, em condições favoráveis, inclusive em condições concessionais e preferenciais, conforme mutuamente acordado; e
17.8 – Operacionalizar plenamente o Banco de Tecnologia e o mecanismo de capacitação em ciência, tecnologia e inovação para os países menos desenvolvidos até 2017 e aumentar o uso de tecnologias de capacitação, em particular das tecnologias de informação e comunicação.
Capacitação – 17.9 – Reforçar o apoio internacional para a implementação eficaz e orientada da capacitação em países em desenvolvimento, a fim de apoiar os planos nacionais para implementar todos os objetivos de desenvolvimento sustentável, inclusive por meio da cooperação Norte-Sul, Sul-Sul e triangular.
Comércio – 17.10 – Promover um sistema multilateral de comércio universal, baseado em regras, aberto, não discriminatório e equitativo no âmbito da Organização Mundial do Comércio, inclusive por meio da conclusão das negociações no âmbito de sua Agenda de Desenvolvimento de Doha;
17.11 – Aumentar significativamente as exportações dos países em desenvolvimento, em particular com o objetivo de duplicar a participação dos países menos desenvolvidos nas exportações globais até 2020; e
17.12 – Concretizar a implementação oportuna de acesso a mercados livres de cotas e taxas, de forma duradoura, para todos os países menos desenvolvidos, de acordo com as decisões da OMC, inclusive por meio de garantias de que as regras de origem preferenciais aplicáveis às importações provenientes de países menos desenvolvidos sejam transparentes e simples e contribuam para facilitar o acesso ao mercado.
Questões sistêmicas
a) – Coerência de políticas e institucional – 17.13 – Aumentar a estabilidade macroeconômica global, inclusive por meio da coordenação e da coerência de políticas;
17.14 – Aumentar a coerência das políticas para o desenvolvimento sustentável; e
17.15 – Respeitar o espaço político e a liderança de cada país para estabelecer e implementar políticas para a erradicação da pobreza e o desenvolvimento sustentável.
b) – As parcerias multissetoriais – 17.16 – Reforçar a parceria global para o desenvolvimento sustentável, complementada por parcerias multissetoriais que mobilizem e compartilhem conhecimento, expertise, tecnologia e recursos financeiros, para apoiar a realização dos objetivos do desenvolvimento sustentável em todos os países, particularmente nos países em desenvolvimento;
17.17 – Incentivar e promover parcerias públicas, público-privadas e com a sociedade civil eficazes, a partir da experiência das estratégias de mobilização de recursos dessas parcerias.
Dados, monitoramento e prestação de contas
17.18 – Até 2020, reforçar o apoio à capacitação para os países em desenvolvimento, inclusive para os países menos desenvolvidos e pequenos Estados insulares em desenvolvimento, para aumentar significativamente a disponibilidade de dados de alta qualidade, atuais e confiáveis, desagregados por renda, gênero, idade, raça, etnia, status migratório, deficiência, localização geográfica e outras características relevantes em contextos nacionais; e
17.19 – Até 2030, valer-se de iniciativas existentes para desenvolver medidas do progresso do desenvolvimento sustentável que complementem o produto interno bruto [PIB] e apoiem a capacitação estatística nos países em desenvolvimento.”
Portanto, concluindo, se concretizarmos essas cinco perspectivas de ação, porque os povos da Terra assumiram o capitalismo humanista como regime econômico a reger o planeta, com segurança, temos uma chance real de que a humanidade assegure mundialmente o efetivo cumprimento dos objetivos de desenvolvimento sustentável da Agenda 2030 da Nações Unidas; e, assim, em prol do homem, de todos os homens e da Terra – ninguém fique para trás –, seja erradicada a pobreza extrema e tudo de mal que dela decorre; como também tenhamos um Planeta Humanista de Direito, preservado para nós e, especialmente, para as futuras gerações.
Bibliografia
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Notas
1. Cfe. SAYEG; BALERA. O capitalismo humanista: filosofia humanista de Direito Econômico.
2. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística em: <http://cidades.ibge.gov.br/xtras/temas.php?lang=&codmun=355030&idtema=162&search=sao-paulo>.
3. <http://www4.bcb.gov.br/pec/conversao/conversao.asp>.
4. <http://www.onu.org.br/rio20/img/2012/01/N8718467.pdf>.
6. <https://nacoesunidas.org/novo-relatorio-da-onu-avalia-implementacao-mundial-dos-objetivos-de-desenvolvimento-do-milenio-odm/>.
7. <https://nacoesunidas.org/pos2015/agenda2030/>.
8. <https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/139/edicao-1/direito-quantico>.
9. Embora reconhecendo que a Convenção das Nações Unidas sobre Mudança do Clima [UNFCCC] é o fórum internacional intergovernamental primário para negociar a resposta global à mudança do clima.
10. A não neutralidade entre o capitalismo e os Direitos Humanos e fundamentais. p. 108-109.
11. Capitalismo humanista & socialismo.p. 133.
12. Filosofia do direito. p. 202.
13. Cidadania e democracia: instrumentos para a efetivação da dignidade humana. p. 227.
14. <http://www.institutoatkwhh.org.br>. Acesso em: 19 nov. 2009.
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